Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02259/06.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REPORTE DE PREJUÍZOS, PRESSUPOSTOS, MÉTODOS INDIRECTOS, IRC
Sumário:I - Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 86.º da LGT e no n.º 1 do artigo 117.º do CPPT, a impugnação do acto de avaliação indirecta, com fundamento na falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos ou no erro na quantificação, só é possível após prévia reclamação (procedimento de revisão da matéria tributável), de acordo com o disposto nos artigos 91.º a 94.º da LGT.

II - O artigo 47.º, n.º 2, do CIRC (redacção em vigor em 2002) não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos, desde que respeitado o limite de tempo nele fixado.

III – In casu, o lucro tributável foi fixado para o ano de 2002 com base em métodos indirectos, impossibilitando, nesse exercício, a dedução de prejuízos de anos anteriores. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A E., S.A., pessoa colectiva n.º (...), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 16/06/2017, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2002, no montante de €193.858,52, na sequência de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a mesma liquidação.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1ª A Sentença ora Recorrida julgou improcedente a Impugnação deduzida e ora em crise enferma de erro de julgamento, quer de facto, quer de direito.
2ª Como é consabido, o Tribunal não se encontra vinculado ao alegado pelas partes no que tange à aplicação do Direito, sendo pacífico ser esse o sentido e alcance do artigo 5.º do Código de Processo Civil (“CPC”) – que se encontrava previsto no artigo 664.º do anterior código -, também aplicável no processo tributário em virtude do disposto no artigo 2.º do CPPT. Com efeito, a apreciação do Tribunal não se cinge à sumária e por vezes errónea qualificação (seja na apreciação de factos, seja no direito aplicável) dada pelas partes. Devendo, sempre, dentro dos seus poderes de cognição em matéria de facto suprir as faltas cometidas pelas partes quanto à qualificação jurídica e à solução de direito, como manifestação dos princípios da realização da justiça e da verdade material.
3ª Atentos os factos – mesmo apenas os dados como provados, constantes da fundamentação da Sentença -, e dos documentos juntos pelas partes, resulta evidente que o Tribunal deveria ter indagado se, no caso sub judice se verificava efectivamente um verdadeiro por parte da Administração Tributária de recurso à aplicação de métodos indirectos – o que não fez e, no entender da ora Recorrente, deveria ter feito.
4ª Isto porque, no caso ora em Recurso, a Administração Tributária, por meio de procedimento de inspecção externa realizada, conseguiu, com toda a certeza e objectividade reconhecer determinadas diferenças em matéria de consumos de mercadorias, tendo com recurso aos elementos ao seu dispor (principalmente os contabilísticos), e sem recurso a uma verdadeira presunção, discricionária, mas tão somente técnica, determinado o montante da matéria colectável alegadamente em falta. Daí que, entende a ora Recorrente que deveria ter o Tribunal a quo igualmente equacionado a hipótese – que de resto não deixou de ser posta à consideração do Tribunal pela então Impugnante – de se estar perante uma correcção técnica e não indirecta da matéria tributável, o que determinaria que as questões a apreciar pelo Tribunal não seriam aquelas a que se propôs e veio a responder, mas desde logo se no caso se estaria perante uma situação de fixação da matéria tributável por métodos indirectos.
5ª E nesse caso, entende a ora Recorrente que o Tribunal não deixaria de considerar que no caso em apreço a fixação da matéria tributável teria sido efectuada por método directo, teria incontornavelmente a Impugnação de proceder, (i) anulando-se o acto de liquidação adicional objecto da mesma e (ii) determinando-se a dedutibilidade dos prejuízos fiscais em causa.
Mas mesmo que assim não se entendesse,
6ª A Sentença recorrida sempre incorreria em erro de julgamento, uma vez que – tal como o considerou o Ministério Público no seu Douto Parecer, os pressupostos de aplicação de métodos indirectos no caso nunca estariam preenchidos – e consequentemente a Administração Tributária não estaria habilitada a socorrer-se deles. Desde logo porque – tal como veio a proceder -, poderia a Administração Tributária ter utilizado a avaliação directa. E, ao contrário do que vem vertido da Sentença em crise, a limitação constante do artigo 86.º, n.º 5 da LGT apenas se verifica quanto às questões de facto e valores (quantificação) resultantes da aplicação dos referidos métodos indirectos, mas não já quanto às questões puramente jurídico-formais.
7ª A exigência do procedimento de revisão prévio à impugnação judicial justifica-se somente quanto às questões factuais (à existência ou suficiência da contabilidade, aos indícios que se teria baseado a Administração Tributária, aos valores por ela determinados, etc.), mas não já quanto a questões exclusivamente de Direito relacionadas com a possibilidade de recurso a este método de avaliação da matéria tributável. Tanto mais que os intervenientes do referido procedimento de revisão são em geral pessoas habilitadas apenas nas questões técnicas, contabilísticas e outras, que de resto não têm sequer de ter formação jurídica. Por essa razão, entende a ora Recorrente que o disposto no artigo 85.º da LGT não veda a possibilidade de, mesmo sem ter sido iniciado procedimento de revisão, as questões puramente jurídicas não possam ser objecto de análise judicial no âmbito de Impugnação Judicial.
8ª Principalmente considerando que de acordo com o artigo 104.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o rendimento das pessoas colectivas e respectiva tributação terá de ser efectuada por referência ao lucro real, mesmo quando a matéria seja apurada com métodos indirectos, e muito menos pela ausência de um procedimento prévio pode obstar ao conhecimento pelo Tribunal Recorrido de uma prática administrativa contrária à constituição – por violação do disposto nos artigos 87.º e seguintes da LGT e, consequentemente do referido artigo 104.º da Constituição.
9ª Finalmente, e independentemente de tudo quanto se disse, sempre se diga que não poderá colher a tese sufragada pelo ilustre Tribunal recorrido de que “nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis”, não se restringe o alcance deste normativo a determinadas circunstâncias, abarcando, outrossim, todos os casos em que o lucro tributável fixado se encontra influenciado por apuramento efectuado com recurso à aplicação de métodos indirectos”.
10ª Ora, é manifesto, com efeito, que o referido preceito não pode ser interpretado de forma literal, no sentido de excluir a dedução de prejuízos com referência à totalidade da matéria colectável corrigida, quando, como no caso vertente, concorram correcções por recurso a métodos directos e indirectos. Isto porque, tal como entendeu o Tribunal Recorrido, quanto muito, a matéria tributável da recorrente apenas em parte (menos de 17%) teria sido determinada com recurso a tal método de fixação da matéria colectável. Razão pela qual, bem entendida a norma, considerando a sua ratio e dentro do sistema em que se insere, obriga a uma leitura conjugada do artigo 15.º n.ºs 1 e 2 do Código do IRC, com o aludido artigo 52.º (então 47.º) do mesmo código.
11ª Resultando desse exercício que, em nenhum caso, mesmo verificando-se a aplicação de métodos indirectos, a dedutibilidade de prejuízos fiscais (que de resto é, em princípio imposta aos sujeitos passivos) se encontra absolutamente vedada. E não se encontrando absolutamente vedada a dedutibilidade de prejuízos fiscais em função do método da determinação da matéria tributável, a mesma sempre teria de se admitir, in casu, até ao limite da parte da matéria tributável que foi – até no entendimento do Tribunal Recorrido – objecto de determinação pelo método directo.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR ACÓRDÃO QUE JULGUE A IMPUGNAÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE.
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, ao decidir não ser admissível a dedutibilidade de prejuízos fiscais de anos anteriores ao lucro tributável, com referência ao exercício de 2002, na medida em que a matéria tributável nesse ano foi fixada por recurso a métodos indirectos, por aplicabilidade do disposto no artigo 47.º, n.º 2 do Código de IRC.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com relevância para a decisão a proferir resultam, provados os seguintes factos:

1. A Impugnante, entre 11.02.2005 e 18.03.2005, foi sujeita a uma acção inspectiva, credenciada pela OI 200501603, de onde resultaram propostas correcções à matéria tributável, para efeitos de IRC, de 87.671,24 euros, com base no relatório inspectivo que apresenta o seguinte teor [cfr. relatório de fls. 21-27 do processo administrativo apenso aos autos]:

IV MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1. A actividade exercida pela empresa reporta-se à produção de artigos cerâmicos de utilização na construção civil, designadamente, tijolos refractários, tijoleiras rústicas, etc.
2. No exercício em análise a actividade de produção já estava praticamente paralisada tendo-se verificado aquisições de matéria prima de apenas € 3 827,49. Deste modo, verificou-se que as vendas efectuadas, no montante de € 227 798,42, foram desenvolvidas à custa da variação de stocks, seja de produtos acabados e em curso (€ 156 356,43), seja de mercadorias (€ 91 055,27) ou matérias primas (2 172,58). Registe-se que, relativamente às mercadorias, foi contabilizada uma regularização de existências a dar origem a uma quebra de stock inicial de € 30 760,56.
3. A análise da rentabilidade bruta evidenciada pela contabilidade revela um valor negativo verificando-se que para as referidas vendas (227 798,42) a repartir por
• Vendas de mercadorias ------- 53360,02
• Vendas de produtos ----------- 174438,40
Os correspondentes custos totalizam (249 584,28), sendo
• custo de matérias-primas -------- 2 172,58
• variação de produção ----------- 156356,43
• custo da mercadoria -------------- 91 055,27
4. Constata-se, desde logo, que, enquanto as vendas de produtos proporcionam uma margem de lucro que, ignorados alguns custos com mão de obra, se poderá situar nos 9% sobre o preço de venda, as vendas de mercadorias, mesmo já tomando em linha de conta com a regularização de existências mencionada, conduz a vendas globalmente abaixo do preço de custo.
5. Encetadas diligências no sentido de apurar a margem de lucro obtida na amostra seleccionada entre as vendas efectuadas, quer de produtos quer de mercadorias, verificou-se que no geral todas elas eram propiciadoras de margens positivas, sendo certo que nas mercadorias os valores eram mais reduzidos.
6. Desta forma com vista a apurar, com a máxima objectividade, as razões que poderiam estar na base da contabilização de margem de lucro bruta negativa, entendeu-se dirigir os procedimentos de análise para o sector das mercadorias e, designadamente, enveredar pela execução de controlo físico dos movimentos. Partiu-se, assim, do inventário inicial (Doc. 1) para, por comparação com o final (Doc. 2), encontrar a natureza das mercadorias consumidas e verificar se todas elas tinham sido objecto de facturação, constando esta da listagem das vendas por artigo obtida do sistema informático de facturação (Doc. 3).
7. Tal controlo permitiu concluir pela falta de justificação para o consumo, já que não tem reflexo em vendas, das unidades que constam do mapa anexo (Doc. 4) no valor global, valorizado ao preço de custo que figura no inventário inicial, de € 87 671,28.
Face ao exposto, porque as mercadorias em causa terão que se presumir transaccionadas, verifica-se que a contabilidade encerra omissões de proveitos, face ao consumo de mercadorias não justificadas pelas vendas e/ou stock final contabilizado, pelo que, na falta de conhecimento concreto e objectivo das transacções praticadas, se verifica a necessidade de utilização dos métodos indirectos de tributação a que se referem os art.°s 87° e 88° da LGT, para estimar o valor de tais vendas e, assim, do lucro tributário do exercício.
V CRITÉRIOS E CALCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A METODOS INDIRECTOS
Não obstante verificar-se que nas vendas objecto da amostragem foi obtida margem de lucro positiva, considerando que a empresa no exercício em causa vivia um período de liquidação de património, bem como, que nalgumas (poucas) situações controladas (mercadorias) as unidades vendidas eram superiores às consumidas, entende-se que o valor das vendas em falta de facturação/contabilização deverá corresponder ao quantitativo do correspondente custo e, daí, concluir-se pelo total de € 87 671,28.
(…)
IRC
Lucro Tributável Declarado --------------456.374,45
Correcções -------------------------------------------87.671,24
Lucro Tributável corrigido ---------------544.045,69 (…)”

2. Em 15.07.2005, pelo ofício 23653/0507, datado de 08.07.2005, foi comunicado à Impugnante o relatório de inspecção tributária e a decisão, de 30.06.2005, de fixação da matéria tributária por métodos indirectos para efeitos de IRC, em 544.045,69 euros, com base no teor mesmo relatório, com referência da possibilidade de solicitar a revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, no prazo de 30 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção [cfr. ofício 23653/0507, registado junto dos CTT em 12.08.2005 e aviso de recepção, de fls. 18 a 20 do PA e documento n.º 1 de fls. 9 do processo físico junto pela Impugnante].
3. À Impugnante foi comunicada a demonstração da liquidação de IRC emitida em 16.11.2005, com o n.º 2005 8310121092, relativa ao exercício de 2002, no valor a pagar de 193.868,52 [cfr. nota demonstrativa da liquidação que integra o documento n.º 1 junto pela Impugnante à reclamação graciosa, a fls. 12-13 da mesma reclamação, anexa ao processo administrativo apenso aos autos].
4. Em 28.12.2005, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida no ponto anterior [cfr. fls. 2 e 44 da reclamação graciosa apensa ao processo administrativo].
5. Em 28.08.2006, foi comunicada ao Impugnante a decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior, que apresenta, além do mais, o seguinte teor:
“Vem o “SP” supra identificado apresentar reclamação graciosa da liquidação de IRC do ano de 2002 que lhe está a ser exigida, alegando:
Que sofreu uma correcção à matéria colectável desse mesmo ano no valor de 87.671,24 € o qual elevou o lucro fiscal de 456.374,45 € para 544.045,69 (fls. 15).
Correcção esta que em nada afecta a nota de liquidação n.º 2004 2910389421 de 2004-10-30, da qual resultou o valor zero, visto a empresa apresentar prejuízos fiscais anteriores muito superiores ao lucro fiscal corrigido, e aqui em análise.
(…)
Refere o n.º 2 do art.º 47.º do CIRC, que nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, não é permitida a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos.
Nesta conformidade, está correcta a liquidação efectuada pela administração fiscal.
Face ao exposto, será de indeferir o pedido”.
6. A petição inicial desta impugnação foi apresentada em 12.09.2006 [cfr. data do registo n.º RO684981540PT, aposta na vinheta dos ctt colada no envelope de fls. 12 do processo físico].
*
Com interesse não se apuraram outros factos, provados ou não provados.
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A motivação do tribunal quanto aos factos provados assentou no teor das peças processuais e na apreciação da prova documental, considerando-se provados os factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, foram corroborados pelos documentos integrados no processo físico e no processo administrativo e reclamação graciosa anexos aos autos, que se enunciaram junto a cada um dos factos assentes.
O ponto 5 resultou provado, em função da análise do despacho de 16.06.2006, exarado na sequência de parecer com a mesma data e informação de 10.05.2006, a fls. 42-43, e do ofício 77719/0403 de 23.08.2006, registo dos CTT n.º RM10573574PT de 25.08.2006 e impressão do sítio informático dos ctt de fls. 50-52 da reclamação graciosa apensa ao processo administrativo.
Considerando a solução jurídica encontrada para as questões a resolver, não se atendeu, por desnecessidade, a outros meios de prova.”

3. O Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação dirigida ao indeferimento da reclamação graciosa, em que visou a liquidação de IRC do ano de 2002.
Alega a Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, por o tribunal “a quo” não ter indagado se os actos e procedimento de avaliação da matéria tributável praticados se subsumiam, efectivamente, na aplicação de métodos indirectos, na medida em que não está vinculado ao alegado (por vezes errado) pelas partes. Sustenta, ainda, que a limitação constante do artigo 86.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária (LGT) apenas se aplica às questões de facto e valores (quantificação) e não quanto às questões de direito relacionadas com a possibilidade de recurso a este método de avaliação indirecta. Acrescenta não poder colher a tese de que nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, tanto mais que concorrem correcções por métodos directos e indirectos.
A Recorrente insiste que as questões a apreciar pelo tribunal recorrido não seriam aquelas a que se propôs e veio a responder, mas se no caso se estaria perante uma situação de fixação da matéria tributável por métodos indirectos. Nessa sequência, entende a ora Recorrente que o Tribunal não poderia deixar de considerar que, no caso em apreço, a fixação da matéria tributável teria sido efectuada por método directo, o que levaria à anulação do acto de liquidação objecto da mesma, pois seria admissível a dedutibilidade dos prejuízos fiscais em causa nesse ano de 2002.
Ora, não vislumbramos que o tribunal recorrido tenha realizado uma deficiente interpretação das questões enunciadas na petição inicial, que se reconduzem, essencialmente, à circunstância de a AT ter adoptado métodos indirectos para fixar o lucro tributável e a Recorrente defender que não se encontravam verificados os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos.
Quanto a esta questão, de forma correcta, o tribunal recorrido julgou o seguinte:
“(…) No que respeita à primeira parte da alegação da Impugnante, importa atender a que o artigo 86.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária [LGT] impõe, como condição da impugnação judicial de liquidação fundada em erro na quantificação ou nos pressupostos para a determinação da matéria colectável por métodos indiretos, a dedução de pedido de revisão da matéria coletável de acordo com o disposto no artigo 91.º da mesma LGT.
Por sua vez, do disposto no artigo 117.º, n.º 1 do CPPT resulta que tal pedido de revisão só é obrigatório nos casos em que a impugnação judicial tem por fundamento o erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos.
Deste modo, a apresentação daquela reclamação configura uma condição de procedibilidade da impugnação, com fundamento nos mencionados vícios, sendo certo que, a ausência da sua dedução não obsta a que, na impugnação judicial, se conheçam outros vícios relativamente aos quais não se verifica a falta da referida condição, como seja a verificação de qualquer ilegalidade da liquidação, designadamente, pela ausência de consideração do valor inerente aos prejuízos fiscais que haviam sido declarados [neste sentido, entre outros, cfr. os acórdãos do TCAS de 09.03.2017, no processo 08869/15 e do STA de 17.06.2015, no processo 01722/13, de 30.04.2013, no processo 0383/13 e de 20.06.2012, no processo 0165/12]. (…)”
Assim, a impugnante alegou na sua petição de impugnação que, na sequência de acção inspectiva efectuada em 2005, os serviços de inspecção concluíram pela omissão de proveitos, face ao consumo de mercadorias não justificadas pelas vendas e pelo stock final contabilizado e, como consequência, decidiram pela aplicação de métodos indirectos, tendo efectuado a correcção do lucro tributável, que foi fixado em €544.045,69. Logo, aponta claramente para a adopção de métodos indirectos, no entanto, não se encontrariam verificados os pressupostos para a aplicação desses métodos indirectos.
Considerou, ainda, que mesmo que estivessem verificados aqueles pressupostos, a liquidação é ilegal, porque não ocorre a impossibilidade de dedução dos prejuízos fiscais pelo facto de ter havido lugar à determinação do lucro tributável por métodos indirectos, dado que os valores apresentados na declaração modelo 22 foram integralmente aceites, e, ainda que assim não fosse entendido, então, a limitação decorrente do normativo (artigo 47.º, n.º 2 do Código de IRC) apenas seria aplicável à parte do lucro tributável resultante da aplicação dos métodos indirectos.
Verificamos, então, que a partir do artigo 22.º da petição inicial, a impugnante redirecciona o seu alvo, afirmando que o seu lucro tributável não foi efectuado com base em métodos indirectos de avaliação, já que os valores apresentados na declaração modelo 22 foram integralmente aceites. No artigo 23.º da petição de impugnação, a impugnante admite que são adoptados métodos indirectos nos casos em que o lucro tributável é posto em causa e integralmente substituído por outro que supostamente corresponde à exacta situação patrimonial da entidade objecto de fiscalização.
Tomando como ponto de partida o documento anexo à petição inicial, consubstanciado na fixação do lucro tributável da Recorrente, observamos que o mesmo foi determinado nos termos do artigo 54.º do Código de IRC, referindo-se expressamente que o lucro tributável foi totalmente fixado por métodos indirectos, no montante de €544.045,69, remetendo a respectiva fundamentação para o relatório de inspecção tributária, para os pontos IV e V, que se referem aos motivos, aos critérios e aos cálculos por métodos indirectos, conforme consta da decisão da matéria de facto, aludindo-se ao artigo 87.º, alínea b) e ao artigo 88.º, alínea b) da LGT; não restando, pois, qualquer dúvida quanto ao apuramento e fixação do lucro tributável por métodos indirectos. Salientamos não terem sido efectuadas quaisquer correcções meramente aritméticas e, não obstante a AT ter tido por base o lucro declarado, o certo é que o lucro tributável corrigido substitui o que foi declarado no exercício.
Nesta conformidade, chamando à colação o acto definitivo de fixação do lucro tributável (pois não foi realizado o pedido de revisão da matéria tributável), efectuado em 30/06/2005, mostra-se claro que o lucro tributável foi, realmente, obtido por recurso a métodos indirectos, dado que o declarado foi substituído por outro que corresponderá à exacta situação patrimonial da Recorrente. É impossível afirmar que a AT aceitou o lucro tributável declarado, como o fez a impugnante no artigo 24.º da petição inicial, dado ter sido corrigido e substituído por um novo lucro tributável, mais elevado que o declarado, no valor de €544.045,69.
Se tal realidade não podia ter legalmente ocorrido, por a AT dispor de elementos que lhe permitiam optar por realizar uma avaliação directa, trata-se de questão que não se poderá explorar, por contender com a verificação dos pressupostos para recorrer à avaliação indirecta, cuja análise dependia de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável – cfr. artigo 117.º, n.º 1 do CPPT e Acórdão do TCA Norte, de 23/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 00063/06.5BEMDL – como se decidiu na sentença recorrida:
“ (…) Recapitulando o que resulta do probatório, apurou-se que a Impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva que incidiu sobre o exercício de 2002 e recebeu a comunicação do relatório de inspecção tributária e da decisão, de 30.06.2005, que fixou a matéria tributária por métodos indirectos, para efeitos de IRC, em 544.045,69 euros, com a indicação de que o meio de reacção contra a decisão de fixação da matéria colectável seria o da apresentação do pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, no prazo de 30 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção [pontos 1 e 2 do probatório].
Posteriormente, a Impugnante recebeu a comunicação da demonstração da liquidação de IRC, emitida em 16.11.2005, com o n.º 2005 8310121092, relativa ao exercício de 2002, no valor a pagar de 193.868,52 [ponto 3 do probatório], tendo deduzido, em 28.12.2005, reclamação graciosa contra a mesma liquidação, insurgindo-se contra a ausência de consideração dos prejuízos fiscais relativos a anos anteriores, por entender que a correcção decorrente da acção inspectiva não devia afectar a anterior nota de liquidação n.º 2004 2910389421, de 30.10.2004, da qual resultou o valor zero, visto a empresa apresentar prejuízos fiscais de anos anteriores muito superiores ao lucro fiscal corrigido, o que não foi atendido pela AT, que indeferiu a reclamação com base no n.º 2 do artigo 47.º do CIRC [pontos 4 e 5 do probatório].
Ante a comunicação do indeferimento da reclamação graciosa, recebida em 28.08.2006, a Impugnante apresentou a presente acção, em 12.09.2006 [pontos 5 e 6 do probatório].
Ora, esta sequência de eventos permite aferir que, no seguimento do recebimento da notificação da decisão da fixação da matéria tributável por métodos indirectos, não foi apresentado o pedido de revisão a que se refere o artigo 91.º da LGT, e, assim, com base na matéria colectável fixada veio a ser emitida a liquidação da qual se apresentou reclamação graciosa e a presente impugnação.
Na verdade, atenta a alegação da Impugnante no âmbito da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação e nesta impugnação, verifica-se que esta considerou que a correcção decorrente da acção inspectiva não afectava a anterior nota de liquidação, da qual tinha resultado o valor zero, visto a empresa apresentar prejuízos fiscais anteriores muito superiores ao lucro fiscal corrigido e, assim, apenas reagiu na sequência da notificação da liquidação, por ter constatado a ausência de repercussão do valor dos prejuízos fiscais.
Assim, no que respeita ao vício da falta dos pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, não se encontra demonstrada a condição de procedibilidade consagrada nos artigos 117.º, n.º 1 do CPPT e 86.º, n.º 5 da LGT [ónus da prova dos pressupostos do direito de impugnar cabe à Impugnante, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT], sendo certo que tal não acarreta a preclusão do direito de reclamar graciosamente ou impugnar o acto tributário com base na alegação de quaisquer outras ilegalidades, como fez a impugnante.
Nos termos do regime legal instituído, sem a prévia dedução de pedido de revisão, a decisão de fixação da matéria colectável por métodos indirectos adquiriu definitividade no que respeita à possibilidade de discussão da verificação dos pressupostos legais para a aplicação de métodos indirectos e quantificação alcançada, e, assim, este não constitui um fundamento com base no qual agora se possa determinar a anulação da liquidação.
Deste modo, a repercussão da ausência da referida condição de procedibilidade impõe, agora, que se determine a improcedência da alegação da Impugnante no que respeita ao referido vício. (…)”
Nestes termos, não restam factos invocados na petição inicial que permitissem um diferente enquadramento jurídico (mesmo não estando sujeito o tribunal à qualificação jurídica efectuada pelas partes), pois não identificamos qualquer factualidade invocada que permita retirar a ilação, considerados os elementos probatórios à nossa disposição, que o lucro tributável foi fixado por método directo, ainda que apenas parcialmente.
Esta última asserção surge porque no derradeiro articulado da petição a impugnante ainda alega que a limitação resultante do artigo 47.º, n.º 2 do Código de IRC apenas será aplicável à parte do lucro tributável resultante da aplicação dos métodos indirectos de avaliação e não à que resulta da declaração modelo 22 apresentada pela impugnante.
Neste contexto, continuamos a confirmar o julgamento realizado em primeira instância:
“(…) Relativamente à segunda parte da alegação da impugnante, importa atender ao disposto no artigo 47.º do CIRC, a respeito da dedução de prejuízos fiscais [na redacção conferida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, por ser a aplicável à data, correspondente com alterações ao actual artigo 52.º], que estabelece do seguinte modo:
“1 - Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, ainda que se encontrem dentro do período referido no número anterior, não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos.
3 - A determinação do lucro tributável segundo o regime simplificado não prejudica a dedução, nos termos do n.º 1, dos prejuízos fiscais apurados em períodos anteriores àquele em que se iniciar a aplicação do regime, excepto se da aplicação dos coeficientes previstos no n.º 4 do artigo 53º, isoladamente ou após a referida dedução de prejuízos, resultar lucro tributável inferior ao limite mínimo previsto na parte final do mesmo número, caso em que o lucro tributável a considerar é o correspondente a esse limite [este n.º 3 com a Redacção do Decreto-lei n.º DL 198/2001, de 3 de Julho].
Assim, o n.º 1 do artigo 47.º estabelece a regra geral de que os prejuízos fiscais “apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores”, todavia, o n.º 2 estabelece um limite ou restrição à aplicação da regra do n.º 1, determinando que, fora os casos previstos no n.º 3, “nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, ainda que se encontrem dentro do período referido no número anterior, não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos”.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 47.º do CIRC, o sujeito passivo que obtém, num determinado exercício, um resultado fiscal positivo, pode ver esse resultado diminuído ou, até, eliminado pela consideração dos prejuízos que tenham ocorrido nos seis exercícios anteriores, no entanto, o n.º 2 deste preceito estabelece um limite à aplicação da regra da dedutibilidade dos prejuízos, não a permitindo nos exercícios em que o lucro tributável seja apurado com base em métodos indiciários, sem prejuízo, ainda assim, de os prejuízos fiscais pretéritos poderem ser deduzidos, dentro do referido limite temporal, em qualquer exercício em que o lucro tributável seja apurado sem recurso a métodos indiciários.
Em suma, nos termos conjugados do n.º 1 e 2 do artigo 46.º do CIRC, os prejuízos fiscais não são dedutíveis nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indiciários ainda que se encontrem dentro do referido período não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro do período definido, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos.
A Impugnante argumenta não se aplicar a impossibilidade de dedução dos prejuízos fiscais pelo facto de ter havido lugar à determinação do lucro tributável por métodos indirectos de avaliação mas terem sido integralmente aceites os valores da sua declaração modelo 22, e, ainda, que assim não seja entendido, então, a limitação decorrente deste normativo apenas será aplicável à parte do lucro tributável resultante da aplicação dos métodos indirectos.
Face ao alegado e com vista à clarificação do regime legal estabelecido, salienta-se que o escopo da avaliação directa é a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e, como resulta do artigo 83º, nº 1 da LGT, em princípio, a matéria tributável é avaliada ou calculada directamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, procedendo-se à avaliação de rendimentos ou valores sujeitos a tributação com base em critérios objectivos [artigos 81º, nº 1 e 84º, nº 1 da LGT].
No sistema de avaliação directa, o apuramento da matéria tributável baseia-se no cumprimento dos deveres de cooperação por parte do sujeito passivo, que na declaração de rendimentos qualifica e quantifica o rendimento obtido, autoliquidando o imposto a pagar, devendo esclarecer, quando solicitado, os critérios utilizados e a sua aplicação na determinação dos valores que declarou [artigo 84º nº 2 da mesma Lei].
Uma vez que aquele método assegura uma maior aproximação ao rendimento real e à capacidade contributiva, a lei impõe que apenas se recorra à avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei [carácter de excepcionalidade, artigo 81º, nº 1, última parte] e que a avaliação directa seja preferida, sempre que possível, relativamente à avaliação indirecta [carácter de subsidiariedade, artigo 85º, nº 1].
Por sua vez, o sistema de avaliação indirecta tem por finalidade determinar o valor dos rendimentos ou bens tributáveis, partindo de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha [artigo 83º, nº 2], sendo justificada por uma necessidade imposta pela violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo, e, assim, apenas se mostrando legítima nos casos expressamente previstos na lei, exigindo-se, ainda, que, sempre que possível, também na avaliação indirecta sejam observadas as regras da avaliação directa, conforme o disposto no artigo 85.º, nº 2 da LGT.
Em suma, a avaliação directa assenta, na análise da declaração do contribuinte ou nos elementos da sua contabilidade e dá origem a correcções técnicas, meramente aritméticas [que não acarretam um juízo subjectivo sobre a realidade dos factos] ou a correcções técnicas que envolvem um juízo de ponderação sem, no entanto, implicarem o recurso a presunções [neste sentido o Acórdão do TCAS de 29.05.2014, no processo 07497/14] e, a avaliação indirecta, assenta na violação dos deveres de colaboração do contribuinte que redunda na ausência, falta de apresentação ou deficiência dos elementos declarativos ou da contabilidade, e visa a fixação da matéria colectável com recurso a indícios e presunções, atenta a impossibilidade de chegar a um resultado objectivo extraído da escrita do sujeito passivo ou da sua declaração, neste caso observando sempre que possível as regras da avaliação directa [artigo 83.º, n.º 2 e 85.º, n.º 2 da LGT].
Deste modo, mesmo quando recorre à avaliação indirecta, a AT deve, ainda assim, sempre que possível, observar as regras da avaliação directa, conforme o disposto no artigo 85.º, nº 2 da LGT e pode lançar mão, nos termos do disposto no artigo 52.º do CIRC e 90.º da LGT, de todos os elementos de que disponha, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, relativos a esse exercício ou a outro.
Retomando a factualidade assente, verifica-se que, foram efectuadas correcções à matéria tributável decorrentes de avaliação indirecta de € 87.671,24, as quais somadas ao lucro tributável declarado do exercício perfizeram um lucro tributável corrigido, por aplicação de métodos indirectos, que totaliza € 544.045,69. Estas correcções, foram fundamentadas, além do mais, do seguinte modo: “(…) porque as mercadorias em causa terão que se presumir transaccionadas, verifica-se que a contabilidade encerra omissões de proveitos, face ao consumo de mercadorias não justificadas pelas vendas e/ou stock final contabilizado, pelo que, na falta de conhecimento concreto e objectivo das transacções praticadas, se verifica a necessidade de utilização dos métodos indirectos de tributação a que se referem os art°s 87° e 88° da LGT, para estimar o valor de tais vendas e, assim, do lucro tributário do exercício. (…) Não obstante verificar-se que nas vendas objecto da amostragem foi obtida margem de lucro positiva, considerando que a empresa no exercício em causa vivia um período de liquidação de património, bem como, que nalgumas (poucas) situações controladas (mercadorias) as unidades vendidas eram superiores às consumidas, entende-se que o valor das vendas em falta de facturação/contabilização deverá corresponder ao quantitativo do correspondente custo e, daí, concluir-se pelo total de € 87.671,28”[cfr. parte final do teor do RIT acolhido no ponto 1 e decisão de fixação do ponto 2 do probatório].
Pois bem, não há dúvida de que a AT recorreu à aplicação de métodos indirectos na fixação da matéria tributável do exercício de 2002 e que, no âmbito da determinação da matéria tributável utilizou, além do mais, os valores apresentados na declaração modelo 22 do sujeito passivo inspecionado, de acordo com o que a lei determina dever acontecer, sempre que possível, nos termos do disposto no artigo 85.º, n.º 2 e 90.º da LGT e artigo 52.º do CIRC.
Desta circunstância não decorre, porém, que o apuramento do lucro tributável deixe de ter ocorrido com recurso à aplicação de métodos indirectos e, assim, nesse exercício, os prejuízos fiscais não sejam dedutíveis conforme determinado pelo n.º 2 do artigo 47.º do CIRC.
Com efeito, quando ali se refere que, “nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis”, não se restringe o alcance deste normativo a determinadas circunstâncias, abarcando, outrossim, todos os casos em que o lucro tributável fixado se encontra influenciado por apuramento efectuado com recurso à aplicação de métodos indirectos [quanto ao disposto no n.º 2 do artigo 47.º, veja-se o acórdão do TCAN de 27.11.2014, no processo 00901/06.2BECBR].
Com base nas razões expostas, na liquidação de IRC do exercício de 2002, emitida na sequência da decisão da fixação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, os prejuízos fiscais dos anos anteriores, não são dedutíveis, nos termos do disposto no artigo 47.º, n.º 2 do CIRC, impondo-se determinar a improcedência da presente impugnação.”
Efectivamente, a apreciação da suscitada ilegalidade da liquidação, por não consideração do valor dos prejuízos fiscais relativos a anos anteriores, não dependia do accionamento do referido procedimento de revisão da matéria tributável.
Na óptica da Recorrente, tais prejuízos deverão ser sempre atendíveis, como ressalta de leitura conjugada do artigo 15.º, nºs 1 e 2 do Código de IRC com o artigo 52.º, então artigo 47.º, do mesmo Código de IRC.
A sentença recorrida pronunciou-se correctamente, na nossa perspectiva, sobre a questão, fazendo uma análise distintiva sobre os sistemas de avaliação directa e indirecta, mas ressalvando a possibilidade de, na determinação da matéria colectável por métodos indirectos (na totalidade), poderem ser usados elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, sem que isso signifique um desvio a esse método de avaliação.
Na verdade, o artigo 90.º da LGT, relativo à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, prevê, na alínea d) do seu n.º 1, que se poderá ter em conta os elementos e informações declarados à administração tributária.
No entanto, à luz da invocada norma do artigo 47.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de IRC, à data dos factos, «(…) os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
2- Sem prejuízo do disposto no número seguinte, nos períodos de tributação em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, ainda que se encontrem dentro do período referido no número anterior, não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos».
O artigo 47.º do Código de IRC (na redacção à data dos factos - tempus regit actum) trata da dedução dos prejuízos fiscais, consagrando os seus nºs. 1 e 2 o denominado reporte de prejuízos ou perdas, o que, contrariando, embora, o princípio da autonomia ou especialidade dos exercícios, se justifica por razões tanto de equidade como de incentivo à assunção de riscos. Nos termos do preceito citado os prejuízos fiscais, não dando origem à liquidação de imposto, são susceptíveis de dedução nos lucros dos seis anos seguintes.
A interpretação deste artigo já foi colocada várias vezes ao nosso mais Alto Tribunal, com referência a anteriores versões do Código de IRC, mas também posteriores – artigo 52.º, n.º 2, - sendo as normas equivalentes.
Cremos que, actualmente, existe orientação jurisprudencial firme, consolidada e unânime – cfr. os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 09/11/2005, proferido no processo n.º 495/05, de 25/05/2011, proferido no âmbito do processo n.º 865/10, de 01/06/2011, no processo n.º 129/11, de 31/05/2017, no processo n.º 17/16, ou de 28/11/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0369/14.0BELLE 01043/17.
Vamos, pois, remeter para a fundamentação do citado Acórdão do STA, de 31/05/2017, onde a questão foi tratada:
«(…) cfr. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária; Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação administrativa, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 173, Lisboa, 1995, nota 452 de pp. 453/454: No regime actualmente definido pelo n.º 2 do art. 46.º do Código do IRC, – correspondente ao n.º 2 do artigo 47.º do mesmo Código na redacção em vigor à data dos factos (2009) – em exercícios com lucros praticados segundo métodos indiciários os prejuízos não são dedutíveis. Mas podê-lo-ão ser em exercícios posteriores, calculados segundo os métodos normais, se não tiver havido preclusão temporal deste direito, não havendo razões para deles dissentir.
Consignou-se no Acórdão deste STA de 9 de Novembro de 2005, rec. n.º 0495/05 perante norma semelhante ao artigo 47.º do Código do IRC (em vigor em 2009), em resposta ao argumento sistemático ainda agora invocado pela recorrente Fazenda Pública:
«(…) diz a Administração Fiscal, o número 1 do artigo 46.º do CIRC fala de «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores». Ora, como as disposições anteriores não se referem ao apuramento de resultados por métodos indirectos, de que só adiante o Código se ocupa, o legislador só admite a dedutibilidade dos prejuízos apurados a partir da contabilidade, e só deles. E, sendo esta a única norma que se ocupa da dedutibilidade de prejuízos, os apurados por métodos indiciários não são, nunca, dedutíveis.
Há várias razões que impossibilitam esta leitura da norma.
Desde logo, a sua letra:
Não é verdade que as normas anteriores ao artigo 46º. se refiram, exclusivamente, ao apuramento da matéria colectável pelo método directo. O artigo 16.º enuncia os métodos para a determinação da matéria colectável, referindo, expressamente, a possibilidade de o ser por via indiciária.
Por outro lado, se o legislador quisesse obstar ao reporte dos prejuízos apurados por métodos indirectos diria isso mesmo, de modo afirmativo. Mas não só o não fez, claramente, no n.º 1, como no número 2 do artigo 46.º, voltando a referir-se aos prejuízos anteriormente apurados, para dizer quando podem e quando não podem ser deduzidos, não distingue o modo do seu apuramento.
Por último, a impossibilidade de reporte de prejuízos apurados por métodos indirectos seria incompatível com a regra da solidariedade dos exercícios e com a da tributação conforme a capacidade contributiva e de acordo com o rendimento real.
A capacidade contributiva de um sujeito passivo de IRC não se revela, só, pelo benefício obtido num determinado período de tempo, artificialmente autonomizado: essa capacidade, assim patenteada, está inflacionada se ele suportou anteriormente perdas, uma vez que o resultado positivo vai ser aplicado na compensação do anterior prejuízo. E as perdas não deixam de o ser só porque não foram apuradas a partir dos seus elementos contabilísticos, mas a partir de índices de que a Administração fez uso. Por detrás do resultado fiscal não deixa nunca de estar o facto tributário, independentemente do método por que se chegou ao seu apuramento e quantificação. É que não há tributação sem facto tributário, seja qual for o modo como este se patenteie – por acção do contribuinte, declarando-o ou evidenciando-o na sua contabilidade, ou por acção da Administração, pelo conhecimento que lhe chegou por qualquer meio, ou extraindo-o de elementos seus conhecidos.
Assim, o facto tributário, e a respectiva quantificação, a que a Administração chega mediante métodos indirectos, não deixa de ser um verdadeiro facto tributário, tão verdadeiro como o que é revelado pelas contas do sujeito passivo. A Administração age utilizando índices, partindo de factos que conhece para aceder a outros, desconhecidos, mediante métodos indiciários, socorrendo-se de regras da experiência, assim desembocando na quantificação do facto tributário. Num caso, os factos são evidenciados pela contabilidade; no outro, são apurados pela Administração Fiscal – mas sempre o apuramento da situação contributiva se funda em factos, e a tributação incide sobre o rendimento real.
É verdade que a matéria colectável apurada por métodos indirectos não goza de um grau de certeza tão elevado quanto a que tem a resultante da contabilidade. Mas a diferença não está na substância, mas só no grau, sendo certo que, como já se notou, mesmo uma contabilidade escorreita pode revelar um resultado do exercício discutível. E se, apurada matéria colectável positiva, ainda que por métodos indiciários, se segue a tributação, do mesmo modo que acontece quando aquela matéria resulta da contabilidade, então, também o apuramento de uma matéria colectável negativa através de métodos indirectos não pode ter consequências diferentes das que tem o apuramento contabilístico de um resultado fiscal negativo: o reporte dos prejuízos.
Em súmula, a expressão do número 1 do artigo 46.º do CIRC «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores», não significa que só os prejuízos apurados na base da contabilidade do sujeito passivo são dedutíveis. Deve ser entendida como referência global ao conjunto normativo que o Código dedica à incidência do imposto (artigos 1.º a 7.º), isenções (artigos 8.º a 14.º) e determinação da matéria colectável, sendo certo que, antes do artigo 46.º citado, o artigo 16.º aponta a existência de dois métodos de determinação da matéria colectável: com base na declaração do contribuinte e por obra da Administração. Ou seja, o uso da expressão «nos termos das disposições anteriores» não é sinal excludente do apuramento da matéria colectável por métodos indiciários. (…)»
Em consequência, verificam-se os óbices apontados na sentença recorrida, pois a circunstância de o lucro tributável no exercício de 2002 ter sido obtido com base em método indirecto impede, nesse ano, o reporte de prejuízos fiscais de exercícios anteriores.
Não podemos esquecer que o acto que fixou o lucro tributável em 30/06/2005 se convalidou, por não ter sido formulado pedido de revisão firmou-se na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido, deixando de poder ser invocada a ilegalidade do acto por recurso indevido a métodos indirectos. Se o contribuinte não usar o seu direito de sindicância, na altura devida, “sibi imputat”.
Por outro lado, reiteramos que as correcções realizadas na matéria tributável por acção da AT operam a substituição do lucro tributável declarado pelo contribuinte; o valor apurado (de correcções) não consubstancia um adicional, mas antes uma alteração ao valor declarado, continuando a ser “uno”, sendo o valor final obtido pela AT que corresponderá à exacta situação patrimonial da Recorrente. Logo, é forçoso concluir que o lucro tributável no exercício de 2002 foi apurado e fixado integralmente com base em método indirecto.
Por conseguinte, bem andou a sentença recorrida em considerar não dedutíveis os prejuízos fiscais declarados relativamente aos anos anteriores àquele (2002) a que se reporta a liquidação.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 86.º da LGT e no n.º 1 do artigo 117.º do CPPT, a impugnação do acto de avaliação indirecta, com fundamento na falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos ou no erro na quantificação, só é possível após prévia reclamação (procedimento de revisão da matéria tributável), de acordo com o disposto nos artigos 91.º a 94.º da LGT.
II - O artigo 47.º, n.º 2, do CIRC (redacção em vigor em 2002) não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos, desde que respeitado o limite de tempo nele fixado.
III – In casu, o lucro tributável foi fixado para o ano de 2002 com base em métodos indirectos, impossibilitando, nesse exercício, a dedução de prejuízos de anos anteriores.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 02 de Julho de 2020

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães