Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00874/09.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:IAPMEI, REVOGAÇÃO DA DECISÃO DE APROVAÇÃO DE FINANCIAMENTO, DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DOS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA, DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO,
DA BOA FÉ E DA PROTEÇÃO DOS INTERESSES DOS CIDADÃOS
Sumário:I-Nos termos do disposto no artigo 18º da Portaria nº 799/2000, de 20 de setembro, a Recorrente tinha obrigação de possuir um processo técnico do projeto atualizado, com a informação sobre a formação ministrada, conteúdos pedagógicos, horários e presenças;

I.1-apesar dessa obrigação a Recorrente entregou ao IAPMEI elementos referentes à formação que não correspondiam à verdade;

I.2-os factos detetados lançam dúvida séria de que tais ações poderão não ter ocorrido nas condições indicadas pela Autora, ou não terem ocorrido de todo e põem em causa os objetivos essenciais que presidiram ao financiamento do plano de formação aprovado, e que se resumem a apoiar, com dinheiros públicos, ações de formação aos ativos das empresas, no sentido do seu aperfeiçoamento profissional.

II-No que respeita à alegada violação dos referidos princípios importa dizer que os princípios gerais de direito público (a sua violação) não têm relevo autónomo em sede de poderes vinculados da Administração. Ou seja, quando a Administração atua no exercício de poderes vinculados, aqueles princípios não adquirem autonomia como parâmetro de atuação da Administração, uma vez que o seu cumprimento se confunde com o cumprimento estrito dos pressupostos de facto e de direito da norma a aplicar;

II.1-a haver violação, a mesma consubstancia-se e esgota-se, na violação do normativo legal ou regulamentar invocado, ou na violação do princípio da legalidade por violação de normas legais que alegadamente vinculam a Administração;

II.2-no caso, a revogação do financiamento nos termos previstos na alínea n) do nº 1 do art. 23º da Portaria nº 799-B/2000, de 20/9, não depende do facto de ter sido ministrada alguma formação ou a maior parte dela. Depende, sim, do facto dos elementos fornecidos serem de tal modo inexatos que deixam de ser credíveis, não sendo possível a partir deles comprovar que a formação foi dada nos termos aprovados e financiados;

II.3-não está também em questão o número de erros cometidos, mas a importância dos mesmos face à necessária justificação da formação efetivamente realizada.

III-No caso concreto a Administração limitou-se a exercer os seus poderes de preenchimento do conceito indeterminado plasmado na alínea n) do nº 1 do artigo 23º da Portaria nº 799-B/2000, de 20 de setembro, à semelhança da decisão comunitária sobre as orientações relativas ao encerramento das intervenções dos fundos estruturais.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R., Lda.
Recorrido 1:Ministério da Economia e da Inovação e Outro
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
R., Lda. NIPC (…), com sede na Rua (…), (…), (…), instaurou acção administrativa especial contra o Ministério da Economia e da Inovação e o IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, visando o acto de revogação da decisão de aprovação do financiamento que lhe foi concedido no âmbito do projecto autónomo de formação profissional n.º 00/21117, no valor de € 40.665,64 e que ordenou a restituição do montante de € 23.913,18 já recebido.
Peticionou:
«… ser anulado o acto administrativo praticado pelo Gestor do COMPETE, Senhor Dr. N., em 18.06.2009, que revogou a decisão de aprovação do projecto n.º 00/21117; Ou, caso assim não se entenda, sempre deverá ser anulado parcialmente o acto praticado, mantendo-se revogado o financiamento apenas quanto às horas do curso “Organização Geral da Empresa de Confecção – 1.ª Acção” que sofreu uma alteração nos dias referidos na fundamentação anexa ao acto.».
Por acórdão proferido pelo TAF de Aveiro foi julgada improcedente a acção e absolvidos os Réus dos pedidos.
Deste vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto de três decisões do Tribunal a quo: (i) por um lado, dos doutos despachos interlocutórios de 11.03.2011; (ii) por outro lado, do douto acórdão de 28.12.2012, de fls. 292 e seguintes.

i. Dos despachos interlocutórios de 11.03.2011, proferidos nos termos dos artigos 87.º, n.º 1 e 90º, n.º 2, do CPTA

2. A Recorrente alegou, na petição inicial, diversos factos que integravam a causa de pedir da acção que intentou e que eram, e são, decisivos para a boa decisão da causa, designadamente os constantes dos artigos 13.º, 60, 63.º a 66.º, 70.º a 72.º, 76.º, 79.º, 82.º, 84.º e 103.º a 107.º.

3. A referida matéria, que assumia, e assume, carácter controvertido, visava, essencialmente, demonstrar, por um lado, o cumprimento pela Recorrente dos objectivos essenciais que haviam presidido à aprovação do projecto de formação co-financiado e, por outro lado, a existência de um erro nos pressupostos de facto e de direito do acto impugnado.

4. O Tribunal a quo, todavia, indeferiu, tacitamente, a produção de prova requerida pela Recorrente logo na petição inicial, impedindo-a, concomitantemente, de apresentar outros meios de prova, ao considerar, no despacho recorrido de 11.03.2011, inexistir “matéria de facto controvertida” e ao ordenar a notificação oportuna das partes para, querendo, apresentarem alegações no prazo de 20 dias.

5. A inquirição das testemunhas que a Recorrente indicou, bem como de outras que arrolaria após a definição da base instrutória, era fundamental à boa decisão da presente lide.

6. Ao ser negada à Recorrente a possibilidade de demonstrar que a formação foi efectivamente ministrada nos dias e horas que, em sede de audiência prévia, indicou e que, por conseguinte, não existia qualquer sobreposição, foi feita uma interpretação e aplicação da lei assente num formalismo que atenta contra as garantias de defesa da Recorrente e os seus direitos fundamentais.

7. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou os artigos 2.º e 7.º do CPTA e os demais preceitos que constituem corolários destes princípios da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça, bem como os princípios constitucionais da proibição da denegação de justiça e da proporcionalidade ínsitos, respectivamente, nos artigos 20.º, 268, n.º 4 e 18.º, todos da CRP.

8. O despacho recorrido, ao indeferir, ainda que tacitamente, a produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente é, ainda, ilegal por violação do disposto no artigo 90.º, n.º 2, do CPTA e nos artigos 513.º, 515.º e 516.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA.

9. Acresce que o despacho saneador proferido em 11.03.2011 é também ele ilegal por ser totalmente omisso quanto à “abertura da fase de instrução” e não proceder à “elaboração da base instrutória” ou sequer à selecção “dos factos que devem ser tidos como assentes”.

10. Existia, de facto, matéria controvertida nos autos – designadamente, artigos 13.º, 60.º, 63.º a 66.º, 70.º a 72.º, 76.º, 79.º, 82.º, 84.º e 103.º a 107.º da petição inicial –, que carecia de produção de prova para ser dada como provada ou, ao invés, como não provada.

11. No despacho recorrido, porém, não foi elaborada uma base instrutória, nem tão pouco fixada a matéria de facto que o Tribunal entendeu dever ser dada como assente para efeitos das alegações a apresentar nos termos do art.º 91.º, n.º 4 do CPTA.

12. Todas estas omissões redundam numa inadmissível restrição dos direitos processuais das partes, que se vêm privadas de sindicar, por via da reclamação prescrita no artigo 511.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 35.º, n.º 2, do CPTA, a selecção da matéria de facto constante da base instrutória, bem como da matéria dada como assente.

13. Além de enfermar de um erro de julgamento, já que existia, e existe, efectivamente, matéria controvertida.

14. O despacho saneador dos presentes autos, ao não ter procedido à elaboração da base instrutória e à selecção da matéria de facto dada como assente, padece de ilegalidade por atentar contra o disposto no artigo 87.º do CPTA e encontra-se, para além do mais, ferido de nulidade de acordo com o disposto nos artigos 201.º, n.º 1, 666.º, n.º 3, e 668.º, n.º 1, al. d), do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA.


ii. Do Acórdão de 28.12.2012, de fls. 292 e seguintes

A. Da nulidade do acórdão

15. O Tribunal a quo não ouviu as testemunhas arroladas pela Recorrente na sua petição inicial.

16. Sem que, no entanto, sobre a matéria tivesse escrito uma singela linha que fosse, para além do juízo plasmado no despacho de 11.03.2011 de que inexistiria matéria de facto controvertida.

17. O Tribunal a quo também não valorou a matéria factual invocada na petição inicial pela Recorrente com vista a fundamentar a sua legítima pretensão e que era, e é, essencial à boa decisão da causa e à justa composição do litígio.

18. Ao desconsiderar a factualidade alegada nos artigos 13.º, 60, 63.º a 66.º, 70.º a 72.º, 76.º, 79.º, 82.º, 84.º e 103.º a 107.º da petição inicial, que havia sido invocada pela Recorrente como integrando a causa de pedir da acção que intentou, e ao não emitir, sequer, qualquer pronúncia expressa em relação aos meios de prova que pela Recorrente foram apresentados (oportunidade ou necessidade de inquirição das testemunhas arroladas), o Tribunal a quo proferiu uma decisão ferida, inelutavelmente, de nulidade por força do que resulta da al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC (cfr. art.º 660.º, n.º 2 CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA

19. A omissão de pronúncia do Tribunal a quo quer em relação à matéria de facto vertida nos artigos 13.º, 60, 63.º a 66.º, 70.º a 72.º, 76.º, 79.º, 82.º, 84.º e 103.º a 107.º da petição inicial, quer no que respeita à inquirição das testemunhas arroladas pelo Recorrente, sempre consubstanciaria a preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, susceptível de influir na decisão da causa, o que acarreta a nulidade de todo o processado, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 201.º do CPC.

Sem prescindir,

B. Da matéria de facto incorrectamente julgada/ampliação da matéria de facto

20. O Tribunal a quo não chegou a realizar o julgamento de facto quanto aos concretos pontos da petição inicial acima elencados nas conclusões 18 e 19.

21. Donde que, inexistindo decisão sobre aqueles concretos itens da matéria de facto, e sendo impossível, por via disso, ao Tribunal ad quem efectuar a reapreciação da matéria de facto, se imponha a anulação, pelo menos nesse segmento, da decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo.

22. Tal nulidade origina a anulação de todos os actos subsequentes, impondo-se que seja realizado e proferido novo julgamento de facto em relação aos aludidos itens e, cumpridos os demais formalismos, prolatada nova decisão de mérito.

23. Ao Tribunal ad quem, enquanto tribunal de recurso (mormente quando está em questão a impugnação da decisão de facto, como acontece na presente situação), não cabe proceder ao julgamento de facto sem que em sede de primeira instância se tenha realizado tal julgamento, pois isso implicaria o inviabilizar da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, não se percebendo como poderia o Tribunal ad quem sindicar uma decisão de facto sem que esta exista verdadeiramente.

24. Pretendendo-se, com efeito, alcançar a decisão justa do litígio, o Tribunal ad quem não se pode bastar com a matéria de facto provada pela primeira instância, antes devendo, até por força do poder-dever resultante do art.º 712.º do CPC, anular o julgamento efectivado e mandar ampliar a matéria de facto, de molde a possibilitar ao Recorrente que possa demonstrar a factualidade que havia alegado em defesa da sua posição e que foi impugnada pelos Recorridos.

25. A circunstância de não terem sido levados à base instrutória factos que foram alegados e que sempre permitiriam à Recorrente demonstrar a veracidade dos seus argumentos e, desse modo, afastar a sua responsabilidade pelo alegado incumprimento dos termos de aceitação, determina, por conseguinte, a necessidade imperiosa de anulação do acórdão recorrido e a baixa dos autos para ampliação do julgamento quanto a alguns pontos fácticos, designadamente, deverão ser quesitados, mediante organização da competente base instrutória, com vista ao julgamento previsto nos termos do n.º 4 do art.º 712.º do CPC, os factos vertidos nos artigos 13.º, 60, 63.º a 66.º, 70.º a 72.º, 76.º, 79.º, 82.º, 84.º e 103.º a 107.º da petição inicial.

Sempre sem prescindir, e para o caso de assim não se entender, o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio

C. Dos erros de julgamento

C.1) Da falta de fundamentação do acto impugnado (págs. 14 a 15 do acórdão recorrido)

26. Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, do teor da decisão notificada pelo IAPMEI não resulta de forma clara quais as razões de facto e de direito que determinaram a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento de que a Recorrente era beneficiária.

27. A fundamentação de facto invocada não permite à Recorrente saber o porquê da sanção que lhe foi aplicada, sobretudo quando, em relação a si, a pretensa sobreposição ocorria, tão só, em 14 dias de um mesmo e único curso.

28. Não se percebe nem sabe, por outro lado, o que são os 2% de erro a que alude a fundamentação do acto, a que é que se reportam e o que têm por referência.

29. Tão pouco se percebe ou a sabe qual a percentagem de erro atingida pela Recorrente e, mais importante, em que medida é que a mesma afectou “de modo substantivo a justificação do subsídio recebido”.

30. Em parte alguma do acto impugnado ou da proposta/informação para as quais este remete é feita qualquer consideração sobre a não consecução de quaisquer objectivos, muito menos essenciais, do projecto da Recorrente, nem à forma sobre como e em que medida as “declarações inexactas” afectaram “de modo substantivo a justificação do subsídio recebido”.

31. Nada se diz, igualmente, em relação ao mencionado patamar de 2%, quanto ao ano, ao número e ao local de publicação da Decisão da União Europeia.

32. Nem, tão pouco, sobre o porquê da sua aplicação in casu, mesmo aceitando – que não se aceita – a tese, aventada pelo Tribunal a quo, da auto-vinculação da Administração.

33. Ao julgar improcedente o vício de falta de fundamentação do acto impugnado, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 269.º, n.º 3 da CRP e 124.º e 125.º do CPA.

C.2) Do erro quanto aos pressupostos de facto e de direito (págs. 15 a 19 do acórdão recorrido)

34. A Recorrente disponibilizou-se para, num primeiro momento, junto do organismo gestor, e, num segundo momento, em sede de processo judicial, comprovar a realidade dos factos que invocou e demonstrou em defesa da sua posição.

35. O IAPMEI, primeiro, e o Tribunal a quo, depois, optaram, por desconsiderar os elementos de prova juntos pela Recorrente e por ignorar qualquer outra diligência instrutória que sempre seria admissível e devidamente justificada para apuramento da verdade material.

36. O Tribunal recorrido limitou-se, deste modo, a proferir uma decisão de pura forma, ignorando a materialidade das coisas e aquilo que, verdadeira e efectivamente, se passou.

37. Fez, por isso, uma aplicação e interpretação da lei intolerável num Estado de Direito, ao pressupor e afirmar que um simples erro cometido pelo beneficiário de um apoio no preenchimento das folhas de sumários e de presenças, seja grande ou pequeno, grave ou menos grave, doloso ou negligente, afecta, inelutavelmente, “de modo substantivo a justificação do subsídio recebido” (mesmo que não traduza a realidade material do que efectivamente se passou).

38. As pretensas “desconformidades” apontadas ao curso “Organização Geral da Empresa de Confecção” não são susceptíveis de determinar, nos termos da legislação em vigor, a inelegibilidade do mesmo, nem de afectar, “de modo substantivo”, a justificação do subsídio a receber e, muito menos, a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento.

39. Os objectivos da candidatura que motivaram a atribuição do subsídio à Recorrente mantiveram-se integralmente e não foram afectados de forma substantiva.

40. O pressuposto de que arranca o Tribunal a quo no seu juízo – “se as folhas de sumários e presenças apresentam erros, está substancialmente afectada a justificação do subsídio” – não pode aceitar-se num Estado de Direito, sendo contrário aos princípios da justiça, da proporcionalidade, da boa fé e da verdade material.

41. Além de atentar contra lei expressa e toda a teoria da falta e vícios da vontade, com assento nos artigos 240.º e seguintes do Código Civil.

42. O Tribunal a quo errou no julgamento que empreendeu a propósito do erro quanto aos pressupostos de facto, violando os artigos 3.º, 5.º, 6.º, 6.º-A, 7.º e 10.º do CPA, os artigos 247.º, 249.º e 250.º do Código Civil, o artigo 18.º do Decreto Regulamentar n.º 12-A/2000, de 15/9, os artigos 8.º, n.º 1 e 19.º, n.º 1 do Regulamento Específico dos Apoios à Qualificação dos Recursos Humanos, aprovado pela Portaria n.º 1285/2003, 17/11, alterada pela Portaria n.º 1318/2005, de 26/12, os artigos 18.º e 23.º, al. n) da Portaria n.º 799-B/2000, de 20/9, os artigos 2.º e 7.º do CPTA e os artigos 18.º, 20.º e 268, n.º 4, da CRP, existindo, efectivamente, ao contrário do decidido, divergência entre os factos reais e os factos representados como motivos do acto administrativo.

Acresce, por outro lado, que

43. Contrariamente ao preconizado pelo Tribunal a quo, a norma em que o Gestor do PRIME fez assentar a prática do acto objecto de impugnação não resulta preenchida no caso em apreço, circunstância que inquina o acto de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, determinando e impondo a respectiva anulação.

44. Na alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20/9, aquilo que está em causa é o “processo formativo”, isto é, a atribuição de um subsídio que, afinal, não deveria ter sido atribuído, por o processo de candidatura referente à formação a ministrar (aquele que foi inicialmente apresentado e que foi determinante para a decisão de atribuição do subsídio) apresentar inexactidões, incompletudes ou desconformidades com a realidade ou com a motivação do promotor.

45. Desta sorte, uma “declaração inexacta sobre o processo formativo que possa afectar, de modo substantivo, a justificação do subsídio”, não pode ser uma declaração inexacta sobre os dias e horas em que a formação terá ocorrido – tais elementos fazem parte do processo técnico cuja obrigatoriedade resulta do artigo 18.º daquela Portaria (e não é a isso que o artigo 23.º se refere).

46. Por outro lado, o IAPMEI não ponderou nem invocou de que forma as declarações inexactas ou desconformes afectaram (e muito menos de modo substantivo) a justificação do subsídio atribuído à Recorrente, como também não o fez o Tribunal a quo.

47. Para pôr em causa um financiamento ao abrigo da al. n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20/9, seria necessário que, em face da irregularidades detectadas, esse financiamento fosse de tal forma atingido ou prejudicado na sua essência que a justificação que lhe deu causa – i.e. os motivos que determinaram a sua aprovação – deixassem de existir.

48. Não foi, todavia isso – nada disso – aquilo que sucedeu no caso concreto.

49. Ao julgar improcedente o erro quanto aos pressupostos de direito o Tribunal a quo violou, entre outros, o artigo 18.º e a alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro.

C.3) Da violação do princípio da proporcionalidade (págs. 19 a 20 do douto acórdão recorrido) e dos princípios da justiça, da prossecução do interesse público, da boa fé e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (págs. 20 e 21 do douto acórdão recorrido)


50. O acto impugnado é, para além do mais, e por muito que a douta decisão recorrida sustente o contrário, flagrantemente violador do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 5.º do CPA, e dos princípios da justiça, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa fé e da colaboração da Administração com os particulares

51. O Tribunal a quo errou na interpretação que fez dos artigos 21.º e 23.º da Portaria n.º 799-B/2000.

52. É a própria lei que prevê mecanismos menos gravosos de tutela para as situações como aquela que aqui está em apreço, nomeadamente a redução do financiamento a atribuir, designadamente nos termos do artigo 21.º da Portaria n.º 799-B/2000.

53. Ao julgar improcedentes estes concretos argumentos esgrimidos pela Recorrente, o Tribunal a quo atentou contra os artigos 266.º, n.º 2, da CRP, 4.º, 5.º, 6.º, 6.º-A e 7.º do CPA e 21.º e 23.º da Portaria n.º 799-B/2000, legitimando a conduta do IAPMEI ao lançar, no final do projecto, uma verdadeira bomba atómica, com efeitos devastadores sobre a Recorrente.

C.4) Do vício de violação de lei por inaplicabilidade de comando legal (pág. 20 do acórdão recorrido)

54. A “Decisão da Comissão das Comunidades Europeias COM (2006) 3424, de 1.08.2006” só é aplicável aos Estados-Membros e não aos particulares e/ou agentes económicos.

55. É, por conseguinte, ilegal a pretensão dos Recorridos de aplicarem à Recorrente o conteúdo de uma decisão que tem o Estado Português por destinatário.

56. Não existe lei nem regulamento, interno ou comunitário, que preveja o limite de 2% de erro, sendo proibida a aplicação analógica de uma “Decisão” que constitui direito excepcional, por força do regime instituído pelo artigo 11.º do Código Civil.

57. A Administração nunca deu a conhecer a ninguém, designadamente à aqui Recorrente, que só teve conhecimento da mesma quando foi confrontada com a intenção de se proceder à rescisão do contrato de financiamento, da sua propalada “auto-vinculação”.

58. A referida “auto-vinculação” também não dispensa a Administração, sobretudo na densificação de um conceito indeterminado, do imprescindível dever de fundamentação, de externalização, para efeitos de controlo, do seu processo de “auto-vinculação”, não bastando a simples, automática e cega transposição de um comando comunitário cujos destinatários são os Estados Membros da União Europeia e não os cidadãos e/ou os agentes económicos.

59. Não pode, nem deve aceitar-se, salvo o devido respeito, que a Administração, apenas porque lhe dá jeito e/ou facilita o preenchimento de um conceito indeterminado, se socorra de um critério que o legislador não quis aplicar aos particulares para, com base no mesmo, fundamentar uma decisão de rescisão que tem para esses mesmos particulares pesadas consequências.
60. Ao decidir em sentido contrário o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 266.º da CRP, 3.º do CPA e 23,º, n.º 1, alínea n), da Portaria n.º 799-B/2000, de 20/9.


Termos em que, e nos mais de Direito que suprirão, deverá o presente recurso ser julgada procedente, como é de elementar


JUSTIÇA!


O IAPMEI juntou contra-alegações, concluindo:
a) O tribunal a quo exerceu o seu poder de direção do processo nos termos do art. 265º do CPC.
b) O processo pedagógico deve incluir toda a documentação legalmente prevista, nomeadamente relatórios ou outras formas de realização do acompanhamento e avaliação do projeto por parte da entidade titular do pedido de pagamento.
c) Os elementos fornecidos são nos termos legais declarações que procedem de sistemas baseados em documentos de prova passíveis de verificação e submetidos a ações de controlo.
d) O controlo efetuado permitiu constatar a existência de irregularidades.
e) Essas irregularidades/incumprimentos constituem como se demonstrou fundamentos para a revogação da decisão de aprovação de pedido de financiamento, nos termos da alínea n) do nº 1 do art. 23º da Portaria nº 799-B/2000.
f) A correção dessas irregularidades através da ficha de ocorrências, não reúne condições para ser considerada, uma vez que o que atesta a realização efetiva da formação naquela data e horário são as folhas de presença e sumários que fazem parte integrante do processo pedagógico.
g) As declarações inexatas e desconformes sobre o processo formativo afetam de modo substantivo a justificação do incentivo a receber e impossibilitam a validação da conformidade física e técnica do projeto.
h) A substancialidade, que no caso concreto ascende a 8,95 % do total da formação, da afetação do projeto por efeito das irregularidades verificadas deriva da impossibilidade destes atos validarem a conformidade física e técnica do projeto.
i) A revogação da decisão de homologação do incentivo atribuído com a consequente obrigatoriedade da restituição do incentivo recebido foi efetuada nos termos legais.
Nestes termos e no demais de direito aplicável não deverá ser dado provimento ao recurso confirmando-se o douto Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 28 de Dezembro de 2012.
O MP não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO


Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

A) Em 27.12.2005, a Autora apresentou uma candidatura no âmbito do projecto PRIME (eixo 2., medida 4., acção 4.1 – Formação Associada a Estratégias de Investimento das Empresas e da Envolvente Comercial), tendo o processo recebido o n.º 00/21117 (acordo);

B) A candidatura referida em A) foi aprovada (cfr. fls. 276 do Processo Administrativo apenso aos autos doravante designado por PA);

C) Na alínea c) do ponto 2 do Termo de Aceitação, relativo à candidatura n.º 00/21117, assinado pela Autora, consta o seguinte:
“Que se tomou conhecimento, e se aceita, que a decisão de concessão dos apoios à formação poderá vir a ser objecto de revogação, a qual poderá ocorrer quer fundamentada em causas específicas do projecto autónomo, quer devido a causas inerentes ao projecto integrado, a que a formação está associada e que, havendo lugar à revogação, tal facto implicará a restituição de todas as quantias já recebidas, a efectuar nos termos legalmente previstos;”
(cfr. fls. 261 e 262 do PA);

D) Nas folhas de sumários e presenças da Autora, relativas ao curso “Organização Geral da Empresa de Confecção”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 6, 13, 20 e 27 de Novembro de 2007, entre as 19h00 e as 21h00 (cfr. fls. 120, 122, 124 e 126 dos autos);

E) Nas folhas de sumários e presenças de uma empresa com o logótipo “A”, relativas ao curso “Técnicas de Qualidade em Tinturaria”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 6, 13, 20 e 27 de Novembro de 2007, entre as 19h00 e as 23h00 (cfr. fls. 119, 121, 123 e 125 dos autos);

F) Nas folhas de sumários e presenças da Autora, relativas ao curso “Organização Geral da Empresa de Confecção”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 6, 11, 13, 18, 20 e 27 de Dezembro de 2007, entre as 19h00 e as 21h00 (cfr. fls. 128, 130, 132, 134, 136 e 138 dos autos);

G) Nas folhas de sumários e presenças da P., relativas ao curso “Compras e Aprovisionamentos e Gestão de Stocks”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 6, 11, 13, 18, 20 e 27 de Dezembro de 2007, entre as 18h00 e as 20h00 (cfr. fls. 127, 129, 131, 133, 135 e 137 dos autos);

H) Nas folhas de sumários e presenças da Autora, relativas ao curso “Organização Geral da Empresa de Confecção”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 8, 15, 22 e 29 de Novembro de 2007, entre as 19h00 e as 21h00 (cfr. fls. 141, 144, 146 e 149 dos autos);

I) Nas folhas de sumários e presenças da P., relativas ao curso “Compras e Aprovisionamentos e Gestão de Stocks”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 8, 15, 22 e 29 de Novembro de 2007, entre as 18h00 e as 20h00 (cfr. fls. 139, 142, 147 e 150 dos autos);

J) Nas folhas de sumários e presenças de uma empresa com o logótipo “A”, relativas ao curso “Técnicas de Qualidade em Tinturaria”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 8, 15, 22 e 29 de Novembro de 2007, entre as 19h00 e as 23h00 (cfr. fls. 140, 143, 145 e 148 dos autos);

K) No âmbito da avaliação do pedido de pagamento de saldo final, a Task Force Encerramento QCAIII elaborou um relatório que veio a merecer a concordância do Vogal do Conselho Directivo do Réu IAPMEI, onde, além do mais, consta que:
“(…)
RESUMO EXECUTIVO: Face à verificação de declarações inexactas e desconformes sobre o processo formativo, uma vez que está em causa o princípio da fiabilidade de toda a informação prestada, propõe-se a rescisão da concessão de financiamento, com a consequente descativação do incentivo atribuído.
(…)”
(cfr. fls. 529 a 531 do PA);

L) Por carta registada com aviso de recepção, de 22.10.2008, o IAPMEI notificou a Autora do seguinte:
«PRIME - Medida 4.1 Qualificação de Recursos Humanos
Artº 100º do Código do Procedimento Administrativo
Candidatura nº 00/21117 – R., Lda.
Serve a presente para informar V. Exas. que é intenção da Comissão de Gestão de Incentivos deste Instituto proceder à revogação da decisão de aprovação do financiamento acima referido com os seguintes fundamentos:
“Factos Relevantes
Em sede de análise do PPS após cruzamento das folhas de sumários e presenças dos vários cursos do plano de formação do projecto referido em epígrafe, verificamos a existência de sobreposições:
a. Ao nível de formadores entre projectos da CENATEX e CENATEXII:
- Nos dias 6, 13, 20 e 27 de Novembro de 2007 a formadora C. ministrou o curso 5 “Técnicas de Qualidade em Tinturaria” (acção 1) das 19h00 às 23h00 na empresa T., SA e o curso 3 “Organização Geral da Empresa de Confecção” (acção 1) das 19h00 às 21h00 na R., LDA;
- Nos dias 8, 15, 22 e 29 de Novembro de 2007 a formadora C. ministrou o curso 5 “Técnicas de Qualidade em Tinturaria” (acção 1) das 19h00 às 23h00 na empresa T., SA e o curso 4 “Compras e Aprovisionamento e Gestão de Stocks” (acção 1) das 18h00 às 20h00 na P. e o curso 3 “Organização Geral da Empresa de Confecção” (acção 1) das 19h00 às 21h00 na R., LDA;
- Nos dias 6, 11, 13, 18, 20 e 27 de Dezembro de 2007 a formadora C. ministrou o curso “Compras e Aprovisionamento e Gestão de Stocks” (acção 1) das 18h00 às 20h00 na empresa P. e o curso 3 “Organização Geral da Empresa e Confecção” (acção 1) das 19h00 às 21h00 na R., LDA.

Conclusão
Face ao exposto e tendo em consideração que, pela sua natureza, as acções de formação são intangíveis, as evidências físicas consubstanciam-se, em última instância, nos casos de projectos já concluídos, nas folhas de presença e sumários. Assim, estes elementos têm de transmitir informação fiável e fidedigna, salientando-se que os mesmos são assinados quer pelos formandos quer pelos formadores.
Tendo-se verificado, neste projecto, a sobreposição de formandos e um formador, como já foi referido, e independentemente da expressão que tal situação assume no âmbito do incentivo a atribuir, está em causa o princípio da fiabilidade de toda a informação prestada, dada a intangibilidade do investimento e, tal como anteriormente já referido, dada a impossibilidade de verificação in loco da veracidade da informação.
Face ao exposto, considerando que o promotor prestou declarações inexactas e desconformes sobre o processo formativo, propõe-se a rescisão da concessão de financiamento, de acordo com o previsto na alínea n) do nº 1 do art. 23º da Portaria 799-B/2000 de 20 de Setembro, com a consequente descativação do incentivo atribuído no valor de 40.665,64€ e restituição de verbas já auferidas no montante de 23.913,18€.
Assim, e antes de ser tomada a decisão final e nos termos e para os efeitos dos artigos 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo, poderá essa empresa pronunciar-se sobre supra expostos, no prazo de 10 dias contados da recepção da presente carta.
(…)»
(cfr. fls. 475 a 477 do PA);

M) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 31.10.2008, a Autora pronunciou-se sobre a intenção de revogação da decisão de aprovação do financiamento, referida em L), opondo-se à mesma e apresentou prova testemunhal e documental, designadamente Ficha de Ocorrências do curso “Organização Geral da Empresa de Confecção” - 1ª Acção - 30 Horas e o Cronograma Específico – 2ª Versão do curso “Organização Geral da Empresa de Confecção” - 1ª Acção - 30 Horas:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 470 a 474 do PA);

N) Por carta registada com aviso de recepção, de 27.07.2009, o Réu IAPMEI notificou a Autora da decisão final, constando da mesma o seguinte:
“Relativamente à candidatura apresentada por V. Exas., em conformidade com os artigos 66º e 106º do CPA, procede-se à notificação final que recaiu sob o projecto referenciado em epígrafe, nos termos do despacho de homologação do Senhor Gestor do PRIME de 18/06/2009, ao abrigo da sub-delegação de competências, o qual foi exarado na Informação n.º 101/GPF/UFET/2009 do GPF, que se junta.
Nos termos daquela decisão conclui-se pela anulação do financiamento para o projecto referido em epígrafe no montante de 40.665,64 € tendo sido apurado que essa entidade, titular do pedido de financiamento em causa, tem de proceder à restituição do montante de 23.913,18 €.
Informamos que, em cumprimento do que determina o artigo 152º do CPA conjugado com o artigo 35º do Decreto Regulamentar n.º 12-A/2000, de 15 de Setembro, que, no que respeita à restituição do referido montante, o acto vai ser executado pelo IGFSE – Instituto de Gestão para o Fundo Social Europeu.”
(cfr. fls. 524 e 525 do PA);

O) Na Informação n.º 101/GPF/UFET/2009 consta, além do mais o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 31 a 42 dos autos);

P) Em 17.08.2009, a Autora deduziu reclamação do acto impugnado para o Gestor do Programa de Incentivos à Modernização da Economia (PRIME), actual Gestor do COMPETE Sr. Dr. Ângelo Nélson Rosário de Souza (cfr. fls. 43 a 62 dos autos);

Q) Em 04.09.2009, a Autora interpôs recurso hierárquico do acto impugnado para o Ministro da Economia e da Inovação (cfr. fls. 64 a 83 dos autos).
*

Inexiste qualquer factualidade que, revestindo interesse para a solução da causa, tenha resultado como não provada.
O Tribunal consignou ainda que alicerçou a sua convicção quanto aos factos provados na posição das partes assumida nos respectivos articulados, na análise dos documentos juntos aos autos e na análise do Processo Administrativo apenso aos mesmos, conforme referido a propósito em cada uma das alíneas do probatório.
DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador do acórdão:
Por via da presente acção, pretende a Autora a anulação da decisão que procedeu à anulação do financiamento para o projecto n.º 00/21117, no valor de € 40.665,64 e que ordenou à restituição do montante de € 23.913,18, com fundamento em vício de forma, em vício de violação de lei e em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Os Réus, por seu lado, entendem que a decisão impugnada não padece de qualquer dos vícios que lhe são assacados.

Vício de forma por ausência de fundamentação

Entende a Autora que o acto impugnado padece de vício de forma, por falta de fundamentação de facto e por ser obscura a fundamentação de direito.
Refere que não resulta, de forma clara e completa, o porquê de ser aplicada a sanção de anulação de parte do projecto que efectivamente foi realizado e, muito menos, a anulação de todo o projecto. Mais refere que a indicação de 2% de erro não foi explicada, no sentido de ser dado a conhecer à Autora o iter valorativo e cognoscitivo seguido.
Por seu lado, alega o Réu IAPMEI que a Autora foi notificada da decisão do Gestor PRIME por concordância com os fundamentos constantes na Informação n.º 101/GPF/UFET/2009 que foi junta e faz parte integrante do acto impugnado, permitindo à Autora ficar a conhecer os fundamentos de facto e de direito de tal acto.
Vejamos.
O artigo 124º do CPA, na esteira do n.º 3, do artigo 268º da CRP, consagra um dever geral de fundamentação dos actos administrativos, dever este concretizado pelo artigo 125º do CPA.
Estabelece o artigo 125º do CPA, sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação”, nos seus n.ºs 1 e 2, que:
“1. A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”
A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o particular e permitir-lhe o controlo do acto. Ou seja, o particular deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão.
Pois, só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; e, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.
Assim, a fundamentação deve permitir ao destinatário do acto perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo que conduziu à prática do mesmo.
No caso dos autos, conforme resulta da alínea O) do probatório, constam todos os factos relevantes para a decisão da Administração – sobreposição ao nível de um formador que ministrava, simultaneamente, formação na Autora e em outras empresa –. Tal fundamentação de facto permite à destinatária do acto conhecer os motivos, os fundamentos de facto que estiveram na base da prática do acto, permitindo assim o conhecimento dos motivos de facto que levaram à tomada de decisão com o específico conteúdo. Assim como, consta a fundamentação de direito – o n.º 4, do artigo 18º e a alínea n), do n.º 1, do artigo 23º, ambos da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro –, que permitia à Autora compreender o motivo que subjazia à decisão impugnada.
Quanto à indicação de não ser admissível um erro acima dos 2%, conforme consta da alínea O) do probatório, foi o mesmo justificado pela decisão comunitária acerca das orientações relativas ao encerramento das intervenções dos fundos estruturais.
E, a informação constante da alínea O) do probatório foi remetida à Autora com a notificação da decisão final do IAPMEI à Autora, constante da alínea N) do probatório.
Pelo que, improcede a arguição do vício em apreço.

Vício de violação de lei por violação do regime da Portaria n.º 799-/2000, de 20.09 e por erro sobre os pressupostos de facto e de direito

Alega a Autora que a decisão impugnada viola o disposto nos artigos 18º e 23º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro.
Alega ainda a Autora que o acto impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por falta de pressuposto concreto de aplicação da sanção e errada apreciação da verdade substantiva pela entidade administrativa
Defende o Réu IAPMEI que a Autora faz uma interpretação da legislação que não encontra coincidência com o texto da lei e com o sentido que esta lhe pretende dar.
Apreciando.
Nas folhas de sumários e presenças da Autora, relativas ao curso “Organização Geral da Empresa de Confecção”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 6, 13, 20 e 27 de Novembro de 2007, entre as 19h00 e as 21h00 [cfr. alínea D) do probatório].
Nas folhas de sumários e presenças de uma empresa com o logótipo “A”, relativas ao curso “Técnicas de Qualidade em Tinturaria”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 6, 13, 20 e 27 de Novembro de 2007, entre as 19h00 e as 23h00 [cfr. alínea E) do probatório].
Nas folhas de sumários e presenças da Autora, relativas ao curso “Organização Geral da Empresa de Confecção”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 6, 11, 13, 18, 20 e 27 de Dezembro de 2007, entre as 19h00 e as 21h00 [cfr. alínea F) do probatório].
Nas folhas de sumários e presenças da P., relativas ao curso “Compras e Aprovisionamentos e Gestão de Stocks”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 6, 11, 13, 18, 20 e 27 de Dezembro de 2007, entre as 18h00 e as 20h00 [cfr. alínea G) do probatório].
Nas folhas de sumários e presenças da Autora, relativas ao curso “Organização Geral da Empresa de Confecção”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 8, 15, 22 e 29 de Novembro de 2007, entre as 19h00 e as 21h00 [cfr. alínea H) do probatório].
Nas folhas de sumários e presenças da P., relativas ao curso “Compras e Aprovisionamentos e Gestão de Stocks”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 8, 15, 22 e 29 de Novembro de 2007, entre as 18h00 e as 20h00 [cfr. alínea I) do probatório].
Nas folhas de sumários e presenças de uma empresa com o logótipo “A”, relativas ao curso “Técnicas de Qualidade em Tinturaria”, consta que tal curso teve como formadora a Eng.ª C., nos dias 8, 15, 22 e 29 de Novembro de 2007, entre as 19h00 e as 23h00 [cfr. alínea J) do probatório].
Constata-se assim existir sobreposição, ao nível do formador, encontrando-se o mesmo a ministrar diferentes cursos, em locais distintos, no mesmo dia e hora.
Em sede de pronúncia sobre a intenção de revogação da decisão de aprovação do financiamento, a Autora referiu que teve necessidade de alterar as datas previstas no cronograma inicial para a realização da formação e que, em face disso, optou por utilizar as folhas de sumários e presenças com as datas antigas, justificando tais alterações em Ficha de Ocorrências que juntou com o Cronograma Específico – 2ª Versão [cfr. alínea M) do probatório].
No entanto, dispõe o artigo 18º da Portaria n.º 799/2000, de 20 de Setembro:

“18.º
Processo técnico/pedagógico
1 - As entidades titulares dos pedidos de financiamento, bem como as entidades associadas no caso de pedidos de financiamento relativos a plano integrado de formação, ficam obrigadas a organizar um processo técnico do projecto, de onde constem os documentos comprovativos da execução das suas diferentes fases, que, no caso das acções de formação, corresponderá ao seu processo pedagógico.
2 - O processo técnico/pedagógico, referido no número anterior, será estruturado segundo as características próprias do projecto, devendo incluir, com as necessárias adaptações, a documentação adiante discriminada:
a) Programa resumido da acção e respectivo cronograma;
b) Manuais e textos de apoio, bem como a indicação de outros recursos didácticos a que a formação recorra, nomeadamente os meios áudio-visuais utilizados;
c) Indicação dos formadores que intervêm na acção, contrato de prestação de serviços, se for externo, certificado de aptidão profissional e outra documentação legalmente exigida;
d) Ficha de inscrição dos formandos, notas da respectiva selecção e contratos de formação firmados entre a entidade titular do pedido e os formandos não vinculados, os quais, nos termos da legislação aplicável, deverão conter, nomeadamente, a descrição da acção que o formando irá frequentar, a indicação do local e horário em que se realiza a formação, o montante do subsídio de formação a atribuir e a obrigatoriedade de realização de seguros de acidentes pessoais;
e) Sumários das sessões formativas e relatórios de acompanhamento de estágios, visitas e outras actividades formativas devidamente validados pelos formadores;
f) Fichas de registo ou folhas de presença de formandos e formadores;
g) Provas, testes e relatórios de trabalhos e estágios realizados, assim como pautas ou notícias de aproveitamento ou classificação dos formandos;
h) Avaliação do desempenho dos formadores;
i) Caracterização dos mecanismos de acompanhamento da empregabilidade dos formandos não vinculados;
j) Relatórios, actas de reuniões ou outras notícias da realização de acompanhamento e avaliação do processo formativo, metodologias e instrumentos utilizados;
k) Originais de toda a publicidade e informação produzida para a divulgação da acção.
3 - O disposto no número anterior considera-se sob a responsabilidade e o controlo do Ministério da tutela quando a formação confira equivalência académica e seja ministrada por estabelecimento público ou privado de ensino legalmente reconhecido.
4 - O processo técnico/pedagógico referido no n.º 2 deve estar sempre actualizado e disponível no local onde normalmente decorre a acção.
5 - As entidades titulares de pedidos de financiamento ficam obrigadas a, sempre que solicitado, entregar ao gestor cópias de elementos do processo técnico/pedagógico referidos no n.º 2, sem prejuízo da confidencialidade exigível.
6 - A entidade formadora fica obrigada a fornecer o processo pedagógico no final da acção à entidade que a contratou.
7 - O disposto neste número não é aplicável à formação de iniciativa individual e às participações na formação.”.

Assim, nos termos do normativo transcrito, a Autora tinha obrigação de possuir um processo técnico do projecto actualizado, com a informação sobre a formação ministrada, conteúdos pedagógicos, horários e presenças.
Contudo, não obstante as razões mencionadas pela Autora, esta entregou ao IAPMEI elementos referentes à formação que não correspondiam à verdade, uma vez que as folhas de sumários e presenças entregues constituem declarações inexactas e desconformes com o processo formativo, afectando de modo substantivo a justificação do subsídio recebido.
Por outro lado, a Autora tinha obrigação de entregar ao IAPMEI documentos correctos, devendo actualizá-los logo que ocorresse qualquer alteração.
De facto, o erro verificado nas folhas de sumários e presenças, relativo à sobreposição de formador perturba substantivamente a justificação do subsídio recebido. Pois, estas folhas atestam que em determinada data ocorreu determinado curso, ministrado por um determinado formador a um dado número de formandos. Ora, o subsídio pressupõe que determinado curso seja ministrado por um formador a um determinado número de formandos e com um determinado conteúdo, sendo os elementos referentes a estes dados essenciais para a atribuição do subsídio. Assim, se as folhas de sumários e presenças apresentam erros, está substancialmente afectada a justificação do subsídio.
Neste sentido, nos termos do disposto na alínea n), do n.º 1, do artigo 23º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, está correcta a revogação da decisão do pedido de financiamento.
Pois, estabelece este normativo que:
“23.º
Revogação da decisão
1 - Os fundamentos para a revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento são os seguintes:
(…)
n) Declarações inexactas, incompletas e desconformes sobre o processo formativo que afectem de modo substantivo a justificação do subsídio recebido e a receber;
(…)”.
Assim, improcede a alegação do vício em apreço.

Vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade

Sustenta a Autora que o princípio da proporcionalidade sempre impediria que fossem postos em causa todos os cursos e, consequentemente, todo o projecto.
Ora, importa referir que a revogação do financiamento nos termos previstos na alínea n), do n.º 1, do artigo 23º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, não depende do facto de ter sido ministrada alguma formação ou a maior parte dela. Depende, sim, do facto dos elementos fornecidos serem de tal modo inexactos que deixam de ser credíveis, não sendo possível a partir deles comprovar que a formação foi dada nos termos acordados e financiados.
Não está também em questão o número de erros cometidos, mas a importância dos mesmos face à necessária justificação da formação efectivamente realizada.
Por outro lado, a indicação da percentagem de erro de 2%, não colide com a norma da alínea n), do n.º 1, do artigo 23º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, nem a contraria.
A Administração, seguindo as indicações comunitárias, auto-vinculou-se e considerou a percentagem de 2% como aquela a partir da qual consideraria existir um erro subsumível à referida alínea n), do n.º 1, do artigo 23º.
A Administração entendeu, assim, ser inadmissível um erro superior a 2%, à semelhança da decisão comunitária sobre as orientações referentes ao encerramento das intervenções dos fundos estruturais.
A fixação da percentagem de 2% não viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que era do conhecimento prévio do promotor a obrigação de fornecer elementos verdadeiros e de os manter actualizados.
Pelo que, improcede a alegação do vício em apreço.

Vício de violação de lei por inaplicabilidade de comando (legal)

Refere a Autora que a decisão impugnada menciona a percentagem de 2% como sendo a do erro máximo admissível, não obstante tal percentagem não ser aplicável, uma vez que não existe lei que a preveja.
Como acima se referiu, a Administração, seguindo as indicações comunitárias, auto-vinculou-se e considerou a percentagem de 2% como aquela a partir da qual consideraria existir um erro subsumível à referida alínea n), do n.º 1, do artigo 23º.
Neste sentido, a Administração limitou-se a exercer os seus poderes de preenchimento do conceito indeterminado plasmado na alínea n), do n.º 1, do artigo 23º da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de Setembro, entendendo não ser admissível um erro acima dos 2%, à semelhança da decisão comunitária sobre as orientações relativas ao encerramento das intervenções dos fundos estruturais.
Improcede assim a alegação do vício em apreço.

Vício de violação de lei por violação o princípio da justiça e o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos

A Autora sem concretizar os fundamentos da alegação, sustentou a violação dos princípios em apreciação.
Não obstante, sempre se dirá que, verificado o incumprimento do contrato por parte da Autora, nos termos acima referidos, designadamente na apreciação do vício de violação de lei por violação do regime da Portaria n.º 799-/2000, de 20.09 e por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o acto impugnado constitui a prática de um poder/dever do exercício de poder vinculado. Pois, a Administração, verificando o incumprimento do contrato, tem o dever de actuar, rescindindo o contrato e exigindo a restituição das quantias já concedidas.
Desta forma, não ocorreu a violação dos princípios genericamente invocados.
Improcedem assim os vícios assacados ao acto impugnado.
X
Do despacho interlocutório de 11/03/2011 que considerou desnecessário proceder a diligências de prova, por não existir matéria de facto controvertida que importe à decisão da causa, atenta a sua espécie e objeto, as concretas causas de invalidade invocadas e a respetiva argumentação aduzida pelas partes – artigos 87º nº 1 alínea c) e 90º nº 1 do CPTA –
Na óptica da Recorrente alegou na petição inicial, diversos factos que integravam a causa de pedir da acção que intentou e que eram, e são, decisivos para a boa decisão da causa, designadamente os constantes dos artigos 13.º, 60, 63.º a 66.º, 70.º a 72.º, 76.º, 79.º, 82.º, 84.º e 103.º a 107.º;
-a referida matéria, que assumia, e assume, carácter controvertido, visava, essencialmente, demonstrar, por um lado, o cumprimento pela Recorrente dos objectivos essenciais que haviam presidido à aprovação do projecto de formação co-financiado e, por outro lado, a existência de um erro nos pressupostos de facto e de direito do acto impugnado;
-o Tribunal a quo, todavia, indeferiu, tacitamente, a produção de prova requerida pela Recorrente logo na petição inicial, impedindo-a, concomitantemente, de apresentar outros meios de prova, ao considerar, no despacho recorrido de 11.03.2011, inexistir “matéria de facto controvertida” e ao ordenar a notificação oportuna das partes para, querendo, apresentarem alegações no prazo de 20 dias;
-a inquirição das testemunhas que a Recorrente indicou, bem como de outras que arrolaria após a definição da base instrutória, era fundamental à boa decisão da presente lide;
-ao ser negada à Recorrente a possibilidade de demonstrar que a formação foi efectivamente ministrada nos dias e horas que, em sede de audiência prévia, indicou e que, por conseguinte, não existia qualquer sobreposição, foi feita uma interpretação e aplicação da lei assente num formalismo que atenta contra as garantias de defesa da Recorrente e os seus direitos fundamentais;
-o Tribunal, ao decidir como decidiu, violou os artigos 2.º e 7.º do CPTA e os demais preceitos que constituem corolários destes princípios da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça, bem como os princípios constitucionais da proibição da denegação de justiça e da proporcionalidade ínsitos, respectivamente, nos artigos 20.º, 268, n.º 4 e 18.º, todos da CRP;
-o despacho recorrido, ao indeferir, ainda que tacitamente, a produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente é, ainda, ilegal por violação do disposto no artigo 90.º, n.º 2, do CPTA e nos artigos 513.º, 515.º e 516.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA;
-acresce que o despacho saneador proferido em 11.03.2011 é também ele ilegal por ser totalmente omisso quanto à “abertura da fase de instrução” e não proceder à “elaboração da base instrutória” ou sequer à selecção “dos factos que devem ser tidos como assentes”;
-existia, de facto, matéria controvertida nos autos - designadamente, artigos 13.º, 60.º, 63.º a 66.º, 70.º a 72.º, 76.º, 79.º, 82.º, 84.º e 103.º a 107.º da petição inicial -, que carecia de produção de prova para ser dada como provada ou, ao invés, como não provada;
-no despacho recorrido, porém, não foi elaborada uma base instrutória, nem tão pouco fixada a matéria de facto que o Tribunal entendeu dever ser dada como assente para efeitos das alegações a apresentar nos termos do art.º 91.º, n.º 4 do CPTA;
-todas estas omissões redundam numa inadmissível restrição dos direitos processuais das partes, que se vêm privadas de sindicar, por via da reclamação prescrita no artigo 511.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 35.º, n.º 2, do CPTA, a selecção da matéria de facto constante da base instrutória, bem como da matéria dada como assente, além de enfermar de um erro de julgamento, já que existia, e existe, efectivamente, matéria controvertida.
Não secundamos este entendimento.
Com efeito, o Tribunal a quo, decidiu assim, porque alicerçou, a sua convicção quanto aos factos provados na posição das partes, assumidas nos respetivos articulados, na análise dos documentos junto aos autos e na análise do Processo Administrativo apenso aos mesmos, tendo concluído que “inexiste factualidade que, revestindo interesse para a solução da causa, tenha resultado como não provada”.
E ao agir assim, mais não fez do que utilizar a prerrogativa prevista no nº 2 do artigo 90º do CPTA.
Acresce, que a produção de prova requerida na petição inicial era a inquirição de testemunhas - os formandos.
Ora, para atentarmos na relevância dessa prova testemunhal, não podemos olvidar o facto dessas testemunhas (formandos) terem uma relação de dependência hierárquica com a Recorrente - aspeto que, nos termos do artigo 635º do CPC é tido em consideração.
Facilmente se constata a existência de “um temor referencial” entre as testemunhas e a Recorrente, de quem as primeiras dependem para manter o seu posto de trabalho e por conseguinte o seu meio de subsistência - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
E por ser assim, o Tribunal não pode deixar de ter presente o artigo 265º do CPC, que se prende com o dever que também impende sobre o Tribunal de providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório.
Em suma:
Atento o disposto no artº 90º/1 do CPTA a realização de uma fase de instrução (e os termos da mesma) é livremente decidida pelo juiz: “No caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade”.
Como resulta expressamente do preceito em apreço, a promoção de tais diligências constitui uma mera possibilidade (um poder/dever), não uma obrigatoriedade ou, em rigor, um poder legal de exercício judicialmente vinculado (neste sentido e dando nota, de modo claro, da faculdade que os tribunais dispõem de se poderem abster de abrir uma fase de instrução ou de realizar diligências suplementares necessárias para a descoberta da verdade material vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed. revista, Almedina, 2010, págs. 600/601).
Trata-se de uma faculdade probatória típica de um processo em que o princípio do inquisitório é prevalecente, constituindo, pois, uma das manifestações mais marcantes da maior responsabilização e confiança atribuídas ao juiz pelo CPTA (cfr. Rui Machete, “Poderes do Tribunal: O Juiz” in A Nova Justiça Administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006, págs. 129/130).
O mesmo artº 90º/2 do CPTA é elucidativo ao considerar que tal normativo autoriza o juiz a “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário”.
Pretende-se, deste modo, evitar, nas palavras de Mário Aroso, “que os requerimentos de prova possam ser utilizados como um expediente manifestamente dilatório, exigindo do juiz que avalie, em cada caso, da necessidade dos meios de prova a adoptar em função das especificidades próprias do objecto típico dos processos da acção administrativa especial, que, quando neles não sejam cumulados pedidos que corresponderiam à forma da acção administrativa comum, apenas visam a fiscalização da legalidade da emissão (ou omissão) de actos administrativos ou normas regulamentares, e, por isso, na maioria dos casos, são processos em que a demonstração dos factos relevantes para a sua apreciação se basta com a produção de prova documental” (em Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pág. 376).
Nesta mesma linha, Carlos Cadilha afirma, por reporte à fase instrutória:
“O juiz pode entender, no entanto, que não existem factos controvertidos necessitados de prova (mormente por considerar que a prova documental existente no processo é suficiente para fixar os factos materiais da causa), e remeter o processo directamente para alegações (visto que as partes delas não prescindiram), indeferindo os requerimentos de prova que eventualmente tenham sido deduzidos nos articulados (artigo 90.º, n.º 2)” (in Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, pág. 288).
Querer impor ao Tribunal a quo a selecção de meras realidades de índole conclusiva e querer, inclusivamente, impor a produção de outros meios de prova (para além da prova documental) que, na situação concreta, manifestamente não se justificam, porquanto o que está em causa é apenas aferir da validade de um acto administrativo, é solução juridicamente inadmissível que, desse modo, não pode proceder.
Dito de outro modo, o CPTA não estabelece a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes confere ao juiz o poder de avaliar/ajuizar da necessidade da sua produção.
A produção de prova testemunhal (ou outra) está dependente da constatação da sua “necessidade” para a decisão da causa segundo o juízo de aferição do julgador, pelo que, não constitui uma formalidade vinculadamente imposta por lei.
Está, pois, em causa o princípio do inquisitório na busca da verdade material. O julgador, na averiguação da verdade material, não está limitado aos meios de prova requeridos pelas partes. Isto significa que poderá ordenar diligências de prova que não lhe foram requeridas, desde que as considere necessárias, e também, que poderá recusar diligências probatórias que lhe foram apresentadas, desde que as repute dispensáveis.
Desatende-se este segmento recursivo.
Da nulidade do Acórdão -
Vejamos:
Da nulidade contida no artigo 615º/1/d) do CPC -
Nos termos do nº 1 do artigo 615º do CPC a sentença - ou, neste caso, o acórdão (artigo 668º do CPC 1961) - é nula, além do mais, quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (alínea d)).
As nulidades da sentença ou do acórdão são típicas e únicas, e o seu respectivo conhecimento exige arguição do interessado. Não se verificando o tipo arguido, pode ocorrer erro de julgamento, mas nunca vício da decisão que seja indutor da sua nulidade.
No caso posto o Tribunal enfrentou as questões que lhe foram colocadas.
Como muito bem refere M. Teixeira de Sousa, citado pela Recorrente nas suas alegações, trata-se do “corolário do principio da disponibilidade objetiva (artigos 264º, nº 1 e 664º, 2ª parte)”, que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou resposta fornecida a outras questões”.
Assim, não se entende a invocação da omissão de pronuncia e consequente nulidade da decisão, nos termos do artigo 668º, nº 1, al. d), actual artº 615º CPC.
Aliás a Jurisprudência tem-se pronunciado, de modo uniforme, no sentido de que as questões previstas na primeira parte da alínea d) do nº 1 do art 668º do CPC, a propósito da omissão de pronúncia, enquanto fundamento de nulidade da sentença, não abrangem os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, por o juiz ser livre na interpretação e aplicação do direito, reportando-se antes às pretensões formuladas ou a elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir (Ac. STJ, de 08/01/2004, Proc.03B4168, entre tantos outros.
As questões a que se referem os artigos 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d) ambos do CPC não são meros argumentos ou razões de facto ou de direito das partes, porque além do mais, o tribunal é livre na sua apreciação.
Da Falta de fundamentação do acto impugnado -
Como é sabido, a fundamentação do acto administrativo consubstancia simultaneamente um dever da Administração - que visa obrigá-la a ponderar antes de decidir, de modo a assegurar a legalidade administrativa - e um direito subjectivo do administrado a compreender a decisão, a fim de aderir ou reagir à mesma.
A fundamentação do acto administrativo deverá ser suficiente, clara, congruente e contextual.
A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias em que ele é praticado, cabendo ao tribunal, perante cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a utilização deste critério prático: indagar se um destinatário normal, perante o teor do acto e das suas circunstâncias, fica em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido e não noutro, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.
No caso concreto o acórdão recorrido conclui que “a informação constante na alínea O) do probatório foi remetida à Recorrente com a decisão final, constante na alínea N) do probatório”.
Com efeito, nessa informação “constam todos os factos relevantes para a decisão da Administração - sobreposição ao nível do formador que ministrava, simultaneamente, formação na Recorrente e em outras empresas”.
Tal fundamentação permite à destinatária do ato conhecer os motivos, os fundamentos de facto que estiveram na base da prática do ato, permitindo assim o conhecimento dos motivos de facto que levaram à tomada de decisão com o específico conteúdo.
Assim, como consta na fundamentação de direito - o nº 4 do artigo 18º e na alínea n) do nº 1 do artigo 23º, ambos da Portaria nº 799-B/2000, de 20 de setembro - que permitia à Autora compreender o motivo que subjazia à decisão impugnada.
Quanto à indicação de não ser admissível um erro acima dos 2% conforme consta da alínea O) do probatório foi o mesmo justificado pela decisão comunitária acerca das orientações relativas ao encerramento das intervenções dos fundos estruturais.
Repete-se, que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias em que o mesmo é praticado.
A fundamentação do ato não é só um dever da administração é também um direito subjetivo do administrado a conhecer os fundamentos factuais e as razões legais de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
Ora, no caso dos autos, a Recorrente foi notificada da decisão do Gestor do Prime por concordância com os fundamentos constantes na Informação nº 101/GP F/UFET/2009 que foi junta e faz parte integrante do respetivo ato.
Essa notificação permitiu à Autora ficar a conhecer (embora discordando) os fundamentos de facto e de direito desse ato.
“Pelo que a irregularidade” (que nos presentes autos, não existiu como conclui o Acórdão Recorrido) “assume a natureza de irregularidade não essencial, não determinando a nulidade nem a anulabilidade do despacho objeto do recurso. Ou seja tal irregularidade encontra-se sanada pela apresentação, em tempo, do competente recurso” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10/11/2005 - Proc. 05691/01).
Naturalmente que uma coisa é a falta/insuficiência de fundamentação do acto e outra é a discordância relativamente a essa fundamentação, como é a situação trazida a juízo.
Do erro quanto aos pressupostos de Facto e de Direito -
Nos termos do disposto no artigo 18º da Portaria nº 799/2000 de 20 de setembro, “a recorrente tinha obrigação de possuir um processo técnico do projeto atualizado, com a informação sobre a formação ministrada, conteúdos pedagógicos, horários e presenças”.
Apesar dessa obrigação a “recorrente entregou ao IAPMEI elementos referentes à formação que não correspondiam à verdade”.
Este Processo pedagógico devia incluir a documentação legalmente prevista, nomeadamente, os relatórios e atas de reuniões ou outras formas de controlo da realização de acompanhamento e avaliação do processo formativo, das metodologias e instrumentos utilizados – alínea j) do nº 2 do art. 18º da Portaria nº 799-B/2000 de 20 de setembro.
Este processo técnico/pedagógico tinha que estar sempre atualizado e disponível no local onde decorria a ação e a entidade titular do pedido de financiamento (a Recorrente) era obrigada a, sempre que lhe fosse solicitado, entregar à entidade gestora cópias de elementos do processo técnico-pedagógico – nºs 4 e 5 do art. 18º do diploma citado.
Ora, nos termos do nº 4 do artigo 18º é obrigação da entidade formadora manter o processo técnico/pedagógico sempre atualizado pelo que a ocorrência de situações imprevisíveis que obriguem a alterações do previsto implica o seu registo imediato.
Assim, logo que as alterações tivessem ocorrido deveriam ter sido de imediato remetidas ao gestor (IAPMEI) as respetivas fichas de ocorrência, as quais quando existem fazem parte integrante do processo técnico -pedagógico, e por isso deveriam ter sido remetidas na mesma data em que o foram os sumários e as folhas de presença - o que não aconteceu. Isto porque pela sua natureza as ações de formação profissional são intangíveis, as evidências físicas consubstanciam-se, em ultima instância, nos casos dos projetos já concluídos, nas folhas de presença e sumários.
O que está em causa não é a alteração de datas ou horários mas o facto das folhas de sumários e presenças e até as fichas de ocorrência não refletirem a verdade material da formação efetivamente realizada.
As folhas de presença constituem uma declaração, devidamente assinada por formandos e formadores, atestando que todos participaram naquela sessão concreta, que decorreu naquele dia e naquele horário, constituindo o elemento probatório da realização da formação.
A utilização sistemática do registo de ocorrências contraria todas as normas procedimentais constantes na Portaria nº 799-B/2000 - as Fichas de Ocorrência devem ser utilizadas para o registo de “imprevistos, reuniões com a coordenação, registo de articulação coordenação/formação inferindo-se assim que estes registos, a existirem deverão retratar situações não previsíveis de carácter esporádico, o que não aconteceu no caso dos autos, uma vez que foram utilizadas fichas de ocorrência para alterar os registos das folhas de presença e sumários.
Com efeito, não é possível saber se a formadora C. nos dias 6;13;20 e 27 de Novembro de 2007 ministrou das 19h.00 às 23h.00 o Curso 5 – 1ª Ação – “ Técnicas de Qualidade em Tinturaria” na empresa Têxteis J.F. ALMEIDA, SA ou se ministrou das 19h.00 às 21h.00 o Curso 3 – 1ª Ação – “ Trabalho em Equipa” na empresa R., LDA. (docs 1 a 8)
E se nos dias 8;15;22 e 29 de Novembro de 2007 ministrou das 19h.00 às 23h.00 o Curso 5 – 1ª Ação – “ Técnicas de Qualidade em Tinturaria” na empresa Têxteis J.F. ALMEIDA, SA ou se ministrou das 18h.00 às 20h.00 o Curso 4 – 1ª Ação – “Compras e Aprovisionamento e Gestão de Stocks“ na empresa P. e ministrou das 19h00 às 21h00 o Curso 3 – 1ª Ação – “Organização Geral de Empresa de Confeção” na empresa R., LDA. (docs 9 a 20) E, assim como saber, se nos dias 6;11;13;18;20 e 27 de Dezembro de 2007 ministrou das 18h.00 às 20h.00 o Curso 4 – 1ª Acção – “Compras e Aprovisionamento e Gestão de Stocks“ na empresa P. – INDUSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES CONGELADO ou se ministrou das 19h00 às 21h00 o Curso 3 – 1ª Ação – “Organização Geral de Empresa de Confeção” na empresa R., LDA. (docs 21 a 32).
Como, se decidiu no Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferido no âmbito do processo nº 65/09.0BEAVR, numa situação similar à dos presentes autos “ tais factos lançam a dúvida séria de que tais ações poderão não ter ocorrido nas condições indicadas pela Autora, ou não terem ocorrido de todo … e põem em causa os objetivos essenciais que presidiram ao financiamento do plano de formação aprovado, e que se resumem a apoiar, com dinheiros públicos, ações de formação aos ativos das empresas, no sentido do seu aperfeiçoamento profissional”.
“E sendo obrigação do IAPMEI zelar pela correta aplicação/gestão dos incentivos inerentes aos projetos em que consta como entidade gestora bem como assegurar o cumprimento dos normativos legais comunitários e nacionais … encontrava-se vinculada a revogar o financiamento concedido à Autora, nos moldes já descritos, bastando a verificação de uma das situações previstas no nº 1 do artigo 23º da Portaria nº 799-B/00 de 20 de setembro, para o efeito.”
E o Acórdão recorrido referiu: “o erro verificado nas folhas de Sumários e Presenças, relativo à sobreposição de formandos e de formador perturba substantivamente a justificação do subsídio recebido. Pois estas folhas atestam que em determinada data ocorreu um dado curso, ministrado por um determinado formador a um dado número de formandos. Ora, o subsídio pressupõe que determinado curso seja ministrado por um formador a um determinado número de formandos e com um determinado conteúdo, sendo os elementos referentes a estes dados essenciais para a atribuição do subsídio. Assim, se as folhas de sumários e presenças apresentam erros, está substancialmente afetada a justificação do subsídio.
Neste sentido, nos termos do disposto na alínea n) do nº 1 do art. 23º da Portaria nº 799-B/2000, de 20 de Setembro, está correta a revogação da decisão do pedido de financiamento.”
Vem novamente, a Recorrente defender que a anulação do subsídio aprovado só poderia ter como fundamento o facto de o processo de formação subsidiado e concretizado ser manifestamente diferente do aprovado (processo formativo), interpretação que contraria em absoluto a letra da lei e toda a ratio legis.
A ser acolhida a interpretação da Recorrente, após a aprovação do financiamento nada poderia ser assacado, o que contraria o previsto - alínea d) do art. 21º da Portaria 799-B/2000 que obriga a Recorrente a agir de forma a que a sua atuação não configure situações de incumprimento suscetíveis de fundamentar a revogação do financiamento.
A interpretação avançada pela Recorrente não encontra um mínimo de apoio na letra da lei; ora, onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).
Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, “não pode.......ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. o Prof. João Baptista Machado, em “Introdução ao Direito Legitimador”, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
É que, como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como escreveu o Prof. Baptista Machado, ob. cit. págs. 182/183. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
Do ato que revogou o financiamento (violou ou não a lei?) -
Dos vícios de violação de lei por violação do Princípio da Proporcionalidade e dos Princípios da Justiça, da Prossecução do Interesse Público, da Boa Fé e da Proteção dos Interesses dos Cidadãos -
“No que respeita à alegada violação dos referidos princípios importa dizer que os princípios gerais de direito público (a sua violação) não têm relevo autónomo em sede de poderes vinculados da Administração. Ou seja, quando a Administração atua no exercício de poderes vinculados, aqueles princípios (no caso os da desburocratização e eficiência, da proporcionalidade e da boa-fé, da prossecução do interesse público, da igualdade e da justiça), não adquirem autonomia como parâmetro de atuação da Administração, uma vez que o seu cumprimento se confunde com o cumprimento estrito dos pressupostos de facto e de direito da norma a aplicar. A haver violação, a mesma consubstancia-se, e esgota-se, na violação do normativo legal ou regulamentar invocado, ou na violação do princípio da legalidade por violação de normas legais que alegadamente vinculam a Administração” - entre outros, Acórdãos do STA de 11/05/2000, proc. nº 4477 e de 16/04/2000, proc. nº 46378
Assim, não tendo ocorrido o alegado vício de violação do artigo 23º da Portaria nº 799-B/2000 de 20 de setembro, não ocorreu a violação dos alegados princípios.
Foi aliás nesse sentido que decidiu o acórdão recorrido:
“ Ora importa referir que a revogação do financiamento nos termos previstos na alínea n) do nº 1 do art. 23º da Portaria nº 799-B/2000, de 20 de Setembro, não depende do facto de ter sido ministrada alguma formação ou a maior parte dela. Depende, sim, do facto dos elementos fornecidos serem de tal modo inexatos que deixam de ser credíveis, não sendo possível a partir deles comprovar que a formação foi dada nos termos aprovados e financiados.
Não está também em questão o número de erros cometidos, mas a importância dos mesmos face à necessária justificação da formação efetivamente realizada.” …
A Administração, seguindo as indicações comunitárias, auto- vinculou-se e considerou a percentagem de 2% como aquela a partir da qual consideraria existir um erro subsumível à referida alínea n) do nº 1 do art. 23º.”
“A Administração entendeu, assim, ser inadmissível um erro superior a 2%, à semelhança da decisão comunitária sobre as orientações referentes ao encerramento das intervenções dos fundos estruturais.
A fixação da percentagem de 2% não viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que era do conhecimento prévio do promotor a obrigação de fornecer elementos verdadeiros e de os manter atualizados.
Pelo que improcede a alegação do vício em apreço.”
Do vício de violação da lei por inaplicabilidade do comando legal -
A revogação do financiamento à Recorrente como já se referiu teve como fundamento a prestação de declarações inexatas, imprecisas e desconformes que afetam de modo substantivo o incentivo recebido a receber, no caso dos autos esse erro correspondeu a 8,95%.
Estamos perante um conceito indeterminado cujo preenchimento cabe à Administração, dentro dos limites do enquadramento dos fundos comunitários e em observância dos princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, nomeadamente os Princípios da Proporcionalidade e da Igualdade.
Nesse sentido, o Conselho Diretivo do ora Recorrido, em 5 de fevereiro de 2009 deliberou que o limiar de erro máximo admissível apurado com base no volume de formação, para os projetos em fase de encerramento deveria ser inferior a 2%.
A concretização do conceito indeterminado (substancial) foi efetuada tendo por base as Orientações Relativas ao Encerramento das Intervenções dos Fundos Estruturais - Decisão da Comissão COM (2006) 3424) - que estabelecem como limite máximo de admissão erros de 2% das despesas controladas considerando-se que acima deste limiar de erro os projetos não obedecem a parâmetros de fiabilidade aceitáveis no âmbito das intervenções estruturais.
Assim, por analogia entendeu-se que também para os projetos em fase de encerramento o erro deveria ser inferior a 2%.
Pese embora, no preenchimento dos conceitos indeterminados possa existir, ou não, a chamada margem de livre apreciação ou discricionariedade técnica, importa ter presente que ao ser considerado o volume de formação - somatório de todas as horas de formação frequentadas pelos formandos se optou por um critério que permite tratar de forma objetiva todos os projetos.
Este critério permite de forma objetiva, que na validação dos projetos seja assegurado o cumprimento do Princípio da Igualdade, o que se tornaria mais difícil se a opção tivesse sido um critério financeiro (dependente das características da empresa; das despesas; do nível de qualificação dos formandos…). E integra-se na previsão do legislador - alínea n) do nº 1 do artigo 23º do DL 799-B/2000 de 20 de setembro.
Ora o que se fez foi estabelecer, no âmbito dos seus poderes discricionários, um critério objetivo e consequentemente um tratamento igual para todas as situações iguais e desigual para as situações desiguais; tal é um postulado do Principio da Igualdade. Sem descurar o interesse público e o seu dever de boa administração - controlo e gestão dos dinheiros públicos, como aliás, conclui o acórdão recorrido “A Administração limitou-se a exercer os seus poderes de preenchimento do conceito indeterminado plasmado na alínea n) do nº 1 do art. 23º da Portaria nº 799-B/2000, de 20 de Setembro, à semelhança da decisão comunitária sobre as orientações relativas ao encerramento das intervenções dos fundos estruturais.
Improcede assim, a alegação do vício em apreço.”
Sendo assim, improcedem também as conclusões da alegação.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento aos recursos.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 17/04/2020


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Nuno Coutinho (em substituição)