Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00011/2003.TFPRT.12
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/15/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:DELIMITAÇÃO OBJECTIVA DO RECURSO
IRC
REGIME FISCAL PRIVILEGIADO
PAGAMENTOS A ENTIDADES NÃO RESIDENTES
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PRINCÍPIO DA IRRETROACTIVIDADE
Sumário:I. Se a sentença recorrida conclui pela ilegalidade da liquidação com base em diversos vícios e a Recorrente – na fundamentação do recurso respectivo – ataca apenas parte deles, entende-se que restringe tacitamente o recurso a uma parte da decisão, delimitando desta forma o objecto do recurso e impedindo o conhecimento pelo tribunal ad quem dos fundamentos restantes – artigos 281.º e 684.º do C.P.C.;
II. Deve, por isso, ser confirmada a decisão que conclui pela ilegalidade de acto de liquidação com base em vício que não foi objecto de recurso;*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:B..., Lda.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, na parte em que julgou procedente a presente impugnação judicial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.) do exercício de 1998 e dos juros compensatórios respectivos, emitida em 2002.09.18, com o n.º 8310032277, no montante de € 76.089,60, impugnação essa deduzida por B…, Lda., n.i.f. … … …, com sede no lugar de P….
Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.
1.2. Notificado da sua admissão, o Recorrente apresentou as respectivas alegações e formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios, relativas aos anos de 1997 e 1998, por haver concluído ter a impugnante logrado demonstrar que as operações cujas comissões foram pagas pela impugnante para uma empresa com sede em Aruba, eram reais e de valor e quantidade absolutamente enquadrada nos padrões normais da empresa.
2. O presente recurso circunscreve-se ao imposto do ano de 1998.
3. A matéria controvertida, prende-se com as correcções meramente aritméticas efectuadas ao lucro declarado pelo sujeito passivo, nos exercícios de 1997 e 1998, relativamente aos montantes pagos a título de comissões a uma entidade não residente sedeada em Aruba, na sequência de acção de inspecção com o objectivo de analisar as comissões pagas pela impugnante a não residentes que, naqueles exercícios atingiram 58.325.205$00 (€290.924,90) e 67.289.196$00 (€335.637,10), respectivamente, nos termos e para os efeitos do consignado no art° 57°A do CIRC.
4. Na base da correcção está a falta de comprovação de que as comissões pagas correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
5. Igualmente, o sujeito passivo não fez prova da taxa efectiva de tributação a que estão sujeitas tais importâncias no território das entidades não residentes a quem foram pagas, indispensável, no que respeita à dedução de custos, para aplicação ou afastamento do regime especial do art° 57°-A do CIRC.
6. No que respeita aos custos aceites fiscalmente, o art° 57º-A do CIRC, estabelece como norma anti-abuso, um regime especial face ao regime regra do art° 230 do mesmo Código, quando estão em causa importâncias pagas a entidades (singulares ou colectivas) residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais razoável, sendo de primordial importância, determinar, se tais importâncias estão ou não sujeitas a tributação nos territórios da residência, ou, se aí beneficiam de uma taxa de tributação inferior a 20% (conforme o n° 2 do art° 57°-A do CIRC na redacção do Decreto-Lei n° 37/95, de 14 de Fevereiro) ou de uma taxa efectiva de tributação igual ou inferior a 60% da taxa normal de tributação praticada em Portugal (conforme o n° 2 do mesmo artigo, mas já na redacção do Decreto-Lei n° 366/98, de 23 de Novembro).
7. O regime do art° 57°-A do CIRC (na redacção vigente ao tempo), consagra a não aceitação, em princípio, como encargos dedutíveis de certos rendimentos pagos a entidades instaladas em países com um regime fiscal mais favorável que o nacional, a menos que o contribuinte efectue a prova de três factos - que tais encargos correspondem a operações verdadeiras, que não apresentam um carácter anormal, ou exagerado.
8. Tais custos apenas poderão ser aceites como custo fiscal, se o sujeito passivo provar que os mesmos correspondem a operações efectivamente realizadas, não revestem um carácter anormal ou são de montante exagerado, e paralelamente, aquele fornecer os elementos comprovativos da taxa efectiva de tributação no “paraíso fiscal”, visto que, à data, vigorava o critério de comparação da taxa efectiva de tributação da entidade não residente com a taxa de referência do IRC, conforme comando do n° 3 do art° 57°-A.
9. Na situação sub judice, nem aquando da inspecção, nem em sede de impugnação, a impugnante logrou fazer prova da taxa efectiva de tributação dos rendimentos no território da residência, no que concerne ao montante das comissões pagas à entidade com sede em Aruba, e da realização das operações e demais requisitos necessários à sua dedutibilidade.
10. A prova testemunhal não traz nenhum contributo válido para o que aqui nos ocupa, e a pericial, vem confirmar o descrito no relatório de inspecção quanto à falta de comprovação das operações ao referir a inexistência de outros suportes documentais comprovativos da existência real das operações, nomeadamente viagens, correspondência, encomendas efectuadas a partir de Aruba, ao confirmar a diferenciação dos pagamentos consoante o país do destino, e ao atestar da impossibilidade de comparar o carácter de normalidade e eventual exagero dos montantes na própria empresa, dada a exclusividade das relações comerciais estabelecidas com aquelas duas empresas, uma com sede na Holanda e outra em Aruba, que têm em comum o mesmo representante legal.
11. Destarte, não podem dar-se como provados, os requisitos impostos pelo disposto no art° 57°-A do CIRC, para serem aceites fiscalmente como custos do exercício, os encargos com comissões pagas à entidade com sede em Aruba.
12. A douta sentença sob recurso violou a disposição legal supracitada.
1.3. A Recorrida contra-alegou e formulou, pelo seu lado, as seguintes conclusões:
1 - Porque a Ilustre Representante da Fazenda Pública circunscreve o recurso ao IRC respeitante ao exercício de 1998, a decisão ora sub judice transitou em julgado no que respeita ao imposto relativo ao exercício de 1997.
2 - Do teor das, aliás doutas, alegações de recurso, e após algum esforço de exegese, resulta patente que o recurso assenta em dois argumentos apenas:
a) A recorrida não fez prova do facto de ARUBA não ser sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável - tendo em conta a redacção dada ao (então) art° 57°-A do CIRC pelo DL 366/98, de 23 de Novembro;
b) A recorrida não fez prova de que as operações sindicadas pela Administração Tributária são reais e não possuem carácter anormal nem revelam montantes exagerados.
3 - O facto inelutável e irrefutável é que a Fazenda Pública, no Relatório Final da Inspecção, que fundamenta as liquidações adicionais, invoca somente, como elemento do preenchimento da previsão da norma, que o sujeito passivo pagou comissões a uma entidade sediada em Aruda (sic), território que faz parte da lista de países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável. Publicada pela portaria n0 1272/2001 de 09/11.
4 - Ora, as liquidações de imposto sub judice dizem respeito aos exercício de 1997 e 1998 - pelo que à data dos factos a black list não era passível de ser invocada ou aplicada para efeitos de preenchimento da previsão do n.° 1 do (então) artigo 57°-A do CIRC – neste sentido, cf. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 15 de Março de 2006, no processo n.° 01078/05.
5 - Vir invocar, em sede de recurso, que a recorrida não fez prova do facto de ARUBA não ser sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável constitui um facto novo, não alegado pela Fazenda Pública, nem como fundamento das liquidações adicionais, nem em instância judicial.
6 - É jurisprudência corrente e assente dos TCA e do STA que “Assume a natureza de questão nova insusceptível de ser conhecida em sede de recurso, toda a matéria que extravase o elenco de fundamentos que suportam a parte decisória da sentença recorrida (...)” (citando-se, por todos, o Acórdão do TCA-Sul, de 19/05/2005, Processo no 00531/05).
Bem assim, que “O objecto do recurso jurisdicional é, nos termos do art° 676, n.° 1, do CPC, a decisão impugnada, com o seu conteúdo concreto.” (Acórdão do STA – 1ª Secção, de 07/03/2002, Processo nº 044270).
7 - Assim, improcede totalmente a tese da recorrente, designadamente a conclusões 8 e 9, posto que, como ela mesma reconhece no parágrafo 16° das suas alegações de recurso, a Fazenda Pública não fez caso de saber de qualquer prova: fundamentou as correcções e consequentes liquidações adicionais no facto de Aruba constar da “lista negra” estabelecida pela Portaria n° 1272/2001, de 9 de Novembro, a qual não era aplicável à data dos factos.
8 - Conforme resulta do referido pela recorrente no parágrafo 200 das suas alegações, tudo o que vem plasmado no Relatório Final de Inspecção não passam, na melhor das hipóteses e com muito esforço, de um “circunstancialismo”, que poderia eventualmente indiciar (o que não faz) que as operações em causa não eram reais ou anormais ou de valor anormal.
9 - A impugnante fez a prova que lhe era possível e que era mais do que suficiente para o legalmente exigido - apresentando toda a documentação pertinente e arrolando as testemunhas que melhor poderiam esclarecer a situação de facto, O que foi adequadamente valorado pelo douto Tribunal, que bem entendeu, não apenas que a Administração Tributária não convenceu o Tribunal do preenchimento da previsão do (então) n° 1 do art° 57°-A do CIRC (i.e., que nem sequer deveria ter emitido as liquidações adicionais por não se encontrarem reunidos ab initio os pressupostos legais para o efeito), mas sobretudo Que a impugnante fez abundante e adequada prova de que as operações eram reais, normais e de valor razoável atendendo à sua situação concreta.
10 - Disso mesmo dão conta os documentos que, em abundância e de boa-fé, a recorrida disponibilizou. Disso deram conta, inelutável, as testemunhas e os peritos. É que - e isto é o que verdadeiramente importa — A RECLAMANTE DEMONSTROU, POR MAIS DO QUE UMA VEZ, EM AUDIÇÃO PRÉVIA, NA PERITAGEM, NA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL, QUE NADA HÁ QUE DISTINGA AS OPERAÇÕES QUE ENVOLVEM ARUBA DAS DEMAIS OPERAÇÕES REALIZADAS PELA EMPRESA NOS EXERCÍCIOS DE 1997 E 1998.
11 - Até hoje estamos para saber que prova quereria a Fazenda Pública que se produzisse para que se satisfizesse e se abstivesse de emitir as liquidações adicionais; e do alegado pela recorrente continuamos sem saber, posto que, de acordo com esta, (i) a prova testemunhal é inaceitável (!), (ii) a prova documental ídem (embora a documentação respeitante às operações com Aruba seja em tudo idêntica à das demais operações praticadas à data pela recorrida), e (iii) a prova pericial não convence...
12 - Ou seja: para a recorrente, a presunção legal não é, mas deveria ser, jure et de jure.
13 - Contudo, sendo o estabelecido no (então) art° 57°-A uma presunção juris tantum, e tendo a mesma sido elidida pela recorrida, o Tribunal decidiu aplicando correctamente a lei.
1.4. Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer que, pelo seu interesse, aqui se transcreve parcialmente:
«(…)
3 - A redacção do transcrito art.º 57.º-A do CIRC, introduzida pelo referido Dec.-Lei 366/98, de 23/11, é diferente da anterior redacção introduzida pelo referido Dec.-Lei 37/95, tendo-lhe aditado o que consta do n.º 3 (…);
4 - Decorre do exposto que o decidido no âmbito do invocado Ac. do S.T.A. de 15-03-2006, proc.º n.º 01078/05 incidiu sobre uma liquidação adicional de IRC do ano de 1997 à qual era aplicável o disposto no art.º 57.º-A do CIRC com a redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei 37/95, de 14/02, redacção essa que veio a ser alterada como se deixou transcrito supra.
5 - Porque o objecto do recurso é limitado à liquidação adicional de IRC referente ao ano de 1998, a jurisprudência e doutrina consubstanciada no referido Ac. do S.T.A. não é aplicável à questão suscitada neste recurso.
6 - Com efeito, relativamente às importâncias pagas pela Impugnante em 1998 e que foram desconsideradas pelo Ad. Fiscal para efeitos de custas, incumbia ao sujeito passivo o dever de, após notificação para tal, provar que as mesmas correspondem a operações efectivamente realizadas, que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, comprovar e “fornecer os elementos comprovativos da taxa efectiva de tributação”.
Ora, conforme é referido na conclusão n.º 5 das alegações de recurso, o sujeito passivo não fez prova, como devia, da taxa efectiva de tributação a que estão sujeitas as importâncias pagas no ano de 1998, pelo que não mostram comprovados e verificados os pressupostos legalmente estabelecidos para que fossem aceites como “custos do exercício” os encargos com comissões pagos à entidade com sede em Aruba no ano de 1998.
Assim, somos do parecer que deverá ser dado integral provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública».

1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

1.6. A questão a decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel incorreu em erro de julgamento na interpretação do artigo 57.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante sob a sigla “C.I.R.C.), na redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 366/98, de 23 de Novembro por ter imputado na Administração Tributária o ónus de provar qualquer indício quanto à inexistência ou imaterialidade das operações comerciais com entidade sedeada em Aruba, e não ter relevado o facto de a Impugnante não ter feito a prova da taxa efectiva de tributação dos rendimentos pagos à entidade não residente.
Subjacente a resposta à questão anterior está outra questão, a de saber se o mesmo Tribunal incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao dar como verificados os requisitos para serem fiscalmente como custos do exercício os encargos com comissões pagas à entidade com sede em Aruba.
2. Fundamentação de Facto
2.1. É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados (e que aqui optamos por ordenar por alíneas):
a) A sociedade impugnante foi constituída e 1983, dedicando-se desde então à produção de vestuário em série.
b) Os seus produtos são quase na totalidade destinados ao mercado de exportação, essencialmente Estados membros da União Europeia.
c) Desde o início da sua laboração a mesma é angariada com recurso a agentes ou intermediários estrangeiros.
d) Aquando da sua constituição, a impugnante contratou os referidos serviços com o Sr. K…, com o qual estabeleceu um acordo de exclusividade, embora não formalizado por escrito, nos termos do qual, em contrapartida da angariação de clientela e encomendas, este auferiria uma comissão, a suportar pela impugnante.
e) O valor dessa comissão variava ente 5% e 10% da facturação, sendo a percentagem em concreto acertada entre as partes de acordo com as circunstâncias e contingências de cada negócio em particular - cfr. prova testemunhal.
f) Em 1990, o Sr. K…, por razões ligadas à sua avançada idade, decidiu constituir uma sociedade que lhe sucedeu na posição contratual no acordo com a impugnante, designada E… BV.
g) A impugnante e a referida sociedade formalizaram o contrato de agência que estava em vigor desde 1983.
h) Em 1993, os sócios da sociedade E… constituíram:
i) Uma sociedade holding, a qual veio a deter as participações sociais respeitantes à E….
j) Constituíram uma sociedade em Aruba-E…Trading AVV, detida pela supra mencionada sociedade holding.
k) Passaram a exercer parte da actividade de agência contratada pela ora impugnante através da sociedade E… Trading AVV.
l) O facto de a prestação de serviços de agência/intermediação passarem a ser prestados à impugnante através da sociedade com sede em Aruba constituem decisões de gestão empresarial do grupo E… a que a impugnante é alheia - cfr. prova testemunhal.
m) O pagamento das comissões às empresas é realizado após boa cobrança da factura emitida pela impugnante relativamente a uma dada encomenda - cfr. prova testemunhal.
n) As liquidações impugnadas resultaram de uma acção inspectiva realizada à impugnante entre 19.2.2002 e 22.5.2002.
o) Na sequência da mesma foram efectuadas correcções ao lucro tributável nos valores de 147.466,88 euros em 1997 e 167.422,50 euros em 1998.
p) A acção inspectiva tinha como objectivo analisar as comissões que foram pagas pela sociedade impugnante a entidades não residentes.
3. Fundamentação de Direito
Está em causa a decisão do T.A.F. de Penafiel, na parte em que anulou a liquidação adicional de I.R.C. de 1998.
De acordo com o que dos autos resulta, a ali Impugnante ora Recorrida, não se conformava com tal liquidação, além do mais, porque o artigo 57.º-A do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante sob a sigla “C.I.R.C.”) consagrava uma «cláusula específica anti-abuso» e, de acordo com o artigo 63.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante sob a sigla “C.P.P.T.”), a liquidação de impostos com base em normas anti-abuso depende da abertura para o efeito de procedimento próprio. Sendo que a Administração Tributária não recorreu a tal procedimento. Pelo que – concluía – foi preterida formalidade legal com violação dos direitos fundamentais do contribuinte (cfr. artigo 32.º da douta P.I.), quais sejam um direito especial à fundamentação e o direito de recorrer contenciosamente do acto de autorização para aplicação de disposições anti-abuso. Rematava pedindo a declaração da nulidade do acto impugnado, ao abrigo do artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo (doravante sob a sigla “C.P.A.”).
A Ex.ma R.F.P. contestou este entendimento por remissão para informação inserta no processo administrativo e onde se defendia (fls. 59 do processo administrativo em apenso, ponto 4.) que o procedimento próprio «não era exigível, porque a norma contida no n.º 2 desse artigo tem um alcance não coincidente, mais restrito, do que o que resulta da disposição geral antiabuso que consta do n.º 2 do art. 38.º da LGT, pois à face deste n.º 2 do artigo 63.º só se estará perante situações de aplicação de normas antiabuso quando houver “manifesto abuso».
Manifesto é, porém, que que a M.mª Juiz não atendeu às razões da Fazenda Pública, pois, que, na pág. 5 da douta sentença, (fls. 208 dos autos) consignou que «A administração tributária ao promover as correcções ao lucro tributável da ora impugnante e consequentes liquidações adicionais de IRC quanto aos exercícios de (…) 1998, por aplicação do disposto no art.59° do CIRC (então art.57°-A), que aplicar o procedimento previsto e regulado no art.63° do CPPT. Não o fazendo impediu a impugnante do acesso a uma série de garantias de defesa, fundamentais em sede de reacção ao exercício do poder discricionário conferido à administração tributária em razão da particular natureza das disposições legais anti-abuso. Pelo que,» concluiu «os actos praticados encontram-se feridos de nulidade, ex vi do disposto no art.133°, n.°2, alínea d), do CPA.».
Pode, aliás, adiantar-se que o decidido em 1.ª Instância está suportado em três razões fundamentais: de um lado, na ilegalidade do procedimento (por ter sido preterido o artigo 63.º do C.P.P.T.); de outro lado, na ilegalidade da decisão de qualificar “Aruba” como regime fiscal mais favorável, para os efeitos do artigo 57.º-A, do C.I.R.C., com base em condições que não estava em vigor à data dos factos tributários, nomeadamente numa black list que só foi publicada através da Portaria n.º 1272/2001, de 9 de Novembro; de outro lado, ainda, no erro sobre os pressupostos da tributação, por ter entendido que «A impugnante logrou demonstrar, pela abundante prova por si apresentada, que as operações cujas comissões foram pagas para Aruba eram reais e de valor e quantidade absolutamente enquadrada nos padrões normais da empresa» (último §, pág. 7 da douta sentença, fls. 210 dos autos).
Ora, a Ex.ma R.F.P. não faz a menor alusão, nem nas doutas alegações de recurso nem nas respectivas conclusões, ao segmento inicial do decidido, isto é, à parte da sentença em que a M.mª Juiz conclui pela ilegalidade da correcção por não ter sido aberto o procedimento próprio a que alude o artigo 63.º do C.P.P.T., sancionando-o com a declaração de nulidade.
O que contrasta abertamente com amplas e abundantes referências, citações e transcrições do conteúdo restante, viabilizando a delimitação e o enquadramento preciso das partes do decidido com que não concorda.
O que daqui resulta é que a Fazenda Pública delimitou tacitamente o recurso, restringindo-o aos restantes segmentos da decisão, de que objectiva e fundadamente discorda.
Na verdade, e como refere A. A. Geraldes (in «Recursos no Processo Civil…», pág. 91, «esta restrição pode ser expressa ou tácita. É expressa quando o próprio recorrente, nas conclusões ou na respectiva motivação, identifica os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. É tácita, quando, apesar da maior amplitude concedida ao recurso através da apresentação do requerimento, acaba por restringir o seu âmbito através das questões que identifica e relativamente às quais pretende uma diversa resposta do tribunal ad quem».
Mas, a ser assim, é seguro também que o recurso está desde já condenado ao decesso. Ainda que se dê razão à Recorrente em tudo aquilo com que não se conformou, o sentido da decisão mantém-se face ao outro fundamento que não foi atacado e com que, por isso, se conformou.
O que permitirá a este Tribunal concluir desde já pela improcedência do recurso.
Resta acrescentar de passagem que, no entendimento deste Tribunal, sempre teria o recurso que improceder. E pelas seguintes razões fundamentais que aqui telegraficamente se deixam (por consideração às partes e ao tempo que tiveram que aguardar pela decisão final): (1) na sua redacção inicial do artigo 57.º-A do C.I.R.C. (instituída pelo Decreto-Lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro), a prova de que determinadas importâncias foram pagas a entidade sujeita a regime fiscal privilegiado competia à própria Administração Tributária; (2) para o efeito, a Administração Tributária não poderia recorrer a portaria onde fossem identificados os países, territórios ou regiões de regime de tributação claramente mais favorável (a Portaria n.º 377-B/94, de 15 de Junho, então em vigor, não foi publicada para identificar os regimes fiscais mais favoráveis para os efeitos do artigo 57.º-A do C.I.R.C., que também não remetia então para nenhuma portaria); (3) embora a redacção deste dispositivo tivesse sido alterada pelo Decreto-Lei n.º 366/98, de 23 de Novembro e por via dela tivesse passado a recair sobre o sujeito passivo o ónus de provar a inexistência de regime fiscal privilegiado, esta redacção não pode aplicar-se ao exercício de 1998 (e muito menos a que lhe foi introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12, bem como a Portaria n.º 1272/2001, de 9 de Novembro), porque as normas fiscais que contenham regras de direito probatório material têm natureza substantiva e decorre do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, na redacção da Lei Constitucional n.º 1/97, e agora do artigo 12.º, n.º 1, da L.G.T. que as normas fiscais deste tipo não podem ter efeitos retroactivos.
Na verdade, sendo o I.R.C. um imposto periódico, de formação sucessiva, resulta do artigo 12.º, n.º 2, da L.G.T. que a redacção introduzida por este Decreto-Lei (que, de acordo com o artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, entrou em vigor no final desse mesmo mês) apenas poderia abranger os encargos constituídos no mês de Dezembro de 1998. Quer dizer, a dedutibilidade dos custos com comissões pagas a entidade não residente apenas ficaria subordinada aos pressupostos introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 366/98 citado quanto aos pagamentos efectuados depois da sua entrada em vigor. Ou seja, a fiscalização só poderia pretender a sua aplicação depois de apurar os pagamentos que foram efectuados antes e depois da sua aplicação, reconduzindo o seu regime a estes últimos. Sem o que não poderia deixar de se remeter para o regime inicial, onde a prova de que a entidade a quem os pagamentos foram efectuados se encontrava sedeada em regime fiscal privilegiado competia à própria Administração Tributária. Prova essa que nem sequer tentou fazer.
4. Conclusões
4.1. Se a sentença recorrida conclui pela ilegalidade da liquidação com base em diversos vícios e a Recorrente – na fundamentação do recurso respectivo – ataca apenas parte deles, entende-se que restringe tacitamente o recurso a uma parte da decisão, delimitando desta forma o objecto do recurso e impedindo o conhecimento pelo tribunal ad quem dos fundamentos restantes – artigos 281.º e 684.º do C.P.C.;
4.2. Deve, por isso, ser confirmada a decisão que conclui pela ilegalidade de acto de liquidação com base em dois vícios autónomos, se a decisão quanto a um deles não foi objecto de recurso e sustenta por si só o decidido em 1.ª Instância.
5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, porque a Recorrente delas se encontrava isenta à data da instauração destes autos.
Porto, 15 de Dezembro de 2011
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves
Ass. Álvaro Dantas