Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01186/04.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/14/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - No caso de facturas falsas à administração tributária compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, e caso a faça, passa a competir ao contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de contabilização como saída para pagamento.
II – Não tendo logrado o contribuinte, aquela prova, é legítima a actuação da Administração tributária que adiciona aqueles valores aos lucros tributáveis em sede de IRS.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
F..., com o nif 1… e melhor identificado nos autos, impugnou a liquidação adicional de IRS do ano de 1997 no valor de €473.757,09.
No Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação, decisão com que o impugnante não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1. - O sujeito passivo apresentou reclamação graciosa contra a liquidação n.º 5333847070 de 2 de Outubro de 2002, IRS/97.
2. - As transacções referentes às facturas questionadas pela Inspecção Tributária foram efectivamente realizadas.
3. - Está demonstrado documentalmente nos autos que o fornecedor do Impugnante requisitou as facturas em causa, e bem como ficou cabalmente esclarecido pela testemunha B... o modus faciendi sobre o recebimento da mercadoria e a entrega dos meios de pagamento (por vezes numerário, por vezes cheque) quando o Impugnante não se encontrava em casa mas deixava instruções à testemunha sobre o que deveria entregar e / ou receber da parte de quem vinha a mando do fornecedor do ouro.
4. - É irrelevante a questão de as compras terem, alegadamente, sido todas efectuadas à mesma pessoa - in casu, A….
5. - O facto de determinadas operações comerciais terem sido celebradas, ou não, com a mesma pessoa, não faz delas transacções fictícias.
6. - Também é irrelevante e sobretudo secundário e inconclusivo, no que toca ao aqui Impugnante, saber se esse sujeito passivo consta ou não do cadastro e se entregou ou não declarações periódicas de IVA e IRS.
7. - O Impugnante não tem a obrigação de vigiar e fiscalizar, seja a que título for, a regularidade do comportamento fiscal dos agentes económicos com que lidava no seu dia-a-dia.
8. - Por outras palavras, o Impugnante não pode nem é obrigado a consultar as bases de dados da administração fiscal, cada vez que pretenda celebrar uma transacção comercial, para assim confirmar se a parte com quem contrata é ou não cumpridor do ponto de vista fiscal - tarefa que aliás lhe é vedada por Lei já que se tratam de informações pessoais dos contribuintes e nenhum órgão da Administração Fiscal os pode fornecer a não ser aos Tribunais ou no âmbito de procedimentos judiciais.
9. - A entidade fiscalizadora partiu de meras suposições, que a partir de um ou outro facto intuiu e concluiu, sem qualquer sustento concreto, para chegar à conclusão de que o Impugnante tinha ficcionado as transacções em causa.
10. - Não se compreende porque razão se refere que o dito A… era desconhecido em Bragança, onde nunca esteve colectado na actividade indicada quando logo no parágrafo seguinte da decisão de indeferimento da reclamação se diz claramente que o Sr. A… referiu ter sido fabricante de ourivesaria com sede em Bragança.
11. - Existe uma manifesta contradição entre a afirmação do parágrafo 10º e a do parágrafo 11º do projecto de despacho de decisão que foi convertido em decisão definitiva.
12. - Quanto ao facto de os montantes dos cheques não coincidirem com o das facturas, trata-se mais uma vez de um falso argumento para concluir pela simulação da facturação.
13. - Na verdade, tal afirmação tem contida em si mesma a negação da realidade comercial e da dinâmica das transacções comerciais.
14. - É consabido e a administração fiscal não pode ignorar, que muito raramente as transacções são pagas uma a uma - sobretudo quando são pagas por cheques - são frequentemente liquidadas em conjunto, ou então parcialmente, por vezes em numerário, por vezes parte em numerário e a outra parte em cheque ou outro meio de pagamento, outras vezes até através do endosso de cheques de terceiros.
15. - Por vezes até, existem transacções mútuas entre comprador e vendedor, o que obriga à compensação de valores entre credores e devedores, o que também se reflecte no valor do pagamento que, naturalmente, poderá ser diverso do da factura.
16. - E só por isso não se pode concluir, com um mínimo de credibilidade, que as transacções sejam simuladas!
17. - Não é verdade, como se disse, que o Impugnante se tenha recusado a entregar os elementos contabilísticos.
18. - Acrescendo que em sede de processo crime por fraude fiscal, o mesmo processo terminou por prescrição.
19. - Sendo ainda de realçar que apesar de as cópias dos cheques dizerem respeito à firma "LDB Ouro - Indústria de Ourivesaria, Limitada" tal não significa a inexistência de transacções por parte de F....
20. - Por tudo o exposto, verifica-se inexistirem factos concretos e provas concretas que permitam concluir como se faz no despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
Termos em que, deve a presente Impugnação ser julgada totalmente procedente, por provada e fundada e, por via dela, ser julgada ilegal e ser anulada a liquidação oficiosa de IRS aqui impugnada, tudo com as demais e legais consequências.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a única questão que importa decidir é, portanto, a de saber se, ocorreu erro de julgamento ao considerar-se na sentença sob recurso que as facturas emitidas por A… não correspondem a transacções reais.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. O impugnante foi objecto de uma fiscalização por parte dos Serviços de Inspecção Tributária do Porto, respeitante ao exercício económico do ano de 1997.
2. O objecto social do impugnante consiste na compra e venda de ouro e transformação do mesmo.
3. Na acção inspectiva identificada em 1), foi apurado pelos respectivos serviços, que todas as compras efectuadas pelo impugnante no que concerne ao ouro, encontram-se tituladas por facturas emitidas por A….
4. Os Serviços de Inspecção Tributária concluíram que tais facturas não correspondiam a qualquer transacção económica, conforme relatório constante do PA de fls. 110 a 114, (reclamação graciosa) e que aqui se dão por reproduzidas, mas cujos extractos a seguir se transcrevem: “Na análise às compras de ouro, detectou-se que o único fornecedor de ouro, A…, (...) não consta do cadastro, não entregou nenhuma declaração periódica do IVA ou de Rendimentos e consequentemente não entregou nos cofres do Estado qualquer imposto. (...) uma vez que, segundo as facturas emitidas, este sujeito passivo teria estabelecimento na Praça…, Bragança, solicitámos à Direcção de Finanças de Bragança, a verificação da existência do respectivo estabelecimento comercial e a sua capacidade para efectuar as referidas transacções. (...) Da Direcção de Finanças de Bragança recebemos a informação de que o proprietário do imóvel, (mão identifica o Sr. A… como inquilino deste imóvel. Outros inquilinos do imóvel também desconhecem a existência de qualquer pessoa com a actividade do ramo de ourivesaria no imóvel em questão. Foi, no entanto, apurado junto do serviço do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que o nipc 807.740.616 existe, em nome de A… sendo indicado o seu Bilhete de Identidade e a sua morada. (...) Contactamos o Sr. A…, (..que declara que nunca desenvolveu qualquer actividade com sede em Bragança apesar de já ter estado registado como fabricante de ourivesaria há bastante tempo, já não possuindo qualquer documento. Adianta, ainda, que no momento de requisição das facturas emitidas em 1997(neste exercício, foram utilizadas facturas redigidas tipograficamente e requisitadas em Outubro de 1996), se encontrava ausente do país como demonstra a certidão de casamento e carimbo de entrada do país, que apresentou. (...) O sujeito passivo A… (...) desenvolve, actualmente, a actividade de agricultura e do nosso contacto com este, para além dos elementos atrás referidos, nada mais indiciou que este tenha realmente exercido, a partir de 1997, ou exerça a actividade de ourivesaria, não lhe sendo conhecido estabelecimento comercial ou qualquer capacidade para efectuar tais transacções, o que levanta dúvidas quanto à realidade das transacções encontradas.
(…) Assim, uma vez que A… (...) afirma não ter efectuado qualquer transacção no exercício de 1997, solicitamos ao sujeito passivo em análise, F..., a apresentação dos recibos respeitantes aos pagamentos efectuados (uma vez que os mesmos não se encontram na sua escrita) e os meios de pagamento correspondentes através uma Notificação elaborada para o efeito. (...) No entanto, o sujeito passivo recusou-se a assinar a notificação para exibição dos referidos meios de pagamento pelo que se elaborou Termo de Declarações, onde declarou que não apresentaria os meios de pagamento solicitados uma vez que a isso não era “obrigado” e quanto aos recibos, alegou que estes tinham sido entregues ao contabilista responsável pela organização da escrita, pelo que eram da responsabilidade deste. (...) De referir, ainda, que a descrição física que o Sr. B… faz do Sr. A… (...) (mais de 55 anos e de cabelos brancos) não corresponde ao sujeito passivo identificado pela Administração Fiscal. Além disso, afirma, conforme termo de declarações de 29-05-02, ter estado uma vez no escritório de A… (...) na Praça da Sé - Bragança que, como se referiu não existe, nem existiu (...) forçoso é concluir que as compras que o sujeito passivo declarou, de 91.700 gramas, no valor de 170.836.000$00 (852.126,38 Euros) cuja relação se apresenta em Anexo 2 e tituladas por facturas alegadamente emitidas por A… (...) não têm subjacente qualquer transacção. (...) As compras referidas (...), no montante de 852.126,38 Euros, pelos motivos aí referidos, não são aceites como custo do exercício de acordo com o disposto no artº 33º do Código do IRS. (…)”.
5. As facturas cujos valores não foram aceites para efeitos de custos, encontram-se discriminadas a fls. 118 do PA e que aqui se dá por reproduzida.
6. Dá-se aqui por reproduzido o auto de declarações prestado por F... e constante do PA de fls. 115 a 117.
7. Dão-se aqui por reproduzidas as cópias das facturas e cheques constantes destes autos de fls. 23 a 36.
8. Dão-se aqui por reproduzidos os documentos constantes destes autos de fls. 84 a 89, respeitantes à requisição das facturas junto da respectiva Tipografia.
9. O filho do impugnante, chegou a receber em sua casa, embrulhos e envelopes que lhe eram entregues por uma senhora de nome Helena.
10. Em 02 de Dezembro de 2002, o impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional do IRS, do ano de 1997 nos termos constantes de fis. 2 e 3 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
11. A reclamação graciosa referida em 10), foi indeferida por despacho proferido em 07.05.2004 e notificado ao impugnante em 17.05.2004, nos termos constantes de fls. 49/50 e 68/69, e que aqui se dão por reproduzidas.
12. Do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, o impugnante apresentou recurso hierárquico, cfr. fls. 47 a 56 do PA.
13. O recurso hierárquico foi indeferido nos termos constantes de fls. 66 a 71 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
14. A impugnação judicial foi apresentada em 01 de Junho de 2004, cfr. fls. 1 destes autos.
“… Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos alegados e não impugnados, no teor dos documentos identificados e não impugnados e no depoimento da testemunha.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou, que os bens mencionados nas facturas identificadas na matéria de facto dada como assente, tenham sido efectivamente transaccionados, porque a prova testemunhal apresentada foi claramente insuficiente para colocar em causa os factos apurados pela inspecção tributária.
Com efeito, a única testemunha ouvida, (filho do impugnante, que à data dos factos tinha cerca de 16 anos) limitou-se a referir, que na ausência do pai recebia de uma senhora de nome Helena, envelopes e embrulhos, (com dinheiro e documentos), supondo que dentro dos envelopes se encontrava ouro.
No que se refere ao emitente das facturas nada disse, nem esclareceu quanto a eventuais pagamentos das transacções em causa. Igualmente não esclareceu quem era a referida D. Helena, nem quem esta representava. “
III.2. DE DIREITO
F... veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação oficiosa de IRS de 1997, que teve por base o rendimento apurado em sede de acção inspectiva tributária, o que fez na sequência de indeferimento tácito de reclamação graciosa que anteriormente formulara. Sustenta, em suma, que o cálculo da matéria tributável se apresenta errado porquanto teve subjacente o pressuposto, falso, de que houve facturação fictícia, com dedução indevida de IVA, o que levou erroneamente fossem desconsiderados os inerentes custos e corrigida a matéria tributável.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente relativamente àquela liquidação, considerando que o impugnante não logrou demonstrar que as operações comerciais a que se reportam as facturas tinham tido efectivamente lugar.
Conforme deixamos indiciado no ponto II deste Acórdão – aquando da enunciação da questão a decidir - A questão que se coloca no presente recurso é saber se o Tribunal recorrido errou o julgamento ao considerar que as facturas daquele emitente são falsas, no sentido de que não traduzem transacções reais.
Sobre esta questão, debruçou-se o Acórdão deste TCA Norte de 08 de Março de 2012 [processo n.º 1184/04.2BEPRT], em que a Recorrente igualmente assumia a qualidade de impugnante e em causa estavam liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do exercício de 1997 apurado na sequência da mesma acção inspectiva. Iremos, pois, limitar-nos a transcrever a fundamentação da decisão proferida naquele acórdão, à qual se adere (cfr. artigo 8º, nº 3 do CC), sem prejuízo das especialidades decorrentes da factualidade apurada nestes autos e da apreciação concreta da relevância dos mesmos, do seguinte teor:
«… A questão que se coloca no presente recurso é saber se o Tribunal recorrido errou o julgamento ao considerar que as facturas daquele emitente são falsas, no sentido de que não traduzem transacções reais.
Antes de a tratarmos, importa assinalar que a factualidade a ter em conta para o juízo a emitir será aquela que foi dada como provada na 1ª instância uma vez que o recorrente não a pôs eficazmente em causa no recurso.
Na verdade, na conclusão 5 (com a correspondência nos nossos autos – conclusão 3) é alegado que “Está demonstrado documentalmente nos autos que o fornecedor do Recorrente requisitou as facturas em causa" e que “ficou cabalmente esclarecido pela testemunha B... o modus faciendi sobre o recebimento da mercadoria e a entrega dos meios de pagamento (por vezes numerário, por vezes cheque) quando o Recorrente não se encontrava em casa mas deixava instruções sobre o que deveria entregar e/ ou receber da parte de quem vinha a mando do fornecedor do ouro”. Mas não cumpre o recorrente no que toca à impugnação da matéria de facto o disposto no artigo 685.º-B do Código de Processo Civil que dispõe que quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Posto isto.
Como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo à administração tributária, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. Acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do STA de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75.º da LGT.
O Tribunal recorrido considerou que a administração tributária havia carreado factos suficientemente indiciadores da falsidade das facturas: todas as compras de ouro realizadas no ano de 1997 estavam tituladas por facturas de A…; o fornecedor nunca apresentou qualquer declaração de rendimento ou qualquer declaração periódica de IVA; o proprietário do imóvel sito na Praça…, Bragança (local indicado como estabelecimento do fornecedor) não identifica o A… como inquilino do imóvel e outros inquilinos do prédio também desconhecem a existência de qualquer pessoa com a actividade do ramo de ourivesaria no imóvel em questão; foi contactado o Sr. A… identificado através do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que declarou que nunca desenvolveu qualquer actividade com sede em Bragança apesar de já ter estado registado como fabricante de ourivesaria há bastante tempo e que no momento da requisição das facturas em Outubro de 1996 se encontrava ausente do país e não efectuou qualquer transacção no ano de 1997; o sujeito passivo diz conhecer outros clientes do mesmo fornecedor mas não indica os nomes; a descrição física que faz do fornecedor não coincide minimamente com o indivíduo contactado pela inspecção; notificado para exibir fotocópia de todos os cheques emitidos a favor do fornecedor apenas apresentou 5 cheques emitidos pela sociedade “L…-Ouro Industria de Ourivesaria, Lda.” de que é sócio gerente, num total de 60 solicitados; comprometeu-se a apresentar um cheque que tinha em seu poder emitido a favor do pretendo fornecedor, o que nunca fez.
O ora recorrente põe em causa os elementos recolhidos pela inspecção dizendo que não «é irrelevante e sobretudo secundário e inconclusivo, no que toca ao aqui Recorrente, saber se esse sujeito passivo consta ou não do cadastro e se entregou ou não declarações periódicas de IVA e IRS», que «O Recorrente não tem a obrigação de vigiar, fiscalizar e muito menos policiar, seja a que título for, a regularidade do comportamento fiscal dos agentes económicos com que lidava no seu dia-a-dia», «Por outras palavras, o Recorrente não pode nem é obrigado a consultar as bases de dados da administração fiscal, cada vez que pretenda celebrar uma transacção comercial, para assim confirmar se a parte com quem contrata é ou não cumpridor do ponto de vista fiscal - tarefa que aliás lhe é vedada por Lei já que se tratam de informações pessoais dos contribuintes e nenhum órgão da Administração Fiscal os pode fornecer a não ser aos Tribunais ou no âmbito de procedimentos judiciais», que é normal o valor dos cheques não coincidirem com o valor das transacções e nada indicia o facto de o fornecedor ser único. (conclusão 6 e 7 dos nossos autos).
Acontece que estas objecções porventura seriam susceptíveis de pôr em causa a conclusão da administração tributária – de que as facturas são falsas – caso os factos que delas são alvo fossem os únicos carreados pela administração tributária.
Mas não são. A administração contactou A… através dos dados constantes do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que diz nunca ter exercido qualquer actividade com sede em Bragança, apesar de ter estado registado como fabricante de ourivesaria há bastante tempo, que ao tempo da requisição das facturas emitidas não estava em Portugal e negou que em 1997 tivesse efectuado qualquer transacção. Perante tais declarações a administração fiscal solicitou ao ora recorrente os cheques que serviram de meio de pagamento. Os cheques apresentados são da sociedade e são dos anos de 1996 e 1998, quando o ano em causa é o ano de 1997.
A administração tributária não se quedou na recolha de factos relativos ao emitente das facturas. Perante as dúvidas suscitadas pelo comportamento fiscal e pelas declarações daquele que figura nas facturas como emitente, a administração fiscal solicita elementos aos ora recorrente com vista a dissipa-las ou a confirmá-las. Àqueles elementos respeitantes ao emitente das facturas indiciadores da falsidade das facturas acresceu a falta de explicação e prova pelo ora recorrente da forma como foram efectuados os pagamentos.
Ora todos estes factos conjugados uns com os outros constituem indícios sérios e traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, não corresponderem a transacções reais.
Cumprindo a administração tributária o ónus que sobre si impendia, passou a caber ao impugnante o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.
Ónus que não cumpriu, como também entendeu o Tribunal recorrido, e resulta do facto não provado na sentença e que não foi eficazmente posto em causa pela recorrente (cfr. artigo 685.º-B do Código de Processo Civil).
Perante os indícios trazidos pela administração tributária incumbia ao ora recorrente ter alegado e provado factos que provassem a veracidade das transacções, o que poderia ser alcançado com a descrição da relação comercial que estabeleceu com o emitente das facturas, quando se iniciou, como, onde, como eram feitos cada um dos contactos, como era estabelecido o preço, como eram feitas as entregas e os pagamentos e quaisquer outras particularidades da relação que apenas quem nela esteve pode descrever.
O ora recorrente limitou-se a provar que «9 - O filho do impugnante, chegou a receber em sua casa, embrulhos e envelopes que lhe eram entregues por uma senhora de nome Helena», o que é manifestamente insuficiente para provar a veracidade das transacções, já que nenhuma ligação a testemunha logrou estabelecer entre essa Senhora Helena que entregava embrulhos e envelopes e o emitente das facturas.
E não tendo o ora recorrente logrado satisfazer o ónus que sobre si impendia, não podia o Tribunal recorrido decidir como decidiu, pela improcedência da impugnação.
O recurso não merece, assim, provimento.»
Como decorre do supra transcrito, do conjunto daquela prova documental e testemunhal, acima analisada, não constitui pois prova suficiente, para considerar provado tais operações comerciais.
E não tendo feito tal prova, não se mostra infirmada a conclusão tirada pela Administração Fiscal baseada naqueles indícios supra de que tais lançamentos se reportam a operações fictícias, tendo a causa de ser decidida contra a impugnante, com a confirmação da sentença recorrida, que no mesmo sentido decidiu.
Cabia ao impugnante, ter alegado e provado factos certos e concludentes que infirmassem os concretos indícios recolhidos pela AT ou que tivesse vindo fazer a prova da existência daquelas operações, ou que no caso, haviam ocorrido circunstâncias especiais que levaram a que os mesmos tivessem sido emitidos nos termos em que o foram, mas que os seus montantes consistiam exactamente nos montantes pagos pela mesma na aquisição de tais bens. Situação que colocava a impugnante nas melhores condições para o esclarecer e provar, como antes se disse, e que nos termos supra, não logrou fazer.
Pelo que, para aferir se as facturas têm ou não aderência com a realidade, isto é se se tratam de meros papéis ou se correspondem à realidade aí descrita, é bastante à AT a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que tais facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação das empresas pelo seu rendimento real e de combate à fraude e evasão fiscais.
Mais se diga, no caso, foi decidido definitivamente, já que o recorrente não sindicou tal segmento da decisão recorrida, que os bens mencionados nas referidas facturas, não têm aderência à realidade, isto é, que não foram efectivamente realizados, pelo que, consequente e necessariamente, as despesas que os mesmos eram susceptíveis de significar/importar, não foram suportadas pelo recorrente.
E se não foram suportadas tais despesas é axiomático que o respectivo valor, contabilizado como saído para pagamento dos referidos bens, afinal de contas não saiu, pelo que não podia, nessa mesma e exacta medida, deixar de ser adicionado ao lucro tributável, como foi feito pela AF, em sede de IRS.
Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.
IV. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 14 de Março de 2012
Ass. Irene Isabel Gomes das Neves
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Ass. Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro