Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00124/03.2BTPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/23/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:INDEMNIZAÇÃO; JULGAMENTO EM EQUIDADE
Sumário:1 - Se bem que para a indemnização pedida a final da Petição inicial não foi invocada causa de pedir atinente à privação de uso, e que quanto ao pedido concretamente formulado, a Autora não logrou fazer prova de que lhe devia ser fixada a concreta indemnização pelo valor de €4.500,00 a título de lucros cessantes e de lucros futuros com fundamento em não ter sido efectuado o contrato de arrendamento, em face de uma impossibilidade manifesta de acesso à fracção W por causa imputável ao Réu, por não lhe ter sido por este garantido acesso pela via pública, deve ser fixada à Autora, em equidade, uma indemnização para efectivação da concreta justiça, dentro do quadro factual apurado pelo Tribunal a quo.

2 - A fixação do valor de uma indemnização por recurso à equidade [cfr. artigo 566.º, n.º 3 do CC] tem por pressuposto a existência de um dano indemnizável e a não determinação do seu montante, permitindo ao Tribunal decidir o litígio apenas fundado em critérios de justiça, sem estar subordinado aos critérios normativos fixados na lei, impondo-se nesta situação a apreciação subjectiva do julgador.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

AA---, S.A. [devidamente identificada nos autos] Autora na acção que foi intentada contra o Município (...) [devidamente identificado nos autos], na qual foi requerida a sua condenação a pagar-lhe indemnização (i) por danos patrimoniais causados pela conduta ilícita dos seus serviços e agentes, por negligência, e pelo montante das rendas, à razão mensal de 4.500,00 euros, anualmente corrigidas pelo factor de actualização que lhe corresponder, desde Julho de 1999 até à data em que o Réu rectificar a cota do piso do arruamento a nascente do prédio, e os danos futuros que vierem a revelar-se e que se relegam para execução de sentença por não serem líquidos nem definitivos nesta data; (ii) a proceder à rectificação da cota do piso do arruamento a nascente do prédio, por forma a permitir o acesso ao interior da fracção “W” por camiões para cargas e descargas, bem como (iii) a pagar-lhe os juros de mora legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, inconformada com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido, e em que o Réu foi condenado a proceder à rectificação do piso do arruamento a nascente do prédio do Lote B da Quinta (...), concelho de (...) por forma a permitir o acesso ao interior da respectiva fracção “W”, além do mais, por parte de veículos para cargas e descargas de mercadorias, e que quanto ao demais peticionado sido o Réu absolvido do pedido, inconformada com esse decisão, vem interpor recurso de apelação.
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:
“[…]
CONCLUSÕES
1ª - A Recorrente aceita integralmente o doutamente decidido em A), quanto à condenação do Réu a proceder à retificação do piso do arruamento a nascente da fração W.
2ª - O decidido a quo constitui surpresa para a Recorrente porquanto não era expetável a decisão proferida quanto ao pedido de reparação do dano patrimonial sofrido face ao ordenamento jurídico vigente.
3ª - Deve o tribunal ad quem, para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 636º do CPC, conhecer dos fundamentos em que a parte vencedora (Autora) decaiu, assim se
prevenindo a necessidade da sua apreciação.
4ª - A conduta do Réu lícita, culposa, no mínimo negligente, e danosa, tal como fixada nos factos provados Q até FF, e no facto GG que vai impugnado no sentido de provocar a sua modificação ad quem, e em nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito do Réu e o dano sofrido pela Autora, ofendeu gravemente e de forma continuada desde o início de 1999 até à atualidade o exercício do direito de propriedade da Autora, e impediu por falta de acesso o uso da fração W em condições normais pelo seu proprietário.
5ª - Da sentença recorrida resulta claramente evidenciado que o Município (...), entidade competente para o efeito, aprovou o licenciamento do loteamento da Quinta da (...), (...), (...), e de todas as operações urbanísticas relacionadas com a sua construção e destino, um total de oito (8) frações destinadas à atividade comercial.
6ª - Do auto de vistoria de fls. 792-vº consta expressamente que não foram aprovadas quaisquer frações com destino a armazém, nem com destino a indústria.
7ª - Nas condições particulares emitidas pela Divisão de Urbanismo do Município de
(...) quanto ao loteamento da Quinta da (...), que definiram desde o início o destino das frações do Lote B, consta no ponto 04.02 que foram efetuados os seguintes condicionamentos: “04.02 Nos lotes B, D, E e F poderão ser construídos edifícios mistos para habitação e atividade comercial, compostos de cave e rés-do-chão e de 520m2 ao nível dos andares.”
8ª - O que se verifica é que o Município (...) modificou depois o destino da fração W no alvará de licença que emitiu, e destinou a armazém, tendo violado as condições particulares previamente aprovadas pela Assembleia Municipal de (...), conforme consta do referido documento da Divisão de Urbanismo do Município (...).
9ª - Como se isso não bastasse, o Réu autorizou a construção de mais um piso no Lote B, uma subcave, sem que o único acesso ao seu interior estivesse concluído, ou no mínimo, com projeto aprovado, cuja construção condicionou a utilização em condições normais da fração W, conforme facto provado BB.
10ª - A construção de mais um piso não foi autorizada ao Réu pela Assembleia Municipal, determinou a alteração dos projetos técnicos aprovados pelo Município sobre o Loteamento da Quinta da (...), e alterou também a execução da obra de construção do lote B.
11ª - Com essa operação urbanística o Réu eliminou irremediavelmente o acesso da fração W ao arruamento que construiu a nascente, e criou um desfasamento entre as
necessidades de acessibilidade resultantes de mais um piso que implicou necessariamente uma alteração ao traçado dos arruamentos do loteamento, e culminou com uma diferença entre 1,97 metros e 1,81 metros das cotas soleira da porta exterior da fração W e da cota do arruamento que construiu.
12ª – A Autora foi obrigada a entregar o caso à Justiça, em razão da inação e da inércia do Réu desde o início do ano de 1999, que nada fez para solucionar a nuclear falta de acesso da fração ao arruamento a nascente, e o tribunal recorrido teve de intervir para obrigar o Réu a proceder à retificação do arruamento de forma a permitir o acesso e o uso normal da fração, conforme o decidido em A).
13ª – A sentença recorrida olvidou o relatório dos Peritos da 2ª perícia de fls. 725-759, que responderam no quesito 6º (a páginas 10 de 23), segundo a qual “…., apesar do destino referido na escritura de constituição de propriedade horizontal, nada impede o seu uso para comércio/serviços.” “Com efeito, o pé-direito do local, a sua localização, em termos de cota face ao arruamento, o tipo de tratamento da fachada, toda ela dotada de caixilharia, bem como a existência de instalações sanitárias para ambos os sexos, não fosse a ausência de acesso, permitiria a sua utilização para qualquer atividade inserida no grupo de comércio ou serviços.”
14ª - A fração W apresenta características próprias de construção quer interiores como o pé-direito, e ao nível de infraestruturas, quer da fachada e de localização, que a dotaram de requisitos e apetência para o uso potencial de atividades comerciais ou de serviços, o que se enquadra perfeitamente com o autorizado pela Assembleia Municipal de (...), com o auto de vistoria de fls. 792-vº e com a autorização da Divisão de Urbanismo de 10/01/1995 (que será de fls. 791) quanto ao destino das frações do Lote B onde se integra a fração W.
15ª - O Réu violou essas autorizações quando emitiu em 13-01-1995 a licença de utilização da fração W e lhe alterou o destino para “armazém”.
16ª - A condicionante apontada na sentença recorrida quanto à necessidade de se alterar o título constitutivo da propriedade horizontal para destinar a fração W para comércio ou serviços, não constitui uma impossibilidade ou um impedimento, na medida em que o decidido a quo não equacionou e omitiu a apetência da fração e as suas características de construção tal como definidas no relatório da 2ª perícia, que lhe permitem a mudança de destino e a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal para comércio ou para serviços, isto é, que lhe permitem corrigir a alteração que o Réu efetuou quanto ao destino da fração sem autorização da Assembleia Municipal e sem decisão prévia que o legitimasse.
17ª - A absoluta falta de acesso à fração, tal como demostram as fotografias nos relatórios da 1ª perícia de fls. 516-540 e da 2ª perícia de fls. 725-759, é suficiente para afastar só pela vista do local qualquer interessado em arrendar ou comprar a fração, não sendo possível dar qualquer uso em condições normais à fração.
18ª - O que o tribunal recorrido considerou como falta de prova convincente quanto
aos factos relacionados com o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito do Réu e o dano patrimonial sofrido pela Autora, só lhe permitiria estribar uma decisão com recurso à equidade para a fixação do montante compensatório ou reparatório.
19ª – A mera privação do uso constitui dano autónomo de natureza patrimonial, em
nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, indemnizável nos termos dos artigos 483º e 566º do Código Civil.
20ª - O tribunal recorrido deveria ter seguido o supletivamente disposto no artigo nº
566º nº 3 do CC segundo o qual, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Ou recorrer à liquidação de sentença.
21ª – Nesse sentido, o dano patrimonial do proprietário que resulta da perturbação do seu direito de propriedade tem sido defendido na jurisprudência e na doutrina portuguesas, invocando-se aqui o decidido no Acórdão do STJ proferido em 16/12/2013 no proc. 3939/03, que estabeleceu que a ilícita privação do uso e fruição de um prédio pode ser causa de responsabilidade civil, se impede o respetivo proprietário do exercício daqueles poderes, ou pode constituir fonte de obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473º e seguintes do Código Civil, caso não haja lugar a responsabilidade civil por inexistência de dano.
22ª – Nesse sentido, invoca-se também a jurisprudência do Acórdão do STJ proferido em 26/05/2009 no processo de revista nº 531/09, da 1ª Secção, que estabeleceu que, se, por facto ilícito de terceiro (Nota nossa: como é o caso dos presentes autos), o proprietário do prédio está impedido, durante um determinado período, de o usar, como pretendia, essa perturbação do seu direito de propriedade gera, segundo as regras da experiência comum e do bom senso, prejuízos na sua esfera jurídica, havendo, consequentemente que repor a situação anterior através da indemnização correspondente à perda temporária dos poderes de gozo e fruição
23ª – Nesse sentido, sendo a coisa em questão um prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se pudesse dispor dele em condições de normalidade, como também decidiu o citado Acórdão do STJ proferido em 26/05/2009 no processo de revista nº 531/09, da 1ª Secção.
24ª - No primeiro caso, a indemnização pela privação do uso corresponderá ao valor
locativo que o autor indicará por mera aproximação com os preços praticados no mercado, valor que poderá vir a ser apurado em execução de sentença. No segundo caso, se não estiver disponível factualidade que permita determinar, com exatidão o valor do dano, nem for possível relegar a sua quantificação para execução de sentença, nem por isso deve ser negada uma indemnização a calcular segundo juízos de equidade, como também decidiu o citado Acórdão do STJ proferido em 26/05/2009 no processo de revista nº 531/09, da 1ª Secção.
25ª - A mera privação do uso constitui dano autónomo de natureza patrimonial, indemnizável nos termos dos artigos 483º e 566º do Código Civil, como decidiu o também já citado Acórdão do STJ de 29/06/2004 proferido no processo nº 3939/03 proveniente da Relação do Porto.
26ª – A ilícita privação do uso e fruição de um prédio pode ser causa de responsabilidade civil, se impede o respetivo proprietário do exercício daqueles poderes (como é o caso flagrante dos presentes autos), ou pode constituir fonte de obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473º e seguintes do Código Civil, caso não haja lugar a responsabilidade civil por inexistência de dano, como decidiu o já citado Acórdão do STJ de 29/06/2004 proferido no processo nº 3939/03 proveniente da Relação do Porto.
27ª - O tribunal estava vinculado a fixar uma indemnização pelo não uso, o que não fez, e não seguiu os critérios que o tribunal poderia ter seguido para estimar, definir e fixar por equidade o valor da depreciação pelo não uso em condições normais do prédio, concretamente, o montante dos danos a reparar aferido pelo valor que a Autora poderia receber se, em condições normais, pudesse ter dado de arrendamento a fração, não fosse a nuclear falta de acesso causada pelo Réu.
28ª - A Recorrente está na presença de uma séria e grave ofensa e violação ao seu direito de propriedade privada, que vedou o uso do imóvel em causa por ato ilegal praticado pelo Réu que, nas circunstâncias em que a sentença a quo foi proferida, viola o disposto no artigo 1º do Anexo nº 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, segundo o qual:
“Artigo 1.º
Proteção da propriedade
Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.
As condições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas.”
29ª – Nos presentes autos está em causa o princípio contido na referida norma, segundo o qual, qualquer pessoa tem direito ao respeito dos seus bens, e ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.
30ª - O tribunal recorrido olvidou a resposta unânime dos peritos da 2ª perícia, de fls. 525-570, que avaliou a fração W em 450,00 euros/metro quadrado, valor reportado ao ano de 2000, em função do destino de armazém com base nas suas características construtivas, na sua localização, de acordo com o mercado e com o seu destino de armazém, não se justificando o decidido a quo nem o respondido no facto provado GG.
31ª - Em consequência da impugnação da matéria de facto, deve ser alterada a resposta ao facto GG, dele devendo passar a constar o valor de 450,00 euros/metro quadrado, ao abrigo do disposto no artigo 640º nº 1 alíneas a), b) e c) do CPC.
32ª - Quando o valor exato da indemnização não é passível de fixação, tal valor só pode ser fixado com recurso à equidade e dentro dos limites objetivos que foram dados como provados nos termos do disposto n nº 3 do artigo 566º do CC, e se não puder ser averiguado o valor exato dos danos o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites do que tiver provado.
33ª - O tribunal a quo em vez de procurar fixar a indemnização de forma justa e equitativa, e estava ao seu alcance encontrar a equidade na resposta ao quesito 5º do relatório da 2ª perícia de fls. 730-759, e não exerceu o poder-dever de fixar e atribuir à Recorrente uma indemnização de valor justo e equitativo, que deveria em razão do disposto no artigo 566º nº 3 do CC.
34ª - O tribunal recorrido não se pronunciou sobre a área da fração W e não deu como provado que a fração W tem a área de 730,00 metros quadrados, tal como consta da certidão predial a que se refere o documento nº 13 junto com a petição inicial de fls. …-…; neste segmento, a sentença recorrida cometeu nulidade, para os efeitos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC, por não se ter pronunciado sobre essa questão, que é essencial para a determinação do dano da Recorrente.
35ª - Em consequência, deve ser alterada a redação do facto GG, acrescentando-se-lhe a expressão, “com a área de 730,00 metros quadrados” a seguir a “A fração “W” em causa,”, ao abrigo do disposto no artigo 640º nº 1 alíneas a), b) e c) do CPC.
36ª - O tribunal recorrido não determinou o valor de uso ou de rendimento do prédio,
que está em função do seu valor de mercado. Tendo a fração W a área de 730,00 m2, e tomando por base o valor por metro quadrado (de € 450,00) para armazém, reportado ao ano de 2000, seguido pelos peritos na resposta ao quesito 6º da segunda perícia, de fls. 730-759) o valor da fração é de € 328.500,00 (730,00 m2 x € 450,00).
37ª - Avaliando o dano da Autora, sobre este valor deverá ser considerado um mínimo de 6% a 8% por cento do seu valor de mercado por ano, em resultado dos atos ilícitos praticados pelo Réu que impediram a Autora de usar e fruir em condições normais a sua fração, optando-se no seu cálculo pelo valor intermédio de 7%, o que dá o rendimento anual mínimo expetável de € 22.995,00 (€ 328.500,00 x 7%), correspondente a uma renda mensal de € 1.916,25 (€ 22.995,00 : 12).
38ª – O valor assim calculado tem início em 01/01/1999 (facto provado AA), deve ser
atualizado anualmente, passando a vencer juros após o trânsito em julgado do acórdão que vier a ser proferido até que o Réu dê cumprimento efetivo ao decidido em A), ou seja, proceder à retificação do piso do arruamento a nascente do prédio do Lote B da Quinta da (...), (...), por forma a permitir o acesso ao interior da respetiva fração W, além do mais, por parte de veículos para cargas e descargas de mercadorias.
39ª - A pretensão jurisdicional da Autora tem o seu enquadramento na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana das entidades públicas consagrado no plano constitucional no artigo 22º da Constituição/CRP, e no plano ordinário no DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, e posteriormente na Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
40ª - Os pressupostos normativos da efetivação da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas (onde se situa o Réu, Município (...)), são aqueles que já resultam do conceito civilista previsto no artigo 483º nº 1 do CC, o que é pacificamente aceite pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
41ª – A responsabilidade civil aquiliana do Réu está sujeita à verificação dos pressupostos cumulativos do facto ilícito e culposo, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano – cfr. os artigos 342º nº 1 do CC e 414º do CPC.
42ª - O tribunal recorrido não decidiu bem quanto ao nexo de causalidade adequado entre os factos ilícitos praticados pelo Réu e o dano que causou à Autora, ao considerar que, “por falta de prova convincente”, não se conheceram “quais as diligências sérias que terão sido levadas a cabo pela Autora no sentido da celebração de um contrato de arrendamento da fração W”, “qual o seu valor”, “e se a eventual frustração de tal negócio se ficou a dever à falta de acesso ao mesmo provocada pelo Réu” e que “não se encontra provado nem os lucros cessantes, nem também o nexo de causalidade adequada exigido na sua formulação negativa pelo artigo 563º do CC”, e que por essa razão, ficou impedido de conceder à Autora qualquer indemnização, ainda que por recurso à equidade, e violou o disposto no artigo 413º do CPC.
43ª – A privação do uso da fração em causa constitui dano ressarcível atendendo à excecionalidade do impedimento total do uso em condições normais da fração W em resultado da sua total falta de acesso, tornando-se necessariamente impossível demonstrar o interesse de terceiro em usar a fração mediante arrendamento ou outra forma de negócio ou até o uso da fração pelo próprio proprietário, o que não foi sopesado na decisão recorrida.
44ª – A nuclear falta de acessibilidade da fração W da Recorrente está decisivamente
fundamentada e provadas nos factos Q, R, S, T, U, V, Z, AA, BB, CC, EE e FF, evidenciando fortemente que o Réu prosseguiu conduta ilícita, quer por ação (facto positivo), quer por omissão (facto negativo), violou normas jurídicas e gerou danos, em negação dos valores tutelados pela ordem jurídica.
45ª - Em resultado de todo o conjunto de factos provados Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, DD, EE e FF, dos atos (materiais e jurídicos) e omissões (materiais e jurídicas) praticados pelo Réu, o proprietário da fração W ficou sem qualquer acesso ao seu interior por parte de pessoas e de veículos para efetuar cargas e descargas, que inviabilizaram o uso efetivo e em condições normais da fração pelo seu proprietário, impedindo-a de exercer o seu direito de uso e fruição inerente ao direito de propriedade, nomeadamente, da faculdade de se servir da coisa e de fazer seus os respetivos frutos em razão do disposto no artigo 1484º nº 1 do CC.
46ª – Pelo que, considera-se verificado o pressuposto da ilicitude do Réu por violação do direito de propriedade da Autora, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2º nº 1 e 6º do DL 48051, de 21 de Novembro de 1967, e dos artigos 7º nº 1 e 9º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, entre outras normas aplicáveis.
47ª – A sentença recorrida olvidou o que consta provado nos processos de destituição
de administrador (1267/03.8TBBGC, de fls. 328-401) e de exclusão de sócio (1268/03.6TBBGC, de fls. 526-578) que correram termos no Tribunal Judicial de (...), que a primitiva Autora, DD..., instaurou contra o irmão, EE..., e julgou diversamente em relação a factos julgados com decisões transitadas em julgado, e suscitou a incoerência de julgados relativamente aos factos provados no processo nº 1267/03.8TBBGC do Tribunal Judicial de (...), de fls. 328-401, sob os números 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 133, 134, 136, 150, 163, 164, 165 e 173, que foram transcritos nas alegações, e se trazem às conclusões, dando-se aqui todos por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, e violou o disposto no artigo 413º do CPC.
48ª - Dos referidos factos nº 125, 126, 127, 128, 129 e 130 julgados provados no processo nº 1267/03. 8TBBGC conclui-se com meridiana clareza que foi o Requerido, EE..., que recusou a oferta da irmã, do montante de 100.000.000$00 (correspondentes a € 500.000,00 no ano de 1997) pela cessão da sua quota na sociedade dita irregular, e que encerrou o estabelecimento de (...) em 31 de Outubro de 1998.
49ª - Dos factos provados nº 164 e 165 naquele referido processo resultou provado pela sentença proferida em 31/01/2011 que o armazém em causa nos presentes autos foi vendido e comprado pelo preço de 14.000.000$00 (correspondentes a cerca de € 70.000,00), tendo sido pago com uma parte em dinheiro (5.000.000$00) e com a restante parte pelo fornecimento de materiais; porém, a sentença recorrida considerou provado apenas o que consta da escritura outorgada em 03/03/1995.
50ª - Não resulta provado nos referidos processos nº 1267/03.8TBBGC e 1268/03.6TBBGC que BB... tivesse parte ou interesse nas respetivas demandas.
51ª – Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido, julgando diversamente sobre os mesmos factos, que não admitiu, causou incoerência do julgado na sentença recorrida relativamente ao que se manifesta decidido por trânsito em julgado nos referidos processos1267/03.8TBBGC e 1268/03.6TBBGC.
52ª - Pelo que, em razão da impugnação da matéria de facto decidida a quo, ao abrigo
do disposto no artigo 640º nº 1 alíneas a), b) e c) do CPC, o facto provado “O” deverá mostrar-se consonante com o provado, entre o mais, nos pontos 164 e 165 da decisão transitada em julgado e proferida no processo nº 1267/03.8TBBGC, alterando-se a sua redação e passando dela a constar quanto ao preço pelo preço de 14.000.000$00, sendo uma parte do montante de 5.000.000$00 paga em dinheiro e o restante pago com o fornecimento de materiais”.
53ª – Estava ao alcance do tribunal recorrido o domínio de toda a matéria de facto julgada nos processos nº 1276/03.8TBBGC e 1268/03.6TBBGC que julgaram as causas em razão da proximidade dos factos, do objeto e das partes, em que a sentença a quo se auxiliou, mas que não percecionou suficientemente e contendeu com verdade dos factos ao descredibilizar a testemunha BB..., e violou o disposto no artigo 413º do CPC.
54ª - Argumentar que o artigo 566º nº 1 do CC exige a demonstração de diligências sérias quando, em função dos factos provados nos autos já referidos, conduz à conclusão lógica e inevitável, ainda que não se queira, mesmo com tais exigências de prova, que não é possível configurar-se como sério e verosímil haver interessados para um negócio que envolva o uso de uma fração que não tem acessos e que não pode cumprir a função para a qual foi destinada.
55ª - O disposto no artigo 566º nº 1 do CC não pode sacrificar a Autora sobre um objetivo impossível de atingir, nomeadamente, não sendo expetável a continuidade de um negócio da Autora ou um arrendamento a terceiro em local que não serve minimamente para o destino de armazém ou qualquer outro, por nuclear falta de acesso, devendo ser interpretado nesse sentido.
56ª – A sentença recorrida carrega sobre a Autora o enorme fardo de ter de suportar enorme dano patrimonial decorrente de um período de 22 anos durante o qual esteve
totalmente impedida, em consequência dos atos ilícitos praticados pelo Réu, de usar em condições normais o prédio e dele retirar os seus frutos, como as rendas de arrendamentos, e ainda teve de pagar anualmente as derramas do Município e o imposto de IMI, as cotizações do condomínio quanto às partes comuns do edifício e a desvalorização do prédio
57ª – Encontram-se preenchidos todos os requisitos (ilicitude, culpa, dano e nexo de
causalidade entre o facto e o dano) de que depende a reparação do dano patrimonial da Autora, devendo ad quem ser-lhe atribuída indemnização pela privação do uso da fração por interpretação do disposto no nº 3 do artigo 566º do CC, norma que foi violado nas circunstâncias da sentença recorrida.
58ª - Se o Réu não tivesse emitido a licença de utilização em 13/01/1995 a primitiva Autora não teria celebrado a escritura de compra da fração W em 03/03/1995 e poderia exigir a restituição do sinal ao vendedor, e os danos patrimoniais da Autora teriam sido limitados logo nessa fase; mas não foi isso que aconteceu, o Réu ao emitir a licença de utilização permitiu a introdução da fração W no mercado imobiliário e no comércio jurídico.
59ª - Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido não conheceu, quando estava obrigado a conhecer, sobre o valor da indemnização que deveria ter fixado nos termos do nº 3 do artigo 566º do CC, cometendo a nulidade a que se refere a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
60ª – Ou, entendendo-se que o tribunal a quo se pronunciou sobre a indemnização, mas entendeu não atribuí-la, cometeu erro de julgamento porquanto dos autos constam elementos de facto nos termos do fundamentado neste recurso que não foram considerados na sentença recorrida, que conduziriam o tribunal da primeira instância a decisão diversa da que seguiu.
61ª - Para a fixação dessa indemnização, no caso dos presentes autos, não é necessário alegar ou provar o montante dos danos, os quais deverão ser fixados na falta de prova, pelo recurso à equidade.
62ª – A indemnização destina-se a ressarcir a Autora dos prejuízos naturais relativos ao não uso do prédio, isto é, sem retirar qualquer rendimento do prédio, em resultado da nuclear falta de acesso à fração, por factos e atos ilícitos praticados pelo Réu e em nexo de causalidade adequada destes com os danos que lhe causou.
63ª – Deve ainda ser fixada por equidade uma renda mensal em razão dos danos futuros que o Réu causar à Autora até que reponha o acesso efetivo nas condições e conforme o decidido em A) da sentença recorrida, atualizada anualmente e acrescida de juros contados da data da sua fixação.
64ª - Ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido não fixou indemnização pelo não uso da fração da Autora, dentro dos limites que constam provados na ação e nessas circunstâncias violou o disposto no artigo 566º nº 3 do CC e nos artigos 1º nº 1 e 6º nº 1 do Anexo I da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, interpretados no sentido das conclusões do recurso.
65ª - Em função da impugnação da matéria de facto em sede de recurso, devem os factos que o tribunal recorrido julgou não provados sob os nº 3, 4, 5 e 7 ser julgados provados ad quem, impondo-se, em resultado da sua impugnação, a alteração da sua numeração, com as redações ou outras que se considerem apropriadas (artigo 640º nº 1 alínea c) do CPC), descritas nas próximas quatro conclusões:
66ª - 3) Após a reclamação para a sociedade comercial CC---, da operação acerca da criação de um estabelecimento comercial concorrente nas antigas instalações ocupadas pela sociedade até Março de 1995, a primitiva Autora procurou rentabilizar a prédio (fração 1.962 – “W”) sito na cave do Lote B da Quinta da (...), (...).
67ª - 4) A primitiva Autora exerceu desde o último trimestre de 1996 a atividade de compra e venda de imóveis e de arrendamento de prédios e por essa razão não carecia de contactar sociedades imobiliárias para negociar a fração W.
68ª - 5) Tendo obtido propostas para arrendamento, a mais elevada das quais foi de 900.000$00 em Julho de 1999.
69ª - 7) O contrato de arrendamento pela renda mensal de 900.000$00 não se concretizou devido à falta de acesso à fração pelo arruamento efetuado pelo Réu que serve de único acesso ao prédio e que se situa entre 1,81 metros e 1,97 metros abaixo do portão de entrada.
70ª - A Autora tem direito a um processo justo e equitativo no contexto do ordenamento jurídico vigente, que o tribunal recorrido não proporcionou, nem assegurou, ao permitir que o processo arrastasse a sua tramitação por mais de 18 anos entre o momento em que a ação foi instaurada (ano de 2003) e a atualidade (02/03/2021 data em que o presente recurso e apresentado), desde que a ação foi instaurada até que proferiu sentença em 1ª instância; esse direito da Autora a um processo justo e equitativo foi violado pelo tribunal recorrido.
71ª - Ao não fixar uma indemnização justa e equitativa, ainda que presumida e/ou com recurso à equidade, para compensar a Autora dos danos patrimoniais que o impedimento do uso do imóvel lhe causaram em consequência dos actos ilícitos praticados pelo Réu, e ao não proporcionar um processo justo e equitativo, nessas circunstâncias o Tribunal recorrido violou o direito da Autora a um processo justo e equitativo consagrado no artigo 6º nº 1 do Anexo nº 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que se transcreve:
Artigo 6.º
Direito a um processo equitativo
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e
publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção
da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
(…)
72ª - Verifica-se dos presentes autos que a ação foi instaurada no início do ano de 2003 e até à decisão de 1ª instância, proferida em 15/01/2021 correu um período de mais de 18 anos para uma ação de dificuldade média, como a que está em causa; ao decidir por sentença datada de 15/01/2020, o douto tribunal recorrido excedeu largamente o prazo considerado razoável e não proporcionou uma decisão da causa em tempo útil, replicando a injustiça de vedar à Autora o direito e o dever dos tribunais fazerem justiça em tempo útil, que se considera de 3 anos na primeira instância.
73ª – Nesse sentido, invoca-se o douto Acórdão do TCAN de 07/07/2017 proferido
no processo nº 1684/13.5BEPRT, que estabeleceu que a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso; tem-se como razoável o prazo de 3 anos como duração média de um processo na primeira instância, para a generalidade das matérias, e de 4 a 6 anos para a duração global da lide, ou seja, quando haja recurso para os Tribunas Superiores.
74ª – Com o devido respeito, que é muito, a douta sentença recorrida não andou bem
ao considerar que a testemunha BB... protagonizou depoimento “visivelmente interessado e apaixonado”, “parcial” e “interesse ou benefício na demanda”, avaliação diversa e contrária aos factos julgados nos processos nº 1267/03.8TBBGC e 1268/03.6TBBGC do Tribunal Judicial de (...), onde também depôs como testemunha, altura em que ainda vivia em união de facto com a primitiva Autora dos presentes autos, DD..., e nos quais não se encontra qualquer facto provado ou alusão motivada a tal respeito, e violou o disposto no artigo 413º do CPC.
75ª - A testemunha BB... acompanhou de forma direta grande parte das situações relacionadas com o armazém/estabelecimento comercial de venda de produtos e derivados de madeira de (...), tanto na Rua (...), como na fração W, sendo a única pessoa viva, face ao decurso dos últimos 25 anos, que poderia responder por parte da Autora ao leque de questões enunciadas nos temas da prova.
76ª – Deve o depoimento da testemunha BB... ser reavaliado em sede de recurso, em função da impugnação da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 640º do CPC.
77ª - O tribunal recorrido interpretou diversamente a carta consubstanciada no documento de fls. 115 dos presentes autos, na qual o irmão da primitiva Autora, EE..., invocou que ia encerrar o estabelecimento em 31/10/1998, porquanto se insere no contexto dos factos provados no processo 1267/03.8TBBGC (de fls. …-…) sob os pontos 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133 e 136, e violou o disposto no artigo 413º do CPC.
78ª – Desses factos provados e dessas circunstâncias interpreta-se com meridiana clareza que DD... se opôs ao encerramento do estabelecimento de (...), que foi encerrado pelo seu irmão EE... em 31/10/1998.
79ª – Leva-se às conclusões o que o douto julgador do processo nº 1267/03.8TBBGC
expressou na sentença que proferiu em 31/01/2011:
“Por fim, quando em finais do mês de Abril de 1997 a requerente apresentou ao requerido o certificado de admissibilidade de firma e os estatutos com vista à constituição legal da sociedade (Nota nossa: que até aí funcionara irregularmente), este recusou-se a outorgar a escritura pública de constituição da sociedade por quotas, tendo o requerido preferido encerrar o estabelecimento para repartir com a requerente algum dinheiro e as poucas mercadorias (as obsoletas) que ele não conseguiu vender. E isto sem qualquer deliberação da assembleia-geral ou decisão judicial nesse sentido. Isto é, o requerido encerrou o estabelecimento contra a vontade da requerente, não lhe
tendo entregue as chaves para que esta pudesse dar continuidade ao negócio alegando apenas pretender fazer a divisão das mercadorias e do dinheiro existente à data do encerramento. O que veio a fazer em 31 de Outubro de 1998.
Facto muito estranho, quando, desde o início da sua atividade em Fevereiro de 1990, que a sociedade da requerente com o requerido apresentou lucros em crescimento.
(…)
Os factos apurados são capazes de fazer perigar qualquer contrato e de dificultar a obtenção do fim contratual, pois a conduta do requerido fez desaparecer pressupostos, pessoais e reais, que são essenciais ao desenvolvimento da relação societária em questão, pois incumpriu por exemplo com o dever de lealdade e o dever de fidelidade, base de qualquer relação associativa, bem como deveres de boa gestão. Mais, apuraram-se situações que fazem qualquer sócio médio desconfiar sobre o destino do dinheiro das vendas.
(…)
A nosso ver, houve evidente quebra de confiança: aos olhos de um sócio comum, colocado na situação do concreto sócio atingido, a requerente, perante a violação culposa dos deveres perpetrada pelo requerido, é mais do que razoável e natural que essa relação de confiança se tenha quebrado.
(…)
Em síntese, respondemos negativamente à pergunta: confiaria tranquilamente os seus
interesses ao requerido/gerente?”
80ª - DD..., primitiva Autora nos presentes autos até transmitir por permuta em 30/10/2013 a fração W para a sociedade AA--- Lda., está desde 20/12/1996 coletada para o exercício de uma atividade comercial de compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários, enquanto a atual Autora sempre exerceu tal atividade desde a sua constituição em 10/07/2000, como se verifica da declaração de inscrição no registo de início de atividade em sede de IRS, e da certidão comercial permanente da Autora conforme documentos nº 1 e 2 juntos.
81ª - A junção dos documentos justifica-se ao abrigo do disposto nos artigos 656º nº 1 e 423º do CPC, pretendendo comprovar-se que tanto a primitiva Autora como a Autora superveniente exercem desde 20/12/1996 e 10/07/2000, respetivamente, a atividade de compra e venda e arrendamento de imóveis, que se tornaram necessários juntar em virtude da surpresa que constituiu a sentença proferida na 1ª instância.
82ª - Nas circunstâncias em que decidiu, o douto tribunal recorrido proferindo a sentença que proferiu, violou o disposto no artigo 413º do CPC, nos artigos 342º nº 1, 483º nº 1 e 566º nº 3 do CC e nos artigos 6º, nº 1 da Convenção e o artigo 1º do Protocolo nº 1, Anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que devem ser interpretados no sentido das conclusões anteriores.
Termos em que, deve o recurso ser admitido, e julgado procedente por provado,
revogando-se a douta sentença recorrida, que deve ser substituída ad quem no sentido das conclusões do recurso, com as legais consequências.
Procedendo o recurso:
Deverá ser fixada uma indemnização a atribuir à Autora, por recurso à equidade,
em renda mensal, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 566ºdo CC, em razão dos danos que o Réu causou à Autora em nexo de causalidade entre os factos ilícitos e o dano, pelo não uso da fração em condições normais, desde 01/01/1999 até à data em que o Réu reponha o acesso à fração nas condições e conforme o decidido em A) da sentença recorrida.
Ao não uso acrescem os valores de obras e de quotização do condomínio, valores que podem relegar-se para execução de sentença.
Atribuindo a indemnização, deve o tribunal ad quem atualizar os valores da renda anual fixados para o ano de 1999, com a primeira atualização em 01/01/2000 por aplicação dos coeficientes de atualização das rendas publicados anualmente até 31 de Outubro, e até que a Ré ponha fim ao impedimento do uso da fração W pela Recorrente.
Se assim não se entender, deve ser fixado um montante indemnizatório mensal reportado a 01/01/1999 até ao momento em que o Réu dê cumprimento ao que foi condenado em A) da decisão recorrida, com as legais consequências.”
**

O Recorrido Município de (...) não apresentou Contra alegações.
*

O Tribunal a quo proferiu despacho pelo qual sustentou a não ocorrência das nulidades da Sentença invocadas pela Recorrente, tendo ainda admitido o recurso interposto, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitada pela Recorrente e patenteada nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece das nulidades que lhe são apontadas [Cfr. conclusões 34.ª e 59.ª], assim como de erro de julgamento em matéria facto e de direito.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]Factos provados.
Com interesse para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:
A. Em 10-11-1988, a Câmara Municipal de (...) adquiriu a FF..., o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 01056/101188, da freguesia (...), com o seguinte teor: prédio misto – “(...)” – Terra de cultura, vinha, lameiro, pastagem e diversas árvores, com a área total de 140.300 m2 – artigo 439. Três prédios urbanos: a) dois andares – 180 m2 – artigo: 552; b) rés-do-chão – 52,6 m2 – artigo: 946; e c) rés-do-chão – 42 m2 – artigo: 947. – R. C. global: 6.965$00 – Norte, Adega Cooperativa: nascente e sul, Caminho: Poente, Estrada Nacional. Desanexado do prédio n.º 14.268 a folhas 50 verso livro B-33 [cf. facto assente a fls. 415 do suporte físico];
B. Pela Ap. 03 de 17-09-1992, o Réu desanexou o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 01668/170992 – Freguesia (...) [cf. facto assente a fls. 415 do suporte físico];
C. Prédio este composto por: Prédio Urbano – “(...)” – Lote A – parcela de terreno para construção – 700 m2 – norte, Lote B; sul e nascente, logradouro público; poente, Rua pública – V. v. 25.050.000$00 – Matriz: omisso. Desanexado do prédio n.º 01056/1011/88 [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
D. Prédio este que, em reunião de Câmara Municipal de 9 de Julho de 1990, foi adjudicado a GG... e HH… pelo valor de 25.050.000$00 [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
E. Cuja escritura pública de venda foi realizada no dia 26 de Agosto de 1992 pelo Notário Privativo da R. [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
F. Pela Ap. 04 de 16 de Dezembro de 1994, a R. desanexou o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 01961/170992 – Freguesia (...) [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
G. Prédio este composto por: Prédio Urbano – “(...)” – Lote B – Parcela de terreno para construção – 700m2 – Norte, Câmara Municipal; Sul, Lote A; Nascente, Câmara Municipal; poente, Rua pública – V. v. 25.050.000$00 – Matriz: Omisso. Desanexado do prédio n.º 01056/1011/88 [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
H. Cuja escritura pública de venda foi realizada pelo Notário Privativo da R. no dia 3 de Fevereiro de 1994, e sucessivamente rectificada em 16 de Agosto de 1994, em 21 de Novembro de 1994 e em 5 de Dezembro de 1994 [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
I. A R. vendeu o prédio descrito sob o n.º 1.961 (sé) a II... e esta, por sua vez, vendeu o referido prédio à sociedade de construções HH---, Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (...) [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
J. Constituído pelo terreno sito em (...), identificado por Lote B, destinado à construção de um edifício de cave, subcave, rés-do-chão e sete andares [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
K. A R. licenciou a sociedade adquirente do referido lote de terreno, a iniciar a construção de um edifício de subcave, cave, rés-do-chão e sete andares [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
L. A R. emitiu a favor da sociedade de construções HH---, Lda. o alvará de licença de construção do edifício [cf. facto assente a fls. 416 do suporte físico];
M. A R. emitiu em 13 de Janeiro de 1995, em nome da referida sociedade, os alvarás de licença de habitação e ocupação n.ºs 5 e 6 [cf. facto assente a fls. 417 do suporte físico];
N. Alvarás de licença de utilização e de habitação que foram exibidos ao Notário do Cartório Notarial de (...) no dia 3 de Março de 1995 aquando da escritura pública de compra e venda do prédio descrito sob o n.º 1.961 – “W”, exarada a fls. 57-vº do livro de notas para escrituras diversas n.º 32-D [cf. facto assente a fls. 417 do suporte físico];
O. A [primitiva] A. e EE... compraram, por escritura de 3 de Março de 1995 do Cartório Notarial de (...), à HH---, Lda., pelo preço de cinco milhões de escudos a fracção identificada pela letra “W”, ou seja, a cave do prédio em causa, descrita na Conservatória do Registo Predial de (...), sob o n.º 1961-W (Sé), fracção essa que à data se encontrava omissa na matriz predial respectiva [cf. facto assente a fls. 417 do suporte físico];
P. Para cuja realização da referida escritura, a sociedade vendedora exibiu os alvarás de licença de habitação e ocupação n.º 5 e 6 emitidos pela R. em 13 de Janeiro de 1995 [cf. facto assente a fls. 417 do suporte físico];
Mais se provou que:
Q. A R. licenciou a sociedade adquirente do referido lote de terreno – a HH--- -, a iniciar a construção de um edifício de subcave, cave, rés-do-chão e sete andares mesmo antes da aprovação de qualquer projecto de loteamento total ou parcial do prédio descrito sob o n.º 1.056 (Sé) [cf. resposta positiva à questão 1) infra explicitada];
R. Sem ter efectuado quaisquer obras de loteamento e de urbanização que permitissem o acesso a camiões, a empilhadores e outros veículos de carga e transporte à fracção “W” do prédio em causa [cf. resposta positiva às questões 2) e 3) infra explicitada];
S. A R. emitiu em 13 de Janeiro de 1995, em nome da referida sociedade, os alvarás de licença de habitação e ocupação n.ºs 5 e 6 sem que existissem ruas públicas que permitissem a acessibilidade à cave do edifício [cf. resposta positiva à questão 5) infra explicitada];
T. Cujo único acesso se situa a nascente daquele [cf. resposta positiva à questão 6)];
U. Naquela data, a R. não tinha aprovado o processo de loteamento nem realizado as obras de urbanização da Quinta da (...), sita no Lugar (...), designadamente, os arruamentos e as infra-estruturas de água, luz e saneamento que permitissem a acessibilidade pelo lado nascente do edifício onde se situa a entrada para a cave correspondente à fracção “W” do prédio [cf. resposta positiva às questões 7) e 8) infra explicitada];
V. A R. fez passar o arruamento com uma cota variável entre aproximadamente 1,81m e 1,97m abaixo do único acesso ao interior do prédio n.º 1.961- “W”, não permitindo, desta forma, o acesso ao seu interior por camiões, para cargas e descargas, inviabilizando a sua utilização [cf. resposta parcialmente positiva às questões 10) e 22) infra explicitada];
W. Desde o mês de Março de 1995 até 31 de Outubro de 1998 que a sociedade DD... e EE... utilizou aquela fracção autónoma como armazém de derivados e produtos de madeira em paralelo com o estabelecimento da Rua (…), no concelho de (...) [cf. resposta parcialmente positiva à questão 11) infra explicitada];
X. Este último onde a referida sociedade já tinha o seu estabelecimento comercial desde o início da sua actividade no mês de Fevereiro de 1990 [cf. resposta parcialmente positiva à questão 12) infra explicitada];
Y. Aquando da construção do arruamento, os aterros que permitiam o acesso ao prédio já la se encontravam, por onde passavam camiões que descarregavam mercadorias dentro do armazém da fracção “W” [cf. resposta positiva à questão 23) infra explicitada];
Z. Aquando da venda do Lote “B” sito em (...) a II... em 3 de Fevereiro de 1994 não foram executadas obras de urbanização do loteamento, mas apenas entre Julho de 1998 e Abril de 2000 [cf. resposta positiva às questões 24) e 25) infra explicitada];
AA. A fracção “W” ficou sem qualquer acessibilidade ao seu interior pelo único portão de acesso situado a nascente do edifício, o que aconteceu a partir do início do ano de 1999 [cf. resposta positiva à questão 26) infra explicitada];
BB. A R. vendeu o Lote B e nele autorizou a construção de uma subcave, sem que o único acesso ao seu interior estivesse concluído ou, no mínimo, com projecto aprovado, cuja construção prévia condicionava a efectiva utilização da fracção W” do Lote B da Quinta da (...) [cf. resposta parcialmente positiva às questões 27) e 28) infra explicitada];
CC. A entrada para a fracção “W” é feita pelo lado Nascente e não pelo lado Norte do edifício [cf. resposta positiva (em sentido contrário) à questão 29) infra explicitada];
DD. Antes das obras de loteamento e urbanização, podiam entrar veículos de carga e descarga para o interior da fracção W [cf. resposta positiva (em sentido contrário) à questão 31.º];
EE. Com as obras de urbanização levadas a cabo pela Ré não pode continuar a proceder-se a cargas e descargas [cf. resposta positiva (em sentido contrário) à questão 34.º];
FF. A fracção em causa é constituída por uma cave ampla que vinha sendo utilizada como armazém de derivados e produtos de madeira [cf. resposta parcialmente positiva (em sentido contrário) à questão 36.º];
GG. A fracção “W” em causa tinha, por referência ao ano de 2000, o valor de mercado de EUR 200,00 por metro quadrado, sendo que, depois de ficar sem acesso ao seu interior, o seu valor passou a ser praticamente nulo [cf. convicção infra melhor explicitada];
HH. Com data de 26 de Março de 1995, a primitiva Autora, Henrique Carolina Rodrigues e seu irmão, EE..., celebraram com a JJ---, Lda. um escrito designado de “Contrato de Arrendamento” através do qual declararam dar de arrendamento a esta “a fracção “W” do artigo urbano n.º 1961, freguesia (...), concelho de (...)”, pelo prazo de “um mês, renovável por iguais períodos de tempo”, com a contrapartida do pagamento de ”uma renda mensal” de “vinte mil escudos durante o primeiro ano, sendo actualizada de acordo com a lei de arrendamento aplicável” [cf. certidão de fls. 271 dos autos (suporte físico), cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
II. Em 30 de Outubro de 2013, a primitiva Autora, DD..., declarou perante a notária, LL..., dar em troca ou permutar à agora Autora, AA---, S.A., livre de ónus e encargos, além do mais, a metade indivisa da fracção autónoma “W” correspondente a armazém – cave ampla, destinada a armazéns e actividade industrial, sito em (...), Quinta da (...), Lote B, freguesia (...), (...), transmitindo com tal escritura “todos os direitos, responsabilidades e obrigações, para a sociedade sua representada, na indicada proporção de metade” [cf. fls. 476-483 dos autos (suporte físico), cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
*
Factos não provados.
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:
1) O Lote B (terreno destinado à construção do prédio descrito sob o n.º 1.961 não confrontava com qualquer arruamento público a nascente que pudesse ser utilizado pelos técnicos da R. para analisarem a acessibilidade à subcave e à cave [cf. questão 4)];
2) Aquando da emissão das licenças de habitabilidade e ocupação, a R. obrigou-se a ter em consideração a cota de acesso à fracção “W” na altura em que efectuasse os arruamentos de urbanização da Quinta da (...) [cf. questão 9)];
3) Após a reclamação para a sociedade comercial DD... e EE... da Operação acerca da criação de um estabelecimento comercial concorrente nas antigas instalações ocupadas pela sociedade até Março de 1995, a [primitiva] A. haja procurado rentabilizar o prédio (fracção 1.961 – “W”) sito na cave do Lote B da Quinta da (...), (...) [cf. questão 13) infra explicitada];
4) A [primitiva] Autora haja contactado, pelo menos, uma sociedade imobiliária [cf. questão 14) infra explicitada];
5) Tendo obtido diversas propostas para arrendamento, a mais elevada das quais foi de 900.000$00 (novecentos mil escudos) por mês, em Julho de 1999 [cf. questões 15) e 16) infra explicitada];
6) Que tenha obtido diversas propostas para a compra do prédio em causa, tendo recebido diversas propostas, cujo preço oferecido mais elevado foi 75.000.000$00 (cerca de 375.000,00 Euros), em Setembro de 1999 [cf. questões 17) e 18) infra explicitada];
7) Nenhum dos referidos contratos, o de arrendamento pela renda mensal de 900.000$00 ou o da venda pelo preço de 75.000.000$00, se haja concretizado e que isso se tenha devido à superveniente falta de acesso à fracção pelo arruamento efectuado pela Ré que serve de único acesso ao prédio e que se situa aproximadamente 1,81m e 1,97m abaixo do portão de entrada [cf. resposta positiva às questões 19) 20) e 21) infra explicitada];
8) A entrada para a fracção W é feita pelo lado Norte do edifício, já se fazendo com dificuldade aquando da celebração da escritura de compra e venda da fracção W [cf. questões 29.º e 30.º];
9) Para o interior da fracção W não podiam entrar camiões [cf. questão 31.º];
10) Não está a mesma estruturalmente preparada para suportar o peso de camiões que, a entrar, poderiam fazer ruir a placa e afundar-se na sub-cave [cf. questão 32.º];
11) Os camiões ou outros veículos pesados teriam de ficar à entrada da fracção e daí os materiais serem descarregados à mão ou com um empilhador [cf. questão 33.º];
12) O prédio, na sua totalidade, estava servido, à data da construção, de arruamento devidamente estruturado, com a excepção do seu lado Norte (para onde foi aberta uma única porta) que se encontra em terra batida [cf. questão 35.º];
*
Motivação.
A convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação livre [artigos 396.º do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil aqui aplicável por via do artigo 1.º do CPTA], efectuada à luz das regras da experiência comum quanto ao conjunto da prova testemunhal produzida necessariamente cotejada com a documentação constante dos presentes autos e, bem assim, com as conclusões vertidas nos dois relatórios periciais, respectivamente, a fls. 516-532 (1.º), 595-625 (esclarecimentos) e 725-759 (2.º) dos autos (suporte físico).
Conforme certidão das actas da audiência final juntas aos autos a fls. 254-258, 278-286 e 294-297 do SITAF, foram ouvidos os depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, MM... [antigo companheiro da primitiva autora com quem manteve uma relação de união de facto desde 1986/1987 até cerca de Junho de 2015, de quem teve três filhos], NN... [funcionário a exercer funções na Câmara Municipal de (...) há cerca de quarenta e um anos e que não teve qualquer tipo de contacto directo com a execução da operação urbanística de loteamento em questão e com o imóvel em causa], OO... [funcionário da Divisão de Administração Directa e Empreitadas da Câmara Municipal de (...) que, na data dos factos, trabalhava na Divisão de Obras e que, por isso, participou numa das vistorias realizadas em 1994/1995 a fls. 792 do suporte físico dos autos], PP... [então técnico especialista de construção civil da Câmara Municipal de (...) que efectuara a vistoria ao edifício antes da emissão da licença de habitação] e as testemunhas arroladas pelo Réu, Município (...), QQ... [Presidente da Câmara Municipal de (...) desde 1998 até 2013, tendo, nessa medida, acompanhado a execução das infra-estruturas do edifício em causa] e RR... [sócio-gerente há cerca de trinta anos da sociedade que construiu o edifício em causa, a HH--- , Lda.].
Os Pontos A) a P) dos factos provados, como se sabe, resultam da matéria de facto dada como assente no despacho que se mostra exarado a fls. 415-418 do suporte físico.
Começando a explicitação da motivação pelo Ponto Q) dos factos provados enquanto resposta à questão 1), dir-se-á, desde logo, que o mesmo resulta, de forma cristalina, dos elementos documentais juntos ao processo administrativo, em específico, da Pasta 3 – Loteamento Urbano Quinta da (...), do qual se extrai, com meridiana clareza, que o alvará de loteamento n.º 8 de 1996 data de 13 de Fevereiro de 1997 e com um aditamento datado de 25 de Novembro de 1999, o que quer dizer que, em 13 de Janeiro de 1995 - data em que os alvarás de licença de habitação e ocupação n.ºs 5 e 6 foram passados à HH---, Lda. [cf. Ponto M) dos factos provados assenta a fls. 417 dos autos (suporte físico)] - ainda não existia qualquer decisão de aprovação do projecto de loteamento total ou parcial do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1056/101188 com a área total de 140.300 m2.
Depois, através desses mesmos elementos documentais cotejados com o “Auto de recepção definitiva” dos “trabalhos de infra-estruturas da Quinta da (...) 1.ª e 2.ª fase” anexado ao 1.º relatório pericial a fls. 533 dos autos (suporte físico), retira-se, sem margem para qualquer dúvida, que a execução da operação urbanística de loteamento foi levada a cabo entre 01/07/1998 e 10/04/2000, tendo sido, por isso, iniciada muito após a emissão do alvará da licença de utilização a que supra se aludiu e datada de 13 de Janeiro de 1995.
Daí, assim, ser incontornável a conclusão segundo a qual na data em que foi emitido o alvará da licença de utilização relativa, além do mais, à fracção “W” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 01056/101188 da freguesia (...), ainda se não encontrassem efectuadas as obras de loteamento que, por exemplo, permitissem o acesso a camiões ou outros veículos de carga aos respectivos armazéns, o que, conforme se verá adiante, não foi de todo infirmado pela prova testemunhal produzida em sede de audiência, tal como se mostra enunciado nos Pontos R), S) e U) dos factos provados.
Enfim, conforme se retira dos elementos documentais juntos ao processo administrativo de licenciamento do lote B com o n.º 142/93, o projecto de arquitectura relativo à construção edificada no Lote B da Quinta da (...), em (...) foi submetido pela HH---, , Lda. em 02 de Junho de 1993 [fls. 10], aprovado em 14 de Junho de 1993 [fls. 11], cuja obra fora dada como concluída no respectivo auto de vistoria em 10 de Novembro de 1994 [fls. 118 e 121 e 122], tendo em 13 de Janeiro de 1995 sido emitido os alvarás de licença de utilização n.ºs 5 e 6 [fls. 123], os quais foram rectificados por deliberação de 16 de Outubro de 1995 [fls. 125-128, todas do PA].
Pois bem, como já resultava dos factos assentes, a primitiva Autora, DD..., e o seu irmão, EE..., adquiriram, através da escritura de 03 de Março de 1995, pelo preço de 5.000.000 $00 (cinco milhões de escudos), a propriedade da fracção identificada pela letra “W” correspondente a uma cave com 730 metros quadrados do prédio urbano sito no (...), Quinta da (...), Lote B, da freguesia (...), (...) [cf. documento n.º 10 da petição inicial a fls. 45 dos autos (suporte físico)]
Neste capítulo, através da prova testemunhal produzida em sede de audiência, em concreto, dos depoimentos prestados por QQ... e PP... e, bem, assim pelas respostas dadas pelos senhores peritos aos quesitos 15 e 16, o Tribunal não ficou com dúvidas, dada a sua unanimidade e congruência, que apenas havia um só acesso à referida fracção “W”, o qual se dava através de “um monte de terra”, “terreno virgem”, enfim, de um “caminho precário”, que, localizado a nascente/alçado posterior em forma de rampa, provinha do arruamento principal e assim permitia o acesso de veículos de carga ao dito armazém [o que, inclusive, é corroborado não só pelo facto das plantas de arquitectura n.ºs 2 e 3 do processo de licenciamento n.º 142/93 evidenciarem que o acesso à fracção “W” se daria através de uma rampa “privativa” a ligar/terminar no alçado nascente/posterior do edifício em terreno referenciado com zona verde e não pavimentada (conclusão de fls. 618 dos autos (suporte físico), como também pela observação da fotografia a fls. 57 e 58 dos autos (suporte físico) na qual se visualiza ainda marcas de terra encostada à porta].
E, se não há dúvidas de que, independentemente da questão de saber se o projecto de arquitectura de construção do edifício em causa previa ou não quaisquer cotas de acessibilidade à referida fracção “W” [cf. abordado a fls. 595-608 e 618 dos autos (suporte físico)], assim era quando a primitiva Autora adquiriu a sua propriedade [Ponto T) dos factos provados], tais dúvidas não existem também quanto à conclusão de que, na sequência da execução das obras das infra-estruturas do loteamento levadas a cabo pela Câmara Municipal de (...) ao abrigo do alvará n.º 8 de 1996 datado de 13 de Fevereiro de 1997 [cf. Ponto 1.1. do respectivo PA], o arruamento público que confronta a nascente com aquela fracção “W” e onde se localiza a única porta de acesso ao seu interior passou a situar-se a uma distância abaixo do nível da cota de soleira da referida porta com uma variação de cerca 1,81 metros a 1,97 metros.
Com efeito, tal como nenhuma das partes questiona e inclusive fora “confessado” pelo Réu nas respectivas alegações orais, todas as testemunhas, em uníssono, confirmaram que tal desnível fora provocado pela execução das obras de loteamento levadas a cabo pela Câmara Municipal de (...), depoimentos esses que, a par da fundamentada e credível resposta dada pelos senhores peritos no quesito 13 [cf. fls. 452 e 737 dos autos (suporte físico)], permite extrair a conclusão de que tal desnível se situa entre os 1,81 metros e 1,97 metros [tal como também confirmado, de forma assertiva e transparente, por OO...].

Nessa sequência, inexistindo qualquer rampa de acesso à porta da fracção “W” e encontrando-se o arruamento público que com esta confronta a nascente situado a cerca de 1,81-1,97 metros de distância em altura relativamente à sua cota soleira, torna-se, pois, evidente, à luz das regras de experiência comum, que a referida fracção “W” ficou sem qualquer acessibilidade, nomeadamente, para receber veículos de carga, tal como fora concluído pelos senhores peritos na resposta dada ao quesito 14 a fls. 452 e 737 dos autos (suporte físico), conclusão esta que não é de todo infirmada por qualquer dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência final, bem pelo contrário, pois, de acordo com o depoimento de RR..., que fora prestado de forma imparcial e detalhada e, por isso, digna de credibilidade, a fracção “W” foi construída com uma betonagem especial para aguentar com a entrada de viaturas de cargas e descargas.
Daí, por isso, que o Tribunal não haja ficado com quaisquer dúvidas quanto à ocorrência da matéria de facto enunciada nos Pontos V) e AA) dos factos provados.
E, quanto ao uso que até então vinha sendo feito do supra descrito caminho precário, como já se disse, o Tribunal ficou suficientemente convencido, nomeadamente, através dos depoimentos de PP..., RR... e QQ..., todos prestados de forma imparcial, assertiva e desprovida de quaisquer hesitações, que este dava acesso à porta da fracção “W”, o qual era utilizado habitualmente para cargas e descargas de mercadorias para o referido armazém e daí, por isso, o juízo positivo que se mostra também elencado no Ponto Y) dos factos provados.
E, no que concerne à data em que essa acessibilidade deixou de existir, através do depoimento de QQ... prestado, como se disse, de forma inteiramente credível e em congruência com o conteúdo do “Auto de recepção definitiva” a fls. 533 dos autos (suporte físico) do qual resulta que as obras das infra-estruturas referentes ao loteamento da (…) foram efectuadas entre 01/07/1998 e 10/04/2000, o Tribunal ficou convicto de que tal falta de acesso se verificou logo a partir do final do início do ano de 1999, facto este que, de resto, não resulta infirmado pelo interessado depoimento de BB... que, inclusive, chegou a afirmar isso mesmo [“princípios de 99”].
Aqui chegados, importava, desde logo, aferir qual é que era, na realidade, a finalidade da fracção “W” que havia sido adquirida pela primitiva Autora e seu irmão e, bem assim, qual é que era a actividade que fora aí efectivamente prosseguida pelos mesmos.
Para o efeito, contribuiu o depoimento prestado por MM..., companheiro da primitiva Autora com quem esta manteve uma relação de união de facto desde 1986/1987 até cerca de Junho de 2015, de quem teve três filhos, que, sem prejuízo das debilidades que infra se explicitarão, esclareceu, de forma detalhada e, nesta parte, em congruência com o que já se mostrava indiciado na factualidade dada como provada, além do mais, nas decisões judiciais constantes de fls. 205-239, 332-366, 369-384, 387-400 proferidas no âmbito do processo n.º 1267/03.8TBBGC, que a S. D.ª DD... e seu irmão, Sr. EE..., constituíram uma sociedade (“irregular” é conceito de direito) que tinha o seu estabelecimento comercial de derivados e produtos de madeira sito na Rua (...).
No entanto, se, por um lado, se afigura razoável concluir, dada a sua verosimilhança, pela existência de tal sociedade (eventualmente “irregular”), por outro, não menos o é que jamais se poderia extrair a ilação de que a fracção “W” foi utilizada por tal sociedade como local onde eram comercializados os tais derivados e produtos de madeira, mas sim, apenas e tão só, como armazém desses mesmos bens.
Quer dizer, conforme decorre do título constitutivo da propriedade horizontal de 03 de Janeiro de 1995 a fls. 245-250 dos autos (suporte físico), a fracção “W” do edifício do Lote B da Quinta da (...), (...), contrariamente ao que sucede com as fracções “X”, “Y”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC” e “AD” que se encontravam destinadas “a comércio ou similar de hotelaria”, foi afecta pelo construtor – a HH---, Lda. - a “armazém”, o que é novamente frisado no documento complementar de fls. 247 dos autos (suporte físico), ao aduzir-se que esta é “formada pela cave ampla, com a área de setecentos e trinta metros quadrados, que se destina a armazém”, asserção esta que, de resto, se encontra em estreita congruência com a declaração constante da memória descritiva da rede de água e saneamento na qual se indica “7 unidades de comércio” a fls. 73 do processo de licenciamento n.º 142/93 ou até com o pedido de licença de habitação/ocupação formulado pela própria construtora HH---, Lda. do qual consta “Nota: o referido prédio possui – 28 habitações, 7 lojas comerciais, 1 armazém e 22 garagens” a fls. 119 do processo de licenciamento n.º 142/93.
Isto, na certeza de que a escritura pública de compra e venda de fls. 45-47 dos autos (suporte físico) é completamente omissa quanto ao destino da fracção “W”.
Depois, não só isso é novamente corroborado pela própria caderneta predial de fls. 241-242 dos autos (suporte físico), na qual se lê que a descrição da fracção “W” é a de “cave ampla destinada a armazém” e que a sua “afectação “ é a de “armazéns e actividade industrial”, como no próprio alvará de licença de utilização de 13 de Janeiro de 1995 que consta, além do mais, a fls. 789 (verso) dos autos (suporte físico) e a fls. 141 e 122.1-122.2 e 123.2 do processo administrativo de licenciamento n.º 142/93, extrai-se que a “tipologia” que fora requerida pela construtora e atribuída pela Câmara Municipal de (...) à fracção “W” foi a de “armazém”, contrariamente ao que, por exemplo, sucede com a as fracções “X”, “Y”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC” e “AD”, às quais se atribuiu expressamente a tipologia de “loja”.
Ora, como é bom de ver, os únicos elementos que poderiam sustentar a tese da Autora no sentido de que a fracção “W” estava destinada à prossecução de uma actividade comercial eram o auto de vistoria de 10 de Novembro de 1994 e documento sucedâneo de 10 de Janeiro de 1995 v.g. a fls. 118 e 121 do processo administrativo de licenciamento n.º 142/93, no qual se indica que ao prédio em questão poderia ser “concedida licença de ocupação e habitação”, além do mais, para 8 unidades “destinadas a actividade comercial”.
No entanto, não só daí não se poderia, per se, retirar que entre essas unidades se incluía a fracção “W”, pois do conteúdo do alvará apenas se descrevem 7 lojas e 1 armazém [daí a necessidade de a construtora haver pedido a rectificação do alvará para que do mesmo constasse que as referidas 7 lojas eram “destinadas a actividade comercial ou similar de hotelaria” a fls. 125-128 do citado processo de licenciamento n.º 142/93], como o mais importante era, na verdade, a finalidade que constava expressamente do título constitutivo da propriedade horizontal, e que passava, apenas e tão só, pela de “armazém”, pois que, como é bom de ver, à luz do critério da normalidade que deve presidir às regras de experiência, não pode deixar de ser com base na finalidade que se encontra prevista no título constitutivo da propriedade horizontal que um qualquer cidadão médio adquire a expectativa da utilização que, salvo se obter o consentimento dos demais condóminos, poderá dar à fracção adquirida.
Não se olvida que, por exemplo, RR... relatou ao Tribunal que, pese embora a fracção “W” fosse um armazém de apoio à actividade principal de produção e comercialização de derivados de madeira localizada no estabelecimento comercial instalado no R/C do n.º 17 da Rua (...), aquele também servia para, por vezes, ali comercializar directamente materiais como rodapés e portas, o que até vai de encontro ao que fora genericamente declarado por QQ....
Concebe-se que assim fosse, atenta a credibilidade que, como já se disse, o Tribunal atribuiu a tais depoimentos. Porém, o facto de alguns cidadãos se deslocarem a um armazém (e não à loja comercial) para aí efectuarem directamente a compra de determinados materiais - tese esta cuja verosimilhança, inclusive, se revela compatível com as regras de experiência comum - jamais poderia ter a virtualidade de transmutar a finalidade de “armazém” “industrial” que fora atribuída à fracção “W” para “comércio” ou “serviços”.
Enfim, da prova que fora produzida pelas partes apenas foi possível concluir que a sociedade da primitiva Autora prosseguia a sua actividade de comercialização de derivados e produtos de madeira no estabelecimento situado na Rua (…), concelho de (...), sendo que a fracção “W” do Lote B da Quinta da (...), (...), apenas servia para a armazenagem de tais produtos de madeira em cujo uso se concebe, apenas a título esporádico, alguns casos isolados de comercialização directa.
E, quanto aos estabelecimentos em questão, o que resultou da prova testemunhal produzida nos presentes autos, resumiu-se ao depoimento apaixonado do antigo companheiro da primitiva Autora, MM..., o único sobre a matéria, que transmitiu que o estabelecimento de comercialização de produtos de madeira foi instalado na Rua (…), (...) por volta de Fevereiro de 1990 - desconhecendo-se se e quando alguma vez encerrou – e que o armazém da fracção “W” do Lote B da Quinta da (...) foi instalado em Março de 1995 e encerrado em 31 de Outubro de 1998.
Pese embora a natureza visivelmente interessada e apaixonada do depoimento de BB..., concebe-se a verosimilhança de tais datas, na medida em que as mesmas encontram o seu efectivo suporte não só nos elementos probatórios constantes dos presentes autos, mas também na matéria que fora dada como provada na citada sentença proferida pelo Tribunal Judicial de (...) no âmbito do processo n.º 1267/03.8TBBGC, em específico, os Pontos 2, 4, 5 e 121 dos seus factos provados a fls. 340-354 dos autos (suporte físico) confirmada pela Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Daí, portanto, o juízo enunciado nos Pontos W) e X) dos factos provados.
Como já se teve a oportunidade de adiantar, a testemunha MM... era, sem dúvida, aquela que tinha maior conhecimento da factualidade. No entanto, convém assinalar que, para além de antigo companheiro [de longa data] da primitiva Autora e então administradora única da superveniente Autora, AA---, Lda. e de ser o revisor oficial de contas das sociedades geridas pela S. D.ª e irmão, aquele esteve sempre ligado de forma muito pessoal ao rumo do negócio em questão.
Na verdade, conforme o próprio admitiu em sede de audiência final, existia já em Viana do Castelo uma sociedade de comercialização de produtos e derivados de madeira que, de acordo com os Pontos 8) a 10) dos factos provados na decisão de fls. 341 dos autos (suporte físico) se conclui ser a JJ---, Lda. (tal como a Autora admitiu a fls. 299 dos autos (suporte físico), na qual o Dr. BB... chegou, inclusive, a deter uma participação nominal, sociedade esta que, tal como decorre da certidão do contrato de arrendamento a fls. 271-272 dos autos (suporte físico), viria a tomar de arredamento a fracção “W” aqui em causa à primitiva Autora e seu irmão.
Depois, novamente conforme admitido na esteira do que decorreria da análise da factualidade provada na decisão de fls. 341 e seguintes dos autos (suporte físico), constatou-se que o Dr. BB..., que era tido como uma pessoa conhecedora do negócio do ramo das madeiras, teve um papel bastante interventivo no quotidiano da dita sociedade apelidada de irregular, inclusive, convencendo a primitiva Autora a abrir estabelecimento em (...), nomeadamente, deslocando-se a este concelho para mostrar o estabelecimento a dois potenciais interessados na aquisição da empresa (Ponto 98), para levar documentos relativos à escrita e contabilidade (Pontos 150, 167, 168 e 169) ou até para efectuar o pedido de inscrição da JJ---, Lda. (fls. 240 dos autos (suporte físico), na qual terá chegado a ter participação social (Ponto 9), sociedade esta que, inclusive, viria a tomar de arrendamento a fracção “W” (fls. 271 dos autos (suporte físico).
Pretende-se com isto dizer que os elementos colhidos em sede de instrução da causa, indiciavam, desde logo, que o Dr. BB... poderia vir a revelar um qualquer interesse ou benefício no desfecho da presente causa, pese embora esta haja sido inicialmente intentada apenas pela sua ex-companheira, a D.ª DD....
E assim foi, na verdade, pois que o depoimento prestado pela testemunha em questão, para além de se haver relevado previamente instruído ou preparado (atendendo a que os factos remontavam há cerca de 20 anos atrás e algumas das respostas foram dadas sempre ou quase sempre, de imediato, e exactamente de acordo com o que vinha alegado pela Autora, nomeadamente, no que diz respeito às alegadas propostas de arrendamento e seus concretos valores), se apresentou como visivelmente parcial, apaixonado, tentando, aqui e acolá, demonstrar, nos aspectos nucleares, que infra se explicitarão, a tese que a Autora aqui pretendia fazer vingar [veja-se, a título de exemplo, a questão de saber qual era a tipologia da fracção “W”, à qual o Dr. BB..., pese embora haja sido confrontado com os documentos supra identificados que atestavam precisamente o contrário (v.g. caderneta predial e título constitutivo da propriedade horizontal), se limitou a afirmar genericamente e sem justificação credível que se destinava a comércio por reporte à licença de utilização que fora junta com a escritura pública de compra e venda].
Sinal disso mesmo acabaram por ser as incongruências em que a testemunha em causa acabou por incorrer na explicitação do contexto que terá levado a sua antiga companheira e aqui primitiva Autora, D.ª, a alegadamente tentar rentabilizar a fracção “W” do edifício em causa da Quinta da (...), (...), em (...).
Quer dizer, o Dr. BB... contou ao Tribunal que a DD... havia tido um “desaguisado” com o seu irmão, Sr., porque este, por volta de finais do ano de 1997, inícios de 1998, pretendia encerrar o armazém localizado na dita fracção “W” por alegadamente deter um outro estabelecimento comercial concorrente, ao passo que aquela, ainda assim, pretendia prosseguir com a actividade prosseguida em tal armazém.
Contudo, esta tese – que até poderia encontrar parcial arrimo na carta do EE... e dirigida à DD... constante de fls. 115 dos autos (suporte físico) na qual aquele invocava que iria encerrar definitivamente o dito armazém a partir do dia 31 de Outubro de 1998, embora alegando motivos de saúde – acaba por se revelar contraditória com aquela outra tese relatada ao Tribunal pelo Dr. BB... no sentido de que, a partir de finais de 1997 e inícios de 1998, a DD... tentou comercializar a referida fracção “W”.
É que das duas uma: ou a S. DD... pretendia prosseguir a actividade de armazenagem de produtos e derivados de madeira levada a cabo na fracção “W” ou então a DD... se decidia alhear de tal negócio, dada a vontade do seu sócio e irmão e assim providenciava no sentido de comercializar, além do mais, a fracção “W”.
Ora, como é bom de ver, o que o Dr. BB... transmitiu ao Tribunal foi que, pese embora o desaguisado com o seu irmão, a DD... entendia que este não tinha o direito de fechar o estabelecimento e assim pretendia prosseguir por si tal actividade [até porque, segundo a testemunha em causa, na sequência da carta de fls. 115 dos autos (suporte físico), a DD... terá destacado um funcionário, Sr. M…, para ir trabalhar para o referido armazém da fracção “W” por forma a evitar o encerramento da actividade].
O que naturalmente se revela, no mínimo, como contraditório com a alegada tentativa de vender ou arrendar o armazém sito na fracção “W” em questão [de resto, nem mesmo depois de questionado pelo mandatário do Réu quanto a tal contradição, a testemunha em questão logrou minimamente clarificar o que contraditoriamente declarou, tendo-se limitado a fazer conjecturas relativamente às “reais” intenções do EE... que, mesmo a provarem-se, deixam por explicar a “razão de ser” das alegadas tentativas de arrendamento].
Em todo o caso, sem prejuízo de tal factualidade não poder ser alvo de um juízo positivo não só por esse motivo, mas também pelos que adiante se explicitarão, foi possível ao Tribunal concluir que, tal como decorre da referida carta de Setembro de 1998 a fls. 115 dos autos (suporte físico) e da já assente data de encerramento do armazém em 31 de Outubro de 1998, em bom rigor, na altura em que a fracção “W” ficou sem acesso em virtude das obras das infra-estruturas do loteamento da Quinta da (...) – inícios de 1999 – já o descrito armazém havia sido encerrado por iniciativa do irmão da primitiva Autora, o EE....
Pois bem, como já se adiantou, o Dr. BB... tentou demonstrar ao Tribunal a tese que a Autora aqui pretendia fazer valer, ou seja, a de que ainda antes da fracção “W” ficar sem acesso a DD... havia contactado pelo menos uma sociedade imobiliária, obtido diversas propostas de arrendamento e, bem assim, de compra, e que a não realização de tais negócios se haja devido ao desnível e consequente falta de acesso provocado pelas obras das infra-estruturas realizadas pela Câmara Municipal de (...).
Neste campo, sem prejuízo do que já se disse no que tange à sua reduzida credibilidade, o Tribunal apercebeu-se de que os exemplos fornecidos pelo Dr. BB... [nomeadamente, de um médico que terá oferecido cerca de EUR 4.500,00/5.000,00 mensais para funcionamento de um clínica de meios auxiliares de diagnóstico] em ordem a evidenciar a existência de propostas de arrendamento [quanto à compra até esta testemunha admitiu que não houve nenhuma proposta] foram presenciados, não por si, mas por terceiro, como a S. D.ª T…, funcionária da primitiva Autora ou, sobretudo, pelo EE... [aliás, à luz das regras de experiência comum, não se vislumbra qual o interesse que um médico poderia ter na montagem e funcionamento de uma clínica de meios de diagnóstico quando, como já se disse supra, o próprio título constitutivo da propriedade horizontal em questão não permitia, de todo, o uso do armazém, situado na cave, para comércio e serviços].
Portanto, como é bom de ver, o depoimento em questão, na parte ora em análise, consubstanciou, na ausência de quaisquer outros elementos que apontassem para a verdadeira origem de tal conhecimento, um depoimento indirecto que, dado o contexto que supra se descreveu, era insusceptível de, per se, ancorar um qualquer juízo positivo.
Depois, mais importante, é que não só o seu depoimento não assumiu a densidade ou detalhe suficiente para que o Tribunal, ainda assim, pudesse, nomeadamente, aferir do (i) concreto modo como a DD... tentou rentabilizar a fracção “W” (v.g. tipos de divulgação e comercialização), (ii) qual o preço base que teria sido anunciado pela DD... (iii) quem, na realidade, recebeu e acompanhou esses potenciais arrendatários e, bem assim, (iv) qual a razão pela qual tais contratos de arrendamento se não concretizaram.
Enfim, em face da reduzida credibilidade que, nesta parte, mereceu o depoimento do Dr. BB..., outra solução não restava que não a de responder negativamente ao que vinha quesitado, tal como enunciado nos Pontos 3) a 7) dos factos não provados.
Quanto aos factos provados elencados nos Pontos Z), AA), CC), DD), EE) e FF) dos factos provados, consubstanciando uma concretização do que supra se explanou, a sua motivação encontra-se já devidamente explicitada.
No que diz respeito à venda do Lote B por parte da Câmara Municipal de (...) à sociedade HH---, Lda., já se viu que, quando esta ocorreu [cf. fls. 63 dos autos (suporte físico)], não se encontrava efectuado ou sequer projectado por aquela autarquia qualquer acesso ao interior do edifício a construir no Lote B da Quinta da (...), (...), pois que, conforme se referiu, o único projecto que, para o efeito, existia, era apenas o constante do projecto de arquitectura apresentado por aquela entidade construtora no processo de licenciamento n.º 142/93 no qual apenas se previa uma “rampa privativa” a ligar/terminar no alçado nascente do edifício, rampa esta que já se demonstrou ser o dito “monte de terra”, “virgem”, que permitia o acesso à fracção “W”.
Contudo, tal como se retira do que fora relatado, de forma unânime, pelos senhores peritos a fls. 522, 618, 622 e 753 dos autos (suporte físico), inexistindo, à data, qualquer arruamento público projectado para a zona do acesso à cave e subcave do prédio do Lote B, a emissão da licença de utilização da construção em causa teria que ser precedida da garantia de uma acessibilidade autónoma ou da sua existência ao interior da fracção “W”, asserção esta que, afigurando-se como lógica à luz das regras de experiência comum, não merece por parte deste Tribunal qualquer motivo de divergência e daí o Ponto BB) dos factos provados.

Por fim, no que concerne ao preço de mercado, por metro quadrado, da fracção “W” no ano em que a Câmara Municipal de (...) acabou de construir o arruamento público que a deixou sem acesso, como já se disse, há que primeiramente levar em conta que a mesma se encontrava destinada a “armazém” e não a “comércio/serviços” [note-se que, mesmo que se entendesse que da licença de utilização de 13 de Janeiro de 1995 resultava uma qualquer autorização para exercer aí se exercer uma actividade comercial, tal não tinha a virtualidade de tornar a sua utilização, no que para aqui releva, como conforme ao Direito, dado que, nos termos do artigo 1418.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Código Civil, é o título constitutivo da propriedade horizontal o documento que “tem a vantagem de permitir ao adquirente de uma fração autónoma, num edifício constituído em propriedade horizontal, saber, antecipadamente e com certeza, o estatuto do imóvel que escolheu adquirir, e, simultaneamente, dá-lhe a confiança de que aquele estatuto se manterá (a não ser que ele próprio consinta na sua modificação)”, tratando-se, por isso, de “estipulações convencionadas que se impõem a todos os condóminos, com força de lei e não podem deixar de ser respeitadas por nenhuma Câmara Municipal ou por outro Poder Constituído”, cf. o Acórdão do STJ, de 07 de Novembro de 2019, proferido no processo n.º 25192/16.3T8PRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt].
Portanto, independentemente das transacções comerciais que, porventura, aí esporadicamente se efectuariam, o Tribunal, na tarefa de eleger o critério que deve presidir à procura do preço de mercado de um imóvel, não pode deixar de se guiar pelas regras normativas a que o mesmo se encontra vinculado, nomeadamente, à finalidade que fora expressamente convencionada no respectivo título constitutivo da propriedade horizontal, afastando, por isso, como padrão, as utilizações irregulares ou anormais que dele esporadicamente eram feitas [cf. em sentido semelhante, embora reportado ao cálculo do valor locativo de imóvel, vide o Acórdão do TRG, de 24 de Maio de 2018, processo n.º 1263/16.5T8GMR.G1, em www.dgsi.pt].
Assim sendo, uma vez que o destino da fracção “W” era o de “armazém”, sendo, inclusive, essa a única utilização que se encontra demonstrada que vinha sendo efectuada pela sociedade dita de irregular, temos que jamais o Tribunal poderia aderir à opinião emitida pelos senhores peritos no segundo relatório pericial, em concreto, a fls. 739 dos autos (suporte físico) - inquinada pela conclusão de que o dito imóvel era susceptível de ser utilizado para comércio e serviços - cuja fundamentação, de resto, se mostra eminentemente genérica, sobretudo em face daquela que fora expendida nos esclarecimentos ao primeiro relatório pericial, conforme consta a fls. 610-615 dos autos (suporte físico).
Posto isto, ao invés, tal como concluído de forma fundamentada e coerente pelos senhores peritos indicados pelo Tribunal e pelo Réu no 1.º relatório pericial e seus esclarecimentos, respectivamente, a fls. 519 e 610-615 dos autos (suporte físico), inclusive, por comparação (que não foi abalada pela Autora) com a fracção “A” do Lote “A” e com a fracção “AC” do Lote “C” da Quinta da (...), é razoavelmente verosímil que, no ano de 2000, o preço de mercado, por metro quadrado, da fracção “W” era de EUR 200,00/m2.
Valor este que, multiplicado pelos 730 (setecentos e trinta) metros quadrados de área da fracção “W” [cf. escritura pública a fls. 46, descrição matricial a fls. 60 e caderneta predial a fls. 242, todas dos autos (suporte físico)], redundaria num valor global de EUR 146.000,00 a título de valor de mercado do imóvel à data do ano de 2000, montante que até já é bem superior àquele que em 2009 era o seu valor patrimonial tributário, EUR 66.086,93 [cf. caderneta predial de fls. 242 dos autos (suporte físico)] e se encontra relativamente próximo ao valor patrimonial tributário que, em 2012, foi atribuído em EUR 205.350,00 [cf. caderneta predial a fls. 441 dos autos (suporte físico)].
Isto, claro está, sem olvidar que o reduzido preço declarado pela sua aquisição na escritura efectuada em 03 de Março de 1995 constante de fls. 45 dos autos (suporte físico) fora o de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) equivalente a cerca de EUR 24.939.92 (vinte e quatro mil, novecentos e trinta e nove euros e noventa e dois cêntimos).
E diga-se, desde já, que, mesmo que se concebesse que o valor médio global de avaliação bancária na habitação para o 4.º trimestre de 2002 no concelho de (...) fosse aquele que consta de fls. 616 dos autos (suporte físico), ou seja, de EUR 817,00 por metro quadrado [vide, por exemplo, a Portaria n.º 106/2000, de 25 de Fevereiro que para o ano de 2000 fixou para a Zona III, onde se inclui o Município (...), o valor de 70.300$00 (EUR 350,66) do preço da habitação por metro quadrado de área útil], a verdade é que tais dados, para além de relativamente desactualizados em virtude do sobejamente conhecido aumento do valor por metro quadrado das construções ao longo dos últimos anos, inclusive, desde o ano de 2000, referem-se à sua utilização exclusivamente para habitação.
Ora, como é bom de ver, à luz das regras de experiência comum e dos critérios de normalidade que devem presidir à vida em sociedade, a singela utilização de uma fracção como armazém, localizada numa cave, em (...), como o caso da fracção “W”, não pode deixar de assumir um valor abstracto bem mais reduzido do que a utilização para habitação e daí, por isso, que a opinião emitida pelo senhor perito indicado pela Autora, o Eng.º MG…., [só] nos esclarecimentos de fls. 615-617 dos autos (suporte físico), além de contraditória com a posição que inicialmente o próprio subscreveu a fls. 519 dos autos (suporte físico), apresenta-se suportada em elementos que, pelas razões supra descritas, não poderiam ser transpostos para o caso da fracção “W”.
De resto, os valores que o senhor perito indicado pela Autora defendia a fls. 615-617 dos autos (suporte físico), em cerca de EUR 1.000,00 por metro quadrado, para além de notoriamente excessivos – dado que depois de aplicado aos 730 metros quadrados de área da fracção “W” levaria a um valor global de EUR 730.000,00 por um armazém em (...) no ano de 2000 – sempre se encontrava situado em mais do dobro daquele que fora achado, de forma unânime, pelos senhores peritos que, no segundo relatório pericial, apuraram o valor de EUR 450,00/m2 levando em conta a sua hipotética utilização (indevida) para comércio.
Enfim, por outras palavras, a posição expressa pelos senhores peritos a fls. 519 dos autos (suporte físico) é aquela que, devidamente densificada com recurso a exemplos semelhantes ao da fracção “W”, melhor se coaduna com os elementos probatórios que constam dos presentes autos e com aquelas que são e devem ser as regras de experiência comum, e assim expressa o valor que se tem por mais razoável para o metro quadrado de uma fracção como aquela que se encontrava destinada para “armazém” em 2000.
Daí, por isso, o juízo positivo que, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC de 2013, diploma este que aqui é aplicável por via dos n.ºs 1 e 4 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26/06, se elencou no Ponto GG) dos factos provados.
Isto, sem olvidar que, tal como decorre da posição unânime dos senhores peritos e da qual o Tribunal não vê qualquer razão para dela divergir, tendo ficado sem qualquer acesso ao seu interior, a fracção “W” “deixa de possuir qualquer valor” ou o seu valor passou a ser “praticamente nulo”, inclusive, para o destino a que se encontra afecta, o de armazém.
Por último, no que diz respeito a esta temática, da instrução da causa resultou ainda que a primitiva Autora outorgou com a JJ---, Lda. um escrito designado de “Contrato de Arrendamento” da fracção “W” do artigo urbano 1961 em (...), com a duração de um mês, renovável por iguais períodos, com a contrapartida da renda mensal de 20.000$00, actualmente correspondente a cerca de EUR 100,00 [cf. certidão emitida pelo Serviço de Finanças de (...) que fora junta pelo Réu a fls. 270-272 dos autos (suporte físico) e que a Autora jamais impugnou sob qualquer forma].
O que, assim, à luz da prerrogativa prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC de 2013, também justifica a enunciação do Ponto HH) dos factos provados, dada, em abstracto, a sua relevância para uma eventual fixação equitativa do valor locativo da fracção.
Por fim, quanto aos demais depoimentos que aqui não foram especificamente referidos, nomeadamente, o de NN... em nada relevaram para a factualidade em questão, dado o parco conhecimento directo que detinham sobre os factos.
Em tudo o mais, considera-se não provada, conclusiva, de direito, sem relevância para a decisão a proferir e, bem assim, desacompanhada de qualquer actividade probatória, a matéria alegada e objecto de quesito a que se não fez referência.
É esta, em suma, a motivação que subjaz ao juízo probatório formulado.”
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que apreciou a pretensão deduzida pelas então Autoras identificadas na Petição inicial [DD..., por si e na qualidade de sócia-gerente de uma sociedade comercial irregular denominada de CC---], atinente ao pedido de condenação do Município (...) a pagar-lhes a indemnização por danos patrimoniais que imputa a este, na quantia de 4.500,00 euros, a título de renda mensaL, anualmente corrigida pelo factor de actualização que lhe corresponder, desde Julho de 1999 até à data em que o Réu rectificar a cota do piso do arruamento a nascente do prédio e os danos futuros que em sede de execução vierem a revelar-se, assim como a proceder à rectificação da cota do piso do arruamento a nascente do prédio, por forma a permitir o acesso ao interior da fracção “W” por camiões para cargas e descargas, e ainda a pagar-lhes os juros de mora legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Foi proferida a Sentença devida nos autos, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente, e condenado o Réu a proceder à rectificação do piso do arruamento a nascente do prédio do Lote B da Quinta (...), concelho de (...) por forma a permitir o acesso ao interior da respectiva fracção “W”, além do mais, por parte de veículos para cargas e descargas de mercadorias, sendo que, no mais peticionado, foi o Réu absolvido dos pedidos contra si formulados.

Inconformada com a Sentença proferida, veio a Autora [a sociedade comercial AA---, Ld.ªdevidamente identificada nos autos –, assim fixada em face da modificação subjectiva da instância – Cfr. despacho datado de 27 de março de 2015, a fls. 495 e 496 dos autos em suporte físico -, apresentar recurso de apelação, pelo qual peticionou a final a sua revogação [da Sentença recorrida] na parte em que não teve vencimento, tendo a final requerido a sua substituição por outra, onde lhe seja fixada uma indemnização por recurso à equidade, em renda mensal, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 566.º do CC, por força dos danos que o Réu lhe causou em razão do nexo de causalidade entre os factos ilícitos e o dano, pelo não uso da fração em condições normais, desde 01 de janeiro de 1999 até à data em que o Réu reponha o acesso à fração nas condições e conforme o decidido em A) da Sentença, indemnização essa que deve ser actualizada nos valores da renda anual fixados para o ano de 1999, com a primeira atualização em 01 de janeiro de 2000 por aplicação dos coeficientes de atualização das rendas publicados anualmente até 31 de Outubro, e até que a Ré ponha fim ao impedimento do uso da fração W, e que se assim não se entender, que deve ser fixado um montante indemnizatório mensal reportado a 01 de janeiro de 1999 até ao momento em que o Réu dê cumprimento ao que foi condenado em A) da decisão recorrida, com as legais consequências, ao que tudo sempre devem acrescer os valores de obras e de quotização do condomínio, valores que podem relegar-se para execução de sentença.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Como assim decorre das conclusões das Alegações apresentadas pela Recorrente, a mesma ancora a sua pretensão recursiva em três domínios: em face de na Sentença proferida o Tribunal a quo ter incorrido em nulidades; em face de errado julgamento da matéria de facto; e também em face de errado julgamento em sede da interpretação e aplicação do direito.

Identificamos porém uma questão prévia que importa clarificar.

Na Petição inicial, e na vertente activa, vinham enunciadas duas intervenientes, que assim as temos como em litisconsórcio voluntário, e que eram a Autora DD..., e a Autora sociedade comercial irregular denominada CC---, que era representada pela sócia gerente DD....

A demanda prosseguida pela Autora DD..., por si, tinha por pressuposto, ser comproprietária da fracção W a que se reportam os autos, com o seu irmão EE..., e que esta fracção constituiria um activo da sociedade comercial que não se chegou a constituir, de tal forma que assim intervinha nos autos na qualidade de sua sócia-gerente.

Considerando que o presente recurso jurisdicional vem interposto pela sociedade comercial AA---, S.A., que precedendo despacho datado de 27 de março de 2015 foi quem passou a intervir nos autos na qualidade de Autora, tendo subjacente o contrato de permuta outorgado em 30 de outubro de 2013 com a Autora DD... e que entre o mais visou a fracção W, contrato esse que foi por si junto aos autos pelo requerimento a fls. 475, e onde declarou ter adquirido daquela a metade indivisa daquela fracção, a referida DD... deixou de ter qualquer participação nos autos, designadamente enquanto sócia-gerente da dita sociedade comercial irregular

Portanto, a DD... demandou o Réu Município (...), numa dupla qualidade, por si e em representação da dita sociedade comercial irregular, sendo que após o deferimento da requerida modificação subjectiva da instância, apenas a sociedade comercial AA---, S.A. passou a figurar como Autora nos autos, o que aporta três consequências imediatas: (i) que a AA---, S.A. ingressou nos autos em substituição de DD..., em nome próprio, e já não da sociedade comercial irregular; (ii) que a AA---, S.A. é a proprietária de metade indivisa da fracção W e o EE... proprietário da outra metade; (iii) que uma eventual indemnização que fosse concedida à Autora AA---, S.A. seria o equivalente a metade do valor que fosse fixado. Ou seja, DD... “deixou cair” a representação que fazia nos autos quanto à referida sociedade comercial irregular, sendo que mostrando-se duvidosa essa ocorrência, a mesma ficou todavia consolidada com a prolação da Sentença proferida, pois que desta apenas vem interposto recurso por parte da AA---, S.A..

Aqui chegados.

Como assim resulta patente nos autos, a Autora AA---, S.A. não efectuou a alteração ou ampliação da causa de pedir e do pedido formulado na Petição inicial pelas Autoras originárias [a DD..., por si e em representação da dita sociedade comercial irregular], pelo que os termos e os pressupostos invocados na Petição inicial para sustentação da causa de pedir e do pedido se mantiveram inalterados e constantes.

E neste conspecto, é essencial dar relevo ao facto de o pedido formulado se reportar a um concreto período temporal, julho de 1999, tempo em que a DD... referiu ter obtido proposta para arrendamento da fracção W pelo valor mensal de €4.500,00, e de esse negócio se ter logrado devido à ausência de acesso à fracção, cuja ocorrência é imputada ao Município (...).

Portanto, pese embora o entendimento motivado pela Autora DD... [Cfr. requerimento datado de 01 de abril de 2014, a fls. 456 e 457 dos autos em suporte físico] de que o que estava em causa em causa era o valor de mercado da fracção W à data dos factos imputados na acção ao Réu Município, que inutilizaram a fracção por falta de acesso ao seu interior, e não sendo essa de facto a realidade, a apreciação do mérito do pedido centrava-se em torno daquela matéria, como assim emerge claro dos pontos 68, 71 e 75 da Petição inicial e do pedido formulado a final sob a alínea A).

Ou seja, a Autora formulou pedido para efeitos da atribuição de uma indemnização correspondente ao concreto valor da proposta de arrendamento mensal que referiu ter recebido em julho de 1999, mas que por falta de acesso à fracção W não se concretizou, e foi nesse domínio que foi prosseguida a instrução corrida nos autos, embora lhe tenha sido conferido pelo Tribunal a quo um âmbito mais alargado, como assim decorre do despacho saneador proferido.

Feitos estes considerandos, cumpre desde já apreciar da ocorrência das invocadas nulidades imputadas à Sentença recorrida.

A este propósito, referiu a Recorrente sob a conclusão 34.ª que “O tribunal recorrido não se pronunciou sobre a área da fração W e não deu como provado que a fração W tem a área de 730,00 metros quadrados, tal como consta da certidão predial a que se refere o documento nº 13 junto com a petição inicial de fls. …-…; neste segmento, a sentença recorrida cometeu nulidade, para os efeitos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC, por não se ter pronunciado sobre essa questão, que é essencial para a determinação do dano da Recorrente.”, e sob a conclusão 59.ª, em suma, que a invocada nulidade advém do facto de entender a Recorrente que estão preenchidos todos os requisitos (ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano) de que depende a reparação do seu dano patrimonial, e que ao não lhe ter o Tribunal a quo atribuído indemnização pela privação do uso da fração nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, que cometeu a nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

E por reporte às nulidades imputadas à Sentença recorrida [Cfr. artigo 615.º do CPC], cumpre para aqui extrair este normativo, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Vejamos então.

As causas de nulidade das sentenças a que se reporta o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento (error in judicando) de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enumeradas naquele artigo 615.º do CPC, figurando entre as mesmas a omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC].

Neste domínio, importa ter presente que a mesma [a Sentença] se deve mostrar em consonância com o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Impõe-se assim ao tribunal conhecer e decidir todas as questões que lhe sejam submetidas pelas partes, concretamente todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções, e ainda aquelas que sejam de conhecimento oficioso, sendo que, quando assim não o faça, a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia.

Assim não sucede, porém, relativamente àquelas questões que o tribunal deixa de conhecer por a sua apreciação resultar prejudicada em face da solução dada a outras, porquanto a nulidade por omissão de pronúncia só ocorre quando haja uma omissão de pronúncia absoluta, isto é, quando o juiz não conheceu determinada questão suscitada pelas partes, silenciando totalmente a razão pelo qual não o fazia.

Isto posto e regressando ao caso dos autos, julgamos que não assiste razão alguma à Recorrente em torno das invocadas nulidades.

Em face do que constitua a causa de pedir imanente aos pedidos deduzidos pelas demandantes originárias a final da Petição inicial, não era facto controvertido, como continua a não o ser, a determinação de qual a área da fracção W, sempre tendo presente que os factos assentes e os factos carecidos de instrução foram fixados pelo Tribunal a quo no despacho saneador proferido em 10 de outubro de 2013 [Cfr. fls. 411 a 419 dos autos em suporte físico], que foi notificado às partes em 22 de outubro de 2013, sendo que sobre essa questão nada foi então arguido pelas demandantes.

E em face da causa de pedir e do pedido que foi deduzido a final da Petição inicial, não sendo a área da fracção um facto essencial para apreciação do mérito das pretensões aí deduzidas [em especial a identificada no pedido sob a alínea A)], retira-se com suficiência do facto GG do probatório e da respectiva fundamentação [Cfr. em especial, o 1.º parágrafo de fls. 39 da Sentença recorrida], que o Tribunal a quo teve presente a área dessa fracção, de 730 m2, por reporte à escritura pública de compra e venda constante a fls. 44 a 47 dos autos em suporte físico, à descrição predial e à caderneta predial, a fls. 54 a 63, e 242, respectivamente, dos autos em suporte físico.

Portanto, não cometeu o Tribunal a quo a nulidade atinente à omissão de pronúncia invocada pela Recorrente em torno da área da fracção, de 730 m2, ficando assim prejudicada a apreciação do vertido na conclusão 35.ª.

Quanto à nulidade a que a Recorrente se reporta sob a conclusão 59.ª, é manifesto que a ter ocorrido algum desvalor na actuação do Tribunal a quo ele contenderá é com eventual erro de julgamento, pois que subjacente ao que refere a Recorrente está um julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido, no sentido de que não havia que ser fixada indemnização por não ter a Autora feito prova dos lucros cessante e dos consequentes lucros futuros, nem sequer por recurso à equidade, a que se reporta o artigo 566.º, n.º 3 do CC, como assim perpassa do vertido nas conclusões 57.ª, 58.ª, 60.ª, 61.ª e 62.ª das suas Alegações de recurso, que têm subjacente a invocação da ocorrência de erro de julgamento, e não de omissão de pronúncia.

Improcede assim a pretensão recursiva da Recorrente em torno das nulidades imputadas à Sentença recorrida.

Cumpre agora conhecer dos invocados cinco erros de julgamento em matéria de facto, como sustentado pela Recorrente sob as conclusões 30.ª e 31.ª, 49.ª a 52.ª, 65.ª a 69.ª e 80.ª, e 74.ª a 76.ª, e 77.ª a 79.ª.

Referiu a Recorrente neste domínio e em suma, que o facto “GG” do probatório deve ser alterado por forma a que dele passe a constar que o valor de mercado por m2 era de €450,00, por ser este o valor fixado de forma unânime pelos Senhores Peritos da 2.ª perícia realizada com base nas suas características constructivas [Cfr. conclusões 30.ª e 31.ª]; que o facto O do probatório deve ter uma redacção “… consonante com o provado, entre o mais, nos pontos 164 e 165 da decisão transitada em julgado e proferida no processo nº 1267/03.8TBBGC, alterando-se a sua redação e passando dela a constar quanto ao preço “pelo preço de 14.000.000$00, sendo uma parte do montante de 5.000.000$00 paga em dinheiro e o restante pago com o fornecimento de materiais”. [Cfr. conclusões 49.ª a 52.ª]; que os factos n.ºs 3, 4, 5 e 7 que o Tribunal a quo julgou como não provados, devem ser julgados como provados [Cfr. conclusão 65.ª], como por si fixado na redacção introduzida sob as conclusões 65.ª a 69.ª; que o Tribunal a quo errou na apreciação do depoimento da testemunha BB... [e que por isso violou também o artigo 413.º do CPC], de forma diversa e contrária aos factos julgados nos processos nº 1267/03.8TBBGC e 1268/03.6TBBGC do Tribunal Judicial de (...), onde o mesmo também depôs como testemunha, pois que era a única pessoa viva, face ao decurso dos últimos 25 anos, que poderia responder por parte da Autora ao leque de questões enunciadas nos temas da prova, e que por essa razão deve ser reavaliado o seu depoimento em sede de recurso, em função da impugnação da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 640.º do CPC [Cfr. conclusões 74.ª a 76.ª]; e finalmente, que errou o Tribunal a quo na interpretação que fez da carta do irmão da Autora a fls. 115 dos autos, de que o mesmo ía encerrar o estabelecimento em 31/10/1998, por assim decorrer dos factos provados na Sentença proferida no processo 1267/03.8TBBGC, constante dos autos [Cfr. conclusões 77.ª a 79.ª].

Cumpre apreciar.

Para efeitos da fixação do ponto “GG” do probatório, em torno do valor de mercado por m2 da fracção por referência ao ano de 2000, e como dele assim consta, pelo valor de €200,00, e não de €450,00 como referiram os Senhores Peritos da 2.ª Perícia realizada, o Tribunal a quo, fundamentou conforme para aqui se extrai como segue:

Início da transcrição
“[…]
Por fim, no que concerne ao preço de mercado, por metro quadrado, da fracção “W” no ano em que a Câmara Municipal de (...) acabou de construir o arruamento público que a deixou sem acesso, como já se disse, há que primeiramente levar em conta que a mesma se encontrava destinada a “armazém” e não a “comércio/serviços” [note-se que, mesmo que se entendesse que da licença de utilização de 13 de Janeiro de 1995 resultava uma qualquer autorização para exercer aí se exercer uma actividade comercial, tal não tinha a virtualidade de tornar a sua utilização, no que para aqui releva, como conforme ao Direito, dado que, nos termos do artigo 1418.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Código Civil, é o título constitutivo da propriedade horizontal o documento que “tem a vantagem de permitir ao adquirente de uma fração autónoma, num edifício constituído em propriedade horizontal, saber, antecipadamente e com certeza, o estatuto do imóvel que escolheu adquirir, e, simultaneamente, dá-lhe a confiança de que aquele estatuto se manterá (a não ser que ele próprio consinta na sua modificação)”, tratando-se, por isso, de “estipulações convencionadas que se impõem a todos os condóminos, com força de lei e não podem deixar de ser respeitadas por nenhuma Câmara Municipal ou por outro Poder Constituído”, cf. o Acórdão do STJ, de 07 de Novembro de 2019, proferido no processo n.º 25192/16.3T8PRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt].
Portanto, independentemente das transacções comerciais que, porventura, aí esporadicamente se efectuariam, o Tribunal, na tarefa de eleger o critério que deve presidir à procura do preço de mercado de um imóvel, não pode deixar de se guiar pelas regras normativas a que o mesmo se encontra vinculado, nomeadamente, à finalidade que fora expressamente convencionada no respectivo título constitutivo da propriedade horizontal, afastando, por isso, como padrão, as utilizações irregulares ou anormais que dele esporadicamente eram feitas [cf. em sentido semelhante, embora reportado ao cálculo do valor locativo de imóvel, vide o Acórdão do TRG, de 24 de Maio de 2018, processo n.º 1263/16.5T8GMR.G1, em www.dgsi.pt].
Assim sendo, uma vez que o destino da fracção “W” era o de “armazém”, sendo, inclusive, essa a única utilização que se encontra demonstrada que vinha sendo efectuada pela sociedade dita de irregular, temos que jamais o Tribunal poderia aderir à opinião emitida pelos senhores peritos no segundo relatório pericial, em concreto, a fls. 739 dos autos (suporte físico) - inquinada pela conclusão de que o dito imóvel era susceptível de ser utilizado para comércio e serviços - cuja fundamentação, de resto, se mostra eminentemente genérica, sobretudo em face daquela que fora expendida nos esclarecimentos ao primeiro relatório pericial, conforme consta a fls. 610-615 dos autos (suporte físico).
Posto isto, ao invés, tal como concluído de forma fundamentada e coerente pelos senhores peritos indicados pelo Tribunal e pelo Réu no 1.º relatório pericial e seus esclarecimentos, respectivamente, a fls. 519 e 610-615 dos autos (suporte físico), inclusive, por comparação (que não foi abalada pela Autora) com a fracção “A” do Lote “A” e com a fracção “AC” do Lote “C” da Quinta da (...), é razoavelmente verosímil que, no ano de 2000, o preço de mercado, por metro quadrado, da fracção “W” era de EUR 200,00/m2.
Valor este que, multiplicado pelos 730 (setecentos e trinta) metros quadrados de área da fracção “W” [cf. escritura pública a fls. 46, descrição matricial a fls. 60 e caderneta predial a fls. 242, todas dos autos (suporte físico)], redundaria num valor global de EUR 146.000,00 a título de valor de mercado do imóvel à data do ano de 2000, montante que até já é bem superior àquele que em 2009 era o seu valor patrimonial tributário, EUR 66.086,93 [cf. caderneta predial de fls. 242 dos autos (suporte físico)] e se encontra relativamente próximo ao valor patrimonial tributário que, em 2012, foi atribuído em EUR 205.350,00 [cf. caderneta predial a fls. 441 dos autos (suporte físico)].
Isto, claro está, sem olvidar que o reduzido preço declarado pela sua aquisição na escritura efectuada em 03 de Março de 1995 constante de fls. 45 dos autos (suporte físico) fora o de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) equivalente a cerca de EUR 24.939.92 (vinte e quatro mil, novecentos e trinta e nove euros e noventa e dois cêntimos).
E diga-se, desde já, que, mesmo que se concebesse que o valor médio global de avaliação bancária na habitação para o 4.º trimestre de 2002 no concelho de (...) fosse aquele que consta de fls. 616 dos autos (suporte físico), ou seja, de EUR 817,00 por metro quadrado [vide, por exemplo, a Portaria n.º 106/2000, de 25 de Fevereiro que para o ano de 2000 fixou para a Zona III, onde se inclui o Município (...), o valor de 70.300$00 (EUR 350,66) do preço da habitação por metro quadrado de área útil], a verdade é que tais dados, para além de relativamente desactualizados em virtude do sobejamente conhecido aumento do valor por metro quadrado das construções ao longo dos últimos anos, inclusive, desde o ano de 2000, referem-se à sua utilização exclusivamente para habitação.
Ora, como é bom de ver, à luz das regras de experiência comum e dos critérios de normalidade que devem presidir à vida em sociedade, a singela utilização de uma fracção como armazém, localizada numa cave, em (...), como o caso da fracção “W”, não pode deixar de assumir um valor abstracto bem mais reduzido do que a utilização para habitação e daí, por isso, que a opinião emitida pelo senhor perito indicado pela Autora, o Eng.º MG…, [só] nos esclarecimentos de fls. 615-617 dos autos (suporte físico), além de contraditória com a posição que inicialmente o próprio subscreveu a fls. 519 dos autos (suporte físico), apresenta-se suportada em elementos que, pelas razões supra descritas, não poderiam ser transpostos para o caso da fracção “W”.
De resto, os valores que o senhor perito indicado pela Autora defendia a fls. 615-617 dos autos (suporte físico), em cerca de EUR 1.000,00 por metro quadrado, para além de notoriamente excessivos – dado que depois de aplicado aos 730 metros quadrados de área da fracção “W” levaria a um valor global de EUR 730.000,00 por um armazém em (...) no ano de 2000 – sempre se encontrava situado em mais do dobro daquele que fora achado, de forma unânime, pelos senhores peritos que, no segundo relatório pericial, apuraram o valor de EUR 450,00/m2 levando em conta a sua hipotética utilização (indevida) para comércio.
Enfim, por outras palavras, a posição expressa pelos senhores peritos a fls. 519 dos autos (suporte físico) é aquela que, devidamente densificada com recurso a exemplos semelhantes ao da fracção “W”, melhor se coaduna com os elementos probatórios que constam dos presentes autos e com aquelas que são e devem ser as regras de experiência comum, e assim expressa o valor que se tem por mais razoável para o metro quadrado de uma fracção como aquela que se encontrava destinada para “armazém” em 2000.
Daí, por isso, o juízo positivo que, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC de 2013, diploma este que aqui é aplicável por via dos n.ºs 1 e 4 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26/06, se elencou no Ponto GG) dos factos provados.
[…]”
Fim da transcrição

Ora, quanto ao que acima deixamos enunciado, que é o resultado da livre apreciação de prova produzida e apreciada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo, a Recorrente não o logrou pôr minimamente em causa nesta sua pretensão recursiva.

O Tribunal a quo fundamentou porque não considerou o valor de €450,00 m2 e porque veio a considerar o valor de €200,00 m2.

E expendeu essa fundamentação tendo subjacente desde logo a comparabilidade por si prosseguida em face da forma fundamentada e coerente seguida pelos Senhores Peritos da 1.ª Perícia realizada [e dos esclarecimentos prestados], que o Tribunal a quo julgou não ter sido abalada pela Autora ora Recorrente, face à fracção A do lote A, e da fracção AC do lote C ambos da Quinta da (...).

A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional, mostrando-se expressamente prevista no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”, sendo que é pela fundamentação da decisão aportada pelo Tribunal recorrido que é possível prosseguir pelo controlo da sua legalidade por parte dos destinatários e a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se desse modo qualquer livre arbítrio do julgador.

Ao contrário do que sustenta a Recorrente, o Tribunal a quo não olvidou a resposta dada pelos Senhores Peritos da 2.ª Perícia em torno do valor de €450,00 m2 por si indicado na 2.ª Perícia realizada, antes empreendeu um juízo crítico sobre o que foi o resultado dessa prova e nesse domínio, tendo expendido por que termos e pressupostos teve essa conclusão dos Senhores Peritos da 2.ª Perícia como genérica, pois que os mesmos tiveram por justaposto que a fracção era susceptível de ser utilizada para comércio e serviços, quando o seu manifesto destino era o de armazém, em resultado do que assim de resto tinham vindo a esclarecer os Senhores Peritos da 1.ª Perícia realizada, não estando em causa saber se a fracção W tinha futura viabilidade para comércio e serviços atento o concreto fim que lhe foi destinado pela sociedade comercial vendedora, a HH---, Ld.ª, assim constante da propriedade horizontal, e das respectivas descrição predial e matricial.

Foi com base no valor de €200,00 por m2 que o Tribunal a quo achou seguindo um critério por si delineado e que expendeu, fundado no 1.º relatório pericial e esclarecimentos adicionais prestados pelos Senhores Peritos, aliado à área detida pela fracção, de 730 m2, que alcançou que o valor de mercado da fracção à data do ano de 2000 seria de €146.000,00, valor este que era superior ao valor patrimonial tributário que lhe estava fixado no ano de 2009, que era de €66.086,93 [Cfr. caderneta predial a fls. 242 dos autos em suporte físico], VPT esse que em 2012 foi fixado em €205.350,00.

Daí que o facto fixado sob a alínea GG do probatório não merece nenhuma censura jurídica, julgamento esse [da matéria de facto] que assim mantemos.

Relativamente ao constante da conclusão 52.ª, no sentido de que o facto “O” do probatório deve ter uma redacção “… consonante com o provado, entre o mais, nos pontos 164 e 165 da decisão transitada em julgado e proferida no processo nº 1267/03.8TBBGC, alterando-se a sua redação e passando dela a constar quanto ao preço “pelo preço de 14.000.000$00, sendo uma parte do montante de 5.000.000$00 paga em dinheiro e o restante pago com o fornecimento de materiais”. [Cfr. conclusões 49.ª a 52.ª], julgamos por não acolher a pretensão da Recorrente, e por 3 ordens de razões.

A primeira delas é que o facto “O” assim resultou provado na decorrência da actividade instrutória prosseguida pelo Tribunal a quo e pelas partes, como patenteado no despacho saneador constante a fls. 411 a 419 dos autos, de onde emerge que esse facto foi fixado tendo por referência a própria escritura pública de compra e venda que as Autoras originárias juntaram aos autos com a sua Petição inicial, como documento 10 [Cfr. ponto 57 da Petição inicial].

A segunda dessas razões é que o teor do facto “O” observa a realidade constante dessa escritura pública de compra e venda realizada em 03 de março de 1995, onde a sociedade comercial vendedora declarou vender a fracção W à DD… e ao EE..., e estes declararam comprá-la, pelo valor de 5 milhões de escudos, e não de 14 milhões de escudos.

E a terceira razão é que o que resulta dos identificados pontos da referida Sentença transitada em julgado no Processo n.º 1267/03.8TBBGC, em que a sociedade comercial HH---, Ld.ª não foi interveniente, assim como não o foi o Município (...), tem efeitos de caso julgado dentro desse referido processo, sendo fora dele um mero princípio de prova, que deve ser colhida se tiver relevância para o que se aprecia nos autos [e quanto à invocação de factos dados como provados naquele processo judicial, seguimos este mesmo julgamento em torno do que vem sustentado pela Recorrente sob as conclusões 47.ª a 51.ª, 53.ª, 74.ª a 76.ª e 77.ª a 79.ª].

Não pode assim também ser acolhida a invocada incoerência de julgados, pois que a formação da convicção do Tribunal assenta na livre apreciação da prova, efectuada segundo as regras da experiência comum [artigos 396.º do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

E quanto ao vertido sob a alínea “O” do probatório, de forma manifesta, se a DD... e o EE... outorgaram escritura pública de compra e venda da fracção W em que declararam comprá-la à HH---, Ld.ª pelo preço de 5 milhões de escudos, e esta declarou vendê-la por essa preço, e se é isso que resulta da alínea “O” do probatório, fazer aí inscrever outra matéria de facto em torno de outro preço seria subverter a sua vontade declarada aí com um propósito, para aqui tomar essa outra factualidade em torno de outro preço, para com isso alcançar outro propósito diverso.

Porque esse valor de 14 milhões de escudos não resulta da escritura, e porque em torno desse valor não resultava a necessidade de qualquer instrução dos autos, mormente, da fixação de diferente factualidade e como pretendido pela Recorrente para efeitos de ser conhecido o mérito da pretensão condenatória do Réu, julgamos assim improcedente o invocado erro de julgamento.

Relativamente ao invocado erro de julgamento em torno de que os factos n.ºs 3, 4, 5 e 7 que o Tribunal a quo julgou como não provados, e que a Recorrente entende dever ser julgados como provados [Cfr. conclusão 65.ª], como por si fixado na redacção introduzida sob as conclusões 66.ª a 69.ª, julgamos que também não lhe assiste razão.

Desde logo porque o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo para efeitos de dar como não provados esses factos está devidamente fundamentado, em termos que a Recorrente não os consegue abalar nesta sua pretensão recursiva, quedando-se pela argumentação, contínua e agora nesta instância de recurso, de factualidade que tendo sido elegida para a instrução dos autos e depois de a mesma se ter efectuada o Tribunal a quo a deu como não provada, fundamentando porque assim a julgou, a qual para aqui extraímos como segue:

Início da transcrição
“[…]
Como já se teve a oportunidade de adiantar, a testemunha MM... era, sem dúvida, aquela que tinha maior conhecimento da factualidade. No entanto, convém assinalar que, para além de antigo companheiro [de longa data] da primitiva Autora e então administradora única da superveniente Autora, AA---, Lda. e de ser o revisor oficial de contas das sociedades geridas pela S. DD... e irmão, aquele esteve sempre ligado de forma muito pessoal ao rumo do negócio em questão.
Na verdade, conforme o próprio admitiu em sede de audiência final, existia já em Viana do Castelo uma sociedade de comercialização de produtos e derivados de madeira que, de acordo com os Pontos 8) a 10) dos factos provados na decisão de fls. 341 dos autos (suporte físico) se conclui ser a JJ---, Lda. (tal como a Autora admitiu a fls. 299 dos autos (suporte físico), na qual o Dr. BB... chegou, inclusive, a deter uma participação nominal, sociedade esta que, tal como decorre da certidão do contrato de arrendamento a fls. 271-272 dos autos (suporte físico), viria a tomar de arredamento a fracção “W” aqui em causa à primitiva Autora e seu irmão.
Depois, novamente conforme admitido na esteira do que decorreria da análise da factualidade provada na decisão de fls. 341 e seguintes dos autos (suporte físico), constatou-se que o Dr. BB..., que era tido como uma pessoa conhecedora do negócio do ramo das madeiras, teve um papel bastante interventivo no quotidiano da dita sociedade apelidada de irregular, inclusive, convencendo a primitiva Autora a abrir estabelecimento em (...), nomeadamente, deslocando-se a este concelho para mostrar o estabelecimento a dois potenciais interessados na aquisição da empresa (Ponto 98), para levar documentos relativos à escrita e contabilidade (Pontos 150, 167, 168 e 169) ou até para efectuar o pedido de inscrição da JJ---, Lda. (fls. 240 dos autos (suporte físico), na qual terá chegado a ter participação social (Ponto 9), sociedade esta que, inclusive, viria a tomar de arrendamento a fracção “W” (fls. 271 dos autos (suporte físico).
Pretende-se com isto dizer que os elementos colhidos em sede de instrução da causa, indiciavam, desde logo, que o Dr. BB... poderia vir a revelar um qualquer interesse ou benefício no desfecho da presente causa, pese embora esta haja sido inicialmente intentada apenas pela sua ex-companheira, a D.ª DD....
E assim foi, na verdade, pois que o depoimento prestado pela testemunha em questão, para além de se haver relevado previamente instruído ou preparado (atendendo a que os factos remontavam há cerca de 20 anos atrás e algumas das respostas foram dadas sempre ou quase sempre, de imediato, e exactamente de acordo com o que vinha alegado pela Autora, nomeadamente, no que diz respeito às alegadas propostas de arrendamento e seus concretos valores), se apresentou como visivelmente parcial, apaixonado, tentando, aqui e acolá, demonstrar, nos aspectos nucleares, que infra se explicitarão, a tese que a Autora aqui pretendia fazer vingar [veja-se, a título de exemplo, a questão de saber qual era a tipologia da fracção “W”, à qual o Dr. BB..., pese embora haja sido confrontado com os documentos supra identificados que atestavam precisamente o contrário (v.g. caderneta predial e título constitutivo da propriedade horizontal), se limitou a afirmar genericamente e sem justificação credível que se destinava a comércio por reporte à licença de utilização que fora junta com a escritura pública de compra e venda].
Sinal disso mesmo acabaram por ser as incongruências em que a testemunha em causa acabou por incorrer na explicitação do contexto que terá levado a sua antiga companheira e aqui primitiva Autora, DD..., a alegadamente tentar rentabilizar a fracção “W” do edifício em causa da Quinta da (...), (...), em (...).
Quer dizer, o Dr. BB... contou ao Tribunal que a DD... havia tido um “desaguisado” com o seu irmão, EE..., porque este, por volta de finais do ano de 1997, inícios de 1998, pretendia encerrar o armazém localizado na dita fracção “W” por alegadamente deter um outro estabelecimento comercial concorrente, ao passo que aquela, ainda assim, pretendia prosseguir com a actividade prosseguida em tal armazém.
Contudo, esta tese – que até poderia encontrar parcial arrimo na carta do EE... e dirigida à DD... constante de fls. 115 dos autos (suporte físico) na qual aquele invocava que iria encerrar definitivamente o dito armazém a partir do dia 31 de Outubro de 1998, embora alegando motivos de saúde – acaba por se revelar contraditória com aquela outra tese relatada ao Tribunal pelo Dr. BB... no sentido de que, a partir de finais de 1997 e inícios de 1998, a DD... tentou comercializar a referida fracção “W”.
É que das duas uma: ou a S. DD... pretendia prosseguir a actividade de armazenagem de produtos e derivados de madeira levada a cabo na fracção “W” ou então a DD... se decidia alhear de tal negócio, dada a vontade do seu sócio e irmão e assim providenciava no sentido de comercializar, além do mais, a fracção “W”.
Ora, como é bom de ver, o que o Dr. BB... transmitiu ao Tribunal foi que, pese embora o desaguisado com o seu irmão, a DD... entendia que este não tinha o direito de fechar o estabelecimento e assim pretendia prosseguir por si tal actividade [até porque, segundo a testemunha em causa, na sequência da carta de fls. 115 dos autos (suporte físico), a DD... terá destacado um funcionário, Sr. M…, para ir trabalhar para o referido armazém da fracção “W” por forma a evitar o encerramento da actividade].
O que naturalmente se revela, no mínimo, como contraditório com a alegada tentativa de vender ou arrendar o armazém sito na fracção “W” em questão [de resto, nem mesmo depois de questionado pelo mandatário do Réu quanto a tal contradição, a testemunha em questão logrou minimamente clarificar o que contraditoriamente declarou, tendo-se limitado a fazer conjecturas relativamente às “reais” intenções do EE... que, mesmo a provarem-se, deixam por explicar a “razão de ser” das alegadas tentativas de arrendamento].
Em todo o caso, sem prejuízo de tal factualidade não poder ser alvo de um juízo positivo não só por esse motivo, mas também pelos que adiante se explicitarão, foi possível ao Tribunal concluir que, tal como decorre da referida carta de Setembro de 1998 a fls. 115 dos autos (suporte físico) e da já assente data de encerramento do armazém em 31 de Outubro de 1998, em bom rigor, na altura em que a fracção “W” ficou sem acesso em virtude das obras das infra-estruturas do loteamento da Quinta da (...) – inícios de 1999 – já o descrito armazém havia sido encerrado por iniciativa do irmão da primitiva Autora, o EE....
Pois bem, como já se adiantou, o Dr. BB... tentou demonstrar ao Tribunal a tese que a Autora aqui pretendia fazer valer, ou seja, a de que ainda antes da fracção “W” ficar sem acesso a DD... havia contactado pelo menos uma sociedade imobiliária, obtido diversas propostas de arrendamento e, bem assim, de compra, e que a não realização de tais negócios se haja devido ao desnível e consequente falta de acesso provocado pelas obras das infra-estruturas realizadas pela Câmara Municipal de (...).
Neste campo, sem prejuízo do que já se disse no que tange à sua reduzida credibilidade, o Tribunal apercebeu-se de que os exemplos fornecidos pelo Dr. BB... [nomeadamente, de um médico que terá oferecido cerca de EUR 4.500,00/5.000,00 mensais para funcionamento de um clínica de meios auxiliares de diagnóstico] em ordem a evidenciar a existência de propostas de arrendamento [quanto à compra até esta testemunha admitiu que não houve nenhuma proposta] foram presenciados, não por si, mas por terceiro, como a S. D.ª T…, funcionária da primitiva Autora ou, sobretudo, pelo EE... [aliás, à luz das regras de experiência comum, não se vislumbra qual o interesse que um médico poderia ter na montagem e funcionamento de uma clínica de meios de diagnóstico quando, como já se disse supra, o próprio título constitutivo da propriedade horizontal em questão não permitia, de todo, o uso do armazém, situado na cave, para comércio e serviços].
Portanto, como é bom de ver, o depoimento em questão, na parte ora em análise, consubstanciou, na ausência de quaisquer outros elementos que apontassem para a verdadeira origem de tal conhecimento, um depoimento indirecto que, dado o contexto que supra se descreveu, era insusceptível de, per se, ancorar um qualquer juízo positivo.
Depois, mais importante, é que não só o seu depoimento não assumiu a densidade ou detalhe suficiente para que o Tribunal, ainda assim, pudesse, nomeadamente, aferir do (i) concreto modo como a DD... tentou rentabilizar a fracção “W” (v.g. tipos de divulgação e comercialização), (ii) qual o preço base que teria sido anunciado pela DD... (iii) quem, na realidade, recebeu e acompanhou esses potenciais arrendatários e, bem assim, (iv) qual a razão pela qual tais contratos de arrendamento se não concretizaram.
Enfim, em face da reduzida credibilidade que, nesta parte, mereceu o depoimento do Dr. BB..., outra solução não restava que não a de responder negativamente ao que vinha quesitado, tal como enunciado nos Pontos 3) a 7) dos factos não provados.
“[…]
Fim da transcrição

Em face da fundamentação aportada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo, aí deixou amplamente enunciadas as razões que eram determinantes para dar como não provados os factos ora em apreço [n.ºs 3, 4, 5 e 7], na decorrência da actividade instrutória que incidiu designadamente sobre os pontos 13.º a 20.º da base instrutória, e sobre a apreciação crítica que prosseguiu em torno do depoimento prestado pela testemunha BB... [Cfr. ainda as conclusões 50.ª, 53.ª, 74.ª, 75.ª e 76.ª], que atenta a imediação dessa prova e a apreensão prosseguida pelo Tribunal a quo, em torno do modo e termos procurados seguir pela DD..., sua ex-mulher, para efeitos de rentabilizar a fracção W, o resultado desse julgamento da matéria de facto não é minimamente posto em causa por parte da Recorrente.

E não é consentâneo com o sustentado pelas Autoras originárias na Petição inicial e agora por via deste recurso da matéria de facto, o que a Autora ora Recorrente veio reportar ao Tribunal a quo por seu requerimento de 07 de maio de 2018 [Cfr. fls. 713 e 714 dos autos em suporte físico], tempo em que se prosseguia nos autos a realização de uma 2.ª Perícia.

Referiu então que as Autoras originárias, desde o ano de 1998 que nunca possuíram as chaves do imóvel e que estão impedidas de aceder ao interior da fracção, o que também assim acontecia com a Autora ora Recorrente, pelo menos até à data da apresentação desse requerimento em 2018, não se dilucidando assim as razões e pressupostos para as Autoras originárias invocarem que lhes foram apresentadas propostas de arrendamento, quando se sabe, por experiência de vida, que para arrendar [e comprar] um imóvel não se prescinde de ver e rever o local em causa, entrando no seu interior, e que para isso o seu proprietário tem de possuir as chaves para franquear a porta de entrada.

Quanto ao constante das conclusões 67.ª e 80.ª, essa é questão nova que cai fora do âmbito do julgamento deste Tribunal de recurso, pois que para além de conter em parte matéria conclusiva, não foi sequer matéria alegada pelas Autoras originárias na Petição inicial, já que o que então referiram e sob os pontos 68 e 69, e que está em linha com o ponto 14.º da base instrutória e que assim não resultou provado como patente sob o ponto 4 [dos factos não provados], é que para efeitos e procurar rentabilizar a fracção W referiram ter contactado diversas sociedades imobiliárias, sendo que o Tribunal a quo veio a julgar não provado que as mesmas tenham contactado, não diversas/várias, mas pelo menos uma dessas sociedades.

Em suma, com referência aos elementos de prova que a suportam, o Tribunal a quo enunciou os fundamentos que eram determinantes da fixação dos factos n.ºs 3, 4, 5 e 7 como não provados, especificando os fundamentos de facto que de acordo com a sua convicção justificam a decisão, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 607.º, n.º 3 do CPC, julgamento esse que mantemos.

Cumpre agora conhecer do erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, sendo que, dada a extensão das conclusões apresentadas pela Recorrente [apesar de grande parte dela se traduzir em meros juízos conclusivos, ou encerrar matéria de direito], iremos procurar seguir a sua apreciação pontual, em face da ordenação apresentada pela Recorrente.

Desde já julgamos todavia, que quanto às conclusões 47.ª a 51.ª, 53.ª, e 77.ª a 79.ª, em conformidade com o que já referimos supra, não está em causa a violação de caso julgado, nem a incoerência do julgado face a anteriores Sentenças, atento o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, e de forma fundamental, que essas matérias revestissem sequer interesse para a final ser proferida Sentença nos autos, e que o fosse em sentido diverso em torno dos factos que foram tomados na Sentença recorrida, e que nesse patamar devesse ser totalmente procedente a acção.

E quanto ao vertido nas conclusões 74.ª a 76.ª , por não ter a Recorrente cumprido com o disposto no artigo 640.º, n.ºs 1 alínea b) e 2 alínea a), rejeitamos o recurso nesta parte, sendo certo que a Recorrente não coloca também em causa a fundamentação aportada pelo Tribunal a quo em torno do depoimento prestado pela testemunha BB....

Importar ainda referir que este Tribunal de recurso não pode apreciar nenhuma matéria que não tenha sido submetida ao prévio julgamento e decisão do Tribunal a quo.

Lidas as Alegações de recurso e as respectivas conclusões, e depois de compaginada os termos prosseguidos nos autos junto do Tribunal recorrido, começando pela Petição inicial aí apresentada, temos que levar em conta sobre qual a concreta causa ou causas de pedir que as Autoras originárias apresentaram ao Tribunal a quo, no que está justaposto aos pedidos deduzidos a final.

Como assim resulta da Petição inicial, a pretensão condenatória deduzida pelas Autoras originárias, de condenação do Réu numa indemnização e numa prestação de facto, tinha subjacente, em suma, que a DD... e o EE... compraram à sociedade comercial HH---, Ld.ª, por escritura pública de compra e venda, a fracção W do prédio em causa [construído num terreno que tinha sido loteado e vendido em hasta pública pelo Município (...)], para o qual o Réu veio a emitir os alvarás de utilização n.ºs 5 e 6, em 13 de janeiro de 1995, mas sem que existisse via pública por onde fosse possível e viável o acesso ao seu interior, dado o desnível da cota de soleira face à rua, de cerca de 2 metros, tendo concluído [as então demandantes] pela nulidade desses alvarás, assim como de todos os antecedentes actos licenciatórios promanados da Câmara Municipal de (...) visando o loteamento, e ainda por violação da lei [Cfr. pontos 1 a 62, 90, 96, 101 a 105, 113 e 119 da Petição inicial], e de outros actos jurídicos, assim como da escritura pública de compra e venda, em que foram intervenientes em 03 de março de 1995 tendo por objecto a referida fracção W.

Mais referiram, em suma [Cfr. pontos 63 a 68 da Petição inicial] que essa fracção W foi sendo utilizada pela sociedade comercial irregular como estabelecimento comercial de madeira e derivados, em paralelo com outro estabelecimento comercial que detinham sito no Bairro (...), também em (...), e que na sequência de má conduta societária por parte do irmão da Autora originária, EE..., e ao abrigo de disposições [como assim referiram, do Código Comercial, do Código das Sociedades Comerciais e do Código Civil], a DD... procurou rentabilizar esse património a que se reporta a fracção W, integrante da dita sociedade comercial irregular [constituída por ela e por seu irmão, que a adquiriram em regime de compropriedade].

Referiram ainda, em suma [Cfr. pontos 69 a 76, 97 a 99, 107 da Petição inicial] que para efeitos dessa rentabilização da fracção W, contactaram diversas sociedades imobiliárias e que obtiveram diversas propostas para arrendamento [tendo a mais elevada sido apresentada em julho de 1999, pelo valor de novecentos mil escudos por mês - cerca de €4.500,00], assim como a sua venda [tendo o valor mais elevado sido apresentado em setembro de 1999, pelo valor de setenta e cinco milhões de escudos – cerca de €375.000,00], mas que nenhuma desses contratos [de arrendamento e de venda] se concretizou, por ter o potencial arrendatário e o potencial comprador desistido desses intentos, devido ao facto de o arruamento que serve o acesso da fracção se situar a cerca de dois metros abaixo da sua entrada.

Mais referiram, em suma [Cfr. pontos 77, 78, 88, 106, 109, 112 da Petição inicial] que o Réu fixou o piso do arruamento aquela cota inferior com a intenção de prejudicar as Autoras originárias, e que o Réu inviabilizou por completo qualquer acesso e utilização da fracção pelo único portão de acesso situado a nascente do edifício.

Referiram ainda, em suma, que a actuação ilícita e culposa do Réu [Cfr. pontos 119 a 122, 124, 125, 134 da Petição inicial] é determinante de que seja responsabilizado pelos danos por si provocados, e que são causa directa e necessária de as Autoras originárias não terem podido arrendar a fracção W, pela renda mensal de cerca de €4.500,00 por mês, pelo menos desde julho de 1999 [a título de lucros cessantes] e até que o Réu execute o arruamento que permita o acesso ao interior da fracção, e que esses valores poderia ainda tê-los aplicado noutros negócios ou em simples depósitos a prazo que lhe proporcionariam um rendimento, no mínimo igual aos juros para aplicações financeiras em depósitos a prazo [a título de lucros futuros], cujo apuramento relegou para execução de sentença.

E a final da Petição inicial, tendo subjacente as causas de pedir por si alinhavadas, formulou dois pedidos principais, sendo um atinente à condenação do Réu a rectificar a cota do piso do arruamento por forma a permitir o acesso ao interior da fracção por camiões para cargas e descargas [Cfr. alínea B)], e o outro, atinente à condenação do Réu a pagar-lhe indemnização [Cfr. alínea A)], que formulou nos seguintes termos: por danos patrimoniais causados pela conduta ilícita dos seus serviços e agentes, por negligência, e pelo montante das rendas, à razão mensal de 4.500,00 euros [sublinhado da autoria deste TCA Norte], anualmente corrigidas pelo factor de actualização que lhe corresponder, desde Julho de 1999 até à data em que o Réu rectificar a cota do piso do arruamento a nascente do prédio, e os danos futuros que vierem a revelar-se e que se relegam para execução de sentença por não serem líquidos nem definitivos nesta data.

O Tribunal a quo julgou da ocorrência da ilicitude e da culpa do Réu, e nessa medida veio a condená-lo no pedido formulado sob a alínea B), sendo que quanto ao pedido A) absolveu-o do pedido, com fundamento, em suma, em que a Autora ora Recorrente Beira-Linda, Ld.ª, não logrou provar a existência de nexo de causalidade entre a julgada ilicitude e os danos por si alegados, mormente, que não provou a mesma que alguma vez tenha tido propostas de arrendamento da fracção W, e pelo valor mensal de €4.500,00, que assim inexistiam lucros cessantes, nem danos futuros.

Como assim decorre do processado nos autos, em face do que constituía a causa de pedir e o pedido imanente à Petição inicial, e bem assim, no quanto se constituiu o thema decidendum em face do que deduziu o Réu ora Recorrido, o Tribunal a quo veio
a fixar as questões a decidir em sede do mérito do pedido como sendo “… aferir se se encontram preenchidos os pressupostos normativos e cumulativos de que depende a efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Réu, Município (...) [facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade adequada] e, em caso afirmativo, aferir do respectivo quantum indemnizatório e, bem assim, da eventual obrigação do Réu em proceder à rectificação da cota do piso do arruamento a nascente do prédio, por forma a permitir o acesso ao interior da fracção “W” por camiões para cargas e descargas.”

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo para efeitos de ter negado provimento ao pedido sob a alínea A) a final da Petição inicial, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Pois bem, para além desta obrigação de prestação de facto positivo decorrente da ilicitude supra declarada, a Autora pretendia ainda que o Réu fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos danos patrimoniais causados, em específico, pelo montante das rendas que à razão mensal de EUR 4.500,00, teria deixado de auferir desde Julho de 1999 até à data em que as referidas obras de rectificação se venham a efectivar.
Encontramo-nos, por isso, perante a alegação do sofrimento de lucros cessantes de natureza futura, ou seja, de “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil.
Todavia, como é bom de ver, a actividade probatória levada a cabo nos presentes autos e, em concreto, na audiência final, não foi, de todo, suficiente para que o Tribunal ficasse convicto de que, quer a primitiva Autora, quer a ora Autora, hajam tentado rentabilizar a fracção “W” do Lote B da Quinta da (...) em (...), freguesia (...), (...), nomeadamente, tentando-o arrendar ou vender e, muito menos, que tais negócios se não hajam concretizado porque o dito imóvel não detinha qualquer acesso ao seu interior.
Como já se disse, para que tais lucros cessantes fossem aqui reconhecidos necessário se tornava que a Autora houvesse logrado alcançar a prova positiva, além do mais, da efectiva existência de interessados no arrendamento da supra descrita fracção “W” [cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Julho de 2016, processo n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1, in www.dgsi.pt], pois que “a circunstância de o imóvel poder, hipoteticamente, ser vendido ou arrendamento não é por si só suficiente para se ter o dano como previsível” [cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 de Outubro de 2013, processo n.º 9074/09.8T2SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt]
Pelo que, desconhecendo-se, por falta de prova convincente, quais as diligências sérias que terão sido levadas a cabo pela Autora no sentido da celebração de um contrato de arrendamento da fracção “W” do Lote B da Quinta da (...) em (...), qual o seu valor, e se a eventual frustração de tal negócio se ficou a dever à falta de acesso ao mesmo provocada pelo Réu, logo se antevê, pois, que, à luz dos artigos 342.º, n.º 1 do CC e 414.º do CPC, não se encontra provado nem os “lucros cessantes” a que se alude na parte final do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil, nem também o nexo de causalidade adequada exigido na sua formulação negativa pelo artigo 563.º do Código Civil.
Daí que, na ausência de tal prova, o pedido indemnizatório formulado pela Autora sob a alínea A) da sua petição inicial haja necessariamente de naufragar, na sua íntegra.
Convém realçar que, contrariamente ao que decorreria do princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes previsto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, a Autora não alega, nem sequer augura obter uma qualquer indemnização pelo ressarcimento de danos emergentes decorrentes da própria e eventual privação do uso (e não da mera possibilidade de usar) da fracção “W”, na medida em que os únicos danos que esta invocou foram os lucros cessantes que supra se aludiu e consequentes danos futuros decorrentes da não aplicação de tais lucros cessantes em outros negócios ou em simples depósitos a prazo.
O que, como se sabe, impede o Tribunal de lhe conceder, a esse título, uma qualquer indemnização, ainda que, por recurso à equidade. Porém, assinale-se o seguinte.
De acordo com aquela que vem constituindo a mais recente e maioritária jurisprudência dos tribunais comuns, com a qual se concorda integralmente e que aqui se segue também de acordo com o n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, a mera privação da possibilidade de uso de coisa móvel ou imóvel não é, por si só, um dano indemnizável. Com efeito, a privação do uso só constitui dano ressarcível mediante a demonstração das concretas e efectivas utilidades que a coisa proporcionava ou era susceptível de proporcionar ao seu titular e cuja fruição a prática da ilicitude frustrou [cf. neste sentido, entre vários outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06 de Dezembro de 2018, processo n.º 9773/09.4TBCSC.L2.S1, de 12 de Julho de 2018, processo n.º 2875/10.6TBPVZ.P1.S1, de 07 de Novembro de 2017, processo n.º 4262/08.7TCLRS.L1.S1, de 14 de Julho de 2016, proferido no processo n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt].
Quer isto dizer que a privação do uso de uma coisa móvel ou imóvel, embora consubstancie um impedimento imposto pelo lesante ao respectivo titular no sentido de retirar da coisa as correspondentes vantagens patrimoniais e não patrimoniais que ela pode proporcionar e, por isso, um ilícito por violação do núcleo essencial do direito de propriedade, tal dano só poderá ser ressarcível se o seu titular a pretendesse usar e efectivamente a utilizasse, caso não fosse a impossibilitada de dispor da mesma.
É assim que se conclui que uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente com esta, é a privação da possibilidade do uso, esta última sem qualquer repercussão económica e que, por isso, à luz da jurisprudência supra citada, não revela qualquer dano patrimonial digno de ser indemnizável [cf. esclarecendo que “uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e a utilizasse caso não fosse a impossibilidade de dela dispor”, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24 de Abril de 2019, processo n.º 279/17.9T8MNC.G1, na medida em que “bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de o usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respectivas vantagens ou utilidades, como pode suceder com o dono de um automóvel que o não utiliza ou utiliza em circunstâncias que uma certa indisponibilidade não afecta, ou com o proprietário de um prédio ou de terreno que lhe não dá qualquer utilização”, cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09 de Março de 2010, proferido no processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt].
Deste modo, para que tal dano seja ressarcível, para além da privação do uso, deverá “o lesado demonstrar que, se o tivesse disponível, o utilizaria, normalmente, isto é, que dele retiraria as utilidades que o mesmo está apto a proporcionar” [cf. entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09 de Dezembro de 2008, processo n.º 08A3401, de 30 de Outubro de 2008, processo n.º 07B2131 e de 5 de Julho de 2007, processo n.º 07B2138, www.dgsi.pt].
Ora, como é bom de ver, mesmo que da petição inicial se perspectivasse uma qualquer alegação de tal dano emergente da privação do uso da fracção “W”, o certo é que a sua existência não se encontraria efectivamente evidenciada nestes autos.
Na verdade, conforme dimana claramente do probatório coligido nos presentes autos, em específico, dos Pontos W) e AA) dos factos provados e respectiva motivação, quando, em inícios de 1999, a fracção “W” do Lote B da Quinta da (...) ficou sem acesso ao seu interior já o respectivo armazém que aí funcionava se encontrava definitivamente encerrado por iniciativa do irmão da primitiva Autora, desde 31 de Outubro de 1998.
Portanto, já antes de perder o acesso ao seu interior, o referido armazém não vinha sendo utilizado pelos respectivos proprietários para a sua normal utilização.
Depois, mais importante e como já se teve a oportunidade de referir, da verdade relativa processualmente adquirida nestes autos não resulta, de todo, evidenciada qual a concreta utilidade que, quer a primitiva Autora, quer a ora Autora, pretendiam (em) fazer do armazém da fracção “W” do Lote B da Quinta da (...) em (...), nomeadamente, se o prosseguimento da actividade de armazém para um qualquer estabelecimento comercial, se a sua rentabilização através do seu arrendamento ou outra.
Enfim, não se sabe, por falta de qualquer actividade probatória convincente, qual a concreta utilização que, na realidade, a Autora se propunha a dar ao imóvel em questão.
E, se assim é, não há como não concluir que, na ausência de tal prova, apenas se mostra demonstrada a privação de uma genérica possibilidade de usar o armazém da fracção “W” do Lote B da Quinta da (...) em (...) que, na esteira da jurisprudência que supra se citou, não assume qualquer relevância para efeitos indemnizatórios.
Claudicariam, pois, também por aqui, os requisitos da existência de dano e, bem assim, do correspondente nexo de causalidade necessários à efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Município (...) no que tange ao pedido sob a alínea A) da PI.
[…]”
Fim da transcrição

E este julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo em torno de não ter a Autora logrado fazer prova concreta de qual a utilização que, na realidade, se propunha a dar à fracção W, se vendê-la ou dá-la de arrendamento, e que os únicos danos que invocou foram os lucros cessantes e consequentes danos futuros decorrentes da não aplicação desses lucros, e que não os provou, não merece a censura que lhe aponta a Recorrente.

Quanto às conclusões 1.ª a 3.ª, 21.ª a 26.ª e 29.ª, em face do que suscita a Recorrente nada se impõe seja apreciado por este Tribunal de recurso.

Quanto às conclusões 5.ª, 7.ª, 9.ª, 10.ª, 12.ª, 16.ª, 36.ª a 42.ª, 56.ª, 58.ª, 71.ª, 72.ª e 73.ª, empreende a Recorrente uma referenciação genérica e conclusiva, ou sem relevo para o que consistia a factualidade necessária para a apreciação do pedido deduzido na Petição inicial.

Neste conspecto julgamos que em torno da actividade licenciatória do Réu e das invalidades que a Autora lhe aponta, que qualifica de nulidades, e a manter esse seu entendimento, sempre estava na sua imediação, a final, requerer a nulidade da compra e venda da fracção W, com o consequente pedido de devolução do preço junto da HH---, Ld.ª.

O Tribunal a quo apreciou o pedido da Autora com referência à causa de pedir por si apontada, e por referência a esse pedido, o montante de danos patrimoniais foi concretamente apresentado pela Autora, mas que não o logrou provar nessa sua dimensão.

Quanto às conclusões 6.ª, 8.ª, e 13.ª a 15.ª, em torno do destino da fracção W não ser de armazém, esta questão foi profusamente escrutinada pelo Tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto e a propósito das alíneas W) e X) do probatório, sendo relevante, para além do vertido no título constitutivo da propriedade horizontal, fixar-nos em que, quem definiu o destino dessa fracção, foi a sociedade comercial HH---, Ld.ª, quanto ao que a Autora, e as ante-Autoras nada poderiam obstar, sendo assim irrelevante a questão de saber se a fracção W tem características para ser mais do que “Armazém”.

Do que releva em face do que foi alegado pela Autora na Petição inicial, é que teve potenciais compradores e potenciais arrendatários, e que ambas essas vias de negócio não se concretizaram devido à inexistência de acesso ao interior da fracção W a partir da via pública, mas que em cumprimento do seu ónus probatório, nada logrou provar nesse sentido.

Antes de o Réu ter executado as obras de urbanização, o que ocorreu no período de julho de 1998 a abril de 2000, podiam entrar na fracção W veículos de carga e descarga por uma rampa que aí existia em terra, o que depois de as ter executado, tal impediu de forma definitiva que se pudesse fazer esse acesso, o que aconteceu a partir do início do ano de 1999 [Cfr. alíneas AA, DD e EE do probatório].

Enunciamos supra que o pedido que as Autoras originárias deduziram na Petição sob a alínea A), foi um pedido específico, de condenação do Réu no pagamento de uma indemnização que assentou no único pressuposto de que a fracção seria arrendada pelo valor mensal de €4.500,00 e desde julho de 1999, porque alegaram existir nessa data um interessado, que não concluiu o negócio por causa de a fracção não ter acesso, sendo que como assim alegaram e quantificaram, o dano sofrido pelas Autoras originárias era o equivalente a essa renda mensal contada desde aquele mês e ano até à data em que o Réu viesse a construir o acesso à fracção, a que acresceria um outro montante indemnizatório, que as Autoras originárias relegaram para execução de sentença, tendo subjacente o pressuposto, por elas invocado, de que esse rendimento mensal e por todos os anos seguintes lhes proporcionaria um rendimento que, no mínimo seria igual aos rendimentos para aplicações financeiras.

Efectivamente, as Autoras originárias formularam esse pedido com fundamento numa concreta causa de pedir de base, que era a de que o Réu obstou a que a fracção W fosse dotada de acesso ao seu interior para cargas e descargas, e sobre essa causa de pedir assentava uma outra, que era a de que por aquela razão, não conseguiu fechar um negócio de arrendamento pelo valor de €4.500,00, e que era por este montante mensal que o Réu estava constituído no dever de indemnizar.

Como assim resulta do probatório, que face ao julgamento que apreciamos supra está estabilizado, a Autora ora Recorrente não fez prova da existência desse negócio de arrendamento, nem dos lucros cessantes e dos lucros futuros, e por essa razão foi julgado improcedente esse pedido, a que o Tribunal a quo estava vinculado em face do princípio de pedido, e do dispositivo, e nessa parte mantemos o assim decidido.

Porém, como assim julgamos, e aqui não podemos acompanhar o Tribunal a quo, a Autora ora Recorrente fez prova cabal de que a impossibilidade de aceder ao interior da fracção através do piso da via pública [Cfr. conclusões 4.ª, 17.ª a 20.ª, 27.ª, 28.ª, e 43.ª a 45.ª] apenas e só existe por causa imputável, única e exclusivamente ao Réu, e que essa impossibilidade de acesso é um facto notório, integrante de matéria de facto, que faz parte do conhecimento geral, decorrente da experiência de vida, e que para efeitos da instrução dos autos assumem a natureza de factos notórios nos termos e para os efeitos do artigo 412.º n.º 1 CPC.

Vejamos.

Como assim julgamos, os vários problemas pessoais e societários que os dois irmãos [a DD... e o EE...] têm, são relativos a ambos e por isso do âmbito do seu foro interno, por fundamentos que são irrelevantes para o mérito dos presentes autos, em que é pedida a condenação do Réu Município, em suma, numa indemnização e na condenação numa prestação de facto.

Como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo e no quanto veio o mesmo a dar parcial provimento à pretensão da Autora, a actuação do Município (...), seja por acção e por omissão, levou a que sendo proprietários da fracção W, não possam aceder ao seu interior, por manifesta impossibilidade físico de acesso, para nela prosseguir o destino que lhe foi dado pela sociedade comercial HH---, Ld.ª, para o destino de armazém.

O Tribunal a quo foi muito claro, objectivo e assertivo no seu julgamento, em torno da ilegalidade em que incorreu o Réu, por manifesta negligência, ao ter licenciado o edifício construído no lote B e onde se situa a fracção W, colocando a acessibilidade ao seu interior, isto é, a porta de acesso ao seu interior a uma cota de quase 2 metros de altura, ao ponto de o Tribunal a quo ter julgado que por força dessa actuação, o valor comercial da fracção era praticamente nulo.

E aqui reside o cerne da pretensão condenatória da Autora, que é o ser proprietária de uma fracção à qual não consegue, pelo menos, aceder fisicamente, dada a diferença de cota entre a porta e piso da rua, para a colocar no mercado, ainda que para o fim a que se destina, de armazém, porque de forma manifesta, é absolutamente irreal que alguém vá junto do mercado e de potenciais interessados no seu arrendamento, quando à partida sabe que a fracção não tem acessibilidade, o que como assim julgou o Tribunal a quo leva a que o seu valor comercial de mercado seja praticamente nulo [Cfr. alínea GG do probatório].

Essa impossibilidade física de acesso e de uso, ou mesmo a possibilidade de querer usar a fracção W e não a poder usar por questões que não se prendem com uma impossibilidade qualquer [por exemplo, de ter um carro e de não o poder usar], antes com o que foi a decorrência da actividade licenciatória do Município de (...), que permitiu esse acontecimento, tem de merecer a tutela do direito, e para tanto, pese embora a Autora não tenha logrado fazer a prova do concreto montante de danos por si sofridos com referência aos invocados lucros cessantes e consequentes lucros futuros, com recurso a um juízo de equidade.

Não cabe incluir no âmbito desta indemnização os encargos com obras, condomínio, ou impostos pagos, porque essa causa de pedir, em conformidade com o disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CPC [Cfr. artigo 264.º, n.º 1 do anterior CPC] não veio constante da Petição inicial.

Não se tendo provado o concreto dano de €4.500,00 mensais que a Autora sustentou ir realizar com o arrendamento da fracção desde julho de 1999, julgamos todavia pela existência de um dano alargado na esfera jurídica e patrimonial da Autora, decorrente da impossibilidade física de acesso à fracção W, na justa medida em que impossibilitou totalmente, que a Autora pudesse dar o uso que quisesse, em função do seu fim económico, à fracção, e nesta medida, que lhe deve ser fixada indemnização segundo um juízo de equidade [Cfr. conclusões 32.ª, 33.ª, 54.ª, 55.ª, 57.ª, 61.ª a 64.ª, e 71.ª].

Como assim julgamos, sendo notório que a impossibilidade de acesso à fracção W é produtora de danos, que não tendo sido provados pelo montante de €4.500,00, sempre os mesmos existem, dada a falta de aptidão da fracção a cumprir o seu destino económico, por facto imputável ao Réu, que obstou por acção e omissão a que exista uma impossibilidade física de acesso, dada a cota de soleira da porta face à via pública.

E neste conspecto, tendo presente o disposto no artigo 412.º, n.º 1 do CPC e o artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, no sentido de que não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, e que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, isto é, de que não tendo a Autora feito prova do negócio em causa tendente ao arrendamento pelo valor de €4.500,00, mas porque como assim julgamos, algum rendimento auferiria a Autora se a fracção pudesse ser colocada no mercado, mediante dotação da devida acessibilidade, e resultando de forma inequívoca daquele preceito, que o recurso à equidade tem por pressuposto a impossibilidade do apuramento e fixação de um valor exacto dos danos a indemnizar, e porque consta do probatório factualidade mais do que demonstrativa do dano sofrido pela Autora, que passou pela impossibilidade física de ser acedida a fracção W, dada a manifesta inexistência de acesso ao seu interior, o que ainda hoje se mantém.

E neste patamar, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, I, 4.ª edição, revista e actualizada, 1987, páginas 54 e 55, a resolução de uma questão controvertida segundo a equidade pressupõe que “o julgador não está, nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei”, mas antes “a razões de conveniência, oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda.

A fixação do valor de uma indemnização por recurso à equidade [cfr. artigo 566.º, n.º 3 do CC] tem por pressuposto a existência de um dano indemnizável e a não determinação do seu montante, permitindo ao Tribunal decidir o litígio apenas fundado em critérios de justiça, sem estar subordinado aos critérios normativos fixados na lei, impondo-se nesta situação a apreciação subjectiva do julgador.

Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas antes um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto, e sendo certo que a lei não formula qualquer conceito de equidade, a mesma tem subjacente o dever de consideração prudente da situação em apreço, e em particular, a ponderação das vantagens e inconvenientes que possam concorrer no recurso a esse juízo de equidade.

Como julgamos, não está em causa a mera privação do uso da fracção, antes a manifesta impossibilidade física de acesso e de uso.

Resultando provado que desde o início de 1999 que a Autoras não pode aceder à fracção, e pese embora não tenha a mesma logrado fazer prova de que a indemnização por danos patrimoniais infligidos deve ser correspondente ao montante das rendas e pelo concreto valor de €4.500,00, atenta a prova produzida, julga este Tribunal de recurso que deve ser prosseguida a via de um juízo de equidade, por forma a que a Autora possa alcançar uma prestação indemnizatória/compensatória.

E nesse patamar, resulta do probatório que o valor de mercado da fracção W no ano 2000 era de €200,00 por m2 e que após a realização das obras de urbanização, não tendo sido estabelecido acesso ao seu interior o seu valor passou a ser praticamente nulo [Cfr. alínea GG) do probatório].

Resultou também provado que com data de 26 de março de 1995, a dita sociedade irregular formada pela DD... e pelo EE..., deram de arrendamento à sociedade D---, Ld.ª, a fracção W, pelo prazo de 1 mês renovável por iguais períodos de tempo, pela renda mensal de 20 mil escudos, que é o equivalente a cerca de €100,00, valor que era devido durante o 1.º ano e que era actualizada de acordo com a lei de arrendamento aplicável [Cfr. alínea HH) do probatório].

Não estando em causa apreciar e decidir sobre um critério em ordem a encontrar em equidade, sobre qual o valor de mercado da fracção W para venda [porque essa causa de pedir é que manifestamente não foi formulada], antes apenas de um valor que seja consentâneo com um tipo de renda mensal, face aquele facto provado [HH], estamos em presença de um valor dado ao mercado, pelos proprietários originários da fracção, que face ao contrato de permuta outorgado pela DD... com a ora Recorrente não pode deixar de ter efeitos vinculantes para esta.

Enfatizamos que o julgamento segundo um juízo de equidade não é um julgamento arbitrário, antes devendo assentar num critério que seja objectivo de que se possa deitar mão, e que seja decorrente da instrução feita nos autos.

Nenhuma outra prova foi realizada por parte de quem tinha o ónus para esse efeito [Cfr. artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, e artigo 5.º, n.º 1 do CPC], sendo que, de resto, a prova que assim emerge da alínea HH) do probatório, foi coligida pelo Tribunal a quo, em sede do exercício do direito à contra prova que assiste ao Réu prosseguir, e que tendo sido junta a certidão aos autos, sobre ela e o seu teor nada disse a Autora.

Não soube o Tribunal a quo, por de resto nada terem as Autoras referido em face da junção aos autos pelo Réu da certidão a fls. 271, como é que aquele valor de cerca de €100,00 foi fixado.

Não deixa porém de ser um valor livremente fixado, e que se a Autora DD... [e o seu irmão] assim o teve por adequado, por si e enquanto sócia da dita sociedade irregular, também não vislumbramos razões para que a mesma, enquanto administradora que o foi da Autora ora Recorrente, deixasse de o aprovar, tanto mais que, à data de 26 de março de 1995, ainda não tinha o Réu executado obras de urbanização, e nessa medida, podia então fazer-se o acesso à fracção.

Ou seja, à data em que a fracção W foi dada de arrendamento à D---, Ld.ª, não existia qualquer impossibilidade física de acesso à fracção, e o seu valor de renda mensal foi fixado em cerca de €100,00, correspondendo à vontade declarada dos dois irmãos e da sociedade comercial irregular constituída entre os dois irmãos, sendo relevante considerar neste domínio, que pelo menos até ao ano de 1997, os sócios da D---, Ld.ª eram a DD... e o seu ex-marido, BB....

Se o valor aproximado de €100,00 por mês naquele tempo era adequado, e quando a fracção W tinha acesso a partir da via pública, pois como assim resulta da alínea AA) do probatório, a fracção W tinha um acesso provisório, em terra, que foi excluído a partir do início do ano 1999, não dilucida este Tribunal de recurso porque é que esse valor possa deixar de ser adequado, e ainda por cima sem qualquer acesso, arrimando-se nos autos um valor de renda da ordem dos €4.500,00.

Daí que, em torno do vertido nas conclusões 19.ª, 20.ª, 28.ª, 32.ª, 33.ª, 42.ª a 46.ª, 54.ª, 55.ª, 57.ª, 62.ª, 64.ª, 70.ª e 71.ª, e se bem que para a indemnização pedida a final da Petição inicial não foi invocada causa de pedir atinente à privação de uso, e que quanto ao pedido concretamente formulado, a Autora não logrou fazer prova de que lhe devia ser fixada a concreta indemnização pelo valor de €4.500,00 a título de lucros cessantes e de lucros futuros, e por não ter sido efectuado o contrato de arrendamento, daremos parcial provimento à pretensão recursiva da Recorrente, não com referência à privação de uso, mas antes devido a uma impossibilidade manifesta de acesso à fracção W por causa imputável ao Réu, pois julgamos ser evidente que não tendo a fracção W acesso pela via pública, que lhe deve ser fixada, em equidade, uma indemnização à Autora para efectivação da concreta justiça, dentro do quadro factual apurado pelo Tribunal a quo.

Julgamos assim, em equidade e tomando por referência os factos constantes do probatório, que em face da prova não efetuada pela Autora, mas em face do que resulta da alínea HH), em fixar uma indemnização pela impossibilidade física de acesso e de uso da fracção, à razão de €300,00 mensais [valor este que é já equivalente a uma majoração em 200% sobre o valor de renda contratado com a D---, Ld.ª no ano de 1995], com início em julho de 1999, que foi a data referida pela Autora sob o pedido deduzido sob a alínea A) a final da Petição inicial, e até ao mês em que a fracção venha a estar dotada de acesso a partir da via pública, para cargas e descargas [assi garantido pelo Réu Município (...)], que liquidamos até ao actual mês de junho de 2022 [valor que se vence no dia 01 de cada mês], no valor de €79.200,00 [264 meses x €300,00], quantia a que acrescem os juros de mora legais, desde a citação do Réu para os termos dos presentes autos e até integral pagamento.

Como a parte interveniente nos autos é a sociedade comercial AA---, Ld.ª, que é a proprietária de metade indivisa da fracção W, fixamos a indemnização que lhe é devida de €39.600,00 [€79.200,00/2 comproprietários], e a partir do mês de julho e seguintes, a quantia de €150,00 [€300,00/2 comproprietários].

De maneira que, a pretensão recursiva da Recorrente tem assim de proceder, ainda que apenas em parte.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Indemnização; julgamento em equidade.

1 - Se bem que para a indemnização pedida a final da Petição inicial não foi invocada causa de pedir atinente à privação de uso, e que quanto ao pedido concretamente formulado, a Autora não logrou fazer prova de que lhe devia ser fixada a concreta indemnização pelo valor de €4.500,00 a título de lucros cessantes e de lucros futuros com fundamento em não ter sido efectuado o contrato de arrendamento, em face de uma impossibilidade manifesta de acesso à fracção W por causa imputável ao Réu, por não lhe ter sido por este garantido acesso pela via pública, deve ser fixada à Autora, em equidade, uma indemnização para efectivação da concreta justiça, dentro do quadro factual apurado pelo Tribunal a quo.

2 - A fixação do valor de uma indemnização por recurso à equidade [cfr. artigo 566.º, n.º 3 do CC] tem por pressuposto a existência de um dano indemnizável e a não determinação do seu montante, permitindo ao Tribunal decidir o litígio apenas fundado em critérios de justiça, sem estar subordinado aos critérios normativos fixados na lei, impondo-se nesta situação a apreciação subjectiva do julgador.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente AA---, Ld.ª, revogando a Sentença na parte objecto de recurso em que julgou não ser de conceder indemnização com recurso à equidade, condenando o Réu Município (...) no pagamento à Autora, de uma indemnização pela impossibilidade de acesso físico e de uso à fracção W, abrangendo o período temporal de julho de 1999 até junho de 2022, no montante de €39.600,00, quantia a que acrescem os juros de mora legais, contados desde a citação do Réu para os termos dos presentes autos e até integral pagamento, e ainda, no pagamento da quantia mensal de €150,00, desde julho de 2022 [valor este que se vence no dia 01 de cada mês] e até que o Réu venha a dotar a fracção W de acesso a partir da pública, por parte de veículos de cargas e descargas de mercadorias.
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As custas são a cargo do Réu, e da Autora na proporção do decaímento – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC – não sendo devidas custas nesta instância pelo Réu por não te deduzido Contra alegações.
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Notifique.
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Porto, 23 de junho de 2022.
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Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão, em substituição
Helena Ribeiro