Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00380/12.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:SIGILO BANCÁRIO;
OBJECTO DO SIGILO FISCAL;
ÂMBITO TEMPORAL;
ARTIGO 63-B DA LGT
Sumário:I - O levantamento do sigilo bancário nunca pode ser um fim em si mesmo, só podendo ocorrer no quadro de uma acção de fiscalização tributária, sendo, por isso, delimitada pelo objecto e pelo âmbito temporal dessa acção inspectiva (artigo 63..º da LGT )];
II - Da necessidade de subordinar o levantamento do sigilo bancário a critérios de proporcionalidade decorre que o levantamento do sigilo bancário só constituirá um instrumento lícito do apuramento da situação tributária do sujeito passivo quando, em concreto, se revelar necessário (no sentido de que não existe outra forma de suplantar a falta de colaboração do contribuinte); adequado (no sentido de que a informação em falta pode ser obtida com recurso a essa informação bancária), e proporcionada em sentido estrito (no sentido de que só pode ser pretendido o levantamento do sigilo bancário quanto aos elementos e aos períodos relativamente aos quais foi verificada a falta de colaboração
Data de Entrada:09/03/2012
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J.P. (...)
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

O Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga – que, julgando parcialmente procedente a impugnação apresentada, anulou a sua decisão de 1 de Agosto de 2011 no segmento em que determinava o acesso às contas bancárias relativamente aos anos de 2005 e 2006 - dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
«a) A sentença recorrida ao decidir anular a decisão do Recorrente relativamente ao acesso às contas bancárias do recorrido relativamente aos anos de 2005 e 2006, salvo o devido respeito e melhor opinião, não valorou correctamente o conjunto da prova produzida face aos pressupostos legais da decisão do levantamento de sigilo bancário ao Recorrido nos anos de 2005 e 2006, como não teve em conta todos os pressupostos legais de derrogação do dever de sigilo, enfermando por isso de erro de julgamento.
b) Assente que os factos apurados que se reportam aos anos de 2005 e 2006 estão, tal como os factos referentes aos anos de 2007 e 2008, sob investigação no Inquérito nº 334/2008.61DBRG, não se vislumbra, salvo melhor razão, que o acesso à verdade fiscal do contribuinte, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, tenha como impedimento formal o âmbito temporal das acções inspectivas realizadas a coberto das Ordens de Serviço nº OI201101498 e nº OI201101499 se reportar aos anos de 2007 e 2008 e não o âmbito temporal do inquérito criminal suscitado por esse universo factual.
c) No inquérito criminal, por força do disposto no nº 2 do art. 40º do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), cabem designadamente aos órgãos da administração tributária, os poderes e as funções que o Código de Processo Penal atribui aos órgãos de polícia criminal, presumindo-se-lhes delegada a prática de actos que o Ministério Público pode atribuir àqueles órgãos.
d) E quanto aos crimes fiscais, refere a al. b), do nº 1, do art. 41º do R.G.I.T., a competência para os actos de inquérito a que se refere o nº 2 do art. 40º, presume-se delegada no director de finanças que exercer funções na área onde o crime tiver sido cometido ou no director da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária ou no director da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções especiais nos processos por crimes que venham a ser indiciados por estas no exercício das suas atribuições, sem prejuízo de a todo o tempo o processo poder ser avocado pelo Ministério Público.
e) É verdade que no presente caso, a competência para o inquérito criminal foi deferida pelo Ministério Publico à Polícia Judiciária, nos termos do art. 8º, nº 5, da Lei nº 49/2008, de 27 de Agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal).
f) Porém, o deferimento da competência de investigação dos crimes tributários à Polícia Judiciária não prejudica, no entanto, a cooperação da administração tributária no âmbito do processo de inquérito.
g) É o que resulta da conjugação dos nºs 2 e 3 do art. 41º, nos termos dos quais respectivamente os actos do inquérito para cuja prática a competência seja legalmente delegada podem ser praticados pelos titulares dos órgãos e pelos funcionários e agentes dos respectivos serviços a quem tais funções tiverem sido especialmente cometidas e, se o mesmo facto constituir crime tributário ou crime comum ou quando a investigação do crime assuma especial complexidade, o Ministério Público pode determinar a constituição de equipas mistas também integradas por elementos a designar por outros órgãos de polícia criminal para procederam aos actos de inquérito.
h) Para além de que o nº 1 do art.10º dessa Lei, por outro lado, estabelece para os órgãos de polícia criminal cooperarem mutuamente no exercício das suas atribuições.
i) No presente caso, segundo informaria a DF de Braga, o deferimento da competência da investigação criminal à PJ não prejudicou a incumbência de a administração tributária proceder ao apuramento do imposto em falta, necessário à confirmação dos pressupostos do crime de fraude fiscal.
j) Quando o apuramento efectuado no âmbito do inquérito dependa do acesso às contas bancárias, esse acesso segue o regime especial de derrogação do sigilo bancário constante do art. 63º- B da L.G.T..
k) O procedimento inspectivo a que se refere o art. 63º, nº 1, da L.G.T. compreende, na verdade, não necessariamente o regulado no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, mas todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes.
l) É o que resulta do art. 63º-B, nº 1, al. a) da L.G.T., que dispõe que a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações e documentos bancários, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, quando existirem indícios de crime tributário.
m) O acesso obtido, no presente caso, respeitou a lei em vigor, já que foi manifestamente requerido no âmbito de uma investigação criminal abrangendo os mesmos factos.
n) Mormente, não ofende o princípio da proporcionalidade, porquanto o âmbito temporal da decisão do Director-Geral coincide com o âmbito temporal dos factos tributários detectados no Processo de Inquérito nº 334/2008.61DBRG e comunicados à administração tributária.
o) E nessa medida não excede, antes conforma-se com o limite do princípio da proporcionalidade, também invocado pela sentença recorrida, de que o levantamento do sigilo bancário apenas pode ocorrer quando o acesso é necessário e adequado à determinação directa e exacta da matéria tributável, independentemente de essa determinação ter em vista a liquidação do imposto ou os fins de uma concreta investigação criminal pelo crime de fraude fiscal, independentemente de os seus presumíveis autores serem, ou não, arguidos no processo.
p) Com efeito, a suspensão da caducidade a que se refere o nº 5 do art. 45º da L.G.T. abrange, na verdade, todos os factos relativamente aos quais tiver sido instaurado inquérito criminal, independentemente de os contribuintes serem ou não arguidos no processo.
q) Ainda que assim se não entenda, o Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão proferido no processo 01273/10.6BEPRT, com data de 03/02/2011, veio a consignar o entendimento de que o alargamento do acesso a contas e elementos bancários a anos anteriores ou posteriores aos anos abrangidos pela acção inspectiva tributária não ofende o princípio da proporcionalidade tutelado pelos artigos 63º-3 da L.G.T. e 7º do R.C.I.P.T. nem constitui abuso de direito, uma vez que a afectação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do Recorrido é adequada e proporcional aos objectivos a realizar pela administração tributária, quais sejam a tributação real dos rendimentos auferidos e a repressão da fraude fiscal.
r) Com efeito, os elementos carreados ao processo evidenciam factos concretamente identificados fortemente indiciadores da falta de veracidade do declarado que se estendem continuadamente por um período de 2005 a 2009, configurando uma conduta unitária e indivisível do Recorrido,
s) Pelo que a verdade fiscal do contribuinte, ainda que respeitante aos exercícios de 2008 e 2009 só pode ser obtida através do conhecimento integral de todos os seus elementos, que seria prejudicado se a administração fiscal somente pudesse ter acesso, ainda que por razões meramente formais, a uma parte deles, ao contrário do que sustenta sentença recorrida, que procede a uma segmentação totalmente artificial dos factos que a administração fiscal pode conhecer através do acesso aos elementos protegidos bancários.
t) Assim sendo, deve a decisão do Director-Geral da ATA que determinou o acesso às contas bancárias do Recorrido relativamente aos anos de 2005 e 2006 manter-se na ordem jurídica pois obedece aos pressupostos previstos na al. b) do nº1 do art. 63º-B da LGT e respeita integralmente o princípio da proporcionalidade.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas., Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, e em consequência, anular-se a sentença recorrida na parte que foi desfavorável ao ora Recorrente, mantendo-se a decisão de acesso às contas bancárias de que é titular o ora Recorrido relativamente aos anos de 2005 e 2006, com todas as legais consequências.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora, já que a tal nada obsta, apreciar e decidir.
II – O Objecto do Recurso
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentadas, temos por seguro que, in casu, o objecto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
- Saber se o Tribunal a quo efectuou errada valoração da prova por o acesso às contas bancárias ter sido requerido no âmbito de uma investigação criminal abrangendo os mesmos factos;
- Saber se a sentença recorrida, ao anular a decisão do Director-Geral dos Impostos que determinou o acesso às contas bancárias relativamente aos anos de 2005 e 2006, com fundamento na violação dos limites a que deve obedecer a derrogação do sigilo bancário, enferma de erro de julgamento de direito.
III – Os Factos
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou provados, com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos:
1 - O ora Recorrente exerceu funções enquanto trabalhador dependente na sociedade A(…), Lda., NIPC 5(…), nos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008 — Cfr. informação de fls 10 e 11 dos autos.
2 - A sociedade referida no ponto 1 foi objecto de acções inspectivas aos exercícios de 2004 a 2008, tendo sido detectadas várias situações puníveis nos termos do artigo 118.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.) — Cfr. informação de fls. 10 e 11 dos autos.
3 - Em 10 de Dezembro de 2008, foi levantado Auto de Notícia pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga, à empresa referida no ponto 1. por indícios da prática de crimes de fraude fiscal, puníveis nos termos dos artigos 103.° e 104.° do Regime Geral das Infracções Tributárias [R.G.I.T.] - Cfr. auto de notícia de fls. 83 e 84 dos autos.
4 - No dia 19 de Dezembro de 2008, com base no auto de notícia referido no ponto 3, foi instaurado o processo de inquérito à A.(…), Lda., autuado sob o n.° 334/2008.6IDBRG.
5 - No decurso do referido inquérito e com vista à aceitação de custos na esfera da A(…), Lda foram, pelo seu gerente, substituídas as declarações modelo 10 dos anos de 2005, 2006, 2007 e apresentada a de 2008 onde foram declaradas remunerações pagas, como rendimentos da categoria A, a doze colaboradores, remunerações essas substancialmente superiores às inicialmente declaradas e que constam das declarações de I.R.S. apresentadas em devido tempo — Cfr. informação de fls. 10 e 11 dos autos.
6 - Em resposta ao oficio com a referência n.° 3(..), datado de 16 de Março de 2011 da Divisão de Tributação e Cobrança da Direcção de Finanças de Braga, a A.(…), Lda. remeteu àqueles serviços declarações de rendimentos relativamente aos seguintes funcionários: A. M.(…), A. P.(…), B. M. (…), J. P.(…), R. M. (…) e J. M. (…).
7 - A A(…), Lda. declarou ter pago, como rendimento de trabalho dependente, a J. P.(…), 21.176,48 €, relativamente a 2005, 22.817,87 €, relativamente a 2006, 24.707,51 €, relativamente a 2007, 15.888,42 €, relativamente a 2008.
8 - Pelo oficio com a referência n.° 5(…), datado de 03.05.2011, a Divisão de Inspecção Tributária 1 da Direcção de Finanças de Braga, solicitou a M. j.(…), gerente da A.(…), Lda. o envio àquela Direcção dos comprovativos dos rendimentos pagos e que tiveram na origem das declarações modelo 10 dos anos 2007 e 2008, entregues respectivamente em 17.06.2009, relativamente à A(…), Lda. e do ano de 2008, entregue em 30.11.2010, relativamente à empresa P(…), Lda., no que respeita aos seguintes funcionários: R.M. (…), A. P. (…), A M. (…), A. (…) V., A. (…) L., B.(…) D., D.(…) C, F.(…). F., J. (…). O, J.P. (…), RM (…), P.J. (…).
9 - Em resposta ao ofício referido no ponto 8, o Recorrente apresentou a exposição de fls. do Processo Administrativo, tendo junto documentos como balancetes mensais e extractos da caderneta da Caixa Geral de Depósitos que revelam os rendimentos mensais processados.
10 - A substituição das declarações modelo 10 originou divergências entre os rendimentos constantes das declarações modelo 3 de IRS anteriormente apresentadas e o valor dos rendimentos constantes das declarações modelo 10 substituídas, no que respeita ao ora Recorrente, nos seguintes montantes:

J.P.(…)
ANO VALORES DECLARADOS VALORES MOD. 10 DIVERGÊNCIA CAT. ENT. PAGADORA
RENDIMENTO/ IRS RET. RENDIMENTO/ IRS RET RENDIMENTO/ IRS RET.
2005 5.907,84 144,00 21.176,48 144,00 -15.268,64 0,00 A (NIF)
2006 5.907,84 144,00 22.817,87 144,00 -16.910,03 0,00 A (NIF)
2007 5.710,92 132,00 24.707,51 132,00 18.996,59 0,00 A (NIF)
2008 5.055,74 0,00 15.888,42 0,00 10.832,68 0,00 A (NIF)

11 - Face às divergências de rendimentos constantes nas declarações de IRS modelo 3 e os valores constantes nas declarações modelo 10 substituídas, relativamente aos anos de 2005 a 2007 e entregue, relativamente a 2008, foi remetido ao contribuinte, ora Recorrente, pela Divisão de Tributação e Cobrança da Direcção de Finanças de Braga, o oficio com a referência n.° 300.1604, datado de 15 de Março de 2011, que de seguida se transcreve:
“Feito o cruzamento, entre os valores constantes da(s) declaração(ões) de rendimentos e os valores constantes da Modelo 10, declaração apresentada pela entidade pagadora dos rendimentos da categoria A, verificou-se:
Sujeito Ano Rendimento Declarado Retenção Declarada Rendimento Mod. 10 Entidade Pagadora Retenção Mod. 10
Passivo
A 2007 € 5.710,92(502012439) € 132,00 €24.707,51 (502012439) € 132,00
A 2008 €5.055,74 (502012439) € 0 €15.888,42 (502012439) € 12,00

Fica V. a por este meio notificado para, no prazo de 10 dias, justificar a omissão ou substituir a(s) declaração(ões) de rendimentos, acrescendo os rendimentos em falta, findos os quais se procederá à alteração da(s) declaração(ões) de rendimentos, nos termos do n.° 4 do artigo 65.º do CIRR de acordo com os valores constantes da Modelo 10, e será feita participação para efeito de procedimento contraordenacional.
Mais fica notificado(a) de que, querendo, no mesmo prazo poderá exercer o direito de audição a que se refere o artigo 60.º da Lei Geral Tributária.»
12 - Em resposta ao ofício referido no ponto 11, o Recorrente apresentou a exposição de fls. do Processo Administrativo, na qual consta o seguinte:
“O presente procedimento resulta da alteração do modelo 10 apresentado pela “A.(…), Lda.
- Ao que se sabe, não justifica a mencionada A.(…), Lda. o motivo da alteração de declarações de rendimentos e os valores constantes do dito modelo 10. Porém, - Informa-se a Administração Fiscal, para os devidos e legais efeitos, que efectivamente a justificação para tal alteração é exclusivamente uma tentativa levada a cabo por tal entidade, na pessoa do seu anterior sócio/gerente M. J. (…), de prejudicar os seus anteriores trabalhadores, mormente o aqui exponente.
- O aqui exponente e o dito M: J.(…) estão de relações cortadas.
- O aqui exponente jamais recebeu da dita “A. (…), Lda.” os rendimentos, que esta fraudulentamente vem alegar ter pago.
- Antes de qualquer decisão deverá Administração Fiscal, ver justificar junto da dita “A. (…), Lda”pela junção ao presente processo, dos originais dos recibos em causa, bem como e ainda, pela alegação e prova dos serviços alegadamente efectuados pelo aqui exponente, e dos pagamentos por aquela efectuadas ao exponente.
É quanto em sua defesa o exponente tem a dizer, requerendo que, sejam efectuadas as diligências de prova mencionadas, e afinal pelo arquivamento dos autos “.
13 - Com a exposição referida no ponto 12, o Recorrente juntou fotocópia da declaração de rendimentos emitida pela sociedade A.(…), Lda., referente ao exercício de 2007, e extracto de remunerações da Segurança Social, referente ao ano de 2008.
14 - Em 19 de Abril de 2011 foram emitidas as Ordens de Serviço n.° 01(…)8 e n.°01(..)9, no âmbito das quais foi ordenada uma inspecção externa ao ora Recorrente, para os anos de 2007 e 2008, respectivamente.
15 - Iniciado o procedimento inspetivo, em 24 de Maio de 2011, foi o sujeito passivo, ora Recorrente, confrontado com as divergências de rendimentos acima identificadas, tendo reiterado que não recebeu da referida sociedade A.(…), Lda. os rendimentos que esta alega ter-lhe pago e que constam das declarações modelos 10 substituídas/entregues em 17.06.2009 — Cfr. informação de fls. 10 e 11 dos autos.
16 - A Administração Fiscal propôs ao ora Recorrente, de modo a comprovar-se as suas declarações, que autorizasse o livre acesso às contas bancárias, tendo o mesmo, de imediato, recusado a efectuá-lo — Cfr. informação de fls. 10 e 11 dos autos..
17 - Em 24 de Maio de 2011, o Recorrente foi notificado nos termos e com os efeitos que a seguir se transcrevem:
“NOTIFICAÇÃO
Nos termos dos artigos 59.° e 63.º da Lei Geral Tributária, fica notificado o sujeito passivo J.P.(…), NIF 2(…), como domicílio em VILA NOVA DE FAMALICÂO, para no prazo de 10 dias, autorizar o levantamento do sigilo bancário a todas as contas de que é titular e/ou co-titular em relação aos anos de 2007 e 2008, sob pena de, se não autorizar serem iniciados os procedimentos com vista à derrogação do dever de sigilo bancário, nos termos na alínea b) do n. °2 do artigo 63. °-B da Lei Geral Tributária e artigo 146°-A do Código de Procedimento e Processo Tributário”
18 - Em 06 de Junho de 2011, deu entrada na Direcção de Finanças de Braga uma exposição subscrita pelo ora Recorrente na qual não é autorizado o levantamento do sigilo bancário.
19 - Em 30 de Junho de 2011 foi elaborada a Informação, sancionada superiormente, com o teor constante de fls. 10 a 11 dos autos, cujo teor tem vindo a ser transposto para probatório, e onde, além do mais consta, o seguinte:
“[…]
FACTOS APURADOS
[...]
Ora, pelo que foi apurado, as funções desempenhadas pelo sujeito passivo na sociedade A.(…),Lda. implicavam, entre outras, a classificação contabilística de documentos e o respectivo lançamento nos programas informáticos, o preenchimento das várias declarações fiscais e outras, o que obrigava a, pelo menos um nível médio de conhecimentos de contabilidade/fiscalidade não compatível com o nível remuneratório declarado (valor próximo da remuneração mínima).
De realçar ainda que a A.(…), Lda. era um gabinete de contabilidade com um grande número de clientes, e que é de conhecimento público que em certos períodos, como o de entrega de declarações fiscais e o de encerramento de contas, o volume de trabalho era tal que obrigava os funcionários a terem um horário de trabalho mais alargado (por vezes, correspondente a 2 turnos).
4. CONCLUSÃO
Tendo em consideração:
•A inexistência de elementos que permitam comprovar a veracidade dos rendimentos declarados;
• Que o processo de inquérito se encontra a decorrer e que dele constam factos reportados a 2005, 2006, 2007 e 2008;
•Que os rendimentos de trabalho declarados não são compatíveis com o nível de conhecimentos e volume de trabalho necessários ao desempenho de tais funções, bem como a subsistência do agregado familiar;
Concluímos, existirem indícios da falta de veracidade dos rendimentos declarados, daí que solicitamos que seja derrogado o dever de sigilo bancário nos termos do n.° 1 do artigo 63. °-B da Lei Geral tributária (LGT), para o sujeito passivo J.P.(…) relativamente aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008”.
20 - Em 06 de Julho de 2011, o Director de Finanças de Braga Adjunto emitiu o parecer constante de fls. do Processo Administrativo e com o seguinte teor:
“PARECER
Mostrando-se verificados os condicionalismos previstos na alínea b) do n.° 1 do artigo 63. °-B da Lei Geral Tributária, remeta-se a presente informação ao Gabinete do Exmo. Sr. Director-Geral dos Impostos, para os fins previstos no n.° 4 do referido normativo, autorizando o acesso às informações e documentos bancários de que é titular o sujeito passivo supra identificado, relativamente aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008.
O direito à liquidação dos impostos respeitantes aos anos de 2005 e 2006 mostra-se salvaguardado, por força do que dispõe o n.° 5 do artigo 45.° da Lei Geral Tributária”.
21 - Em 07 de Julho de 2011, a Direcção de Finanças de Braga remeteu ao Gabinete do Diretor-Geral dos Impostos o ofício com a referência n.° 5(...), acompanhado dos processos de levantamento do segredo bancário relativos ao ora Recorrente e a outros sujeitos passivos.
22 - Em 25 de Julho de 2011, o Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Braga elaborou informação complementar com o seguinte teor:
INFORMAÇÂO
1. No pedido de levantamento do segredo bancário remetido pelo ofício em referência, o inspector tributário que o elaborou invocava o inquérito n.° 334/2008.6IDBRG, referindo que esse inquérito foi instaurado em consequência da realização de procedimentos de inspecção tributária a um gabinete de contabilidade com a designação social de A. (…), Lda. abrangendo os anos de 2004 a 2008.
2. No decurso dos referidos procedimentos de inspecção tributária foi demonstrado que o referido gabinete de contabilidade confrontava os seus clientes, em número superior a uma centena, com declarações periódicas d EJVA que evidenciavam um determinado valor apagar, e que, após recepção dos meios de pagamento, adulterava estas mesmas declarações, submetendo declarações em que o imposto apagar era de montante significativamente menor.
3. Efectuada a comunicação do facto ao Ministério Público, esta entidade veio a atribuir a competência da sua investigação à Polícia Judiciária, continuando, no entanto, a Inspecção Tributária da direcção de Finanças de Braga a apurar os impostos em falta decorrentes da prática descrita.
4. Em resultado do procedimento de inspecção tributário ao próprio gabinete de contabilidade antes identificado, foi levantado o auto de notícia que deu origem à instauração, em 19.12.2008, do inquérito indicado no anterior ponto 1, o qual, entre outros factos, descreve a existência de divergências entre as declarações modelo 10 apresentadas relativamente aos anos de 2005 a 2005, inclusive, e as declarações de retenção apresentadas e pagas,
5. Integra os autos de inquérito antes identificados a fls. 235 a 246, uma petição apresentada pelo gerente da A.(…),Lda., através da qual solicita a aceitação de declarações modelo 10 de substituição às anteriormente apresentadas, relativamente aos anos de 2005 a 2008, inclusive, em virtude de, como refere, nas declarações a substituir ter sido declarado um valor, mas, na realidade, ter sido pago, a todos os trabalhadores do gabinete, incluindo o identificado em epígrafe, um valor muito superior.
6. Em face do descrito, pode concluir-se que os factos que estão a ser analisados no procedimento de inspecção tributária, encontram-se igualmente, a ser investigados em processo de inquérito, pelo que, em nosso entender, á aplicável à situação o disposto no n.° 5 do artigo 45.°da Lei Geral Tributária.
[…]”.
23 - Em 01 de Agosto de 2011, é proferida pelo substituto legal do Director-Geral de Impostos despacho com o seguinte teor:
DECISÃO
1.Nos termos e com os fundamentos da informação da Divisão de Inspecção Tributária 1, da Direcção de Finanças de Braga, de 30-06-2011, bem como os pareceres nela exarados e da Informação Complementar do Senhor Director de Finanças Adjunto, de 25-O 7-2011, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea b) do n.° 1 do artigo 63. °-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.° 4 do citado normativo, autorizo que funcionários da inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo J: P.(…), NIF 2(…), relativamente aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008.
2. Devolva-se o processo à Direcção de Finanças de Braga para efeitos do prosseguimento do procedimento de levantamento do segredo bancário.”
24 - Através de carta registada com aviso de recepção dirigida ao ora Recorrente foi enviada a nota de notificação cujo teor consta de fls. do processo administrativo.
25 - O aviso de recepção que acompanhou a referida carta foi assinado em 22 de Agosto de 2011.
26 - Em 29 de Agosto de 2011, deu entrada neste Tribunal petição inicial apresentada pelo ora Recorrente e outros tendo o processo sido autuado com o n.° 1356/11.5BEBRG.
27 - No âmbito do processo referido no ponto 26 e por sentença datada de 20 de Janeiro de 2012 foi o Sr. Diretor-Geral dos Impostos absolvido da instância.
28 - A petição inicial do presente recurso foi remetida a este Tribunal, via correio, em 20 de Fevereiro de 2012.
IV – O Direito
Conforme resulta dos pontos I e II do presente acórdão, a Fazenda Pública mostra-se inconformada com a sentença proferida nos autos na parte em que anulou a decisão do Director-Geral dos Impostos que determinou o acesso às contas bancárias do recorrido relativamente aos anos de 2005 e 2006.
Para a Recorrente, tendo aquele acesso às contas bancárias sido requerido no âmbito de uma investigação criminal abrangendo os mesmos factos (e tempo) e comprovados esses factos, não poderia o Tribunal a quo ter deixado de os valorar no sentido de que dele resultava não ter havido violação dos limites a que deve obedecer a derrogação do sigilo bancário.
Em suma, e se bem entendemos o recurso interposto e as conclusões neste exaradas, a Recorrente não se conforma nem com as conclusões de facto que o Tribunal a quo extraiu dos factos apurados, a forma como os valorou, nem com a subsunção jurídica que, a partir de tal valoração, realizou dos mesmos e que determinaram a decisão final que nesta sede impugna.
Vejamos, pois, o que se nos oferece dizer, tendo sempre, naturalmente, por presente, a delimitação do objecto deste recurso por nós realizada e que, no fundo nos conduz à questão essencial e primeira, a saber: é ou não legítimo a Administração Fiscal aceder às contas bancárias de um contribuinte e aos movimentos bancários nestas registado em anos ou períodos temporais distintos dos que constituem objecto da inspecção tributária? Isto é, no caso concreto, deve ou não considerar-se ilegal o despacho do director-geral dos Impostos que, derrogando o sigilo bancário, autoriza o acesso às contas bancárias de um sujeito passivo relativamente ao período de 2004 a 2008 quando esse mesmo contribuinte apenas se encontra a ser inspeccionado relativamente aos anos fiscais de 2007 e 2008?
A resposta a esta questão implica, naturalmente, que antes de mais se realize um breve enquadramento jurídico em que a resposta a essa questão deverá ser encontrada.
E, nesse sentido, saliente-se, que, como é sabido, o sigilo bancário
– cuja concretização legal primeira data de 1967, com a publicação do Decreto-lei n.º 47909, de 7-9-67, posteriormente objecto de sucessivas reformas legislativas Sucessivamente, a matéria passou a ser regulada pelos. Dec. Lei nº.729-E/75, de 22/12/1975; Dec.Lei nº.2/78, de 9/1 (diploma que pretendeu instituir um regime de segredo bancário de âmbito geral, de molde a abranger também as instituições de crédito não nacionalizadas, operando, em consequência, a revogação do diploma de 1975); Dec.Lei nº.2/78, de 9/1, entretanto, revogado pelo dec.lei nº.298/92, de 31/12, diploma este que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cujos artºs.78 a 84 vieram reformular a disciplina jurídica do segredo bancário, diploma actualmente em vigor
- encontra-se actualmente definida no artigo 78º do Regime Geral das instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.C.S.F.), que o define como um dever profissional dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas, de não revelarem ou utilizarem informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
Porém, e como temos vindo a ser alertados Vide, Nuno Bastos in «Derrogação do Sigilo Bancário», sendo inquestionável que, em termos de natureza jurídica o sigilo fiscal nos é apresentado como «um dever», é, efectivamente muito mais do que isso, sendo seguro afirmar-se que «envolve diversos direitos e deveres recíprocos, integra regras fundamentais e suas excepções, bem como procedimentos adequados à sua salvaguarda e superação.»: direitos do cliente de que certas informações ou elementos produzidos no âmbito das suas relações com aquelas instituições não sejam revelados sem a sua autorização e direito da própria instituição a não os revelar; dever da instituição de os não revelar (e até instituir mecanismos preventivos de protecção desses dados) e dever dos funcionários que, por qualquer forma e independentemente do tempo que acedam a esses dados, de manterem segredo sobre o seu conteúdo.
Também é já pacífico e recorrente na doutrina e na jurisprudência que, subjacente à consagração legal deste instituto jurídico, estão razões ou interesses de ordem pública (regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem, que se revela de importância fundamental para o correcto e regular funcionamento da actividade creditícia e, em especial, no domínio do incentivo ao aforro) e privada (a finalidade do instituto do segredo bancário é também o interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro é a garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca).
O que se pretende com o sigilo bancário, como se deixava já clarificado no Ac. do Tribunal Constitucional de 31/05/1995, Consultável na Colectânea, 31º vol., 1995, págs.371 e seguintes, e surge reafirmado em vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo Vide, a título de exemplo, os Ac. do STA, 2ª Secção, de 16-2-2005 (processo n.º 35/2005) é rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados. Segundo um dos mais recentes acórdãos do Tribunal Constitucional que se debruçaram sobre esta questão, o sigilo bancário, tem estatuto constitucional por o bem jurídico protegido caber no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da C.R.P., aí se deixando clarificado que, compete a cada individuo decidir o que e o quando da revelação de dados e informações para conhecimento público, de que apenas ele ou terceiros colocados numa relação de confidencialidade, têm conhecimento e de cuja publicidade resulta o conhecimento da sua forma de ser e estar individual e colectivamente, tanto mais que, hoje em dia, é quase impossível efectuar-se «uma separação entre a esfera pessoal e a patrimonial» já que a extensão que na vida actual assume o uso de depósitos bancários e as consequentes e múltiplas operações hoje realizadas através dos cartões que as movimentam permitem concluir que, a análise das contas bancárias constitui um quase resumo biográfico, marcadamente patrimonial mas também pessoal de cada individuo, nas palavras fieis do Exmo. Relator do citado Acórdão «um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respectivo titular». Vide, Ac. do T.C. n.º 442/2007
Como de forma esclarecedora escreveu muito recentemente José Casalta Novais Na sua obra intitulada «O dever fundamental de pagar impostos – contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo», Almedina, 2012 é obvio, hoje que «(…)o imposto se nos apresenta como um dever fundamental, isto é, um instituto jurídico que tem a sua disciplina traçada
ao mais alto nível - ao nível constitucional - onde integra a"constituição do indivíduo". O que significa que o imposto não deve ser considerado, como foi tendência no século passado, mormente na Alemanha, uma simples relação de poder em que o estado faz exigências aos seus
súbditos e estes se sujeitam em consequência dessa relação. Noutros
termos, o imposto não pode ser encarado nem como um mero poder para o
estado nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas
antes como um contributo indispensável para uma vida em comum e
próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado.”

O que vimos dizendo não significa (como nunca assim foi assumido) que o segredo bancário seja um direito absoluto e, consequentemente, passível de ser objecto de restrições necessárias à salvaguarda de outros interesses de igual dignidade constitucional, designadamente, a cooperação com a justiça, o equitativo pagamento de impostos, o combate à corrupção e criminalidade económico-financeira, à evasão fiscal desde que tal restrição, se necessária, derive de lei formal expressa e que a situação concreta seja passível de controlo jurisdicional adequado.
Em suma, defende-se a compatibilização do sigilo bancário com outros valores e interesses colectivos e com os deveres inspectivos próprios de uma administração fiscal, partindo-se da ideia de que a tributação segundo o lucro real, enquanto concretização do principio constitucional da igualdade (art. 104º da CRP) exige uma distribuição justa dos encargos fiscais entre os contribuintes a qual poderá implicar necessariamente a investigação administrativa dos elementos documentais e contabilísticos respeitantes às operações bancárias que dizem respeito aos contribuintes ou sujeitos passivos em investigação [neste sentido, Saldanha Sanches, «Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real», Ciência e Técnica Fiscal, n.º 377, Janeiro - Março de 1995, pag, 23 e seguintes).
Por ultimo, cumpre ainda acrescentar que, a regra, no nosso ordenamento jurídico, quanto ao acesso à informação protegida pelo sigilo bancário é a de prévia autorização judicial nos termos da legislação aplicável (artigo 63º, n.º 2 da LGT) constituindo, assim, a derrogação deste sigilo pela Administração Fiscal sem recurso àquela autorização, a excepção, a qual, está dependente, na sua validade, da verificação dos pressupostos plasmados nos artigos 63º – A e/ou 63º - B da LGT.
No caso concreto, pretendendo a administração tributária aceder a informações ou documentos relativas ao Recorrido cobertas pelo sigilo bancário tendo por fundamento a existência de indícios de falta de veracidade do declarado, esse acesso é directo e imediato (artigo 63-B da LGT), caso em que a falta de cooperação não é reconhecida como legitima.
A questão que se coloca é a de saber se, in casu, estavam ou não verificados os pressupostos legitimadores do recurso, por parte da Administração Fiscal, à derrogação do sigilo bancário que, no caso da alínea b) do artigo 63º-B da LGT são: (i) estar em causa uma declaração; (ii) que o contribuinte deva apresentar e (iii) que essa declaração esteja em falta ou, como é o caso que ora nos ocupamos, que existam indícios (suficientemente sólidos) que, de forma objectiva, possam ser imputáveis ao contribuinte faltoso ou autor da declaração indiciariamente inveridica.
Ora, os factos vertidos no probatório e colhidos do procedimento que procedeu a decisão de derrogação do sigilo fiscal, revelam, manifestamente, como bem foi decidido em primeira instância, que se relativamente aos acesso a contas bancárias do Recorrido nos anos de 2007 e 2008, tais pressupostos se encontravam integralmente preenchidos, o mesmos se não devia concluir, de facto e direito, no que concerne ao mesmo acesso de informações e registos bancários dos anos de 2005 e 2006 por, relativamente a estes anos, o sujeito passivo não estar a ser objecto de qualquer investigação administrativa e, consequentemente, quanto a estes se não colocar em causa a necessidade de apurar (confirmar ou infirmar) o declarado ou de apuramento da matéria tributável.
Para assim decidir a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo expendeu a seguinte fundamentação de facto e direito:
«O Recorrente exerceu funções enquanto trabalhador dependente na sociedade A.(…), Lda., nos anos 2005, 2006, 2007 e 2008.
No âmbito do processo de inquérito em que é arguida a referida sociedade, o seu gerente procedeu à substituição das declarações Modelos 10 referentes aos anos de 2005, 2006, 2007 e apresentou a de 2008, nas quais declarou remunerações pagas, como rendimentos da categoria A, substancialmente superiores às inicialmente declaradas e que constam das declarações de IRS apresentadas atempadamente.
Concretamente no que ao Recorrente diz respeito, constataram-se divergências entre as declarações modelo 3 de IRS por si apresentadas e as declarações modelo 10 apresentadas pela sua entidade empregadora, à data a que se reportam os factos, no montante 15.268,64 €, no ano de 2005, 16.910,03 €, no ano de 2006, 18.996,59 €, no ano de 2007, e 10.832,68 €, no ano de 2008.
Compulsados os documentos contabilísticos constantes do Processo Administrativo, verificam-se movimentos com a referência “remunerações a pagar ao pessoal” de montante substancialmente superior ao inicialmente declarado nas declarações modelo 10 e constantes nas declarações de rendimentos modelo 3 de IRS. A título de exemplo, com referência ao mês de Fevereiro de 2008, há um movimento a débito a favor de J.P.(…), ora Recorrente, no montante de 1.355,00 € sendo certo que dos extractos das remunerações da Segurança Social referentes a esse mês e ano, verifica que foi declarado apenas a quantia de 492,32 €.
O que consubstancia um indício forte no sentido de que as remunerações declaradas à Segurança Social, bem como à Administração Fiscal eram substancialmente inferiores às efectivamente recebidas.
Mais se apurou, no âmbito da acção inspectiva a que o Recorrente foi sujeito, que as funções por si desempenhadas na sociedade ANEP envolviam, entre outras, a classificação contabilística de documentos e o respectivo lançamento nos programas informáticos bem com o preenchimento de várias declarações fiscais e outras.
De igual forma se apurou que a A(…),Lda. era um gabinete de contabilidade com um grande número de clientes, sendo do conhecimento público que, em certos períodos, como o de entrega de declarações fiscais e do encerramento de contas, o volume de trabalho era de tal monta que os funcionários teriam de fazer um horário de trabalho mais alargado, correspondente, por vezes, a 2 turnos.
Assim, atendendo às regras de experiência comum, o desempenho daquele tipo de funções e a preparação técnica, até de nível superior, que as mesmas pressupõem, por um lado, e o volume de trabalho existente na entidade empregadora, que atinge maior incidência por altura da entrega das declarações fiscais e do encerramento das contas, por outro, não se afiguram consentâneos com o rendimento declarado pelo Recorrente, muito próximo do Salário Mínimo Nacional.
Do expendido supra resulta existirem indícios sólidos que permitem duvidar da veracidade das declarações modelo 3 de IRS entregue pelo Recorrente e referentes aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, encontrando-se assim legitimado o recurso ao levantamento do sigilo bancário de forma a apurar esses indícios.
Cumpre de seguida aferir se a decisão proferida pelo Sr. Diretor-Geral, sob recurso, cumpriu os limites a que deve obedecer a derrogação do sigilo bancário.
Como decorre da epígrafe do artigo 63.° da L.G.T. e também do artigo 36.°, n.° 5 do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária, doravante, R.C.P.I.T., o procedimento de levantamento do sigilo bancário tem lugar no âmbito do procedimento de inspecção tributária. Nestes termos, a decisão de levantamento ou derrogação do sigilo bancário é antes de mais, delimitada pelo objecto do procedimento de inspecção em curso. Esta natureza instrumental ou acessória obriga a que o acesso a documentação bancária anterior aos anos abrangidos pela fiscalização deva, no mínimo, estar devidamente justificado pela necessidade de apurar factos tributários ocorridos naqueles anos.
Por outro lado, há que chamar à colação o princípio da proporcionalidade, transversal a toda a actuação da administração tributária [cfr. artigos 266.°, n.° 2 da C.R.P. e 55.° da L.G.T.], e que assume um maior relevo em matéria de sigilo bancário. Como já se aflorou, o sigilo bancário tem dignidade constitucional na medida em que o bem jurídico por ele protegido cabe no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada, consagrado no artigo 26.°, n.° 1 da C.R.P. Com efeito, o sigilo bancário contende com o direito à reserva da vida privada na sua vertente de direito à autodeterminação informativa que consiste no direito de subtrair do conhecimento público, factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada. Neste sentido vide Acórdão do TC n.° 442/2007.
Segundo o princípio da proporcionalidade o levantamento ou derrogação do dever de sigilo bancário apenas pode ocorrer quando o acesso a documentos bancários é necessário e adequado à determinação directa e exacta da matéria tributável. Necessário porque os demais suportes documentais não permite o acesso à verdade fiscal do contribuinte, e adequado porque a verdade fiscal do contribuinte passa, no caso concreto, pela análise da sua documentação bancária.
O princípio da proporcionalidade também delimita o âmbito do acesso a documentos bancários, devendo reconduzir-se ao período abrangido pelo procedimento de inspecção e aos documentos necessários à confirmação dos factos em que assentou a própria decisão de derrogação desse dever2.
Regressando de novo ao caso concreto, a Administração Tributária foi confrontada com a ausência de elementos que permitissem comprovar a veracidade dos rendimentos declarados pelo Recorrente e com a recusa deste a que esta acedesse às suas contas bancárias.
Assim, o acesso à verdade fiscal do contribuinte terá que passar necessariamente pela análise da sua documentação bancária embora, atento o princípio da proporcionalidade, a actuação da administração tributária se encontre circunscrita ao que for necessário para o apuramento dos rendimentos não declarados do Recorrente, devendo apenas ser conhecidos os movimentos bancários que revelem obtenção de rendimento.
Vejamos agora se a decisão sob recurso respeitou o princípio da proporcionalidade na vertente do âmbito temporal do procedimento inspectivo.
O Recorrente foi sujeito a duas acções de fiscalização externa motivadas pelas Ordens de Serviço n.° 0(..)8 e n.° (…)9, para os anos de 2007 e 2008, respectivamente. Porém, foi autorizado o acesso às contas bancárias relativamente aos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008.
Segundo a informação complementar exarada pelo Sr. Director de Finanças Adjunto, transcrita no probatório, a A.(…);Lda, entidade empregadora do Recorrente, com referência aos anos a que se reportam os autos, foi sujeita a acções inspectivas abrangendo os anos de 2004 e 2008, no decurso das quais surgiram suspeitas da prática de crimes fiscais, nomeadamente no que concerne à existência de divergências entre as declarações modelo 10 apresentadas relativamente aos anos de 2005 a 2008 e as declarações de retenção apresentadas e pagas, tendo sido instaurado o processo de inquérito n.° 334/200.8JDBRG.
Dos autos do referido processo de inquérito consta uma petição apresentada pelo gerente da A.(…),Lda., através da qual solicita a aceitação de declarações modelo 10 de substituição às anteriormente apresentadas, em virtude de, como referiu, nas declarações a substituir ter sido declarado um valor, mas, na realidade, ter sido pago, um valor muito superior. Concluindo que os factos que estão a ser analisados no procedimento de inspecção encontram-se igualmente, a ser investigados em processo de inquérito sendo aplicável o artigo 45.°, n.° 5 da L.G.T.
Porém, julgamos que a justificação avançada pela Administração Tributária de modo a permitir o acesso a documentação bancária relativa a anos anteriores que não os abrangidos pelo procedimento inspectivo não colhe. Com efeito, esta debate-se com um obstáculo intransponível que reside no facto de apenas terem sido emitidas ordens de serviços e iniciados procedimentos inspectivos para os anos de 2007 e 2008.
Deste modo, o alargamento do sigilo bancário para anos anteriores apenas seria permitido se tal se afigurasse necessário para o apuramento de factos tributários que tivessem incidência nos anos abrangidos pelo procedimento inspectivo e não, como pretende, nos anos de 2005 e 2006.
Se a Administração Tributária considera possível a tributação relativamente estes períodos, em virtude do alargamento do prazo de caducidade previsto no artigo 45.°, n.° 5 da L.G.T., e pretende, para o efeito, o acesso às contas bancárias relativamente àqueles anos, terá de emitir ordens de serviço para esses anos e ordenar os referidos procedimentos inspectivos, podendo, nesse âmbito, determinar a derrogação do sigilo bancário.».
Cremos, repita-se, que o assim decidido não merece censura.
Na verdade, no caso concreto, atenta, por um lado a natureza marcadamente instrumental deste tipo de procedimentos [revelada na inserção sistemática da sua regulamentação no tema da inspecção tributária e da qual decorre que o levantamento do sigilo bancário nunca pode ser um fim em si mesmo, só podendo ocorrer no quadro de uma acção de fiscalização tributária, sendo, por isso, delimitada pelo objecto e pelo âmbito temporal dessa acção inspectiva (artigo 63..º da LGT) a necessidade de subordinar o levantamento do sigilo bancário a critérios de proporcionalidade (de que decorre que o levantamento do sigilo bancário só constituirá um instrumento lícito do apuramento da situação tributária do sujeito passivo quando, em concreto, se revelar necessário, no sentido de que não existe outra forma de suplantar a falta de colaboração do contribuinte; adequado, no sentido de que a informação em falta pode ser obtida com recurso a essa informação bancária, e proporcionada em sentido estrito, no sentido de que só pode ser pretendido o levantamento do sigilo bancário quanto aos elementos e aos períodos relativamente aos quais foi verificada a falta de colaboração) e, por fim, perante os factos apurados (isto é, perante a inequívoca existência tão só de inspecções determinadas aos anos fiscais de 2007-2008 (únicos anos para os quais, de resto, foi previamente solicitada autorização ao Recorrido); a confirmação de que o ora Recorrido não assumia, no processo de inquérito (invocado em recurso como legitimador do alargamento do âmbito temporal do acesso bancário) a qualidade de arguido e face à inexistência no caso concreto, de qualquer justificação que tivesse sido adiantada de que aquele acesso a anos anteriores aos objecto de inspecção ou investigação eram imprescindíveis à já referida confirmação ou infirmação dos indícios ou à determinação da matéria tributada, situação esta que, alegada ou revelada pelo procedimento podia legitimar a derrogação do sigilo bancário com essa amplitude), sempre o despacho impugnado, na parte em que autoriza o sigilo bancário para além do período temporal a que respeita o procedimento inspectivo, isto é, relativamente aos anos de 2005 e 2006, teria que ser anulado.
Donde, e por todo o exposto, se julga ser de indeferir o presente recurso jurisdicional mantendo-se, na integra, a sentença proferida.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em
Negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.
Porto, 27 de Setembro de 2012
Anabela Russo
Álvaro Dantas
Catarina Almeida e Sousa