Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00705/12.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. JUROS COMPENSATÓRIOS. FUNDAMENTAÇÃO. NOTIFICAÇÃO.
Sumário:I) A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.
II) A notificação é um acto exterior e posterior ao acto tributário notificado e os vícios que afectem a notificação em si, podendo embora determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de gerar a invalidade do acto tributário e de determinar a anulação visada com a presente impugnação, o que determina a procedência do presente recurso, na medida em que os elementos presentes nos autos permitem identificar a liquidação em causa e o alcance da mesma em termos de se afirmar que a mesma está fundamentada, sendo que a questão da falta de notificação da mesma com todos os seus elementos envolve matéria que não contende com a validade da mesma, podendo, isso sim, reflectir-se noutra sede.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:E...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 05-11-2013, que julgou procedente a pretensão deduzida por E...na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação de juros compensatórios atinente à liquidação de IRS n.º 20115005141527 do ano de 2007.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 99-103), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(...)
I. Julgou a douta Sentença recorrida procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de juros compensatórios relativa à liquidação de IRS n.º 20115005141527 do ano de 2007.
II. O decidido, louva-se na consideração de que “não tendo a Impugnante sido notificada dos elementos mínimos necessários (montante de imposto sobre que recaem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis) para que a liquidação de juros compensatórios se mostre fundamentada, impera concluir pela falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios aqui controvertida, procedendo o que vem invocado.”
III. Não se conforma a Fazenda Pública com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento - de facto e de direito.
IV. De molde a subsumir a situação real respigada dos autos à boa decisão da causa, o probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no artigo 662º, n.º 1 do CPC, completando-se os factos dados por provados sobre os itens - 4 e 5 - que se mostram documentalmente provados e importam à boa decisão da causa.
V. Contrariamente ao sentenciado, consideramos que da prova junta aos autos resulta a demonstração de que a liquidação de juros compensatórios foi notificada à Impugnante, atento o referido no artigo 2º da petição inicial e respetivos documentos aí mencionados, a saber, doc. n.º 3.
VI. Assim, ao decidir como decidiu a M.ma Juiz “a quo” fez uma errada apreciação da prova produzida nos autos e consequentemente aplicação da lei.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que julgue improcedente a impugnação judicial, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA”

A Recorrida E...não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria em análise prende-se com a fundamentação da liquidação de juros compensatórios.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1) Em 9.07.2007 foi lavrada escritura de compra e venda do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e na rústica sob o artigo …, freguesia de M…, em que figurou como 1a outorgante a aqui Impugnante - cfr. fls. 14 a 16 dos autos.
2) Em 26.05.2007 a Impugnante apresentou declaração de rendimentos do ano de 2007 - Mod. 3 -declarando a venda descrita em 1), fazendo menção que pretendia reinvestir o montante auferido pela venda.
3) Não tendo a Impugnante reinvestido o valor auferido pela venda descrita em 1), em 28.11.2011 a Administração Tributária procedeu à liquidação n.° 2011 5005141527, com liquidação de juros compensatórios no valor de €2.486,22 - cfr. fls. 10 dos autos.
4) A Administração Fiscal remeteu à Impugnante documento denominado “Demonstração de acerto de contas” de onde decorre quanto a juros compensatórios a seguinte informação: “(...) Período 2007-01-01 a 2007-12-31, data movimento 2011-11-30, data valor 2011-11-30, Juros compensatórios, Liq. 2011 00001988098, montante -2.486,22 (...)” cfr. fls. 11 dos autos.
5) Do detalhe de liquidação de juros compensatórios, a fls. 29 do processo de RG consta o período de tributação sobre que recaíram os juros, o período de calculo, o número de dias, o valor base, a taxa e o valor final de juros compensatórios.
6) Em 12.01.2012, a Impugnante deduziu reclamação graciosa, instaurada com o n.º 0353201204000552 contra a liquidação de juros descrita em 4) - cfr. fls. 1 a 5 do processo de reclamação graciosa (RG) junta aos autos.
7) Sob a RG descrita em 5) recaiu parecer de indeferimento - cfr. fls. 56 do processo de RG junto aos autos.
8) A Impugnante requereu junto do Tribunal judicial de Braga a insolvência de A…, tendo sido proferida decisão com o seguinte teor: “Nos presentes autos de Insolvência de Pessoa Singular (Requerida) que a requerente E...intentou contra os devedores A… e M… as
partes celebraram transacção nos termos que antecedem.

Porque válida quanto ao objecto e ás pessoas intervenientes homologo a transacção celebrada, decidindo pela presente sentença nos seus precisos termos (art. 300 n°3 do Cod. de Proc. Civil (…)” - cfr. fls. 30 a 35 dos autos.
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Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (cfr. artigo 74 da LGT), também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do CC.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que, como já ficou dito, a questão sucitada pela Recorrente resume-se, em suma, em apreciar se a liquidação de juros compensatórios apontada nos autos observou ou não, o dever de fundamentação.

No entanto, antes de entrar na análise da questão de fundo, cumpre notar que a Recorrente questiona a decisão sobre a matéria de facto, considerando que o probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual, ao abrigo do disposto no artigo 662º, n.º 1 do CPC, completando-se os factos dados por provados sobre os itens - 4 e 5 - que se mostram documentalmente provados e importam à boa decisão da causa, pois que, contrariamente ao sentenciado, consideramos que da prova junta aos autos resulta a demonstração de que a liquidação de juros compensatórios foi notificada à Impugnante, atento o referido no artigo 2º da petição inicial e respectivos documentos aí mencionados, a saber, doc. n.º 3, referindo ainda que a Impugnante contesta a falta de notificação, de modo que, resultando dos autos como provado que a Impugnante foi notificada do detalhe de liquidação de juros compensatórios e consequentemente dos elementos mínimos essenciais para que se considere fundamentada a liquidação.
Neste ponto, e como sucede inúmeras vezes, a AT, incapaz de demonstrar o procedimento adoptado, procura retirar da posição do contribuinte elementos que superem essa sua incapacidade para, afinal, evidenciar aquilo que lhe compete comprovar.
Nesta medida, e perante os documentos juntos com a petição inicial que se reconduzem à liquidação de IRS, a demonstração de acerto de contas e o projecto de despacho na reclamação graciosa, pretende a Recorrente que está demonstrado que a liquidação de juros compensatórios foi notificada à Impugnante.
Pois bem, a leitura desses elementos não comprova a realidade apontada pela AT, sendo que aquilo que a Impugnante alega é que a fundamentação da matéria dos juros compensatórios apenas emerge da decisão da reclamação graciosa, de modo que, não pode ser atendida a pretensão da Recorrente no que concerne ao julgamento da matéria de facto.

Avançando, no que concerne à questão acima apontada, é sabido que o direito à fundamentação do acto tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Diga-se ainda que a questão da fundamentação corresponde ao cumprimento duma directiva constitucional decorrente do actual art. 268º, n.º 3 da C.R.P. no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a consagração de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade ( Acs. do S.T.A. de 17-01-1989, B.M.J. n.º 383, pag. 322 e ss. e de 04-06-1997 - Proc. n.º 30.137). ---
Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.
A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu ( Prof. Freitas do Amaral, "Direito Administrativo", vol. III, pag. 244 ).
Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
Com tal dever de fundamentação visa-se "captar com transparência a actividade administrativa", sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e constitui um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do acto administrativo.
Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Quanto à fundamentação de direito, tem sido entendimento do S.T.A. que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado ( neste sentido, os Acs. do S.T.A. de 28-02-02, Rec. nº 48071, de 28-10-99, Rec. nº 44051, de 08-06-98, Rec. nº 42212, de 07-05-98, Rec. nº 32694, e do Pleno de 27-11-96, Rec. nº 30218 ).

Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - Ac. do S.T.A. ( Pleno ) de 25-05-93, Rec. nº 27387, de 27-02-97, Rec. nº 36197.

Esta jurisprudência passa, assim, da suficiência de uma referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, para a suficiência de uma completa ausência explícita de referência normativa, se se puder concluir que o destinatário do acto pôde ou pode perceber o concreto regime legal tido em conta.

Note-se que é efectivamente diversa a situação de inexistência da indicação numerada e específica das normas tidas por aplicáveis, inexistência compensada pela referência expressa aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, de uma outra em que se verifica uma completa ausência de referência normativa.

Ainda que se considere ajustada esta linha jurisprudencial, a apreciação, em cada caso, de um acto como fundamentado de direito, apesar de nenhuma referência legal directa, supõe, em regra, o preenchimento de duas condições:

- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;

- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.

A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a.

Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado, sendo que o destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto e a fundamentação é requisito do acto.

O destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo.

Diga-se ainda que a fundamentação dos actos serve fins de inteligibilidade e de esclarecimento, devendo mostrar o «iter» cognoscitivo e valorativo que conduziu à estatuição, sendo que, na perspectiva do visado, o que lhe interessa é conhecer os antecedentes da consequência decisória - mesmo que mal extraída - para, assim esclarecido, seguidamente optar entre acatá-la ou impugná-la.

Na sentença recorrida, foi entendido que se verificava o vício em apreço, apontando-se que “…Reportando-nos agora ao caso presente e conforme decorre da factualidade assente, ponto 4), constata-se que, do documento de cobrança notificado à Impugnante, denominado “Demonstração de acerto de contas”, consta o período sob que recaíram os juros, entre 01.01.2007 e 31.12.2007, a data do movimento, a data valor, o n.° de liquidação -2011 00001988098 - e o montante dos juros: 2.486,22.
Não obstante os elementos constantes de tal documento, dai não decorre informação do valor sobre que recaíram os juros, a taxa aplicada e/ou os normativos legais aplicáveis.
Contrariamente ao que sustenta a Fazenda Pública, não consta dos autos que a Impugnante tenha recebido o detalhe da liquidação de juros compensatórios vertido no probatório - ponto 5).
Por conseguinte, não tendo a Impugnante sido notificada dos elementos mínimos necessários (montante de imposto sobre que recaem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis) para que a liquidação de juros compensatórios se mostre fundamentada, impera concluir pela falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios aqui controvertida, procedendo o que vem invocado. …”.

Com este pano de fundo, cabe já adiantar que o recurso tem de proceder, na medida em que a decisão recorrida não reflectiu devidamente sobre o significado desta última afirmação.
Efectivamente, repare-se que no ponto 5 do probatório consta que do detalhe de liquidação de juros compensatórios, a fls. 29 do processo de RG consta o período de tributação sobre que recaíram os juros, o período de calculo, o número de dias, o valor base, a taxa e o valor final de juros compensatórios.
Considerando o elemento agora apontado que se reporta à liquidação de juros compensatórios 2011 1988098 (o número apontado na demonstração de acerto de contas e que identifica a liquidação impugnada nos autos), deparamos com o conjunto de elementos acima apontados - o período de tributação sobre que recaíram os juros, o período de calculo (2008-05-27 a 2011-05-24), o número de dias (1.093), o valor base (€20.756,43), a taxa (4,000) e o valor final de juros compensatórios (€2.486,22).

Ora, como se aponta no Ac. do S.T.A. de 29 de Fevereiro de 2012, Proc. nº 928/11, www.dgsi.pt, “A jurisprudência destacada surge em harmonia com a melhor doutrina que sustenta que o acto tributário, tem de ser sustentado por um mínimo suficiente de fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos - pressupostos do acto (vide José Carlos Vieira de Andrade no seu «O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», págs. 153-155). Daí a necessidade de que o acto resulte de uma comunicação clara - i. é, não indistinta, confusa, dubitativa, obscura ou ambígua -, congruente - i. é, que se traduza num processo lógico coerente e sensato, justificativo e com aptidão por si para sustentar o acto, dos factos e razões de direito - tudo apreensível pelo discurso justificativo e sem que esteja dispensada uma certa análise ou interpretação dele. …
Acresce referir que tendo em conta os requisitos que a norma do artº 35º da LGT prevê para poder haver lugar à liquidação de juros compensatórios, a sua liquidação passa sempre por no caso se verificarem ou não tais requisitos vinculados, o que a Administração Fiscal tem de indagar e externar, de molde a permitir ao contribuinte atingir aquele desiderato visado pela fundamentação, obrigatória, ainda que possa ser sucinta.
Deste modo, tal como se aponta no aresto acima referido, a fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem, situação que se verifica no caso em apreço de acordo com os elementos acima descritos.

Por outro lado, e aqui é que reside a questão fundamental e o equívoco da decisão recorrida, cumpre notar que a lei tributária distingue de forma clara a fundamentação do acto tributário da comunicação dos fundamentos (cfr. nº 1 do art. 77º e nº 1 do art. 36º do CPPT), sendo que a comunicação do acto, seja na forma de citação ou notificação, não é um elemento intrínseco que faça parte da sua existência ou validade, mas sim um elemento que lhe é extrínseco, cuja função é dar a conhecer o seu conteúdo, e por isso mesmo uma condição de eficácia.
Isto para dizer que a falta de notificação dos fundamentos da liquidação não coloca quaisquer problemas à sua perfeição ou validade, tornando apenas nulo o acto instrumental, com a consequência da sua ineficácia, tudo se passando como a liquidação não tenha sido comunicada, de modo que não está em condições de produzir efeitos em relação ao seu destinatário.
Quanto ao nº 1 do art. 37º do CPPT, é ponto assente que, em caso de falta de comunicação integral dos fundamentos, os interessados têm a faculdade de requerer a notificação ou certificação das indicações omitidas, o que funciona como diferimento para o momento da notificação do início da contagem do prazo dos diversos meios de reacção contra o acto notificando.
Atento o exposto, e considerando, como se disse, que a notificação é um acto exterior e posterior ao acto tributário notificado e que os vícios que afectem a notificação em si, podendo embora determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de gerar a invalidade do acto tributário e de determinar a anulação visada com a presente impugnação, não pode deixar de concluir-se pela procedência do presente recurso, na medida em que os elementos presentes nos autos permitem identificar a liquidação em causa e o alcance da mesma em termos de se afirmar que a mesma está fundamentada, sendo que a questão da falta de notificação da mesma com todos os seus elementos envolve matéria que não contende com a validade da mesma, podendo, isso sim, reflectir-se noutra sede, de modo que, a decisão recorrida não pode manter-se nesta parte, impondo-se a sua revogação na sequência da procedência do recurso interposto pela Recorrente.

A partir daqui, cabe indagar se, de acordo com o art. 715º do C. Proc. Civil (actual art. 665º), se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Norte incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
A resposta a esta questão terá de ser positiva, pois que se impõe apenas considerar a factualidade já apurada nos autos, nada havendo que obste a tal conhecimento, pois que o processo dispõe dos elementos de facto para o efeito.
Diga-se ainda que, aplicando-se a regra da substituição, deve o relator do processo, antes de ser proferida decisão, a fim de evitar decisões-surpresa, mandar notificar cada uma das partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre as questões objecto dessa decisão ( cfr. arts. 3º nº 3 e 715º nº 3 (actual art. 665º nº 3), ambos do C. Proc. Civil ).
“In casu”, tal despacho foi exarado a fls. 121 dos presentes autos, sendo que as partes tomaram posição nos autos de acordo com o teor de fls. 124-125 (Recorrida) e fls. 127-131 (Recorrente).

Concluindo, deve este Tribunal avançar para o conhecimento em substituição, resultante da revogação da decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre se a questão da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, o que significa avançar para a apreciação do invocado vício de ausência de pressupostos de facto da liquidação em função da ausência de culpa no atraso da liquidação, apontando a ora Recorrida que tal situação não lhe é imputável, mas sim a acto de terceiro que não só a impossibilitou de usufruir de um benefício fiscal consagrado no art. 10º nº 5 al. a) do CIRS, como também de liquidar e pagar o imposto por si devido atempadamente.

Neste domínio, o probatório apenas informa que:
“8) A Impugnante requereu junto do Tribunal judicial de Braga a insolvência de A…, tendo sido proferida decisão com o seguinte teor: “Nos presentes autos de Insolvência de Pessoa Singular (Requerida) que a requerente E...intentou contra os devedores A… e M… as partes celebraram transacção nos termos que antecedem.
Porque válida quanto ao objecto e ás pessoas intervenientes homologo a transacção celebrada, decidindo pela presente sentença nos seus precisos termos (art. 300 nº3 do Cod. de Proc. Civil (…)” - cfr. fls. 30 a 35 dos autos.”
A partir daqui, nada se sabe quanto aos desenvolvimentos desta matéria, ou seja, não é possível afirmar que os termos da transacção não foram respeitados tal como reclama a Impugnante quando aponta que o referido A… não procedeu ao pagamento da quantia devida pela ora Recorrida.
Por outro lado, tal como afirma a Recorrente, a petição inicial é completamente omissa quanto a diligências judiciais ou extrajudiciais realizadas na sequência do apontado incumprimento da transacção, sendo que a transacção teve lugar 2009, isto é, em pleno curso dos três anos previstos para o reinvestimento.
Tal significa que a devolução do montante apropriado ainda podia permitir o reinvestimento, de modo que, nada tendo sido alegado pela ora Recorrida no sentido fazer cumprir a aludida transacção, deparamos com uma situação de inércia, de negligência que apenas pode ser imputada à mesma, o que implica que a situação de falta de reinvestimento também não é alheia à sua conduta, realidade que compromete a sua posição neste domínio, impondo-se a conclusão de que a liquidação impugnada não padece do vício invocada, o que determina a total improcedência da presente impugnação judicial.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a presente impugnação judicial.
Custas pela Recorrida.
Notifique-se. D.N..
Porto, 15 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves