Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00468/06.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. QUESTÃO NOVA. CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO.
Sumário:
I) Os recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular a decisão de que se recorre, dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que não lhes cabe o conhecimento ex novo de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida (como sucede no caso presente com a matéria da insuficiência do património) - regra que só pode ser quebrada quando lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
II) O facto ilícito susceptível de fazer incorrer o gestor em responsabilidade não se consubstancia apenas na falta de pagamento da obrigação tributária, mas também numa actuação conducente à insuficiência do património da sociedade, pois que, sendo o propósito da norma inverter o ónus da prova de que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, naturalmente que para provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento deve exigir-se que se prove que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente.
III) Ora, estamos a falar de dívidas de 1991, 1992 e 1993, sendo que não existe qualquer elemento a propósito de eventuais iniciativas da empresa no sentido de resolver a situação, o que nada abona em relação aos seus gerentes, além de que a opção feita de não pagar as dívidas ao Estado durante cerca de uma década, efectuando outros pagamentos (apesar do exposto, a sociedade continuou a funcionar e aparentemente terá cumprido as suas obrigações para com os seus trabalhadores e fornecedores), revela que o oponente podia e devia ter efectuado o pagamento dos impostos, só não o tendo feito por ter dado prioridade a outros credores, numa atitude de arbítrio e disponibilidade de imperativos legais que não podia desconhecer nem estavam na sua disponibilidade.
IV) Depois, ao protelar a situação de não pagamento das dívidas fiscais foi agravando o prejuízo do credor Estado e a possibilidade de este ver cobrados os seus créditos à custa do património da empresa, pois à medida que as dívidas se vão avolumando, o património da sociedade vai ficando cada vez mais deficitário para pagar as suas dívidas, além de que o oponente não logrou demonstrar as causas da falta de liquidez e bem as diligências por si encetadas para combater essa falta de liquidez. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Pronunciou-se pela improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
JA, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 02-10-2018, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo mesmo na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal n.º 1821199401027336, que corre termos no Serviço de Finanças (SF) de Matosinhos, originariamente instaurada contra a sociedade “OCP, Lda.”, e contra si revertida, por dívidas de IRS e IRC, no montante global de €115.166,30.
Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. … ), nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
Vem o presente recurso interposto da douta sentença, que julgou improcedente, a oposição à Reversão Fiscal, como responsável subsidiário, duma dívida de € 115.166,30, referente a IRS de 1992 e 1993 e IRC dos anos de 1991, 1993 e 2001 e 2002 da OCP, Lda.,
E vem o presente recurso interposto, da douta sentença recorrida, com base em erro de julgamento, face à factualidade dada como provada, efetuado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, assim como em omissão de factos dados como provados, face à prova produzida em audiência de Julgamento.
Considerou o Tribunal ad quo, no ponto 20 da matéria dada como provada:
“20: Em 8/11/2005 o serviço de finanças de Matosinhos 1 remeteu ao Oponente “citação(reversão)) pelo PEF 1821199401027336, de onde consta o seguinte:
“Fundamentos de reversão. Exercício do cargo de gerente na executada originária, nos períodos a que respeitam as dívidas e não possui bens penhoráveis”- cfr. fls. 173”
Veja-se que a fundamentação unicamente alegada no Despacho de reversão foi:
“Exercício do cargo de gerente na executada originária, nos períodos a que respeitam as dívidas”.
Nem sequer se invoca o normativo legal aplicável à reversão.
Sendo o regime de responsabilidade dos gerentes, regulado pela Lei sob cuja vigência ocorrem os respetivos pressupostos da obrigação de responsabilidade, às dívidas de 1991, 1992 e 1993, aplicar-se á o artº 13º do CPT.
Assim, não basta provar a gerência de direito, continuando a caber à Fazenda Pública provar que a designação correspondeu o efetivo exercício da função, posto que a Lei não se basta, para responsabilizar o gerente com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização, nesse sentido, Ac. do STA de 28/02/07, Proc. 01132/06 e o AC do TCAN de 27/3/2008, Proc. 90/03, in www.dgsi.pt.
Relativamente às dividas de 2001 e 2002, aplicar-se-á o artº 24º da LGT, tendo o Despacho de reversão invocado somente “nos períodos a que respeitam a dívida”, refere-se à alínea a) do artº 24º da LGT, logo deveria ter demonstrado a culpa do oponente na ocorrência, como não o fez, deverá ser considerada parte ilegítima na execução fiscal.
Sem prescindir,
Face à prova produzida,
Tendo em atenção o objeto social, da devedora originária, consistia na execução, na área portuária, de todas as operações de carga e descarga, estiva e desestiva, transbordo, movimentação e arrumação em cais, terraplenos ou armazéns, formação e decomposição de unidades, recepção e entrega e, ainda, todas as operações complementares, designadamente peritagens, pesagens, peações, amostragens e outras requeridas pelas mercadorias desembarcadas ou destinadas a embarque.
10ª De toda a prova carreada para os autos, resultou claramente que os seus gerentes, nomeadamente o oponente, agiu como um “bónus pater famílias”.
11ª O depoimento idóneo, sério e credível, das testemunhas, que demonstraram perfeito conhecimento da crise vivida e presenciada no sector, e em concreto da empresa responsável originária, assim o demonstraram.
12ª Face a toda a prova produzida, à semelhança de outro processo de outro gerente, sobre as mesmas execuções, factos e despacho de reversão, sendo a prova produzida a mesma efetuada em que se requereu o aproveitamento, tendo já transitado em julgado com o deferimento da oposição, deveria ter sido considerado como factos provados:
13ª “A OCP tinha um grande quadro de pessoal - cfr. testemunho de JHVS e de MUG.
14ª Houve uma crise portuária nos anos de 1991 e 1992 – cfr. testemunho JHVS, AO e de MUG.
15ª A reestruturação do Porto de Leixões determinou o despedimento de grande parte do pessoal, a quem a OCP, Lda teve de pagar elevadas indemnizações – cfr. testemunho de AO.
16ª A OCP, participou na cobertura do deficit de tesouraria do órgão de Gestão de Trabalhadores Portuários em 15 mil contos - testemunho de AO e de MUG.
17ª O pacto de Concertação Social do Sector Portuário reduziu o pessoal em excesso - cfr. testemunho de JHVS e de MUG.
18ª Face a toda a prova produzida em julgamento, ao contrário do alegado na Douta Sentença Recorrida, deveria considerar-se que o oponente conseguiu ilidir a presunção de culpa, comprovando que a conduta prosseguida foi de modo a ultrapassar os diversos factores exógenos ocorridos ao longo dos anos, não sendo claramente por culpa sua o não cumprimento das obrigações fiscais.
Nestes termos e nos mais de direito, que sempre serão supridos no provimento do presente recurso, deve ser proferido acórdão que revogue a sentença recorrida, julgando procedente a oposição extinguindo em consequência a execução revertida contra o oponente, assim se fazendo JUSTIÇA
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do presente recurso.
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento de facto bem como indagar da existência ou não de culpa por parte do ora Recorrente na insuficiência do património da sociedade devedora originária.
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3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Em 30/03/1994, no Serviço de Finanças de Matosinhos foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 1821199401027336, contra a sociedade devedora originária (SDO) OCP, Lda., com o NIPC 50xxx15 (fls. 21 e ss. e 242);
2. OCP, Lda. foi citada para o processo descrito em 2/05/1994 – cfr. fls. 131;
3. No âmbito do referido PEF o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 exarou auto de penhora em 2/05/1994 sobre bens da OCP, Lda. – cfr. fls. 133 e ss.;
4. A OCP, Lda. intentou Acção Especial de Recuperação de Empresa, autuado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos com o n.º 1400/94 – cfr. fls. 149;
5. Em 2/11/1995 foi realizada no âmbito do processo de recuperação de empresa assembleia de credores - cfr. fls. 149 e ss.;
6. Neste âmbito a OCP, Lda. requereu em 30/01/1997 o pagamento em prestações ao abrigo do Decreto-lei n.º 124/96, de 10 de Agosto - cfr. fls. 149 e ss.;
7. O pedido foi deferido por despacho de 26/02/1998 - fls. 149 e ss.;
8. Tendo entrado em cumprimento foi ordenado o prosseguimento da execução, em 21/12/1994, tendo sido vendidas, em 06/09/1999, 2 viaturas penhoradas – fls. 149;
9. Na mesma data o Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos requereu a remessa ao Tribunal dos processos de execução fiscal pendentes contra OCP, Lda. – cfr. fls. 179;
10. Em 05/09/2003 foi exarado pelo Director Geral dos Impostos despacho de exclusão do plano de pagamento referido – cfr. fls. 177 e ss.;
11. Foi emitida ordem de serviço para diligências na execução em 28/04/2004, que foram verificadas em 13/05/2004 – fls. 150;
12. Em 18/06/2004 o OEF deu por verificada a falta de património da devedora originária e determinou a procura do mesmo na conservatória - fls. 153;
13. Em 24/01/2005 foi declarada a inexistência de património da devedora originária – fls. 165;
14. Para preparação da reversão foram apensados ao PEF referido os PEF 1821199501000616; 1821199501012401; 18219510276689; 1821199501030558; 1821200401056980; e 1821200301060546 – fls. 243;
15. Na mesma data foi ordenada a audição prévia do Oponente para efeito da reversão das dívidas – fls. 165 e ss.;
16. O Oponente JA foi notificado para o exercício do direito de audição para reversão – fls. 166;
17. O Oponente respondeu nos termos de fls. 167 e ss.;
18. Em 7/10/2005 foi proferida informação pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 nos seguintes termos: “(…) Em face das diligências efectuadas e que fazem parte da instrução do processo, verifica-se que, feita a notificação para a audição dos responsáveis subsidiários da executada JA, (…) disseram que para poderem exercer devidamente o seu direito de audição, requerem a notificação de todos os requisitos omitidos, como sejam a fundamentação, o despacho do Chefe de Finanças e as respectivas certidões de dívida. Salvo melhor entendimento não houve omissão de requisitos previstos no artº 37º do CPPT, pois que o projecto da decisão e a sua fundamentação, constam da notificação feita em 25/01/2005, tal como refere o n.º 5 do artigo 60º da LGT (…) Concluindo, tendo em conta que a imputação da responsabilidade aos períodos da dívida é, em termos de facto, de difícil concretização, e que as alegações produzidas não afastam a presunção legal da culpa referida no artº 23º da LGT - Lei Geral Tributária, será de reverter as dívidas contra os responsáveis subsidiários que em termos de direito estão devidamente identificados, no registo pela Conservatória do Registo Comercial. (…)” – cfr. fls. 171;
19. A informação descrita teve em 7/10/2005 despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 com o teor seguinte: “Tendo em vista a informação que antecede, proceda-se à citação dos responsáveis subsidiários nos termos do artigo 160º do CPPT – Código de Procedimento e de Processo Tributário, que deve conter a fundamentação referida no n.º 2 do artº 153º do CPPT para pagar, no prazo de 30 dias, a dívida exequenda que contra eles reverteu, a saber: (…), JA (…)” – cfr. fls. 172;
20. Em 8/11/2005 o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 remeteu ao Oponente “citação (reversão)” pelo PEF 1821199401027336, de onde consta o seguinte: “Fundamentos de reversão. Exercício do cargo de gerente na executada originária, nos períodos a que respeitam as dividas e não possui bens penhoráveis” – cfr. fls. 173;
21. O respectivo AR foi assinado em 11/11/2005 – fls. 174;
22. As dívidas são provenientes de IRS e IRC, dos anos de 1991, 1992, 1993, 2001 e 2002, no montante global de €115.166,30, em execução no PEF n.º 1821199401027336 e apensos – fls. 19 a 248;
23. Em 03/02/1995 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821199501000616 em nome de OCP, Lda., NIPC 50xxx15, por dívidas de IRS do ano de 1993 – cfr. fls. 175;
24. Em 10/05/1995 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821199501012401 em nome de OCP, Lda., NIPC 50xxx15, por dívidas de IRS do ano de 1993 – cfr. fls. 189 e ss.;
25. A devedora originária foi citada em 25/05/1995 – fls. 189 e ss.;
26. Em 27/06/1995 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 18219510276689, em nome de OCP, Lda., NIPC 50xxx15, por dívidas de IRC, do ano de 1993 – cfr. fls. 189 e ss.;
27. Em 8/09/1995 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821199501030558 em nome de OCP, Lda., NIPC 50xxx15, por dívidas de IRC do ano de 1991 – cfr. fls. 213;
28. Tendo a devedora originária sido citada em 18/10/1995 – fls. 213 e ss.;
29. Em 18/09/2003 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821200301060546, em nome de OCP, Lda., NIPC 50xxx15, por dívidas de IRC do ano de 2003 – cfr. fls. 214 e ss.;
30. Em 29/07/2004 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821200401056980, em nome de OCP, Lda., NIPC 50xxx15, por dívidas de IRC do ano de 2002 – cfr. fls. 235 e ss.;
31. O Oponente intentou os presentes autos em 16/11/2005 – cfr. fls. 2.
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não existem.
MOTIVAÇÃO.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74, n.º 1, da LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516, do CPC).
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74, da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76, n.º 1, da LGT e 362 e seguintes do Código Civil (CC)), nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório.
Foi ainda ponderada a prova testemunhal, segundo a livre apreciação do julgador, que não foi suficiente para formar a convicção do Tribunal no sentido de que a diminuição do património da sociedade se ficou a dever ao contexto económico em que a mesma se inseria na medida em que os depoimentos prestados se mostraram vagos e genéricos e circunscritos ao contexto de dificuldades que se fizeram sentir na actuação da empresa, sem mostrarem um conhecimento directo relativamente ao impacto de tais dificuldades no funcionamento da empresa, designadamente à participação do oponente nos destinos da sociedade, não tendo as mesmas deposto sobre o decréscimo do volume de negócios da devedora originária.
A testemunha JHVS, economista, afirmou ser amigo do oponente e ter mantido com o mesmo, enquanto gerente da sociedade devedora originária (OCP), relações profissionais entre 1983 e 2000, tendo referido que OCP passou por dificuldades financeiras, situação que levou a que o oponente tivesse procurado a testemunha com vista à fusão daquela sociedade com a empresa da testemunha (a SP), a qual não chegou a concretizar-se uma vez que pressupunha o pagamento de dívidas da OCP que a SP não estava em condições de assegurar. Atribuiu aquelas dificuldades às circunstâncias de a OCP se dedicar principalmente à prestação de serviços de “carga geral fraccionada” e, com o processo de “contentorização” no Porto de Leixões - mais rentável face ao transporte em paletes e sacos, com um elevado esforço de manuseamento de carga, permitindo aquele reduzir custos -, ter diminuído aquela sua actividade. Apesar de ter perdido grande parte das prestações de serviços, a OCP ficou com número excessivo de trabalhadores, o que agravou a situação de dificuldade económica da empresa.
A testemunha AO, economista, afirmou conhecer o oponente no âmbito de relações profissionais estabelecidas com o mesmo desde 1985 por ter trabalhado como Director Geral do Centro Coordenador de Trabalhos Portuários, depois convertido na Associação GPL - Empresa de Trabalho Portuário Douro Leixões. Referiu que a OCP ficou prejudicada com os desvios de cargas de madeira para Aveiro ocorridos em 1991/92.
A testemunha MUG, gestor, afirmou conhecer o oponente no âmbito de relação profissional estabelecida desde os anos oitenta até 1994, por estarem no mesmo sector de actividade uma vez que a testemunha estava na associação que representava as empresas de estiva e assumiu a prestação de serviços à OCP. A testemunha confirmou a situação de facto descrita pelas duas anteriores testemunhas.
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3.2. DE DIREITO
A partir daqui, assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da essência do recurso jurisdicional “sub judice”, o que significa indagar da existência ou não de culpa por parte do ora Recorrido na insuficiência do património da sociedade devedora originária, sem olvidar a questão do julgamento de facto.
Para recusar conceder abrigo à pretensão do ora Recorrente, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Nesta matéria da prova da culpa, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Tributário) de 07/07/2010, processo n.º 0945/09, “As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos.”
Por conseguinte, conforme assentou já a jurisprudência, a determinação da responsabilidade subsidiária afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas.
O Código de Processo Tributário (CPT) entrou em vigor em 01/07/1991 e só deixou de vigorar, nesta matéria, com a entrada em vigor da LGT, em 01/01/1999.
Conforme resulta da factualidade assente, a execução fiscal contra a qual se dirige a presente oposição tem em vista a cobrança coerciva de dívidas relativas aos anos de 1991, 1992, 1993, 2002 e 2003.
Estando em causa dívida relativa a imposto cujos factos constitutivos se verificaram antes da entrada em vigor da LGT), é aplicável a norma do n.º 1 do artigo 13, do CPT, a qual dispõe o seguinte: “Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para as prestações devidas.”
Desta norma resulta que a Administração Tributária beneficia da presunção de culpa pela falta de pagamento por parte do revertido, pelo que – não estando em causa o exercício do gerência por parte do oponente - incumbe a este provar que não lhe foi imputável a insuficiência do património social para satisfazer os créditos tributários.
Relativamente às dividas de 2002 e 2003, posteriores à entrada em vigor da LGT, estabelece o artigo 24/1, da LGT, que "os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que, exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoal colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fisicamente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento."
Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício (alínea a)) ou vencidas no período do seu mandato (alínea b)).
À luz destas disposições só relativamente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo (alínea b) do n.º 1, do artigo 24, se faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhe é imputável.
Portanto, na prática em ambas as situações aqui em apreço se impunha ao oponente provar a ausência de culpa.
Vejamos se logrou fazer tal prova.
O oponente pretendeu fazer a prova da inexistência de culpa sua na insuficiência do património da sociedade para satisfazer os créditos tributários alegando que as dificuldades económicas da sociedade se ficaram a dever ao contexto de actividade em que a mesma se inseria, ou seja, a factores exógenos e alheios à vontade do mesmo.
Concretamente atribui a decadência da devedora originária à crise que se fez sentir no sector de actividade da mesma com diminuição do volume de negócios associado.
Importava, no entanto, que se demonstrasse a ocorrência desse processo de decadência da empresa, alegando e provando, nomeadamente:
a) O modelo de organização e funcionamento da empresa (tipo de negócio, matéria-prima necessária, existência de stocks, mão-de-obra);
b) Quais os seus principais fornecedores e clientes e sua representatividade no volume de negócios anual;
c) Quais os clientes que perderam e/ou os que diminuíram as suas aquisições;
d) Quais os valores concretos das matérias-primas, dos custos agregados e das taxas bancárias e sua oscilação no tempo;
e) Medidas concretas tomadas para aumento dos lucros ou diminuição de despesas.
Só assim poderia o Tribunal aferir, em concreto, se o oponente tinha meios ao seu dispor para, apesar da situação da empresa, dar cumprimento às dívidas fiscais.
Porém, o oponente não alegou qualquer facto concreto cuja prova fosse susceptível de demonstrar a sua falta de culpa no não pagamento das dívidas fiscais em apreço, limitando-se a invocar uma situação de crise geral e abstracta.
Em suma, a escassa factualidade alegada e provada não permite ter uma noção da dimensão dos alegados problemas financeiros gerados e a sua relação de causalidade com o incumprimento das obrigações fiscais. Na verdade, a alegação da existência de problemas financeiros não é um facto mas uma conclusão a extrair de factos concretos consubstanciados nos dados contabilísticos da empresa, os quais não foram alegados pelo oponente.
Pelo exposto, não ficou provado que não lhe foi imputável a insuficiência do património da sociedade para satisfazer a dívida exequenda, pelo que a oposição não poderá igualmente proceder nesta parte.
Nestes termos, terá de improceder a presente oposição. …”.
Nas suas alegações, a Recorrente sublinha que foi considerado assente que:
“20: Em 8/11/2005 o serviço de finanças de Matosinhos 1 remeteu ao Oponente “citação(reversão)) pelo PEF 1821199401027336, de onde consta o seguinte:
“Fundamentos de reversão. Exercício do cargo de gerente na executada originária, nos períodos a que respeitam as dívidas e não possui bens penhoráveis”- cfr. fls. 173”
Por outro lado, a fundamentação unicamente alegada no Despacho de reversão foi: “Exercício do cargo de gerente na executada originária, nos períodos a que respeitam as dívidas” e nem sequer se invoca o normativo legal aplicável à reversão, de modo que, sendo o regime de responsabilidade dos gerentes, regulado pela Lei sob cuja vigência ocorrem os respectivos pressupostos da obrigação de responsabilidade, às dívidas de 1991, 1992 e 1993, aplicar-se á o artº 13º do CPT e relativamente às dividas de 2001 e 2002, aplicar-se-á o artº 24º da LGT, tendo o Despacho de reversão invocado somente “nos períodos a que respeitam a dívida”, refere-se à alínea a) do artº 24º da LGT, logo deveria ter demonstrado a culpa do oponente na ocorrência, como não o fez, deverá ser considerada parte ilegítima na execução fiscal.
Antes de avançar, cabe ter presente que no âmbito do que agora ficou exposto, o Recorrente aponta também que não basta provar a gerência de direito, continuando a caber à Fazenda Pública provar que a designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a Lei não se basta, para responsabilizar o gerente com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização (Conclusão 7ª)
Ora, a questão da gerência de facto envolve questão nova que não foi apreciada pelo tribunal recorrido, por lá não ter sido suscitada, pois que percorrida a petição inicial subjacente à presente oposição, não se encontra rasto da matéria que agora se pretende ver apreciada nos autos.
Tal significa que se está perante questão nova, integrada no processo através das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, realidade até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada em qualquer peça processual e não tendo, por isso, sido apreciada na sentença.
Assim, tal como se afirma no recente Ac. do S.T.A. de 13-03-2013, Proc. nº 0836/12, www.dgsi.pt, “… como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.).
Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso.
Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81. …”.
Deste modo, tratando-se, como se trata, de matéria nunca antes suscitada nos autos, e que naturalmente não foi apreciada na decisão recorrida, forçoso é concluir que nesta parte o presente recurso está condenado ao insucesso.
Voltando ao que interessa ao presente recurso, no que concerne às dívidas de 2001 e 2002, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 da LGT, o qual estabelece que:
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Quando ao âmbito de aplicação das referidas alíneas contidas citado no artigo 24º da LGT, o Ac. do S.T.A. de 14-02-2013, Proc. nº 642/12, www.dgsi.pt refere que:
“ [a] alínea a) do nº 1 do art. 24º abrange apenas as situações em que o gerente à data da constituição das dívidas já não o era na altura em que estas deviam ter sido pagas (razão por que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para esse posterior pagamento, competindo à FP o ónus da prova dessa culpa), e que a alínea b) abrange a responsabilidade dos gerentes que exerceram o cargo à data do pagamento das dívidas, independentemente de o terem exercido ou não no período da constituição da dívida (razão por que lhe caberá provar que não lhe é imputável essa falta de pagamento) (Esta diferença no regime do ónus da prova compreende-se quando se atenta que no caso da alínea a) o gerente não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, dado que enquanto exerceu o cargo a dívida não fora posta a pagamento, pelo que só poderá ser responsabilizado caso a exequente prove que ele teve culpa na insuficiência do património societário. E, no caso da alínea b), quando se atenta que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, pelo que tem de ser este a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período do exercício do cargo, designadamente pela demonstração de que foram os gerentes que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida que praticaram os actos lesivos do património da executada impeditivos do pagamento das dívidas posteriormente postas à cobrança.) (…)”
Na situação dos autos, é verdade que o despacho de reversão não é modelar neste âmbito, em nenhum momento aludindo ao art. 24º da LGT, não esclarecendo qual das alíneas da norma em apreço serviu de fundamento à reversão, sendo que aquilo que foi transmitido ao ora Recorrente foi o que consta do ponto 20. do probatório, ou seja, “Fundamentos de reversão. Exercício do cargo de gerente na executada originária, nos períodos a que respeitam as dívidas e não possui bens penhoráveis” - cfr. fls. 173.
Nesta medida, cremos que a análise desta matéria terá de tomar outro rumo relativamente ao exposto na decisão recorrida onde, sem convencer, é dito que em ambas as situações aqui em apreço se impunha ao oponente provar a ausência de culpa.
Com efeito, compulsados os elementos presentes nos autos, a própria certidão da Conservatória do Registo Comercial, a AT apenas tinha capacidade para, no fundo, aquilo que expressou, ou seja, o exercício da gerência nos períodos a que respeitam as dívidas, o que nos remete para a al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT.
Pois bem, quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. O ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Com efeito, neste domínio, impunha-se que a reversão da execução fiscal efectuada ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT fosse acompanhada da prova (pela administração tributária) de factos demonstrativos da destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do activo social, da criação ou agravamento artificial de activos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, entre outros factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora. Não é, pois a mera falta de mérito ou habilidade na gestão da sociedade que pode fundamentar a decisão de reversão, mas uma gestão que se traduza em factos ilícitos e violadores de normas concretas de protecção dos credores sociais - António Lima Guerreiro, LGT anotada, pág. 141.
Nesta sequência, resulta claro que os elementos presentes nos autos não fornecem qualquer contributo no sentido de se poder dizer que a AT alegou e/ou invocou a culpa do ora Recorrente pela insuficiência do património, o que equivale a dizer que não foi demonstrada a culpa deste neste âmbito, o que significa que tem de proceder a alegação do Recorrente nesta sede, não podendo manter-se a decisão recorrido no que concerne às dívidas de 2001 e 2002, com a natural procedência do recurso nesta parte.
E quanto ao mais?
No que diz respeito às dívidas de 1991, 1992 e 1993 é-lhes aplicável o regime do CPT.
Assim sendo, ganha particular acuidade o art. 13º do CPT, o qual estabelece que “os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais”.
Quanto a esta matéria, convém frisar que a culpa do responsável subsidiário que releva para efeitos do art. 13º do CPT é a que decorre do incumprimento das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores, quando de tal incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património social para a satisfação dos créditos fiscais. E que essa culpa se presume, de acordo com a presunção legal instituída pelo referido preceito, pelo que a credora (Fazenda Pública) não está obrigada a expressar os fundamentos dessa culpa, em harmonia com o disposto no art. 350º nº 1 do Código Civil, segundo o qual quem tem a seu favor presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
E tratando-se de uma presunção legal juris tantum, que só é susceptível de ser ilidida por prova em contrário (art. 350º nº 2 do C.Civil), o oponente tinha de conseguir persuadir o Tribunal, através de prova positiva e directa, da inverificação do facto presumido (culpa), através de factos que permitissem demonstrar que não foi por culpa sua que o património da sociedade devedora se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas em causa, sabido que tal insuficiência patrimonial não pressupõe necessariamente a alienação voluntária dos bens da sociedade, podendo resultar da acumulação de dívidas e consequente venda coerciva do património social pelos respectivos credores.
Tal significa que o acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.
Assim sendo, a AT tem a sua tarefa facilitada neste ponto, pois que incumbe ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhe pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, verificando-se que o Recorrente nada aponta neste domínio, pretendendo apenas que não é possível formular o juízo de culpa, matéria que não tem o enquadramento apontado pelo Recorrente, nem pode conduzir o presente recurso a “bom porto”.
Com efeito, apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não podia deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Para analisar a matéria em apreço, em toda a sua extensão, vamos considerar, sem mais, a matéria que o Recorrente pretende ver consagrada nos autos, a saber:
- “A OCP tinha um grande quadro de pessoal - cfr. testemunho de JHVS e de MUG.
- Houve uma crise portuária nos anos de 1991 e 1992 – cfr. testemunho JHVS, AO e de MUG.
- A reestruturação do Porto de Leixões determinou o despedimento de grande parte do pessoal, a quem a OCP, Lda teve de pagar elevadas indemnizações – cfr. testemunho de AO.
- A OCP, participou na cobertura do deficit de tesouraria do órgão de Gestão de Trabalhadores Portuários em 15 mil contos - testemunho de AO e de MUG.
- O pacto de Concertação Social do Sector Portuário reduziu o pessoal em excesso - cfr. testemunho de JHVS e de MUG.
Ora, a realidade agora exposta não tem a virtualidade de conduzir a uma solução diferente daquela que ficou consagrada na decisão recorrida, porquanto, incumbindo ao oponente demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas durante a sua gerência não lhes pode ser imputada, porque a inexistência ou insuficiência de bens na empresa que geriu não é da sua responsabilidade, e tal como decidido, importava o mesmo demonstrasse a ocorrência desse processo de decadência da empresa, alegando e provando: a) O modelo de organização e funcionamento da empresa (tipo de negócio, matéria-prima necessária, existência de stocks, mão-de-obra); b) Quais os seus principais fornecedores e clientes e sua representatividade no volume de negócios anual; c) Quais os clientes que perderam e/ou os que diminuíram as suas aquisições; d) Quais os valores concretos das matérias-primas, dos custos agregados e das taxas bancárias e sua oscilação no tempo.
Com efeito, só a partir dessas coordenadas gerais é que o Tribunal poderia aferir, em concreto, a natureza dos motivos invocados e o seu impacto no funcionamento da empresa e concluir se o oponente tinha meios ao seu dispor para, apesar da mesma, dar cumprimento às dívidas fiscais.
Quando se analisa o probatório em toda a sua extensão, aquilo que se apreende é que a devedora originária passou por dificuldades que se reflectiram essencialmente sobre o seu pessoal que foi afectado pela situação descrita e nem sequer é muito claro o impacto dessa situação sobre a actividade da empresa.
Desde logo, qual a repercussão da tal crise na vida da sociedade? Nada é dito sobre a eventual percentagem de diminuição da actividade da mesma. Do mesmo modo, a questão do pessoal não é tratada em termos de permitir o seu enquadramento com referência à vida da sociedade, seja no que concerne ao alcance dos encargos assumidos, seja no que diz respeito à capacidade da empresa de gerar rendimento.
Depois, importa não esquecer que estamos a falar de dívidas de 1991, 1992 e 1993, sendo que não existe qualquer elemento a propósito de eventuais iniciativas da empresa no sentido de resolver a situação, o que nada abona em relação aos seus gerentes que, porventura, até porque a opção feita de não pagar as dívidas ao Estado durante cerca de uma década, efectuando outros pagamentos (apesar do exposto, a sociedade continuou a funcionar e aparentemente terá cumprido as suas obrigações para com os seus trabalhadores e fornecedores), revela que o oponente podia e devia ter efectuado o pagamento dos impostos, só não o tendo feito por ter dado prioridade a outros credores, numa atitude de arbítrio e disponibilidade de imperativos legais que não podia desconhecer nem estavam na sua disponibilidade.
Além disso, ao protelar a situação de não pagamento das dívidas fiscais foi agravando o prejuízo do credor Estado e a possibilidade de este ver cobrados os seus créditos à custa do património da empresa, pois à medida que as dívidas se vão avolumando, o património da sociedade vai ficando cada vez mais deficitário para pagar as suas dívidas, além de que o oponente não logrou demonstrar as causas da falta de liquidez e bem as diligências por si encetadas para combater essa falta de liquidez.
Em suma, a factualidade apurada nos autos em toda a extensão considerada não permite afirmar que a insuficiência do património da sociedade executada se ficou a dever a causas externas à gestão do ora Recorrente e que este não concorreu ou não contribuiu para esse resultado, já que não provou de forma convincente que tenha desenvolvido esforços e empregue o melhor do seu saber para resolver e superar essas dificuldades e satisfazer o pagamento das dívidas ao Estado.
Assim sendo, não vemos como recusar total pertinência ao exposto na decisão recorrida nesta matéria, o que importa o total naufrágio do presente recurso neste domínio.
***
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que não atendeu a pretensão formulada em relação às dívidas de IRC dos anos de 2001 e 2002, e nesta sequência, julgar procedente a presente oposição em relação àquelas dívidas (IRC de 2001 e 2002), mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente e Recorrida em ambas as Instâncias, na proporção do decaimento.
Notifique-se. D.N..
Porto, 23 de Maio de 2019
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina Bento