Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00191/06.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO
PRESSUPOSTOS DA REVERSÃO DA EXECUÇÃO
INSOLVÊNCIA
CULPA
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - A inexistência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário.
II - É legalmente viável a instauração de processo de execução fiscal contra a sociedade devedora após a declaração judicial da sua insolvência, pese embora as execuções fiscais instauradas para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência devam ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de insolvência, e as instauradas para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência devam prosseguir com a penhora de bens não apreendidos no processo de insolvência.
III - É legalmente viável a prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada antes ou depois da declaração de insolvência da sociedade devedora, com a penhora de bens do património do revertido independentemente da data da sua aquisição, na medida em que só relativamente à entidade insolvente fica a possibilidade de penhora limitada a bens ulteriormente adquiridos, não fazendo sentido invocar a restrição do n.º 5 do artigo 180.º do CPPT relativamente ao responsável subsidiário caso inexista declaração de insolvência quanto a si.
IV - O regime legal da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas fiscais, do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, faz recair sobre o gerente que exerceu funções durante o período em que se constituíram e/ou em que deviam ser pagas tais dívidas, a prova de que não teve culpa pela insuficiência do património social para satisfazer os créditos exequendos.
V - Esta presunção legal de culpa só pode ser ilidida com a prova do contrário, isto é, a prova das iniciativas empreendidas para evitar, ou minimizar, o impacto negativo de factos adversos.
VI - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A..., residente na Avenida…, Guimarães, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 09/12/2008, que julgou improcedente a Oposição ao processo de execução fiscal, que contra si foi revertido depois de originariamente instaurado contra a sociedade comercial C…, Lda.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“I Analisada a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, conjugada com os demais elementos documentais no processo de execução e nestes autos de oposição, é de considerar que à data da liquidação e cobrança voluntária da dívida exequenda, a principal devedora estava já declarada judicialmente falida por sentença de 20 de Abril de 1998.
II Os bens apreendidos para a massa falida, entre eles dois imóveis vendidos na falência, em 2005, por 100.000.000$00, tinham valor superior à dívida de IRC liquidado oficiosamente pela DGCI em 2001 e com prazo de pagamento voluntário até 16 de Abril de 2001.
IV A Fazenda Pública não reclamou ou de alguma forma promoveu o pagamento do seu crédito na falência.
III Tal revela-se suficiente para isentar de responsabilidade subsidiária o oponente considerar-se a sua total completa e absoluta ausência de culpa pela não cobrança da dívida fiscal exequenda à principal devedora.
Se assim se não entender e sem prescindir:
IV Foi feito errado julgamento da matéria de facto ao dar-se relevância infundamentada a uma das testemunhas - e desvalorizando o depoimento coincidente das demais -, com interesse na causa porque era o gerente de facto e também citado na execução como responsável subsidiário, além de estar de relações cortadas com o oponente.
V Para além disso e não tendo sido impugnado o escrito particular relativo a promessa de cessão de quota, não se considerou o seu conteúdo como provado.
VI Errou o Tribunal a quo ao considerar não provada a matéria alegada nos artigos 7., 8., 10., 13., 14. e 15, da petição.
VII Os depoimentos coincidentes de duas das três testemunhas ouvidas, conjugados com os demais documentos e elementos revelados pelo processo, sem afectação dos princípios de imediação, oralidade e contraditório, apontam para que o Tribunal ad quem altere a decisão da matéria de facto revogando-a na parte em que considera a matéria de facto não provada e, ao invés, considere provados os seguintes factos:
a) “Logo após a homologação do meio de recuperação da empresa, entregou a gestão desta a Alfredo…, pessoa que o tinha financiado para conseguir a recuperação da C… e que, como parcial contrapartida, assumia, a gestão dos seus negócios”
b) “E foi já aquando da gestão real, efectiva e exclusiva do mencionado Alfredo…, que ocorreu a declaração de falência e apreensão de bens para a massa falida em 1997, sem que o ora executado tivesse qualquer conhecimento e muito menos controlasse a gestão e os negócios e obrigações da empresa desde, pelo menos, Março de 1996, última vez que entrou nas instalações da empresa”;
c) “O requerente, A..., desde 18 de Abril de 1996 que não entrou mais nas instalações da C… e não teve, qualquer interferência, directa ou indirecta, na origem da alegada dívida de IRC relativa ao ano de 1996”;
d) “À data do prazo da cobrança voluntária da dívida exequenda que terminou em 16 de Abril de 2001, não tinha o oponente o menor controlo ou interferência na actividade desenvolvida pela C… e da sua situação”;
e) “Era o Alfredo… que antes da falência, tudo geria e controlava, sem a menor interferência ou intervenção do oponente”.
Acresce que:
VI Pendente ou não liquidada a falência da principal devedora, não podia a execução reverter contra alegado responsável subsidiário mas antes ter sido imediatamente sustada e avocada pelo Tribunal Judicial da falência, com devolução apenas após findar o processo de falência e prosseguir apenas e se o insolvente ou os responsáveis subsidiários viessem a adquirir bens (artigo 180º, CPPT e 12º, da Lei 15/2001, de 5 de Junho).
Não procedendo inesperada e surpreendentemente, as conclusões supra e sempre sem prescindir:
VI Há factos alegados na oposição, designadamente e pelo menos, sob os artigos 4. (quatro), 6. (seis), 16. (dezasseis), 17. (dezassete), 23. (vinte e três) e 24. (vinte e quatro) que não foram considerados pelo Tribunal recorrido e que são relevantíssimos para a boa decisão da causa.
VII Havendo défice instrutório, como manifestamente há, torna-se imperioso fazer baixar os autos à primeira instância para ampliação da matéria de facto.
VIII Deste acervo conclusivo resulta dever revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue totalmente procedente a oposição e extinta a execução contra o oponente.
Ou se assim se não entender:
IX Ordenada a baixa dos autos à primeira instância para ampliação da matéria de facto.
Deste modo será cumprida a Lei e se fará a melhor e mais sã JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, se enferma de défice instrutório e se incorreu em erro de julgamento da questão da falta de excussão prévia do património da devedora originária.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
2.1. Matéria de facto provada
a) Contra a sociedade comercial C…, Lda. foi instaurado o processo de execução fiscal com o n.º 0400200101500112 para cobrança coerciva de IRC respeitante ao ano de 1996.
b) Serve de base à execução a certidão de dívida que consta de fls. 3 do apenso e aqui se dá por reproduzida.
c) Em 13 de Abril de 2005, depois de constatada a inexistência de bens penhoráveis pertencentes à executada, foi ordenada a reversão da execução contra o Oponente, pelo despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Fafe cujo teor, consta de fls. 83 do apenso e aqui se dá por reproduzido.
d) Na Conservatória do Registo Comercial de Fafe, na matrícula da sociedade comercial C…, Lda., encontra-se a inscrição, desde 20 de Outubro de 1993, de que a gerência daquela sociedade compete ao Oponente.
e) Através de escrito particular datado de 18 de Abril de 1996, o Oponente declarou prometer ceder a Alfredo…, a sua quota na C…, Lda., pelo preço de 7.000.000$00.
f) Nesse mesmo escrito, o Oponente declarou renunciar à gerência da C…, Lda.
g) Por sentença do Tribunal Judicial de Fafe de 20 de Abril de 1998, foi declarada a falência da sociedade comercial C…, Lda.
h) Nesse processo de falência foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos cujo teor consta de fls. 109 a 121 e aqui se dá por reproduzido.
i) Em 15 de Fevereiro de 2001, foram vendidos dois imóveis da massa falida pelo preço de PTE100.000.000$00.
j) O Oponente foi citado por reversão em 28 de Abril de 2005.
k) A presente oposição foi apresentada em 30 de Maio de 2005 (segunda-feira).
2.2. Matéria de facto não provada
Não se provaram os factos alegados nos artigos 7., 8., 10., 13. (com excepção da parte relativa ao período da cobrança voluntária), 14., 15. da petição inicial.
2.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
O tribunal fundou a sua convicção na prova documental junta aos autos e também nos depoimentos das testemunhas inquiridas, V…, J… e Alfredo….
As duas primeiras testemunhas referiram que o Oponente esteve na sociedade até Março de 1996 e que, a partir dessa data, a gerência passou a ser exercida por Alfredo…. No entanto, este negou essa versão dos factos dizendo que não passou a ser gerente da C… mas antes que esta arrendou parte das suas instalações à sociedade F… que era gerida pela testemunha Alfredo….
Quanto ao “contrato-promessa de cessão de quota”, a testemunha Alfredo… referiu que o mesmo foi simulado para obviar à penhora da quota do Oponente que era pretendida pelo Banco…, mas que nunca chegou a ser celebrado o contrato definitivo.
De resto, da certidão do registo comercial o que consta é um registo provisório de cessão de quotas que nunca se converteu em definitivo e, por outro lado, também não foi registada a alegada cessação da gerência.
É também significativo o facto de o Oponente não ter junto cópias dos cheques para pagamento do preço da alegada cessão de quotas.
Da conjugação do depoimento desta testemunha Alfredo… com os documentos juntos aos autos concluímos no sentido que deixámos consignado na matéria de facto provada.”

2. O Direito

A este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da verificação dos pressupostos para a reversão decretada no âmbito do processo de execução fiscal descrito nos autos.
Nas suas alegações, o Recorrente defende que, pendente ou não liquidada a falência da principal devedora, não podia a execução reverter contra o alegado responsável subsidiário, mas antes ter sido imediatamente sustada e avocada pelo Tribunal Judicial da falência, com devolução apenas após findar o processo de falência e prosseguir apenas se o insolvente ou os responsáveis subsidiários viessem a adquirir bens (artigo 180.º, CPPT e 12.º, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho).
O artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece no n.º 1 que «a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal», dispondo no n.º 2 que «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão»; e o n.º 3 prescreve que «caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) preceitua que «o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;
b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».
Estas normas estabelecem os pressupostos da reversão e o momento em que ela deve ocorrer, tendo por ponto de partida a salvaguarda do benefício da excussão. Ora, perante o carácter subsidiário da responsabilidade tributária (n.º 3 do artigo 22.º da LGT) e a natureza do benefício da excussão, decorre que a execução fiscal só pode reverter contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário, isto é, desde que se verifique a ocorrência desse pressuposto no momento em que se pretende chamar o responsável subsidiário ao pagamento das dívidas exequendas.
Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso de se vir a evidenciar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles; e, por outro lado, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido o património daqueles devedores. O que significa que, ainda que não existissem bens à data da constituição ou do vencimento das dívidas exequendas ou à data em que o responsável subsidiário exerceu o cargo de gerente, sempre estará inviabilizada a reversão caso se detecte que a sociedade os adquiriu e possui, em termos de suficiência para pagamento dessas dívidas, à data em que se pretenda chamar à execução os respectivos gerentes através do instituto da reversão.
Por outras palavras, só no caso de o devedor principal não ter mais bens, pode o órgão de execução fiscal fazer reverter a execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, por nada mais haver a excutir, razão por que esse órgão está vinculado a fazer uma investigação sobre a existência de bens no património do devedor originário no momento em que pretende reverter a execução contra aqueles.
Na sentença recorrida diz-se não ter qualquer fundamento a invocada falta de excussão do património do devedor principal, uma vez que na execução fiscal se constatou a falta de bens penhoráveis pertencentes à executada originária, os quais foram vendidos no âmbito do processo de falência – cfr. alíneas c), g) e i) da factualidade apurada.
Como é pacífico na jurisprudência, a inexistência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se, portanto, ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário – cfr. Acórdão do STA, de 16/03/2016, tirado no processo n.º 0647/15.
É patente a inexistência de bens da devedora originária para dar pagamento à quantia exequenda, sendo que nem sequer se mostra necessário que a devedora originária não possua bens, mas tão-só que os mesmos sejam insuficientes para pagamento da quantia exequente (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 19/01/2006, 2ª Secção – Contencioso Tributário, “Em face do preceituado no art. 23º nºs 1 e 2 da LGT não é necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão, sendo bastante que se verifique a fundada insuficiência desse património, resultante do auto de penhora ou de outros elementos de que o órgão de execução fiscal disponha.” - Processo nº 00032/05.2BEPNF).
Assim sendo, face ao vertido no artigo 23º da Lei Geral Tributária, verifica-se que a actuação da Administração Fiscal não merece censura, pois procedeu às averiguações necessárias, tendo demonstrado a inexistência de bens da devedora originária face ao montante em dívida.
Importa, ainda, referir que serve de base ao presente processo de execução fiscal dívida respeitante a IRC do ano de 1996, mas que foi liquidada oficiosamente pelos serviços em 2001, nos termos do artigo 87.º do Código de IRC, cujo pagamento não foi satisfeito no prazo de cobrança voluntária que terminou em 16/04/2001 – cfr. alínea b) da decisão da matéria de facto.
Dispõe o invocado artigo 180.º do CPPT, sob a epígrafe “Efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal”:
«1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.
5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção.»
Também o CIRE no artigo 88.º dispunha que (na redacção aqui aplicável):
«1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente».
A Secção de Contencioso Tributário do STA já por diversas vezes afirmou, assumindo uma posição jurisprudencial que se encontra actualmente consolidada, ser legalmente viável a instauração de processo de execução fiscal contra a sociedade devedora após a declaração judicial da sua insolvência, pese embora as execuções fiscais instauradas para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência devam ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de insolvência, e as instauradas para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência devam prosseguir com a penhora de bens não apreendidos no processo de insolvência – cfr., entre outros, o acórdão do STA, de 27/05/2015, no âmbito do processo n.º 424/14.
Por conseguinte, não oferece dúvidas, no caso dos autos, que, respeitando o processo de execução fiscal a dívida relativa a créditos vencidos (em 16/04/2001) após a declaração de insolvência/falência da sociedade devedora originária (cfr. alínea g): 20/04/1998), não se lhes aplica, por isso, o artigo 180.º, nºs 1 a 5, do CPPT, não havendo fundamento legal para que fossem sustados e remetidos para o processo de falência – cfr. artigo 180.º, n.º 6 do CPPT e Acórdão do STA, de 16/03/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0647/15.
Ficando, por isso, prejudicada a questão colocada pelo Recorrente e que consiste em saber se a execução fiscal pode prosseguir para cobrança de dívidas contra responsáveis subsidiários por via da reversão operada após a cessação do processo de insolvência/falência. De todo o modo, sempre diremos que, quanto à prossecução do processo de execução fiscal para cobrança de dívidas vencidas antes da declaração de insolvência, já tomou posição o tribunal superior, por acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 17/02/2016, no processo n.º 0122/15, segundo o qual é legalmente viável a prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada antes ou depois da declaração de insolvência da sociedade devedora, com a penhora de bens do revertido independentemente da data da sua aquisição, na medida em que só relativamente à entidade insolvente fica a possibilidade de penhora limitada a bens ulteriormente adquiridos, não fazendo sentido invocar a restrição do n.º 5 do artigo 180.º do CPPT relativamente ao responsável subsidiário caso inexista declaração de insolvência quanto a si.
Aqui chegados, constatamos que, pelo menos até 18/04/1996, é pacífico ter o Recorrente exercido a gerência da sociedade originária, dado tudo indicar existir correspondência entre a gerência de direito e a gerência de facto e tal não ser questionado pelo Recorrente até essa data.
Por outro lado, não resulta, igualmente, questionada a aplicação do artigo 13.º do Código de Processo Tributário (CPT) efectuada na sentença recorrida.
Ora, sendo a dívida revertida no âmbito do presente processo de execução fiscal referente a IRC, de 1996, efectivamente, é aplicável o disposto no artigo 13.º do CPT (As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Por isso, o CPT é aplicável para regular as condições da reversão contra os responsáveis subsidiários, bem como para estabelecer as regras do ónus da prova dos factos em que assenta a responsabilidade, relativamente a dívidas cujos períodos de constituição decorreram na sua vigência - Acórdão do STA, de 28/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 0488/06).
A lei onera com a presunção de culpa na insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais o gerente da devedora original.
Sendo uma presunção legal de culpa, ela só pode ser ilidida mediante a prova do contrário (artigo 350.º/2 do Código Civil). Não basta a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (artigo 346.º do Código Civil) exigindo-se, antes, a demonstração de que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação (cfr., entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 09/02/2012 e de 06/04/2006, proferidos no âmbito dos processos n.º 00415/05.8BEBRG e n.º 00021/02 – Porto, respectivamente).
Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
Para afastar a presunção, não exige a lei o sucesso total dessas diligências em evitar o encerramento da sociedade, ou da constituição das dívidas, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador.
O que se exige é tão só o empenho e actividade dedicada do gestor no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – art.º 50º/1 LGT e 601º do Código Civil).
E se porventura esse pagamento se tornar impossível, que o gestor demonstre, pelo menos, ter feito tudo o que estava ao seu alcance para que os créditos fiscais não fossem defraudados.
Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto, sem distinguir as repercussões e características próprias de cada um – cfr. Acórdão do TCAN, de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1126/06.2BEBRG.
Como havíamos referido anteriormente, a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou acções específicas, sendo imprescindível a alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor em face das adversidades a que a actividade ficou exposta.
O Recorrente alega que não foi por culpa sua que a Fazenda Pública não obteve o pagamento do crédito através do património da executada, C…, Lda., sendo que o oponente nenhum património daquela alienou durante o ano de 1996 ou posteriormente e que agiu como um gestor criterioso e prudente ao apresentar a empresa em processo de recuperação e ter obtido a aprovação, pelos seus credores, de medida de reestruturação financeira. Por outro lado, o Recorrente acrescenta não ter a Fazenda Pública reclamado ou de alguma forma promovido o pagamento do seu crédito na falência, pelo que é por culpa da Administração Fiscal que a impossibilidade de cobrança ocorre, ficando prejudicado qualquer juízo sobre a culpa dos administradores, directores ou gerentes efectivos da sociedade comercial.
Compulsando a petição inicial, verificamos que o Oponente invocou que, em 1994, perante o agravamento da situação de endividamento da C… e dificuldades do negócio, na qualidade de gerente, tudo fez para viabilizar a empresa, designadamente, convocando judicialmente os seus credores e conseguindo que estes aprovassem uma medida de recuperação – reestruturação financeira – homologada por sentença de 30/03/1995, proferida no processo n.º 79/94 – 1.º Juízo, transitada em julgado em 20/04/1995 – cfr. artigo 4.º. Alegou, ainda, que não promoveu, directa ou indirectamente, a alienação de bens do activo fixo da C…, designadamente, o imóvel onde tinha a sua sede social, nem máquinas e teares – cfr. artigos 5.º (com matéria conclusiva e genérica) e 6.º. No artigo 17.º da petição de oposição, referiu que, na falência da principal executada, decretada em 20/04/1998, o crédito exequendo em causa não foi reclamado nem reconhecido na respectiva sentença de verificação e graduação de créditos, não figurando na sobredita falência o crédito ora exequendo – cfr. artigo 24.º.
Na verdade, conforme alerta o Recorrente, da decisão da matéria de facto não consta esta factualidade, nem tão-pouco se tomou posição acerca da sua eventual irrelevância para a decisão das questões colocadas nos presentes autos.
Na sentença recorrida julgou-se, unicamente, o seguinte: “(…) Ora, no caso dos autos, nenhuma prova foi feita pelo Oponente de que a insuficiência do património da sociedade C…, Lda. não ocorreu por culpa sua. (…)”
Contudo, encontrámos matéria de facto invocada, como vimos, no sentido de demonstrar que agiu com cuidado e prudência, tendo em vista a elisão da presunção de culpa que sobre o responsável subsidiário recai por força do referido artigo 13.º do CPT.
Salientamos que não se mostra ínsita nos autos certidão do processo n.º 79/94, que correu seus termos no 1.º Juízo Judicial da Comarca de Fafe, suscitando-se algumas dúvidas quanto às reais diligências que terão sido promovidas pelo Oponente no sentido de viabilizar a sociedade executada principal. Isto porque foi efectuado um registo provisório, por natureza, da homologação da deliberação da Assembleia de Credores de 30/03/1995, com a síntese das providências de recuperação: reestruturação financeira, mas que caducou com o registo da sua falência. Em simultâneo, consta registado na mesma Conservatória do Registo Comercial de Fafe que a causa da falência foi a “inexistência de proposta de recuperação” – cfr. certidão de fls. 28 a 34 apensa aos autos. Mostra-se, ainda, ínsita nos autos certidão da sentença proferida nos autos de falência (processo n.º 79-A/94), onde se constaram os pressupostos previstos nos artigos 6.º e 8.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, pelo que se declarou a C…, Lda. em estado de falência – cfr. fls. 106 a 108 do processo físico.
A empresa insolvente ou em situação económica difícil que se considere economicamente viável e julgue superável a situação em que se encontra pode requerer em juízo a providência de recuperação adequada. A iniciativa do pedido de recuperação ou de declaração de falência por parte da empresa devedora cabe ao respectivo titular, ao órgão social incumbido da sua administração ou à assembleia geral dos sócios – cfr. artigos 5.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril. In casu, tudo indica que se terá optado pela providência de recuperação de empresa “reestruturação financeira” – cfr. artigo 4.º do mesmo diploma. Todavia, também qualquer credor, seja qual for a natureza do seu crédito, pode requerer, em relação à empresa que considere economicamente viável, a aplicação da providência de recuperação adequada, desde que se verifiquem os factos elencados no artigo 8.º do diploma vindo a mencionar. Também o Ministério Público pode requerer a aplicação da providência de recuperação que considere adequada, nas condições previstas no mesmo artigo. Por outro lado, sempre que se verifique algum dos factos referidos nas alíneas a), b e c) do n.º 1, do artigo 8.º pode a falência da empresa ser requerida por qualquer credor, ainda que preferente e seja qual for a natureza do seu crédito, quando a não considere economicamente viável, e também pelo Ministério Público – cfr. n.º 3 do artigo 8.º. Na situação em análise, tudo indica que terá sido um Banco credor que solicitou a falência da executada originária – cfr. fls. 107 do processo físico.
No caso em apreço, desconhecemos até onde terá ido a iniciativa do ora Recorrente e como, por quem, por que forma, terá sido requerida a providência de recuperação, mostrando-se tal essencial para avaliar, afinal, a intervenção, em concreto, do Oponente na alegada tentativa de superação da situação económica difícil da empresa. Entre outras diligências, julgamos, desde já, fulcral aceder às peças processuais integrantes do processo n.º 79/94.
Assim, os elementos disponíveis não permitem, com a segurança e certeza exigíveis, aditar toda a matéria de facto invocada pertinente, impondo-se a promoção de diligências probatórias tendo em vista a ampliação da decisão da matéria de facto, permitindo, então, uma cabal e ampla apreciação da responsabilidade do Recorrente. Note-se que a sentença que verificou e graduou os créditos reclamados já se encontra ínsita nos autos a fls. 109 a 121 do processo físico.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam promovidas e efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído.

Conclusões/Sumário

I - A inexistência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre e não ao momento em que o administrador ou gerente/responsável subsidiário exerceu esse cargo societário.
II - É legalmente viável a instauração de processo de execução fiscal contra a sociedade devedora após a declaração judicial da sua insolvência, pese embora as execuções fiscais instauradas para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência devam ser imediatamente sustadas e avocadas pelo tribunal judicial para apensação ao processo de insolvência, e as instauradas para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência devam prosseguir com a penhora de bens não apreendidos no processo de insolvência.
III - É legalmente viável a prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada antes ou depois da declaração de insolvência da sociedade devedora, com a penhora de bens do património do revertido independentemente da data da sua aquisição, na medida em que só relativamente à entidade insolvente fica a possibilidade de penhora limitada a bens ulteriormente adquiridos, não fazendo sentido invocar a restrição do n.º 5 do artigo 180.º do CPPT relativamente ao responsável subsidiário caso inexista declaração de insolvência quanto a si.
IV - O regime legal da responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas fiscais, do artigo 13.º do Código de Processo Tributário, faz recair sobre o gerente que exerceu funções durante o período em que se constituíram e/ou em que deviam ser pagas tais dívidas, a prova de que não teve culpa pela insuficiência do património social para satisfazer os créditos exequendos.
V - Esta presunção legal de culpa só pode ser ilidida com a prova do contrário, isto é, a prova das iniciativas empreendidas para evitar, ou minimizar, o impacto negativo de factos adversos.
VI - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.
Sem custas.
Porto, 29 de Junho de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Mário Rebelo