Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01136/19.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paulo Moura
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. PROVA DO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA DE FACTO. FACTO CONTROVERTIDO. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS.
DECLARAÇÃO ESCRITA.
Sumário:Sendo controvertido saber se o revertido exerceu ou não a gerência de facto, devem ser realizadas diligências de prova, como a inquirição das testemunhas arroladas.
Recorrente:A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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A., interpõe recurso da Sentença que julgou improcedente a Oposição deduzida contra a reversão da execução fiscal efetuada para cobrança de dívidas de IVA e juros compensatórios de 2016, por entender que não foi notificado para apresentar alegações pré-sentenciais, nos termos do artigo 120.º do CPPT.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1) Existe falta de notificação do Oponente para apresentar nos autos as suas alegações finais, existindo violação dos termos do artigo 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2) O Juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 125º do C.P.P.T. e 660º, nº 2 e 668º, nº 1, alínea d) do C.P. C.).
3) E isto, porque o Tribunal a quo deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer (artigos 99º da Lei Geral Tributária e artigo 13º do C.P.P.T.).
4) Ora, a Meritíssima Juíza “a quo", não apreciou todas as questões postas em crise pelo Oponente, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vício da nulidade da sentença recorrida.
5) Invoca-se desde já erro da Exma. Juiz do Tribunal a quo na aplicação e determinação da norma aplicável ao caso, uma vez que no caso sub judice nunca seria de aplicar a norma prevista na alínea b) do n° 1 do artigo 24° da Lei Geral Tributária, mas sim, a norma prevista na alínea a) do n° 1 do artigo 24° da Lei Geral Tributária.
6) Ora, como demonstram os autos, o Regime de responsabilidade subsidiária a aplicar no presente caso sub judice é o previsto na alínea a) do nº 1, do artigo 24° da Lei Geral Tributária e não o previsto na alínea b) do nº 1, do artigo 24° da Lei Geral Tributária.
7) E isto, porque as dívidas tributárias de IVA e de juros de mora e compensatórios, no valor total de 11.415,89 €, com datas limite de pagamento em 13/12/2018 e 21/01/2019, respectivamente, relativas a IVA, Ano 2016 – 3º Período, foram constituídas no período de exercício do cargo de gerente de direito do Oponente e vencidas posteriormente.
8) Assim, provada que seja a gerência de direito (Certidão Comercial da Sociedade executada), é à Autoridade Tributária e Aduaneira, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto, de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos (artigo 342° do Código Civil e artigo 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária).
9) Ora, a Juíza do Tribunal a quo considerou como provados os factos constantes no nº 1 a 9 do ponto 3.1 da Matéria de facto dada como provada na Douta Sentença recorrida, contudo o teor dos factos constantes nos Pontos 3, 4, 6 e 7, nunca poderiam resultar provados pois o teor desses pontos não correspondem à realidade.
10) Ora, no Ponto 4 da Matéria de facto, referido em 2), página 4 da Douta Sentença recorrida, é notório que o Serviço de Finanças de Feira 3, no caso sub judice, incorreu em erro na aplicação do Regime de responsabilidade subsidiária, pois não se aplica, ao caso sub judice, a alínea b) do nº 1 do artigo 24° da Lei Geral Tributária.
11) Com efeito, a redação estatuída da alínea b) do nº 1, do artigo 24 da Lei Geral Tributária é a seguinte:
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
12) O Ónus da prova, introduzido através das alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 24° da Lei Geral Tributária, parte da distinção fundamental entre dívidas tributárias vencidas no exercício do cargo e dívidas tributárias vencidas posteriormente, como é o caso da alínea a), enquanto na alínea b) se enquadram as dívidas tributárias anteriores ao exercício do cargo.
13) Ou seja, na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária, apenas e só, compreende as dividas tributárias vencidas anteriormente ao exercício do cargo, mas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no exercício do seu cargo, o que não é o caso dos autos.
14) Ou seja, só as dívidas tributárias vencidas anteriormente ao exercício do cargo de gerente por parte do Oponente é que caberia ao oponente o ónus da prova da ausência de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias.
15) Pelo que, o Regime legal no qual se poderia fundar a responsabilidade do aqui oponente pela divida tributária em causa é o previsto na alínea a) do n° 1 do artigo 24° da Lei Geral Tributária, uma vez que o facto constitutivo da divida tributária - IVA e juros de mora e compensatórios, referentes ao 3º Trimestre, num total de 11.415,89 €, ocorreu no exercício do cargo de gerente de Direito e vencida posteriormente, em 13/12/2018 e 21/01/2019, ou seja, datas em que a sociedade já estava encerrada e cessada a sua actividade para efeitos de IVA, como consta no Portal das Finanças.
16) Como aliás se verifica tal facto do Ponto 7 da Matéria de Facto, onde se refere na página 5 da Sentença recorrida o seguinte:
7. O despacho que antecede teve por fundamento a informação dos Serviços, da mesma data, que tem, nomeadamente, o seguinte teor: A sociedade V., LDA., MPC (…) foi constituída a 16/12/2015, sendo designado como gerente: A., por deliberação de 16/12/2015, cuja forma de obrigar exigia a assinatura de um gerente. Iniciou a sua atividade de Comércio por grosso de cortiça em bruto em 04/01/2016, vindo a cessar a atividade, para efeitos de IVA em 17/10/2016, mantendo-se para efeitos de IRC.
Ora, as dívidas em causa e identificadas supra, respeitam ao período em que a empresa esteve em actividade (3º trimestre do ano de 2016) e o prazo do pagamento voluntário terminou em 13/12/2018, no período do exercício do cargo em que o gerente de direito era A..
(…)
17) Nesta conformidade, o Despacho de Reversão não podia, de forma alguma, assentar nos pressupostos da alínea b), do n° 1, do artigo 24° da Lei Geral Tributária, conforme vem referido na página 6 da Douta Sentença recorrida, porque o facto tributário constitutivo ocorreu no período do exercício do cargo de gerente de Direito, mas teve vencimento muito posterior.
18) Ou seja, o Despacho de Reversão, no caso sub judice, só poderia assentar nos pressupostos da alínea a), do nº 1, do artigo 24° da Lei Geral Tributária, porque apesar do facto tributário constitutivo ter ocorrido em 2016 (IVA e juros do 3° Trimestre de 2016), o prazo legal de pagamento verificou-se muito mais tarde, designadamente em 13-12-2018 e 21-01-2019, portanto, teve vencimento posterior e já quando a Sociedade " V., LDA.", NIPC (...), tinha encerrado portas e a sua atividade para efeitos de IVA nas Finanças.
19) Assim, provada que seja a gerência de Direito, é a Autoridade Tributária e Aduaneira, enquanto exequente que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente nominal da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto, bem como a sua culpa na satisfação da dívida ou das dívidas tributárias.
20) Ou seja, de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos, artigo 342º, n° 1, do Código Civil e artigo 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária, pois não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito, o efetivo exercício da função.
21) Ora, no caso dos autos, não existe prova documental de onde possa ser extraída a prática de actos de gestão do oponente em representação da devedora originária no período em causa (3° Trimestre de 2016), designadamente, a aposição da sua assinatura em cheques, contratos, letras ou livranças ou outros títulos de crédito e negócios jurídicos que vinculem a sociedade.
22) Aliás, no Ponto 5. da matéria dada como provada na Douta Sentença é dito o seguinte:
Na sequência da notificação do projecto que antecede, o Oponente exerceu o direito de audição, em 10-09-2019, no qual invocou a sua ilegitimidade por não ter exercido a gerência da sociedade no período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2016, já que a sociedade fechou as portas em 2016, tendo entregue ao contabilista todos os documentos para que ele procedesse à cessação da actividade junto das Finanças, sendo aplicável à reversão a cl. a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, a qual impõe a prova por parte da AT da sua culpa na insuficiência do património da executada, o que não aconteceu (fls. 17 e 18 do processo físico);
23) Ora, o Oponente veio ao processo executivo informar que não exerceu a gerência da sociedade no período de 1 de julho a 30 de Setembro de 2016, já que a sociedade fechou as portas em 2016, tendo entregue ao contabilista todos os documentos para que ele procedesse à cessação da actividade junto das Finanças, sendo certo que é do conhecimento do Oponente que o Técnico Oficial de Contas da empresa executada, o Exmo. Senhor N., é arguido em Processos Crime de Fraude Fiscal, por emissão de faturas falsas em empresas sem qualquer actividade.
24) No Ponto 3 da matéria dada como provada é dito que: “Em 06-10-2017 deu entrada no Serviço de Finanças um requerimento de N., dando conta de que a gerência de facto da sociedade executada, e a pessoa com quem sempre falou no que respeita à tomada de decisões, foi A. (fls. 30 do processo físico);”, contudo nunca se refere ao período que consta nos autos, ou seja, período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2016.
25) Daí que, no caso dos autos, deveria ter sido investigada a verdade material e ouvidas em audiência as testemunhas arroladas, pois não há a mínima prova de que no período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2016, o oponente tenha exercido a gerência de facto.
26) Por isso, o oponente, ora recorrente, considera a Sentença recorrida está ferida de nulidade, porque é contraditória entre os fundamentos e a decisão, quando na página 9 da Douta Sentença refere: “Ora, tendo a reversão sido baseada na alínea b) (bem ou mal) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária".
27) Portanto, constatando a Juiz do Tribunal a quo que o Regime aplicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente, Serviço de Finanças de Feira -3, não é o regime correto, pois devia ter aplicado o regime da alínea a) e não o da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária, é inconcebível ter dito na Douta Sentença que a Reversão foi baseada “na alínea b) (bem ou mal) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária”.
28) E isto, porque é princípio estruturante do processo judicial tributário o princípio do inquisitório pleno, previsto nos artigos 13° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 99º da Lei Geral Tributária, nos termos do qual o Juiz do Tribunal a quo devia ter ordenado as diligências necessárias para a descoberta da verdade material, porque o processo judicial tributário não é um processo de partes.
29) No caso em análise, face à bipartição e diferença de regimes quanto à repartição do ónus da prova que a Lei Geral Tributária introduziu através das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 24°, era e é fundamental apurar qual o Regime de Responsabilidade Subsidiária correto a aplicar ao caso, o que não foi feito pela Juiz do Tribunal a quo.
30) A Douta Sentença recorrida ao julgar improcedente a Oposição, com base no ónus da prova, contudo sem provas e sem saber se a reversão foi "bem ou mal" enquadrada na alínea b) do n° 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária, violou clamorosamente o princípio do Inquisitório, enquanto princípio estruturante do processo judicial tributário (página 9 da Douta Sentença).
31) A prova, a que a Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra obrigada, nos estritos termos da norma invocada como fundamento legal para o chamamento do oponente, aqui recorrente, à execução, não foi feita, como se verifica dos fundamentos da Reversão citados ao Oponente, onde nada consta, ou seja, não existe qualquer prova documental onde possa ser extraída a prática de actos de gestão da oponente em representação da devedora originária, designadamente, a aposição da sua assinatura em cheques, contratos, letras ou livranças ou outros títulos de crédito ou ainda em negócios jurídicos que vinculem a sociedade executada.
32) Pelo que ocorre ilegitimidade de A. para a presente execução.
33) A Entidade Exequente, na Citação de Reversão ao oponente, aqui recorrente, sustenta tal efectividade do cargo meramente no facto de o Contabilista da Sociedade Executada, N., pessoa que se encontra de relações cortadas com o oponente, ter alegadamente enviado uma "Declaração" a dizer que o gerente era o oponente.
34) Ora, tais elementos manifestamente e notoriamente não são suficientes demonstrar a gerência efectiva da devedora originária por parte do Oponente, recorrente, no período aqui em causa.
35) Como supra referido, a entidade exequente não aponta qualquer facto concreto na Citação de reversão, nem faz prova que o Oponente tenha praticado actos que permitissem inferir a sua gerência da devedora originária.
36) Sendo certo que, o oponente, aqui recorrente, não exerceu a gerência de facto no período em causa no ano de 2016. E, sendo este facto um facto negativo relativamente ao oponente, porque o mesmo não exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão, deveria ser a Autoridade Tributária e Aduaneira a fazer a prova do que alega, contudo, como é notório não logrou fazer prova de coisa alguma.
37) Cotejado o teor da Citação da Reversão ao Oponente, aqui recorrente, do qual resultou o chamamento do Oponente ao Processo de Execução Fiscal, é saliente a total ausência de factos concretos que permitam fundar um juízo conclusivo quanto ao efectivo exercício do cargo de gerência pelo Oponente, aqui recorrente, no período em causa.
38) Bastou-se a Citação da Reversão, com a mera consulta dos dados constantes da AT, designadamente, "Insuficiência de bens do devedor originário decorrente do resultado de penhoras efectuadas por aquele órgão de execução fiscal"; "Gerência de direito, conforme Certidão comercial e cadastro da AT" e "Gerência de facto, decorrente de uma Declaração do contabilista".
39) Analisados os fundamentos da reversão constantes da Citação da Reversão, constata-se que ficou por demonstrar e concretizar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte do Oponente, aqui recorrente, sendo que, repete-se, quem está onerado com o peso da prova é o Exequente, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.
40) E que não existe nestes autos, como já se referiu, prova documental de onde possa ser extraída a prática de actos de gestão do Oponente em representação da devedora originária, designadamente, a aposição da sua assinatura em cheques, contratos, letras ou livranças ou outros títulos de crédito e negócios jurídicos que vinculem a sociedade.
41) Assim, in casu, verifica-se a ilegalidade da reversão da execução contra quem, não figurando no título executivo e não sendo responsável pelo pagamento da dívida em cobrança coerciva, surge como parte ilegítima na execução, fundamento da presente oposição.
42) A Douta Sentença recorrida violou normas expressas, designadamente, as estatuídas nos artigos 24°, n° 1 alínea a) e art. 55°, 58°, 74°, n° 1, 77°, n° 1 e 99° da LGT, artigo 13° e 204°, nº 1, alínea b), 125° e 165° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 103°, n° 3,266°, n° 2, e 268°, n° 3, da Constituição da Republica Portuguesa.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V. Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser totalmente procedente e, em consequência, seja ordenada a extinção da execução quanto ao oponente A., a bem da JUSTIÇA.

A Fazenda Pública não contra-alegou.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente, na medida em o tribunal ao não notificar para os termos do artigo 120.º do CPPT, incorreu em omissão insuprível, uma vez que foi junto um documento com a contestação sobre o qual o Oponente não teve oportunidade de se pronunciar, por isso suscetível de influenciar no exame e na decisão da causa; ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorre omissão de formalidade processual relevante e se o Oponente era gerente de facto na data a que respeitam as dívidas tributárias.
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Relativamente à matéria de facto, o Tribunal, deu por assente o seguinte:

3. Matéria de facto
3.1. Factos Provados:
1. Correm termos no Serviço de Finanças de Feira 3 os processos de execução fiscal n.º 3735201801072790 e ap. 3735201901003810, que foram instaurados contra a sociedade V., Lda., contribuinte n.º (…), para cobrança de dívida de IVA e juros compensatórios do terceiro trimestre de 2016, no valor total de € 11.415,89 e acrescido, com prazo limite de pagamento voluntário de 13-12-2018 e 21-01-2019 (fls. 20 do processo físico);
2. Através de ofício n.º 1647, de 27-09-2017, o Serviço de Finanças solicitou a N., na qualidade de TOC da executada originária, informação sobre quem tinha sido o gerente de facto da sociedade (fls. 30 v.º do processo físico);
3. Em 06-10-2017 deu entrada no Serviço de Finanças um requerimento de N., dando conta de que a gerência de facto da sociedade executada, e a pessoa com quem sempre falou no que respeita à tomada de decisões, foi A. (fls. 30 do processo físico);
4. Em 28-08-2019 foi elaborado um projecto de reversão, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e que tem, nomeadamente, o seguinte teor: “Identificação das dívidas:
(…)
Responsabilidade Tributária Subsidiária:
1) De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da fundada insuficiência, de acordo com os elementos que o órgão da execução fiscal disponha do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido. Por seu lado, o n.º 2 do art. 23.º da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece que a reversão contra o responsável subsidiário depende da insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
Tendo em consideração que:
Não foram encontrados bens penhoráveis no SIPE
A empresa se encontra cessada em IVA desde 17/10/2016.
A informação constante do projeto de reversão extraída do processo de execução fiscal 3735201801007084 que se mantém nesta data (fls. 9 dos autos).
Poderá concluir-se pela fundada insuficiência do património da devedora originária, para satisfação das dívidas em cobrança nos autos.
2) Nos termos da b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
3) Por consulta à certidão permanente de registo comercial, que antecede, constatei que é gerente de direito da devedora originária:
A. – NIF (…).
Juntei aos autos os seguintes indícios do exercício da gerência de facto, relativamente ao seguinte responsável subsidiário, A. – NIF (...):
Comunicação por escrito do TOC (fls. 5 dos autos)
Confirmo ainda que não ocorreu a prescrição das dívidas, na esfera da devedora originária e dos responsáveis subsidiários, por aplicação do disposto nos artigos 48.º e 49.º da LGT e 175.º e 176.º do CPPT. (…)” (fls. 19 e 19 v.º do processo físico);
5. Na sequência da notificação do projecto que antecede, o Oponente exerceu o direito de audição, em 10-09-2019, no qual invocou a sua ilegitimidade por não ter exercido a gerência da sociedade no período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2016, já que a sociedade fechou as portas em 2016, tendo entregue ao contabilista todos os documentos para que ele procedesse à cessação da actividade junto das Finanças, sendo aplicável à reversão a al. a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, a qual impõe a prova por parte da AT da sua culpa na insuficiência do património da executada, o que não aconteceu (fls. 17 e 18 do processo físico);
6. Em 24-10-2019 foi, pela Chefe do Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira 3, proferido o seguinte despacho: “Em face do informado, verifica-se que foi exercido o direito de audição prévia pelo gerente A., NIF – (...), dentro do prazo concedido e na sequência de notificação para o efeito, ofício 732 de 23/08/2019.
Ora, sendo minha convicção que o gerente acima indicado exerceu funções de gerência de facto, em face dos indícios carreados para os autos e que os factos alegados no Direito de Audição constante da Informação supra, que aqui se dão como reproduzidos, não puseram em causa, reverto os presentes autos contra o gerente cima citado e melhor identificado no projeto de decisão de reversão, com os fundamentos aí expressos que se dão aqui como integralmente reproduzidos nos termos do presente despacho. Nestes termos, proceda-se à citação pessoal da revertida, para efeitos do disposto no art. 160.º do CPPT, para pagar, no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra eles se reverte, sem juros de mora nem custas, nos termos do n.º 5 do art. 23º da L.G.T., anexando fotocópia do presente despacho. (…)” (fls. 22 e 22 v.º do processo físico);
7. O despacho que antecede teve por fundamento a informação dos Serviços, da mesma data, que tem, nomeadamente, o seguinte teor: “(…) A sociedade V., LDA., NIPC (...) foi constituída a 16/12/2015, sendo designado como gerente: A., por deliberação de 16/12/2015, cuja forma de obrigar exigia a assinatura de um gerente. Iniciou a sua atividade de Comércio por grosso de cortiça em bruto em 04/01/2016, vindo a cessar a atividade, para efeitos de IVA em 17/10/2016, mantendo-se para efeitos de IRC. Ora, as dívidas em causa e identificadas supra, respeitam ao período em que a empresa esteve em actividade (3º trimestre do ano de 2016) e o prazo do pagamento voluntário terminou em 13/12/2018, no período do exercício do cargo em que o gerente de direito era A..
(…)
Os elementos que sustentaram o projeto de reversão e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, foram:
1. Insuficiência de bens da devedora originária, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 153º do CPPT,
2. Ficou demonstrado através de comunicação escrita do Técnico Oficial de Contas da empresa que “a gerência de facto tal como consta no Pacto Social, e de acordo com quem sempre falei no que respeita a tomada de decisões, era da responsabilidade de A., NIF (...)
3. O despacho de reversão assentou nos pressupostos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária, ou seja, o prazo legal de pagamento verificou-se em 13/12/2018 e 21/01/2019, respetivamente, cujo período fazia parte do exercício do cargo do gerente revertido.
A opção da AT, no apuramento da reversão, pela aplicação da alínea a) ou b) do n.º 1 do artigo 24º da LGT, é uma faculdade, e assenta nos pressupostos verificados em cada uma das alíneas.
Porque dos fundamentos constantes do projeto não se verificam os pressupostos da alínea a) do n.º 1 do artigo 24º da LGT, o despacho de reversão assentou nos pressupostos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária, e não da alínea a) do n.º 1 do art. 24º da LGT, como pretendia o revertido.
Ou seja,
O ónus da prova recai sobre o gerente de facto, quando o prazo de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo. Neste caso, a culpa do gerente presume-se pelo facto de a lei considerar que este não podia desconhecer a existência da dívida.
CONCLUSÃO:
Da argumentação constante da audição prévia, não se vislumbram novos elementos que afastassem o revertido da responsabilidade subsidiária, quer ao nível da gestão de facto quer ao nível do ónus da prova a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 24º da LGT. (…)” (fls. 21 a 22 do processo físico);
8. Através do ofício n.º 1016, de 24-10-2019, remetido por correio registado com AR, assinado em 04-11-2019, o ora Oponente foi citado da reversão (fls. 14 a 16 do processo físico);
9. Em 25-11-2019, foi remetida ao Serviço de Finanças, por correio registado, a presente oposição (cfr. fls. 13 v.º dos autos em suporte físico).
3.2. Factos não Provados
Não há factos a dar como não provados com interesse para a decisão da causa. A decisão da matéria de facto assentou na análise crítica dos documentos constantes dos autos, não impugnados, referidos em cada ponto.
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Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar, alega o Oponente, que não foi notificado para apresentar alegações pré-sentenciais, nos termos do artigo 120.º do CPPT. Considera que não teve oportunidade de se pronunciar sobre um documento junto com a contestação da Fazenda Pública, que corresponde a uma declaração assinada pelo técnico oficial de contas, segundo o qual a pessoa com quem sempre tomou decisões foi o Oponente, mas nunca refere o período de reversão das dívidas que consta dos autos, que é de 1 de julho a 30 de setembro de 2016. Daí que, deveria ter sido investigada a verdade material e ouvidas as testemunhas arroladas, pois não há a mínima prova de que no referido período o Oponente tenha exercido a gerência.

Mais alega que as dívidas foram constituídas e vencidas no período em que o Oponente estava nomeado como gerente de direito, por isso competindo à Administração Tributária demonstrar os pressupostos da reversão da execução fiscal. Refere que não existe prova documental nos autos de onde possa ser extraída a prática de atos de gestão no período em causa (3.º trimestre de 2016), sendo que o Oponente veio ao processo executivo informar que não exerceu a gerência da sociedade no período de 1 de julho a 30 de setembro de 2016. Daí que, deveria ter sido investigada a verdade material e ouvidas as testemunhas em audiência, por isso considera que a sentença viola o princípio do inquisitório.

Diz, ainda, que é total a ausência de factos que permitam fundar um juízo conclusivo quanto ao exercício do cargo de gerência pelo Oponente, no período em causa.

Apreciando.
Verificada a tramitação do processo, deteta-se que a Petição Inicial foi apresentada em 20/11/2019; a Contestação foi apresentada em 13/02/2020 (págs. 53 SITAF); que em 10/03/2020, foi proferido despacho que considerou ter o processo todos os elementos para proferir decisão, considerando inútil a inquirição das testemunhas (pág. 64 SITAF); que em 30/04/2020, foi emitido parecer pelo Ministério Público (pág. 68 SITAF); e que em 07/05/2020, foi proferida Sentença (pág. 73 SITAF).

Com a Contestação a Fazenda Pública juntou um documento que corresponde a uma declaração prestada por escrito pelo técnico oficial de contas, nos termos da qual, é referido o seguinte: «(…) tenho a dizer que a gerência de facto tal como consta do Pacto Social, e de acordo com quem sempre falei no que respeita à tomada de decisões, era da responsabilidade de, A. (…)».
Aquela declaração fundamentou a reversão da execução contra o Oponente, sendo que este alega não ter exercido a gerência de facto, no período a que se refere a execução e que não foi realizada a inquirição de testemunhas arroladas, pelo que deveriam ter sido ouvidas.

Significa isto, que estamos diante de um facto controvertido (o exercício ou não da gerência, na data a que alude a reversão de dívidas), que o Tribunal não apreciou convenientemente, pois que parece valorar aquela declaração, mas decidiu não ouvir as testemunhas arroladas pelo Oponente.

Sendo o Oponente gerente de direito, mas rejeitando o exercício de facto da gerência, importa que se produza a prova a oferecida, mormente a testemunhal, já que a documental que se encontra junta aos autos não é suficiente para o esclarecer.

Ora, estando em causa um facto controvertido, a Sentença não o apreciou devidamente, pois não faz o confronto entre as provas apresentadas, precisamente porque recusou um meio de prova, que neste tipo de situações (exercício da gerência) se revela curial realizar, que é a prova testemunhal.

Isto porque, a Sentença aceita a declaração escrita pelo técnico oficial de contas, que é o mesmo que aceitar um depoimento testemunhal escrito, pelo que então também deveria aceitar todos os outros depoimentos testemunhais indicados no processo. Só assim é que o Tribunal pode valorar devidamente a prova e fundamentar convenientemente a sua decisão.

O tribunal a quo ao afastar a prova no pressuposto de ser desnecessária coartou o direito de o Oponente de demonstrar a realidade que alega e do mesmo passo, incorre em erro de julgamento que compromete a decisão da Oposição.

Mostra-se assim que o Tribunal incorreu em erro de julgamento de facto e deficiente instrução da prova, na medida em que afastou a prova testemunhal que é essencial para esclarecer, no conjunto da demais prova, se o Opoente naquele período geria de facto a sociedade originária executada.

Em face do exposto, o défice instrutório que decorre dos autos impõe que se anule a sentença, para que seja completada a instrução pelo tribunal, ao abrigo dos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT, baixando os autos à 1ª instância para produção da prova testemunhal indicada, prosseguindo os ulteriores termos do processo para que se profira nova decisão de acordo com a prova produzida.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

Sendo controvertido saber se o revertido exerceu ou não a gerência de facto, devem ser realizadas diligências de prova, como a inquirição das testemunhas arroladas.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida, para seja realizada a pertinente instrução probatória, conforme acima referido, com vista a proferir nova decisão.
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Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.
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Porto, 23 de junho de 2021.

Paulo Moura
Cristina da Nova
Ana Paula Santos