Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01479/11.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Moura
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL; PROVA DO EXERCÍCIO EFETIVO DA GERÊNCIA.
Sumário:I – Na reversão da execução fiscal, incumbe à Fazenda Pública o ónus de provar o exercício efetivo da gerência de facto por parte do revertido.

II – Não logrando a Fazenda Pública provar o exercício efetivo da gerência de facto pela Oponente, tendo esta até demonstrado que não exerceu de facto a gerência, é a mesma parte ilegítima substantiva na reversão efetuada no processo de execução fiscal.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença que julgou procedente a Oposição deduzida por M., por entender que existe erro na matéria de facto, devendo ter sido dado como provado que a Oponente exerceu a gerência de facto na sociedade devedora originária.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. Nos autos em referência, a douta sentença recorrida julgou a oposição procedente, determinando, consequentemente, a extinção da execução quanto à reversão contra a oponente, por haver concluído que “nenhuma prova foi oferecida por parte da Fazenda Pública tendente à demonstração e validação do pressuposto de facto em que se funda a reversão. No entanto, ao invés, a oponente logrou provar que não praticou atos de gerência na devedora originária”, com o que a Fazenda Pública não se conforma, discordando do probatório fixado, atentas as soluções de direito configuráveis para a decisão da causa, bem como com a aplicação do direito efectuada, atendendo às razões que de imediato passa a expender.
B. Para o efeito de dar como provados e não provados os factos elencados no ponto “III – FUNDAMENTAÇÃO – Factos provados”, o Tribunal alicerçou a sua convicção no teor dos elementos documentais constantes dos autos e nos depoimentos testemunhais, contrapondo a FP:
a. O facto dado como provado no ponto G), encontra-se em contradição com o facto dado como provado no ponto C);
b. Deveria ter sido dado como provado no ponto G) que a oponente, assinou cheques, letras, contratos e outros documentos, em nome da sociedade devedora, porquanto assim exigia a forma de obrigar da dita sociedade, que era pela assinatura conjunta dos dois gerentes (facto provado C)) e porque dos depoimentos de todos as testemunhas ouvidas resulta claro e inequívoco que a oponente assinava letras, cheques e quaisquer outros documentos da sociedade que lhe eram levados de propósito para o efeito de os assinar onde esta se encontrasse, designadamente às feiras onde esta se deslocava.
c. Face à prova de que a oponente assinou letras, cheques e outros documentos da sociedade conjuntamente com o outro gerente e de que a sociedade só se vinculava com a sua assinatura conjunta, sem que se conheçam em concreto que documentos eram esses e se titulavam meios de pagamento de compras ou facturas de vendas, não podia ter sido dado como provado que a oponente não fez quaisquer compras ou vendas, facto H).
d. Face à prova de que a oponente assinou letras, cheques e outros documentos da sociedade conjuntamente com o outro gerente e de que a sociedade só se vinculava com a sua assinatura conjunta, sem que se conheçam em concreto que documentos eram esses e se titulavam contratos de trabalho por exemplo, não podia ter sido dado como provado que a oponente não admitiu trabalhadores, facto I);
e. Face à prova de que a oponente assinou letras, cheques e outros documentos da sociedade conjuntamente com o outro gerente e de que a sociedade só se vinculava com a sua assinatura conjunta, sem que se conheçam em concreto que documentos eram esses e se titulavam meios de pagamento a fornecedores, não podia ter sido dado como provado que a oponente não pagou a fornecedores, facto J);
f. Face à prova de que a oponente assinou letras, cheques e outros documentos da sociedade conjuntamente com o outro gerente e de que a sociedade só se vinculava com a sua assinatura conjunta, sem que se conheçam em concreto que documentos eram esses e se titulavam vendas de património da sociedade, não podia ter sido dado como provado que a oponente não alienou património social, facto L).
C. Assim, é consequência directa da forma de obrigar estipulada para a sociedade e, além do mais, resulta directamente das circunstâncias factuais referidas pelas testemunhas, que a oponente assinava diversos documentos que lhe eram levados de propósito para recolher a respectiva assinatura, em representação da sociedade, pelo que a sua prova (a assinatura de documentos em representação da sociedade) não carece da exibição de documentos assinados pela oponente, como resultar da fundamentação da sentença.
D. Dando como provados factos que não o poderiam ter sido e deixando de reconhecer a prova de outros que deveriam ter sido provados, a sentença incorre em contradição na motivação porquanto refere expressamente que as testemunhas “por vezes chegaram a levar-lhe documentos, em que era exigida a assinatura de ambos os sócios-gerentes, a casa ou à feira, para ela assinar, a mando do Sr. B.” e que “chegou a ver o marido ou os empregados deste a levarem-lhe documentos para ela assinar”, quando, exarou como provado o facto de que a oponente “não assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade devedora”.
E. Pelos motivos acima elencados, resulta uma errada apreciação e valoração da prova que sustentou a conclusão de que “Assim, na situação vertente, nenhuma prova foi oferecida por parte da Fazenda Pública tendente à demonstração e validação do pressuposto de facto em que se funda a reversão. No entanto, ao invés, a oponente logrou provar que não praticou atos de gerência na devedora originária”.
F. A oponente tinha consciência da necessidade da sua assinatura para vincular a sociedade e assinava os documentos que lhe levavam para assinar a mando do gerente com quem conjuntamente exercia a gerência, não tendo renunciado ao cargo nem tendo deixado de assinar os documentos necessários à continuação em actividade da empresa, até ao período a que respeita a dívida.
G. Se a oponente assinava cheques e outros documentos que lhe eram apresentados sem deles tomar conhecimento e sem tomar decisões sobre o rumo da empresa era por opção sua, porquanto nada a obrigava a permanecer vinculada à gerência ou a assinar documentos sem procurar conhecer do respectivo conteúdo.
H. Alhear-se do modo de gestão da sociedade, voluntariamente, desconhecendo o destino e as decisões subjacentes à assinatura de cheques e de outros documentos que vinculavam a empresa não é compatível a afirmação de que não foi por si alienado património social.
I. Quando não se controla a forma como são preenchidos e o destino que vai ser dado aos cheques e demais documentos assinados, isso permite que outrem os utilize para fins alheios à empresa, depauperando o seu património e impedindo a satisfação dos seus créditos e não permite a quem assim actuou, de forma alheada à gestão da sociedade, estar munido do conhecimento acerca do modo dessa gestão nem tão pouco provar a sua falta de culpa na insuficiência desse património para responder pelas dívidas da sociedade.
J. A AT fez prova de que a oponente exerceu de facto a gerência da executada originária, na medida em que o efectivo exercício através da assinatura dos documentos necessários ao giro social era imprescindível ao exercício da actividade societária, por ser pressuposto necessário atenta a forma de obrigar estabelecida e em sede da prova produzida nesta oposição, esse pressuposto de facto considerado para a efectivação da reversão viu-se confirmado pela prova testemunhal produzida pela oponente.
K. Seria à oponente que incumbiria demonstrar a falta de culpa, uma vez que, no art. 24, nº 1 b) da LGT, se estabelece a responsabilidade subsidiária do gerente pelas dívidas cujo prazo legal de pagamento ocorreu no exercício do seu cargo, desde que o mesmo não prove que lhe não é imputável a falta de pagamento.
L. Dos elementos constantes do processo, não se conclui pelo afastamento da responsabilidade ao oponente pelas dívidas em cobrança nos processos de execução fiscal, devendo os mesmos prosseguir os seus termos contra ela, motivo pelo qual não pode manter-se a douta decisão recorrida por violação do disposto nos art. 23º e 24º, nº 1 b) da LGT e art. 153º CPPT.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto.
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorreu erro de julgamento de facto, no sentido de saber se a Oponente exerceu ou não a gerência de facto na sociedade cujas dívidas foram revertidas.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:

Factos provados:
Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Encontra-se a correr termos no Serviço de Finanças de Felgueiras, o processo de execução fiscal n.º 1775200701030612 e aps., contra “C., Lda.”, nipc. (…), para cobrança coerciva de dívidas relativa a IVA do período de 1.05.2007 a 31.05.2007 e 1.02.2008 a 29.02.2008, no valor de € 10.785,68, e acréscimos legais – cfr. processo de execução fiscal (pef.) apenso;
B) M. consta como gerente da sociedade referida em A) - cfr. fls. 23 a 38, 40 a 42, 88 a 96 do pef.;
C) Da certidão da matrícula da sociedade - cfr. fls. 88 a 92 do pef. - cujo teor se dá aqui por reproduzida, consta para além do mais, o seguinte:
(…).
Forma de obrigar: Assinatura conjunta de dois sócios gerentes.
(…).”:
D) A 29.09.2008, a sociedade executada foi declarada insolvente - cfr. fls. 12 a 22 do pef.;
E) A 20.05.2011, foi proferido despacho de preparação da reversão da execução contra os sócios gerentes, entre os quais, a ora oponente, na qualidade de responsáveis subsidiários - cfr. fls. 54 e 55 do pef., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
F) A 21.06.2011, foi proferido despacho de reversão contra a oponente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais - cfr. fls. 107 do pef. - evidenciando-se o seguinte:
“ (…).
Face às diligências de fls. ___, e estando concretizada a audição do(s) responsáveis subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra M., (…).
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º 24.º/n.º 1/b) LGT]. (…).”;
G) A oponente, no período em questão, não assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade devedora;
H) Não fez quaisquer compras ou vendas;
I) Não admitiu nem despediu trabalhadores;
J) Não recebeu dinheiro de clientes nem pagou a fornecedores;
K) Não tomou decisões sobre pagamento ou não pagamento de impostos;
L) Não alienou património social.
M) A oponente no período em apreço exerceu a tempo inteiro a atividade de feirante de bordados;
N) Deslocando-se diariamente para as feiras.
O) A oponente consta como MOE nos registos do Instituto da Segurança Social – cfr. fls. 71 dos autos;
P) No sistema de Solidariedade e Segurança Social, constam extratos de remunerações recebidos pela oponente como MOE, no período de 2003/01 a 2005/10 – cfr. 72 dos autos.
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Factos Não Provados
Todos os que se encontrem em contradição com os factos provados.
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Motivação

Alicerçou-se a convicção do Tribunal, na consideração dos factos provados e não provados, no teor dos documentos e informações juntos aos autos, referidos em cada uma das alíneas dos factos provados, os quais não foram impugnados em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
Formou-se, ainda, a convicção do tribunal para a fixação dos factos elencados de G) a N), com base no depoimento das testemunhas M., J. e M.. Todas as testemunhas explicaram a sua razão de ciência, demonstrando ter conhecimento direito dos factos. As testemunhas M. e J., funcionários administrativos da sociedade executada, prestaram um depoimento sereno, objetivo e circunstanciado, merecendo a credibilidade do tribunal. Ambas as testemunhas referiram que a oponente não praticou atos de gerência, os quais foram praticados em exclusivo pelo Sr. B., marido da oponente. Esclareceram que a oponente trabalhava nas feiras e que, por vezes, chegaram a levar-lhe documentos, em que era exigida a assinatura de ambos os sócios-gerentes, a casa ou à feira, para ela assinar, a mando do Sr. B., sem que ela tivesse conhecimento do seu conteúdo ou destino, documentos esses previamente preparados no escritório. A testemunha M. frisou, ainda, que, não obstante constar na segurança social como tendo sido recebido remunerações, nem sempre houve efetivo recebimento.
Por seu turno, a testemunha M., afirmou ter trabalhado para a oponente, ajudando-a nas feiras.
Esta testemunha referiu que a oponente trabalhava nas feiras e que chegou a ver o marido ou os empregados deste a levarem-lhe documentos para ela assinar. Disse, ainda, que nunca viu ninguém a ir lá tratar de assuntos relacionados com a empresa.
Os seus depoimentos, por outro lado, não foram infirmados por qualquer outra prova apresentada.
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Apreciação jurídica do recurso.

O Tribunal de 1.ª instância, em face da prova produzida, formou a convicção de que a Oponente não tinha exercido a gerência de facto, não obstante se encontrar nomeada no pacto social como gerente.
Contrapõe a Fazenda Pública que a Oponente assinou documentos referentes à sociedade, pelo que praticou atos de gerência, como tal é responsável pelo pagamento das dívidas tributárias revertidas.
A Fazenda Pública entende que a Oponente exerceu a gerência de facto, baseando-se, quer no registo comercial onde consta a Oponente como gerente, quer na fundamentação da sentença na parte da motivação da matéria de facto, onde se resumem alguns depoimentos testemunhais da seguinte forma: «por vezes, chegaram a levar-lhe documentos, em que era exigida a assinatura de ambos os sócios-gerentes, a casa ou à feira, para ela assinar, a mando do Sr. B.» e que «chegou a ver o marido ou os empregados deste a levarem-lhe documentos para assinar».
Com base neste segmento da Sentença, a Recorrente considera que existe uma contradição entre a alínea G) e a C) da matéria de facto dada como provada.
Para além disso, a Fazenda Pública considera, ainda, que a Oponente procedeu à assinatura de um conjunto de documentos que refere nas suas alegações, como letras, cheques, contratos e outros documentos da sociedade conjuntamente com o outro gerente.
Conclui a Recorrente que a Oponente exerceu a gerência de facto, pois tinha a consciência da necessidade da sua assinatura para vincular a sociedade.
Apreciando.
Ao caso aplica-se o artigo 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que, sob a epígrafe Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos, dispõe:
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas, entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Conforme referido no n.º 1 do transcrito preceito, a responsabilidade pelas dívidas tributárias verifica-se em relação aos administradores, diretores e gerentes das pessoas coletivas, como seja uma sociedade comercial.
Assim, em primeiro lugar é necessário verificar se a pessoa contra a qual foram revertidas as dívidas tributárias da sociedade exerceu a gerência de facto nessa sociedade.
Ora, a prova do exercício de facto da gerência compete à Fazenda Pública, conforme decorre da jurisprudência firmada sobre o assunto. Vejam-se a título exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/03/2011, proferido no processo 0944/10 e os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 28/04/2016, proferido no processo n.º 00047/02, de 14/01/2010, proferido no processo n.º 00787/06.7BEBRG e o de 11/03/2010, proferido no processo n.º 00349/05.6BEBRG, destacando-se deste último: II - É à AT, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal.
A jurisprudência sustenta-se na regra de que quem invoca um direito, lhe cabe provar os seus factos constitutivos. No caso do direito à reversão de dívidas tributárias, incumbe à Fazenda Pública provar a gerência de facto.
Para este efeito a Fazenda Pública na Contestação alega que a Oponente exerceu a gerência de facto, baseando-se fundamentalmente na necessidade de assinatura conjunta dos dois gerentes nomeados, conforme previsto no pacto social. A partir daqui conclui que a Oponente geriu de facto a sociedade (vide pontos 15 a 24 da Contestação). Ou por outras palavras, pretende que seja retirada a presunção judicial do exercício da gerência de facto por parte da Oponente.
Ora, não obstante a Fazenda Pública não se referir diretamente a quaisquer documentos assinados pela Oponente, quando menciona que era indispensável a sua assinatura para vincular a sociedade e que o nome da Oponente constava em diversa documentação como gerente, está a dizer que a Oponente tinha de assinar todo o tipo de documentação necessária para vincular a sociedade, ou se se quiser, para a sociedade poder funcionar.
Daí que se possa considerar estar alegado, ainda que de forma indireta, a assinatura de documentos, pois que a vinculação por assinatura ocorre sempre com a sua aposição em documentos.
Ora, invocar que a Oponente se encontra mencionada em alguma documentação como gerente, e como tal é gerente de facto, logo assinou documentos, é uma alegação que carece de prova concreta para que se possa dar como provado que a Oponente tenha assinado documentos.
Assim, competia à Fazenda Pública apresentar documentos onde constasse a assinatura da Oponente, para se apreciar a substância de tais documentos, no sentido de saber se efetivamente consubstanciavam atos de exercício da gerência de facto.
Não obstante duas testemunhas terem referido que «de vez em quando» levavam documentos a assinar à Oponente, tais depoimentos não são suficientes para que o Tribunal possa dar como provada a assinatura de documentos, pois que que tratando-se de matéria que materializa um ato pessoal (a assinatura), entende-se ser necessária a apresentação dos documentos que alegadamente a Oponente tenha assinado. Esta apresentação de documentos exige-se como forma de garantia e segurança jurídica necessárias, para se poder dar como provada a prática de um ato pessoal da importância do que está em causa (a assinatura).
Isto, na medida em que está em causa a prova do facto positivo, por parte de quem o alega (e tem obrigação de o alegar, que é a Fazenda Pública) e sobre quem impende o ónus de demonstrar, sem margem para dúvidas, a ocorrência do facto concreto que invoca.
Desta forma, não se pode dar como provado que a Oponente assinou documentos.
No que concerne à alegada contradição entre facto assente na alínea G) com o dado como provado na alínea C.
Na alínea C) da matéria de facto foi dado como assente que a sociedade se vinculava com a assinatura de dois sócios gerentes e na alínea G) que a Oponente, «no período em questão, não assinou cheques, letras, contratos, escrituras ou quaisquer outros documentos, em nome da sociedade devedora;».
Por sua vez, na motivação da matéria de facto, a sentença reportando-se aos depoimentos das testemunhas Maria Alice e José Fernando (funcionários administrativos da sociedade), refere que estas testemunhas mencionaram não ter a Oponente praticado atos de gerência, os quais foram praticados em exclusivo pelo marido da Oponente. Mais diz a sentença que estas testemunhas (pág. 7), «por vezes, chegaram a levar-lhe documentos, em que era exigida a assinatura de ambos os sócios-gerentes, a casa ou à feira, para ela assinar, a mando do Sr. B., sem que ela tivesse conhecimento do seu conteúdo ou destino, documentos esses previamente preparados no escritório.».
Efetivamente aparenta existir uma contradição, na medida em que se as testemunhas referem que a Oponente assinava documentos em que era exigida a assinatura de ambos os gerentes, então não se pode dar como provado que não tenha assinado quaisquer documentos em nome da sociedade devedora.
No entanto, conforme acima já referido, na medida em que não é apresentado nenhum documento em que a Oponente tenha aposto a sua assinatura, também não é possível dar como provado que tenha assinado qualquer documento.
A Sentença recorrida referiu-se a esta situação, não tendo considerado suficiente os depoimentos testemunhais para se poder dar como assente a assinatura de documentos, por parte da Oponente.
Relativamente a este aspeto, na página 12 da Sentença refere-se o seguinte:
Assim, como o facto de alegadamente a oponente ter assinado documentos, uma vez que para vincular a sociedade era necessária a assinatura conjunta dos dois sócios gerentes. Acresce que, não obstante ter sido mencionado pelas testemunhas tal realidade, não foram exibidos quaisquer documentos assinados pela oponente nem concretizadas quaisquer circunstâncias de tempo em que as assinaturas foram levadas a cabo de modo a permitir ao tribunal a sua análise crítica e a eventual conclusão de que as (1) mesmas ocorreram no período em causa nos autos e (2) de modo a comprometer a oponente com a gerência de facto. Sendo certo que as testemunhas referiram que a oponente quando chegou a assinar documentos fê-lo sem saber de que se tratava.
Assim, na situação vertente, nenhuma prova foi oferecida por parte da Fazenda Pública tendente à demonstração e validação do pressuposto de facto em que se funda a reversão. No entanto, ao invés, a oponente logrou provar que não praticou atos de gerência na devedora originária.
Concorda-se com o raciocínio expendido da Sentença, pelo que sobre a assinatura de documentos nada se pode considerar provado, pois que não é suficiente a prova testemunhal para o efeito, sem a correspondente apresentação de documentos.
Por outras palavras, com a segurança e certeza jurídicas necessárias, não se pode dar como provada a assinatura de documentos, nem o seu contrário.
Isto, não obstante, estar dado como assente, na alínea C) da matéria de facto, ser necessária a assinatura dos dois sócios gerentes para vincular a sociedade, na medida em que se trata da mera transcrição do pato social. Ou seja, não se retira daquela mera referência do pacto social, se efetivamente a Oponente assinou documentos, nem quais os documentos que efetivamente tenha assinado.
Daqui decorre, que a alínea G) da matéria de facto deve ser eliminada.

Face ao exposto, decide-se eliminar a alínea G) da matéria de facto assente.

Considerando que o único argumento de recurso da Fazenda Pública sobre o exercício da gerência de facto por parte da Oponente, versa sobre a assinatura de documentos e que este tribunal de recurso não julga procedente tal alegação, soçobra de imediato tudo o demais alegado pela Fazenda Pública, uma vez que se sustentava na invocada assinatura de documentos.
No entanto, sempre se diga que conforme é entendimento jurisprudencial e doutrinal, para que alguém possa ser considerado gerente de uma sociedade é necessário que tenha a direção efetiva da mesma, ou seja, que exteriorize a vontade da sociedade nas diversas relações jurídicas que a mesma estabelece. Ou seja, que essa pessoa tome decisões concretas sobre a vida da sociedade, contacte fornecedores, clientes, instituições bancárias, contrate e pague o ordenado aos trabalhadores.
Resulta, ainda, do disposto nos artigos 259.º e 260.º do Código das Sociedades Comerciais, que os gerentes praticam atos necessários ou convenientes à realização do objeto social e que tais atos vinculam a sociedade para com terceiros.
Ora, conforme dado por assente nas alíneas H) a L), a Oponente não praticou atos típicos de gerência.
Para além disso, conforme dado por assente nas alíneas M) a N), a Oponente deslocava-se diariamente para as feiras, exercendo a atividade de feirante de bordados.
Tendo a Oponente alegado o não exercício efetivo da gerência, competia à Fazenda Pública demonstrar esse exercício efetivo, designadamente mencionando atos concretos de gerência; o que não logrou fazer, pois limitou-se a invocar apenas os depoimentos testemunhais que referiram ter a Oponente assinado, “por vezes” documentos da sociedade, alegação que já foi julgada improcedente.
Para além disso, a Fazenda Pública nada mais refere sobre o exercício da gerência, pois limita-se a tentar extrair de depoimentos sobre assinatura ocasional de documentos da sociedade, a ocorrência de outros factos integrantes de atos de gerência, sem que apresente qualquer outra prova testemunhal ou documental.
Ora, da prova realizada nos autos, não decorre que a Oponente tenha exercido a gerência de facto, pois não resultou demonstrado que a Oponente tomasse decisões na sociedade, usasse efetivos poderes de representação da sociedade ou realizasse negócios em nome da sociedade.
Em face do exposto, resulta que a Fazenda Pública não logrou provar o exercício efetivo da gerência de facto pela Oponente, tendo esta até demonstrado que não exerceu de facto a gerência, pelo que a mesma é parte ilegítima substantiva na reversão efetuada no processo de execução fiscal.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I – Na reversão da execução fiscal, incumbe à Fazenda Pública o ónus de provar o exercício efetivo da gerência de facto por parte do revertido.
II – Não logrando a Fazenda Pública provar o exercício efetivo da gerência de facto pela Oponente, tendo esta até demonstrado que não exerceu de facto a gerência, é a mesma parte ilegítima substantiva na reversão efetuada no processo de execução fiscal.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente.
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Porto, 28 de janeiro de 2021.

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles