Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00447/07.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário:1. Tendo sido alegadas na p.i. questões cujo conhecimento a sentença recorrida deu por prejudicado em vista da solução dada ao litígio, o tribunal “ad quem”, se julgar procedente a apelação, deve conhecer das mesmas no acórdão em que decide o recurso, caso disponha dos elementos necessários, ordenado a baixa dos autos ao tribunal recorrido em caso contrário;
2. Se o não fizer, o acórdão incorre em nulidade (parcial) por omissão de pronúncia, a qual deve ser suprida mediante a prolação de novo acórdão em que se corrija a alegada omissão;
3. Tendo a Administração tributária constatado, em sede inspectiva, utilizações de créditos por clientes de uma entidade bancária lançados numa conta “hot Money”, sem que por tais operações se mostre liquidado imposto de selo e sem que lhe tenha sido possível comprovar a sua referenciação aos contratos de abertura de crédito (e suas prorrogações) que os documentam, passa a recair sobre o contribuinte o ónus de demonstrar, como alega, que aquelas utilizações de créditos de clientes assentam num pré-existente contrato de abertura de crédito em conta corrente, sendo este o único facto tributável em imposto de selo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Banco..., S.A.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

I – RELATÓRIO
Banco…, S.A., já melhor identificada nos autos, vem arguir a nulidade do acórdão proferido em 30/10/2014, que constitui fls.332/347 dos autos, com pedido subsidiário de convolação para recurso por oposição de acórdãos para o caso de não ser admitido o pedido de nulidade ou o mesmo julgado improcedente.
É este o teor das suas alegações:
«
1. O presente Recurso foi interposto, pela Fazenda Pública, na sequência da sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente procedente a Impugnação Judicial apresentada pelo ora Requerente, na qual o mesmo peticionava, como objecto imediato da acção, a anulação da decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada contra liquidações adicionais de Imposto do Selo referentes aos exercícios de 1994 e 1995 e, como objecto mediato da mesma, a anulação das liquidações adicionais de Imposto do Selo dos referidos exercícios e respectivos juros compensatórios, no montante total (ainda não anulado pela administração fiscal) de € 3.544.515,86.

2. A decisão em causa foi tomada com base num dos argumentos invocados pelo Impugnante, a saber, a aplicação ao caso sub judice do disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo a Mm.ª Juiz dado como prejudicados os demais argumentos invocados como fundamento do seu pedido anulatório.

3. Em concreto, na sentença de 1.ª instância e, em face do decidido, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não conheceu do primeiro vício invocado pelo Requerente na sua petição inicial – “Da falta de fundamentação ilegalidade (sic) da decisão de indeferimento [da Reclamação Graciosa] por violação dos princípios constitucionais da boa fé e da imparcialidade nas relações entre os particulares e a Administração Pública” – porquanto “[f]ace ao supra decidido, e nos termos do n.º 2 do art.º 608.º do CPC, fica prejudicado o conhecimento das demais questões equacionadas pela impugnante, nomeadamente, a falta de fundamentação e a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa” (vide página 10 da sentença).

4. Em sede de apreciação do Recurso que lhe foi submetido, o Tribunal Central Administrativo Norte veio, no acórdão em apreço, “conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial”, tendo entendido que “[a] sentença incorreu pois em erro de julgamento quanto ao critério de repartição do ónus de prova ao resolver a questão como base em “dúvida fundada” por aplicação do disposto no art.º 100.º, n.º1 do CPPT, não podendo manter-se na ordem jurídica” (vide página 30 do Acórdão datado de 30 de Outubro de 2014).

Da nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia

5. No Acórdão datado de 30 de Outubro de 2014 e após a revogação da sentença de 1.ª instância, o Tribunal Central Administrativo Norte, com base no “quadro factual fixado no probatório da sentença”, entendeu que o Requerente não havia produzido a prova que lhe competia, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, isto é, “que as utilizações de créditos contabilizadas consubstanciavam, afinal, actos de utilização decorrentes de um pré-existente contrato de abertura de crédito em conta corrente (ou suas prorrogações), abrangendo os períodos em que foram feitas as questionadas utilizações de crédito” (vide páginas 28-29 do citado Acórdão).

6. Porém, que do “quadro factual fixado no probatório da sentença” resulta que o Requerente apresentou, em 21 de Janeiro de 2000, Reclamação Graciosa das liquidações adicionais de Imposto do Selo respeitantes aos exercícios de 1994 e 1995 (vide ponto 5. da matéria assente), cujo teor integral, por razões de economia processual, aqui se dá por reproduzido.

7. Acresce que na Impugnação Judicial apresentada em 19 de Fevereiro de 2007 (ponto 14. da matéria assente), o Requerente remeteu, expressamente, uma parte da sua argumentação para a Reclamação Graciosa apresentada em 21 de Janeiro de 2000 – vide, artigos 15.º e 16.º da Impugnação, na qual se refere expressamente que “O Impugnante remete para a reclamação (…) quanto à argumentação pormenorizada que deduziu relativamente a cada uma das situações constantes do quadro do artigo anterior [artigo 15.º] (…). O Impugnante demonstrou então que as liquidações efectuadas respeitavam a prorrogações de aberturas de crédito e à utilização sucessiva do crédito aberto em regime de conta corrente”), argumentação essa que não foi conhecida no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte.

8. Ora, o artigo 665.º, número 2 do Código de Processo Civil, aplicável ao presente recurso ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, estabelece que “[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

9. No caso em concreto, verifica-se que o Tribunal Central Administrativo Norte (i) não conheceu das questões prejudicadas pela solução dada ao litígio como, noutra vertente, (ii) não conheceu de todos os elementos factuais (e probatórios) constantes do processo que, a sê-lo, poderiam ter conduzido a uma decisão diversa, ambas situações geradoras da nulidade do Acórdão proferido, como veremos.

10. A título prévio, importa referir que, tendo sido parte vencedora na acção, na íntegra, o Requerente não pôde, nos termos do disposto no artigo 280.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário a contrario, recorrer da mesma, já que, nos termos da norma referida, apenas a parte vencida (ainda que parcialmente) pode interpor recurso. Em consequência, o Requerente ficou cingido ao objecto do recurso interposto pela Fazenda Pública e, nesse âmbito, apenas pôde contra-argumentar.

11. Desta forma, não obstante a Impugnação tenha sido dada como totalmente procedente pelo Tribunal de 1ª instância com base no argumento subsidiário apresentado pelo Requerente, não lhe foi possível, pelas razões de economia processual imanentes ao sistema, recorrer da mesma e discutir, numa óptica cautelar, as questões que ficaram prejudicadas na sentença, nos termos do artigo 608.º, número 2 do Código de Processo Civil.

12. Ora, esta impossibilidade legal - que se compreende quanto aos seus propósitos - não pode dar origem a uma denegação do direito a discutir as questões prejudicadas ou não conhecidas pelo Tribunal a quo: sendo possível a reabertura, em sede de recurso, da discussão das mesmas (nomeadamente em caso de provimento do recurso), tem que ser garantido aos intervenientes o direito de as debater, em igualdade de circunstâncias.

13. No sistema processual tributário essa possibilidade é garantida pela previsão, nos casos em que se admite que o Tribunal de recurso aprecie questões para além do pedido ou conheça, em substituição da 1.ª instância, de questões prejudicadas, dos deveres de o Tribunal de recurso (i) considerar in totum os elementos constantes do processo (e, na sua falta, promover o seu suprimento) e (ii) dar a oportunidade aos intervenientes de, em alegações complementares, produzirem a sua argumentação quanto aos elementos antes não apreciados em sede de recurso.

14. Não se entendendo desta forma, estar-se-ia não só a promover uma manifesta desigualdade de armas, ao arrepio dos princípios que norteiam o processo e tributário, como a violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, garantida constitucionalmente.

15. Feito o enquadramento prévio da questão, vejamos em concreto as nulidades assacadas à decisão:

16. O Requerente entende, em primeiro lugar, que, ao decidir quanto ao mérito de uma das questões em discussão nos autos, o Tribunal Central Administrativo Norte não podia deixar de analisar, num âmbito integral e em toda a sua extensão argumentativa, nomeadamente quanto à matéria de facto e probatória vertida nos autos (e não apenas no âmbito do recurso), as questões suscitadas pelas partes e as provas por estas oferecidas – ainda que por remissão expressa para outro documento (ou peça) constante dos autos.

17. Com efeito, se o Tribunal Central Administrativo Norte, após a análise da integralidade dos elementos que constam do processo, entendeu que a matéria de facto assente nos autos se afigurava insuficiente ou desconforme, como indicia a afirmação de que “o quadro factual fixado no probatório da sentença não integra quaisquer factos que evidenciem as utilizações de crédito (…)” (cfr. página 29 do Acórdão), sempre deveria o mesmo ter aditado/alterado a matéria factual que julgasse adequada, eventualmente com aditamento de novos quesitos, se os demais elementos constantes dos autos indiciassem a aludida desconformidade ou insuficiência, nos termos do artigo 662.º, número 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

18. Por outro lado, se o Tribunal Central Administrativo Norte entendeu que o processo não foi produzida a prova necessária e indispensável para o cabal conhecimento do mérito da questão - como também indicia a afirmação de que “(…) essa prova [de que as utilizações de créditos contabilizadas consubstanciavam actos de utilização decorrentes de um pré-existente contrato de abertura de crédito em conta corrente] está longe de ter sido conseguida. Saliente-se, a propósito, que competindo ao contribuinte ónus da prova (sic) de que as questionadas utilizações de créditos estão reportadas aos contratos de abertura de crédito que os documentam, não lhe basta criar dúvida sobre tal facto, ainda que fundada, pois nesta caso o art.º 100º do CPPT não tem aplicação” (cfr. página 29 do Acórdão),

19. em observância dos princípios da legalidade e da busca da verdade material, o mesmo deveria ter ordenado a produção de novos meios de prova, nos termos do artigo 662.º, número 2, alínea c) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, ainda, ao abrigo do princípio do inquisitório a que alude o artigo 13.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

20. Por fim, caso o Tribunal Central Administrativo Norte tivesse entendido, à luz de todos os elementos do processo que cumpria serem analisados, que não dispunha dos elementos necessários para proferir uma decisão, designadamente quanto à sua impossibilidade de suprir os elementos em falta, deveria ter ordenado a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de este conhecer os demais vícios invocados pelo Requerente, nos termos do artigo 665.º, número 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a contrario.

21. Impõe-se, portanto, a conclusão, em qualquer caso, de que a falta de apreciação de todos os elementos factuais e probatórios constantes do processo, em toda a extensão argumentativa, incluindo os elementos documentais juntos aos autos, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, quando optou por substituir a decisão recorrida, configura uma nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, pelo que deverá o Acórdão proferido nestes autos em 30 de Outubro de 2014 ser declarado nulo, nos termos do disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e nos artigos 195.º, 199.º, 662.º, números 1 e 2, alínea c) e 665.º, número 2 do Código de Processo Civil (todos aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

22. Numa segunda vertente, verifica-se que o Acórdão enferma de uma outra nulidade, igualmente por omissão de pronúncia, na medida em que os Excelentíssimos Juízes Desembargadores conheceram do objecto do Recurso interposto pela Fazenda Pública – no que concerne ao argumento por esta invocado quanto ao erro de julgamento na aplicação do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, dando-o por procedente e tendo proferido uma decisão em substituição da sentença revogada em que não deram provimento ao pedido do Impugnante –, não tendo, contudo, e em consequência dessa decisão,

i. conhecido das questões que o tribunal de 1.ª instância não apreciou, em virtude de as ter considerado prejudicadas pela solução que deu ao litígio, nos termos do artigo 608.º, número 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, o vício da ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente, por violação dos princípios constitucionais da boa fé e da imparcialidade nas relações entre os particulares e a Administração Pública e, ainda, a própria argumentação aduzida na Reclamação Graciosa, para onde o Requerente remeteu expressamente a sua alegação em sede de Impugnação Judicial;
ou, em alternativa,
ii. ordenado a remessa do processo para a 1.ª instância para o conhecimento do mérito das questões consideradas prejudicadas, nos termos do artigo 665.º, número 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a contrario.

23. Como se viu supra, o artigo 665.º, número 2 do Código de Processo Civil, aplicável ao presente recurso ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, determina que “[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

24. Por seu turno, esclarece o número 3 do citado artigo 665.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário que, nos casos em que é promovida a decisão em substituição do tribunal recorrido, “[o] relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”.

25. O referido legal – que corresponde, ipsis verbis, ao artigo 715.º do anterior Código de Processo Civil – veio consagrar a regra de substituição ao tribunal recorrido, abrangendo a mesma, de acordo com a jurisprudência civilística, todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio – vide a esse propósito também ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2007, página 306.

26. Ao nível do ordenamento jus-tributário, idêntica posição foi expressamente assumida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos processos números 03805/10, datado de 6 de Julho de 2010 e 03514/09, datado de 24 de Maio de 2011, in www.dgsi.pt, onde se decidiu:

(…) IV) -De harmonia com a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (artº 715º, nº 2 do CPC, na sua actual redacção) os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio.
V) - É também pacífico que a obrigação de substituição do TCAS ao tribunal recorrido, imposta pelo nº 2 do artº 715º do CPC, existe mesmo que o recorrido – como aconteceu «in casu»- não tenha lançado mão do disposto no artº 684º-A, nº 1 do mesmo Código devendo, como as partes não se pronunciaram sobre o objecto desta decisão, o relator deste processo, antes de proferir aquela decisão, a fim de evitar decisões surpresa, mandar notificar cada uma das partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre as questões objecto dessa decisão, nos termos do nº 3 do artº 715º.”

27. O mesmo Tribunal, veio sufragar o mesmo entendimento no processo número 04880/11, datado de 12 de Agosto de 2011, in www.dgsi.pt.

28. Ainda no entendimento de JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, página 366, é manifesta ser a nulidade a consequência legal verificada nestes casos:

Se o tribunal tributário tiver julgado procedente uma impugnação e deixado de conhecer de outros vícios suscitados pelo impugnante, o tribunal central administrativo, se entender que o recurso interposto por quem ficou vencido na 1.ª instância merece provimento e se nada obstar ao conhecimento das outras questões suscitadas pelo impugnante, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida ou mandar baixar o processo à instância recorrida, se não dispuser dos elementos necessários (…).
Dando o TCA provimento ao recurso e não tendo tomado tal conhecimento dessas outras questões nem mandado baixar o processo, o acórdão enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

29. Ora, no caso vertente, verifica-se que o Acórdão proferido em 30 de Outubro de 2014 pelo Tribunal Central Administrativo Norte, ao não conhecer do mérito das questões que o tribunal de 1.ª instância considerou prejudicadas pela solução que deu ao litígio, violou a regra da substituição do tribunal recorrido constante do artigo 665.º, número 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

30. E, tal situação conduz à nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia, com as consequências anulatórias dos termos subsequentes a tal omissão e dela absolutamente dependentes, nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

31. E não se diga que a norma constante do artigo 665.º, números 2 e 3 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, confere ao Tribunal ad quem apenas um poder, que não um poder-dever, de conhecer todas as questões invocadas pelas partes no processo (ainda que prejudicadas na instância recorrida) e, ainda, de as notificar para alegações complementares, por forma a que o processo admita uma participação igualitária dos intervenientes, sobretudo quando, como no caso concreto, as mesmas não se haviam pronunciado sobre as referidas questões em sede de recurso,

32. já que tal conduziria à inconstitucionalidade da norma em causa, por violação do disposto nos artigo 20.º, número 1 da Constituição da República Portuguesa e no número 4 do seu artigo 268.º, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, na sua vertente do “processo equitativo” – cfr. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1º a 107º, Volume I, Almedina, 4.ª Edição, página 415.

33. Com efeito, a falta de notificação do Requerente (e, pelos mesmos motivos, da Fazenda Pública) para se pronunciar antes da prolação do Acórdão emanado pelo Tribunal Central Administrativo Norte comprometeu a discussão do mérito da causa, na medida em que impossibilitou o Requerente de, oportunamente, nesta instância, expor, aditar ou complementar, as razões de facto e de Direito sobre as questões (substantivas) que deveriam ter sido apreciadas quando, como se disse, apenas nesta sede lhe seria possível fazê-lo (a este propósito, veja-se, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Coimbra Editora, 2003, página 104 e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 341/13, datado de 11 de Dezembro de 2013, todos in www.dgsi.pt).

34. Atento o exposto, deverá o Acórdão proferido nestes autos em 30 de Outubro de 2014 ser declarado nulo, nos termos do disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e nos artigos 195.º, 199.º, 665.º, números 2 e 3 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e, em consequência deverá ser ordenada a remessa do processo para a 1.ª instância para o conhecimento do mérito das questões consideradas prejudicadas e de todos os elementos probatórios constantes nos autos ou, em alternativa, serem conhecidas as questões que o Tribunal recorrido não apreciou, em virtude de as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, notificando as partes para apresentar alegações complementares.

Do Recurso por Oposição de Acórdãos

1. Subsidiariamente, caso se entenda que, em face do disposto no artigo 615.º, número 4 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a arguição da nulidade deve ocorrer em sede de Recurso, por o processo admitir recurso ordinário ou, caso Vossas Excelências dêem como improcedente o pedido de Nulidade acima alegado, desde já se requer, por estar em tempo, a convolação da presente peça em requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para Uniformização de Jurisprudência, com base em Oposição de Acórdãos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º, 282.º e 284.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fundado na oposição do Acórdão recorrido com o Acórdão proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo número 0244/06, datado de 8 de Novembro de 2006, publicado integralmente em www.dgsi.pt

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o Acórdão proferido nestes autos ser declarado nulo, nos termos dos artigos 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 195.º, 199.º e 665.º, números 2 e 3 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e, em consequência, deverá este Tribunal i) ordenar a remessa do processo para a 1.ª instância para o conhecimento do mérito das questões consideradas prejudicadas e de todos os elementos probatórios constantes nos autos ou, em alternativa, ii) conhecer das questões que o Tribunal recorrido não apreciou, em virtude de as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, notificando as partes para apresentar alegações complementares, nos termos do artigo 665.º, números 2 e 3 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Caso se entenda que, em face do disposto no artigo 615.º, número 4 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a arguição da nulidade deve ocorrer em sede de Recurso, por o processo admitir recurso ordinário, desde já se requer, por estar em tempo, a convolação da presente peça em requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para Uniformização de Jurisprudência, com base em Oposição de Acórdãos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º, 282.º e 284.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fundado na oposição do Acórdão recorrido com o Acórdão proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo número 0244/06, datado de 8 de Novembro de 2006 publicado integralmente em www.dgsi.pt, conhecendo-se aí as nulidades invocadas no presente requerimento, tudo com as legais consequências».

Foi ouvida a parte contrária, que não se pronunciou (cf. fls.381).

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

*
II – ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA PRETENSÃO

Vem a Recorrida arguir a nulidade do acórdão deste TCAN de 30/10/2014, com fundamento em omissão de pronúncia.

Alega para tanto e, em suma: (i) Que o acórdão em crise não apreciou “todos os elementos factuais e probatórios constantes do processo em toda a sua extensão argumentativa, incluindo os elementos documentais juntos aos autos” com relação ao mérito de uma questão em discussão nos autos, ainda que oferecidos tais elementos probatórios por remissão expressa para outro documento ou peça constante dos autos; (ii) Que o acórdão, tendo julgado procedente a apelação, não conheceu em substituição das demais questões suscitadas na impugnação judicial sobre que o julgado da 1.ª instância não se pronunciou por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio.

O acórdão posto em crise foi proferido no âmbito de um recurso interposto pela Fazenda Pública de decisão proferida em 1.ª instância em 27/09/2013, sobre impugnação judicial apresentada em 21/02/2007 (cf. fls.1).

De acordo com o disposto no art.º7.º, n.º1 da Lei n.º41/2013, de 26 de Junho (que aprova o vigente Código de Processo Civil), «Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei».

Nesta matéria, é sabido que como decorre do disposto no art.º666.º do CPC (anterior 716.º), aplicável por força do art.º2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, os acórdãos deste TCA são passíveis de arguição de nulidades, fundadas em qualquer dos motivos previstos no art.º615º (anterior 668.º) do mesmo CPC.

Assim, segundo o disposto no art.º125º n.º1, do CPPT é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo art.º608º n.º2 do CPC (anterior 660.º, n.º2), de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Pois bem, debrucemo-nos sobre a nulidade invocada em primeiro lugar. Tanto quanto se alcança das alegações da Requerente, a seu ver, afirmando-se no acórdão que “o quadro factual fixado no probatório da sentença não integra quaisquer factos que evidenciem as utilizações de crédito…”, deveria ter aditado/ alterado a matéria factual que julgasse adequada procedendo à apreciação de todos os elementos probatórios constantes dos autos, ainda que produzidos em sede de intervenções em actos procedimentais e ordenando outros que se revelassem pertinentes ao esclarecimento dos factos em discussão. Vejamos.

No acórdão posto em crise, deixou-se consignado, no segmento que importa analisar em vista das nulidades invocadas:

«Imputa a Recorrente à sentença erro de julgamento alegando, nuclearmente que (cf. Conclusão O) “Não existindo qualquer certeza acerca dos factos invocados invocados pela impugnante (i.e., de que as aberturas de crédito da origem dos financiamentos “hot money” estavam submetidas ao regime de conta corrente, que existe um nexo de causalidade inequívoco entre as utilizações efetuadas e os contratos a que respeitariam, e que esses contratos foram tributados), deve fazer-se aplicação da regra do ónus da prova decidindo a questão contra quem tem o ónus desses factos: a entidade bancária impugnante”.

Com efeito, perante a constatação em sede inspectiva, de utilizações de créditos por clientes do banco impugnante contabilizados na conta “2209” dos exercícios de 1994 e 1995, operações que a Administração fiscal se arroga o direito de tributar em sede de imposto do selo, o impugnante e ora Recorrido veio aos autos sustentar que o ónus da prova da sujeição a tributação de tais utilizações de créditos por clientes recaía sobre a Administração fiscal sem prejuízo de se ter proposto, em sede procedimental e na observância do princípio da colaboração, fazer a prova da associação dessas operações a contratos de abertura de crédito (e suas prorrogações), actos pelos quais já teria liquidado o correspondente imposto do selo, não sendo devida tributação por cada utilização de crédito contida no “plafond” acordado.

Esta questão do ónus da prova resolveu-a a sentença por aplicação do disposto no art.º100.º, do CPPT, concluindo, por um lado, que a Administração fiscal cumpriu o ónus que lhe competia na indiciação dos pressupostos da tributação e, por outro, haver fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

Todavia, e julgamos ser essa também a linha argumentativa da Recorrente, a “fundada dúvida” que a sentença erroneamente tem em vista é de qualificação jurídica do facto tributário, reconduzindo-se à questão de saber se nas aberturas de crédito em conta corrente o imposto de selo deveria recair unicamente sobre os “plafonds” estabelecidos no contrato ou sobre cada utilização feita ao abrigo do mesmo contrato (no fundo, se estamos perante um facto tributário único ou perante vários factos tributários correspondentes a cada utilização de crédito).

Ora, esta questão que é de qualificação jurídica do facto tributário, supõe resolvida uma outra, essa sim, questão de facto, qual a de apurar se o impugnante e ora Recorrido logrou demonstrar que as utilizações de crédito lançadas na dita conta “2209” – “Hot Money” dos exercícios de 1994 e 1995 se reportam efectivamente aos contratos de abertura de crédito a que estão referenciados, assente que foi na sentença ter a Administração fiscal cumprido o ónus probatório que lhe incumbia na indiciação dos pressupostos da tributação de tais utilizações.

Pois bem. Que as utilizações de crédito estão referenciadas aos contratos de abertura de crédito que os documentam não foi levado ao probatório da sentença.

E não integrando o probatório da sentença como matéria assente que as utilizações de crédito estão referenciadas aos contratos de abertura de crédito que os documentam, a questão resolve-se pelas regras do ónus da prova.

Tal como anteriormente salientado, as correcções levadas a efeito assentaram na constatação, em sede inspectiva, de utilizações de créditos por clientes do banco contabilizados na conta “2209” sem que tenha sido liquidado o imposto de selo por cada operação de utilização de crédito e sem que tenha sido possível comprovar a sua referenciação aos contratos de abertura de crédito (e suas prorrogações) que os documentam.

Como também se referiu já, a sentença concluiu que a Administração fiscal tinha cumprido o ónus probatório que lhe incumbia na verificação indiciária dos pressupostos da tributação em imposto de selo de tais operações, não tendo a decisão sofrido impugnação nessa parte.

E consolidada a questão de saber se a Administração fiscal cumpriu, ou não, o ónus de prova a que estava vinculada na decisão de correcção, ao impugnante e ora Recorrido competia produzir prova que permitisse comprovar o que alega: que as utilizações de créditos contabilizadas consubstanciavam, afinal, actos de utilização decorrentes de um pré-existente contrato de abertura de crédito em conta corrente (ou suas prorrogações), abrangendo os períodos em que foram feitas as questionadas utilizações de créditos, como decorre do disposto no n.º1 do art.º74.º, da LGT, segundo o qual, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, e do n.º1 do art.º342.º, do Código Civil.

Ora, essa prova está longe de ter sido conseguida. Salienta-se, a propósito, que competindo ao contribuinte ónus da prova de que as questionadas utilizações de créditos estão reportadas aos contratos de abertura de crédito que os documentam, não lhe basta criar dúvida sobre tal facto, ainda que fundada, pois neste caso o art.º100º do CPPT não tem aplicação.

Neste ponto, diga-se que o ónus consagrado no art.º100º, nº1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a Administração fiscal, segundo a máxima latina in dubio contra fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação. Nesse sentido, pode ver-se o Acórdão do TCAS, de 04/06/2013, proferido no proc.º06478/13.

Por outro lado, o quadro factual fixado no probatório da sentença não integra quaisquer factos que evidenciem que as utilizações de créditos contabilizadas na conta “2209” se tratam de saques de fundos ao abrigo de uma contratualizada abertura de crédito em conta corrente e não de operações de crédito simples (em que cada utilização corresponde a uma operação de crédito com clientes, a um facto tributário), como o entendeu a Administração fiscal.

A ausência de prova a tal respeito tem de ser valorada contra a parte onerada com a prova, ou seja, contra o impugnante e ora Recorrido, concluindo tratarem-se as utilizações de fundos em causa de operações de crédito simples com clientes – cf. art.º516.º, do CPC (art.º414.º, do NCPC).

E aqui chegados, não cumpre entrar na questão da qualificação jurídica dos factos tributários, uma vez que não se mostra controvertido que as operações de crédito simples constituam facto sujeito a tributação em imposto de selo, questão que nem sequer vem colocada nos autos pelas partes, pelo que dela não nos podemos ocupar.

A sentença incorreu pois em erro de julgamento quanto ao critério de repartição do ónus de prova ao resolver a questão com base em “dúvida fundada” por aplicação do disposto no art.º100.º, n.º1 do CPPT, não podendo manter-se na ordem jurídica».

No fundo e sinteticamente o que se diz no acórdão em crise é que, perante a constatação, em sede inspectiva, de utilizações de créditos por clientes de uma entidade bancária lançados numa conta “hot Money”, sem que por tais operações se mostre liquidado imposto de selo e sem que tenha sido possível à Administração tributária comprovar a sua referenciação aos contratos de abertura de crédito (e suas prorrogações) que os documentam, passa a recair sobre o contribuinte o ónus de demonstrar, como alega, que aquelas utilizações de créditos de clientes assentam num pré-existente contrato de abertura de crédito em conta corrente [sendo este o único facto tributável em imposto de selo].

Sucede, porém, que no artigo 16.º do articulado inicial da impugnação, a impugnante, Recorrida e ora Requerente, alegava ter demonstrado, em sede de reclamação graciosa, “…que as liquidações efectuadas respeitavam a prorrogações de aberturas de crédito e à utilização sucessiva do crédito aberto em regime de conta corrente, em que, contrariando a orientação do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no despacho já anteriormente mencionado, a Administração tributária considerara haver diversos factos sujeitos a imposto do Selo”.

Constata-se pela análise do acórdão posto em crise no confronto com a posição assumida pelo impugnante na petição inicial, que tendo-se decidido favoravelmente a apelação interposta pela Fazenda Pública, nomeadamente quanto à questão jurídica do ónus de prova suscitada no recurso, o acórdão ora em crise não tratou, subsequentemente, de ponderar a apreciação e avaliação da prova que o impugnante diz ter carreado para o procedimento administrativo e para que expressamente remete em sede impugnatória, analisando se tais elementos de prova suportam factualmente a afirmação do impugnante de que demonstrou então “que as liquidações efectuadas respeitavam a prorrogações de aberturas de crédito e à utilização sucessiva do crédito aberto em regime de conta corrente”, ou, não dispondo os autos dos elementos necessários que habilitem à validação esclarecida da natureza jurídica das operações de crédito em causa, ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para elucidação dessa questão, ampliação da matéria de facto e prolação de nova sentença.

Por outro lado, também o acórdão não apreciou as demais questões suscitadas no petitório e que a sentença deu por prejudicadas em vista da solução dada ao litígio, nomeadamente, a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por violação dos princípios constitucionais da boa fé e da imparcialidade nas relações entre os particulares e a Administração Pública.

Ao não conhecer das questões factuais e jurídicas prejudicadas, tendo julgado procedente a apelação, incorreu o acórdão em crise em nulidade por omissão de pronúncia, por violação do disposto nos artigos 662.º, n.º2 alínea c) e 665.º, n.º2 do CPC, nulidade que importa suprir, nessa parte, com prolação de novo acórdão em que se corrijam as apontadas omissões, o que se passa de imediato a fazer:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo Banco ..., S.A., contra as liquidações adicionais de imposto de selo referenciadas aos exercícios fiscais de 1994 e 1995.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
A. Os atos tributários de liquidação atos tributários de liquidação adicional de Imposto do Selo mediatamente impugnados, relativos aos anos de 1994 e 1995, e respetivos juros compensatórios têm origem em correções efetuadas sequência de procedimento de inspeção tributária ao imposto devido pela entidade bancária sucedida pela impugnante, conforme Relatório de Inspeção Tributária.
B. No âmbito do procedimento inspetivo se verificou que aquela entidade bancária realizou operações de crédito por períodos muito curtos e por montantes elevados com a finalidade de cobertura de necessidades pontuais de tesouraria das empresas, denominadas “hot moneys”, e se consubstanciam em aberturas de créditos simples, sujeitas nos termos do art. 1º da Tabela Geral do Imposto do Selo, vigente à data das operações,
C. A douta sentença de que se recorre, apreciando a arguida ilegalidade das liquidações impugnadas por incorreta aplicação das regras do ónus da prova, pondera as normas que fazem a repartição do ónus da prova e, tendo presente o conteúdo do RIT, conclui que “a AT cumpriu o ónus da prova da verificação dos indícios ou pressupostos da tributação, pelo que competia à impugnante a prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, (…), não se verificando qualquer ilegalidade das liquidações impugnadas por incorreta aplicação das regras do ónus da prova”,
D. Mas, quanto à arguida ilegalidade dos atos de tributação em face da regra do art. 100º do CPPT, a douta sentença recorrida refere que os art.s 1º e 194º do Regulamento do Imposto do Selo preveem o pagamento de IS no contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente e nada concretizam quanto às eventuais e sucessivas utilizações dentro do plafond, e que as operações “hot money”, ocorreram no âmbito de uma conta corrente, concluindo que o imposto nas aberturas de crédito em conta corrente deveria recair apenas sobre os plafonds estabelecidos no contrato e não sobre cada utilização feita ao abrigo do mesmo contrato.
E. Conclui a sentença que “face à existência de dúvida fundada sobre a existência de facto tributário e respetiva sujeição a imposto”, segundo o art. 100º do CPPT, procede a pretensão da impugnante, pelo que as liquidações impugnadas deveriam ser anuladas.
F. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, porquanto a douta sentença recorrida procede a uma deficiente e contraditória valoração da matéria de facto evidenciada no processo sub judice, que afetam a sentença recorrida de nulidade ou, pelo menos, de erro sobre o julgamento de facto, bem como uma errónea subsunção dos factos ao direito aplicável, além de incorrer em erro na interpretação desse direito, em termos que afetam irremediavelmente a validade intrínseca da sentença por erro de julgamento de direito, pelas razões que passa a expor.
G. Previamente, sempre com o respeito devido e ressalvando melhor opinião, cumpre objetar que a sentença recorrida, no ponto 12. do segmento com a epígrafe “2.1 Factos provados”, não contém matéria de facto pertinente para a boa decisão da impugnação.
H. Não obstante, considerando a competência que a lei confere à 2ª instância, mesmo oficiosamente, poderes para alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto (cfr. art. 662º, nº1, do CPC), afigura-se à Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor opinião, que a asserção de que “A operação “hot money” consubstancia-se na utilização de uma linha de crédito com um plafond previamente acordado”, além de não constituir um facto, enquanto ocorrência natural ou empírica apreensível pelos sentidos, é um juízo de direito, erróneo, como adiante se explicitará, pelo que não deve ser considerado facto provado.
I. A Fazenda Pública entende também, a propósito da questão da ilegalidade das liquidações impugnadas em face da regra do art. 100º do CPPT, em especial do seu nº1, que a sentença recorrida fez errónea valoração da prova produzida em sede administrativa, determinada por errónea interpretação daquela disposição legal.
J. In casu, deve ter-se por inquestionável que a AT fez prova cabal, no procedimento tributário de inspeção que deu causa às liquidações impugnadas, corroborada no procedimento de 2º grau relativo à reclamação, de factos precisos e objetivos que constituem os pressupostos legais da sua atuação,
K. pois, conforme consta do ponto 2. dos “Factos Provados” da sentença recorrida, da análise à conta 2209-crédito interno-outros créditos foram detetados registos contabilísticos de operações de crédito que se traduzem em financiamentos de muito curto prazo coma finalidade de cobertura de necessidades pontuais de tesouraria, usualmente denominadas “hot moneys”, que se consubstanciam em aberturas de crédito nos termos em que são definidas no art. 1º da TGIS, enunciadas em “mapas de evidência dos financiamentos” para efeito de apuramento do IS devido.
L. Já na reclamação deduzida das liquidações em causa a entidade reclamante reconheceu que, embora tenham sido facultados à Administração Tributária inúmeros documentos, informações e dados sobre as operações de abertura de crédito selecionadas, “nem sempre foi possível reconstruir o processo histórico dos clientes analisados pelos serviços de fiscalização e, deste modo, localizar a data de início do acordo celebrado entre as partes, por forma a evidenciar e comprovar a liquidação do IS sobre o plafond acordado” (pontos 16º a 18º do requerimento inicial da reclamação).
M. Os argumentos e prova que foram apreciados na fundamentação da decisão da reclamação, que repetidamente objeta que o ónus da prova do regime de conta corrente das aberturas de crédito contratadas incumbia ao sujeito passivo, e que, na falta de prova, estar-se-ia perante “aberturas de crédito simples”, sendo devido imposto pelas sucessivas utilizações verificadas enquanto novas concessões de crédito.
N. Ao invés do alegado, na impugnação sub judice não se suscitam dúvidas fundadas acerca da existência e quantificação do facto tributário para efeito da anulação das liquidações impugnadas ao abrigo do nº1 do art. 100º da LGT, porque a impugnante, confrontada com a atividade probatória demonstrativa da existência e quantificação dos factos constitutivos do direito a tributar, em obediência do art. 74º, nº1, da LGT, não fez prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito a tributar, ou seja, não apresentou, também nesta impugnação, prova de que a dimensão dos factos tributários é diferente da verificada pela Administração Tributária, logo, não criou a dúvida fundada exigida pelo nº1 do art. 100º do CPPT.
O. Não existindo qualquer certeza acerca dos factos invocados invocados pela impugnante (ie, de que as aberturas de crédito da origem dos financiamentos “hot money” estavam submetidas ao regime de conta corrente, que existe um nexo de causalidade inequívoco entre as utilizações efetuadas e os contratos a que respeitariam, e que esses contratos foram tributados), deve fazer-se aplicação da regra do ónus da prova decidindo a questão contra quem tem o ónus desses factos: a entidade bancária impugnante.
P. Como tal, decidindo a questão da ilegalidade dos atos de tributação em face da regra do art. 100º do CPPT como decidiu, a sentença recorrida faz colidir a decisão desta questão com aquela, logicamente anterior, do ónus da prova dos factos constitutivos do direito a tributar, que deu como cumprido, declarando a improcedência da pretensão da impugnante.
Q. Se a sentença recorrida, partindo dos factos provados, salientando o conteúdo do Relatório do exame ao Imposto de Selo, e das normas legais sobre a repartição do ónus da prova, transcrevendo em particular as al.s a) e b) do art. 75º da LGT, confirma a verificação dos pressupostos da tributação, a decisão de existem dúvidas fundadas acerca da existência e quantificação dos factos tributários é insustentável, por entrar em contradição fundamental entre si e, na questão da legalidade das liquidações por estarem provado os factos constitutivos do direito a liquidar, com a decisão final de procedência da impugnação.
R. Esta contradição fundamental dos fundamentos da sentença recorrida entre si mesmos e, em parte, com a decisão tomada a final afeta, antes de mais, a sentença de nulidade, segundo o disposto no art. 615º, nº1, al.c), do atual CPC.
S. Ainda que assim não se entenda, a contradição fundamental entre a resolução dada à questão da ilegalidade das liquidações impugnadas por incorreta aplicação das regras do ónus da prova e à questão da ilegalidade das liquidações em face da regra do art. 100º do CPPT, sendo esta negada por aquela, que prevalece sobre esta, afeta a sentença recorrida de erro sobre o julgamento de facto.
T. A Fazenda Pública entende ainda, sempre ressalvando o respeito devido e melhor opinião, que o errado julgamento de facto acerca da alegada ilegalidade das liquidações em face da regra do art. 100º do CPPT induziu a douta sentença recorrida em erro de julgamento de direito, por errónea subsunção dos factos ao direito aplicável e errónea interpretação desse direito.
U. Compulsada alguma doutrina e jurisprudência, é reconhecido que o contrato de abertura de crédito pode assumir diversas modalidades, nomeadamente, segundo o critério da sua realização, simples ou em conta corrente, consoante o crédito seja utilizado de uma só vez ou em tranches, em que o cliente solve as parcelas de que não precisa numa conta corrente com a entidade bancária – vide, a este respeito, António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Bancário, 2ª ed., pág.s 586 e seg.s, João Espanha e Fernando Castro Silva, Da Abertura de Crédito - Natureza jurídica e regime fiscal, consultável em http://www.espanhaassociados.pt/fotos/editor2/daaberturadecredito_naturezajuridicaeregimefiscal.pdf, bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra tirado em 19.12.2012 no proc. 132/12.2TBCVL-A.C1, reproduzido em acórdão do mesmo Tribunal tirado em 10.12.2013 no proc. 2109/11.6YIPRT.C1.
V. Em presença da definição dogmática da natureza e características do contrato de abertura de crédito, e da indicação de que este pode assumir diversas modalidades, pode afirmar-se que as operações “hot money” podem surgir tanto no âmbito de contratos de abertura de crédito simples como em conta corrente, e que as disposições dos art.s 1º e 194º Regulamento do IS e do art. 1º da Tabela Geral do IS referidas na sentença não restringem a incidência dos contratos de abertura de crédito a IS àqueles celebrados na modalidade de conta corrente.
W. Para além de as aberturas de crédito simples se subsumirem à previsão das normas legais aplicáveis, as operações de crédito analisadas têm por pressuposto não “uma conta corrente inicialmente aberta”, como erroneamente refere a sentença recorrida, mas aberturas de crédito repetidamente contratadas de novo.
X. A dúvida fundada sobre o regime de conta corrente alegado como subjacente às operações “hot money” analisadas tem de ser valorada em desfavor da impugnante, segundo a distribuição do ónus da prova estabelecida pelo art. 74º da LGT, já referida, e por via da própria norma no nº1 do art. 100º do CPPT que serve de base legal à decisão recorrida, cuja interpretação legítima atribui ao impugnante o dever de criar a dúvida fundada, sendo devido imposto pelas operações tal como apurado nos mapas anexos ao RIT sob os nºs 32 e 54, devendo as liquidações impugnadas manter-se vigentes.
Y. Pelas razões acabadas de expor, entende a recorrente Fazenda Pública que as liquidações em causa encontram-se legitimadas de facto e de direito, conforme exposto no RIT e corroborado pela decisão imediatamente impugnada e, em consequência, deve a impugnação ser julgada totalmente improcedente.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que declare improcedente a impugnação, tudo com as devidas consequências legais».

O Recorrido apresentou contra-alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

a. A impugnação, pela Recorrente, da matéria assente no ponto 12. da sentença recorrida não tem fundamento legal, na medida em que, no ponto em concreto, o Tribunal o quo se limitou a constatar um facto decorrente da praxis bancária relevante à data em que as operações foram praticadas, isto é, que as operações designadas por “Hot Money” traduzem a utilização de “uma linha de abertura de crédito, com um plafond previamente acordado”;

b. A fixação da matéria de facto assente por parte do Tribunal a quo, designadamente no referido ponto 12., encontra-se correcta, resultando do seu poder de livremente apreciar as provas disponibilizadas nos autos e da sua prudente convicção acerca do facto em análise, à luz do disposto no artigo e 607.º, números 4 e 5 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

c. Ao contrário do invocado pela Recorrente, não se verifica o vício de nulidade da sentença recorrida na medida em que, da análise da mesma, se constata que o Tribunal a quo apenas deu como provado que as utilizações de crédito existiram, não tendo considerado provado que as mesmas não foram efectuadas ao abrigo de aberturas de crédito em conta corrente ou de aberturas de crédito simples dentro do plafond acordado, o que impediria a verificação do facto tributário. A “legalidade das liquidações impugnadas” não foi, portanto, em nenhum passo da sentença ou do percurso lógico seguido pelo Tribunal a quo, afirmada, pelo que não se verifica a contradição invocada pela Recorrente;

d. Perante a dúvida fundada do Tribunal a quo sobre a existência do facto tributário, em face da documentação junta aos autos e das alegações de ambas as partes e da prova por elas produzida, o mesmo não poderia, sob pena de violação do disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, concluir em sentido diverso do que decidiu;

e. Da análise das Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente, verifica-se que as mesmas partem de uma concepção errada do conceito de “dúvida fundada” e do alcance do regime constante do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto, a inexistência de dúvida, fundada ou não, na esfera da Administração Tributária em nada releva para a apreciação do caso sub judice: a dúvida relevante é a dúvida do Tribunal;

f. Se, no caso sub judice, o Recorrido tivesse efectuado a prova “de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito a tributar” que exige a Recorrente, não poderia existir qualquer dúvida fundada sobre a existência ou não do facto tributário: existiria, sim, a certeza da inexistência do mesmo, o que também determinaria a procedência da presente Impugnação Judicial;

g. A sentença recorrida não padece, portanto, do vício de nulidade, nos termos do artigo 615.º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na medida em que não se verifica a contradição que lhe é imputada pela Recorrente, tendo o Tribunal a quo, num raciocínio lógico, procedido à análise, fundamentação e justificação do motivo pelo qual entendeu ser aplicável ao caso sub judice o disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

h. A afirmação da Recorrente, de que a praxis bancária assentava na forma dos contratos subjacentes às operações de “Hot Money” é, no mínimo, contraditória, se atentarmos à afirmação da própria Administração Tributária, proferida em 1994 (à data dos factos relevantes na presente acção), no sentido de reconhecer que a prática era, precisamente, a de as operações de “Hot Money” corresponderem a “autênticos contratos firmados através de telefonemas, que, não revestindo embora a forma escrita, nem por isso deixam de ser válidos produzindo logo efeitos”;

i. E, embora se admita que a praxis bancária se possa ter alterado, a realidade é que, à data dos factos (quase há 20 anos, sendo que uma parte substancial dos créditos utilizados tinham sido abertos em datas muito anteriores à data da inspecção que está na origem das liquidações impugnadas), a situação era bastante distinta, não sendo usual essa exigência formal, tendo, aliás, ficado provado nos presentes autos, através dos registos contabilísticos de operações de crédito da sociedade incorporada pelo Recorrido, a existência da abertura de linhas de crédito a diversos clientes da referida sociedade;

j. O facto de as linhas de crédito disponibilizadas pela sociedade incorporada pelo Recorrido aos seus clientes não terem sido sujeitas a forma escrita e de as partes intervenientes no negócio jurídico terem mantido as mesmas por período superior ao inicialmente estabelecido (através de prorrogações acordadas entre as partes), não implica a conclusão de que as referidas linhas de crédito não existissem nos moldes explanados pelo Recorrido;

k. E, se dúvidas subsistiam à Administração Tributária quanto à efectiva prorrogação do prazo de utilização das linhas de crédito inicialmente contratadas, deveria a mesma, ao abrigo do princípio do inquisitório constante no artigo 58.º da Lei Geral Tributária, ter procurado esclarecer as dúvidas, designadamente mediante a obtenção de informação junto dos clientes contraparte das operações, o que manifestamente não foi feito no caso em apreço;

l. O Tribunal a quo não considerou provados os “factos constitutivos do direito a liquidar”, nem confirmou “a verificação dos pressupostos de tributação”, na medida em que, embora tenha concluído pela existência de utilizações de créditos pelos clientes da sociedade incorporada pelo Recorrido, em face da prova produzida na presente acção, não deu como provado a existência ou inexistência do facto tributário – ou seja, que a utilização dos montantes pelos clientes da sociedade incorporada pelo Recorrido correspondiam a operações de crédito simples e em que cada utilização era uma nova operação de crédito -, pelo que, perante a dúvida que subsistia (ao próprio Tribunal), haveria que aplicar o disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

m. O conceito de “dúvida fundada” destina-se, sobretudo, ao Tribunal, a fim de proteger os interesses dos sujeitos passivos, na medida em que se a prova dos factos constitutivos do direito à tributação competia à Administração Tributária no âmbito do procedimento tributário, este ónus mantém-se em sede de Impugnação Judicial, não competindo ao Recorrido provar que essa situação não se verificava, como erroneamente alega a Recorrente;

n. Da análise da Reclamação Graciosa – cuja decisão é totalmente irrelevante para o caso sub judice, na medida em que a fundamentação constante da mesma não poderá ser “aproveitada” para fundamentar os actos tributários, por não ser contemporânea aos mesmos - e da presente Impugnação Judicial, verifica-se que o Recorrido não “retrocedeu” na argumentação aduzida naquela sede: o Recorrido aditou, sim, um novo argumento à sua Impugnação, referente à “ilegalidade das liquidações por incorrecta aplicação das regras do ónus da prova”, argumento que, aliás, foi julgado improcedente pelo Tribunal a quo, pelo que, não obstante esta argumentação não conste das expressamente das Conclusões do Recurso – que, nos termos do artigo 635.º, número 4 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, delimitam o presente Recurso -, deverá a mesma ser julgada totalmente improcedente;

o. A própria Administração Tributária, em observância dos princípios da legalidade, da imparcialidade e do inquisitório, consagrados nos artigos 55.º e 58.º da Lei Geral Tributária, deveria ter retirado das dúvidas que implicitamente confessa ter tido (e agora são expressamente confirmadas pela Recorrente) a devida consequência, abstendo-se de efectuar as liquidações contestadas ou promovendo a sua anulação quando foi chamada a pronunciar-se em sede de procedimento administrativo;

p. Assim, perante a dúvida fundada sobre se as operações “Hot Money” subjacentes às liquidações contestadas correspondiam a operações de crédito simples e que cada utilização, por parte dos clientes da sociedade incorporada pelo Recorrido, constituía um novo facto gerador de imposto (posição assumida pela Administração Tributária no procedimento inspectivo e administrativo e pela Recorrente nos presentes autos), a Administração Tributária deveria ter-se abstido de tributar;

q. Deve, assim, a sentença recorrida ser mantida na íntegra, devendo improceder todas as conclusões da Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências».

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal é de parecer que deverá ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (cf. art.º684.º do CPC aplicável ex vi do art.º7.º, do DL n.º41/2013, de 26 de Junho), o objecto do recurso consiste em indagar i) se a sentença recorrida enferma de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão; ii) se a sentença incorreu em erro de facto levando ao ponto 12 do probatório matéria não factual; iii) se a sentença incorreu em erro de julgamento concluir pela existência de dúvida fundada quanto à existência e quantificação do facto tributário.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1. Com data de 17.02.1999, foi elaborado pela Direção de Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária (DSPIT) com sede em Lisboa, o “Relatório do exame ao Imposto de Selo”, com base na Ordem de Serviço n.° 2062/98 de 28 de abril (fls. 59 a 86 dos autos dos autos que aqui se dá por integralmente por reproduzido);
2. Com relevância para a questão consta do referido relatório a seguinte:
(...)
1. Exercício de 1994
1.1 Imposto do selo sobre aberturas de crédito
(…)
1.3. Outros Créditos “Hot-Moneys”
Da análise efectuada à conta ‘2209-Crédito Interno -Outros Créditos”, verificámos os registos contabilísticos de operações de crédito, cujos montantes se apresentam elevados.
Estas operações de crédito, normalmente realizadas por períodos muito curtos e para montantes elevados, com prazos que podem ir, normalmente, de 2, 3 dias a 90 dias, traduzem financiamentos de curto prazo que têm como finalidade a cobertura de necessidades pontuais de tesouraria das empresas, operações denominadas internacionalmente como sendo operações de “Hot Moneys” e se consubstanciam em aberturas de crédito nos termos em que são definidas no Art. 1°., da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Procedemos à elaboração de mapa com evidência dos financiamentos selecionados (C/2209) (Cf. Anexo n.° 5) com vista á determinação do imposto de selo devido do apuramento do imposto do selo liquidado pelo Banco e do imposto de selo a corrigir.
Assim, para as operações de crédito de curo prazo “Hot Moneys”, que se configuram em aberturas de créditos nos termos do Art.° 1 do TGIS, apuramos o total de imposta do selo devido, no montante de Esc. 171.240.000, ao qual subtraímos o imposto de selo liquidado pelo Banco, no montante de Esc. 6.000.000, donde resultou o total de imposto de selo não liquidado e a corrigir, nos termos do Art.° 1°, do TGIS, no valor de Esc. 165 240.000 (Cfr Anexo n°6).
(…)
2. Exercício de 1995
2.1. Imposto do selo sobre aberturas de crédito.
(…)
2.2. Outros Créditos “Hot-Moneys”
A conta “2209”, apresenta igualmente neste ano, registadas operações de crédito cujos montantes se apresentam elevados, Verificou-se um acréscimo significativo deste tipo de crédito, relativamente a 1994.
Conforme já referido, trata-se de operações de crédito com prazos muitos curtos e montantes elevados, documentadas com contratos de abertura de crédito, realizados com clientes do banca que se encontram abrangidas pelo Art. 1°., da Tabela Geral da Imposto do Selo, atendendo à sua forma.
Procedemos à elabora ção de mapa com evidência das operações identificadas cliente a cliente, (Cfr. Anexo n°9) com vista á determinação do imposto de selo devido do apuramento do imposto do selo liquidado pelo Banco e do imposto de selo a corrigir.
Para as operações de crédito de curo prazo “Hot Moneys”, que se consubstanciam em aberturas de créditos nos termos do Art° 1 da TGIS, apuramos o total de imposto do selo devido, no montante de Esc. 545400.00, ao qual subtraímos o imposto de selo liquidado pelo Banco, no montante de Esc. 38.100.000, donde resultou o total de imposto de selo não liquidado e a corrigir, nos termos do Art.° 1°, da TGIS, no valor de Esc. 507.300.00 (Cfr Anexo n°10).
(…)
3. A Administração Fiscal através do ofício n.° 9575, datado de 17.09.1994, notificou a impugnante para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento do imposto de Selo, no valor de 169 268 353$00 e Juros compensatórios no valor de 118 087 149$00, num total de 287 355 502$00, relativo ao ano de 1995, conforme documento de fls. 50 Processo de Reclamação Graciosa (PRG) apenso aos autos:
4. A Administração Fiscal através do ofício n.° 9574, notificou a impugnante para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento do imposto de Selo, no valor de 507 300 000$00 e Juros compensatórios no valor de 291 190 853$00, num total de 798 490 853$00, relativo ao ano de 1994 conforme documento de fls. 33 dos autos;
5. A impugnante, em 21.01.2000, deduzir reclamação graciosa das Liquidações adicionais de Imposto do Selo, respeitantes aos exercícios de 1994 e de 1995, e respectivos juros compensatórios, datadas de 17.09.1999 (fls. 88 a 133 dos autos);
6. Por despacho de 25.10.2006, do Diretor de Finanças Adjunto, foi proferido despacho de concordância sobre o projeto de indeferimento parcial da reclamação graciosa, e ordenada a audição prévia (fls. 137 a 143 dos autos e do PRG);
7. Para efeitos de instrução do processo de reclamação graciosa, em 13.03.2003, foi proferida a decisão, pelo Diretor de Serviços da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspeção a aposta na informação n,° 05/0JT703, 27.02.2003, constante de fls. 143 a 167 dos autos e no PA, que aqui se dá por integralmente por reproduzida;
8. Por despacho de Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 26.01.2007, foi proferido o despacho “Concordo pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação e respectivos pareceres, defiro parcialmente o pedido com reclamante, nos termos que vem propostas. Notifique-se.” constante de fls. 169 dos autos que aqui se dá por integralmente por reproduzida;
9. Pelo despacho de Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 26.01.2007 foi dado provimento parcial, á reclamação graciosa, e em consequência, sido apurado o valor de 190 314,18 de imposto a restituir ao impugnante (fls. 370 a 372 do Processo de Reclamação Graciosa - PGR- apensa aos autos);
10. A impugnante é uma instituição de crédito cujo objeto social consiste na realização de operações financeiras típicas e nos moldes do regime geral das instituições financeiras (fls. 59 a 86 dos autos dos autos);
11. A nomenclatura “Hot Money”, na gíria bancária internacional corresponde a operações de crédito, realizadas por períodos de tempo curtos e de montantes elevados, e com prazos que podem mediar entre 2 a 90 dias.
12. A operação “Hot Money”, consubstancia-se na utilização de crédito, ao abrigo de uma linha de abertura de crédito, com um plafond previamente acordado.
13. O Banco, em 19.11.1999, procedeu ao pagamento integral dos valores do imposto liquidado, no total de 676 568 353 $00 acrescido de 20% no valor de 81 855 601,00, conforme fls. 54 a 56 do PRG apenso aos autos.
14. A presente impugnação foi apresentada em 19.02.2007».

E mais se deixou consignado na sentença:

«O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes, tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objeto de impugnação e pelo processo de administrativo da reclamação graciosa e neles devidamente identificados. Os restantes facto são dados como provados por não serem controvertidos.

Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Nulidade da sentença

Invoca a Recorrente nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e entre os fundamentos e a decisão.

De acordo com o disposto no nº 1, alínea c), do artº668º CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Tem-se entendido, quer na doutrina quer na jurisprudência, que esta nulidade ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada naquela.

Como decorre do texto daquela norma, só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro – cf. Acórdão do STA (Pleno da Secção do CA) de 06/02/2007, proferido no proc.º322/06.

Esta oposição também se não confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se – cf. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670.

Na tese da Recorrente, a nulidade existe porque “Se a sentença recorrida, partindo dos factos provados, salientando o conteúdo do Relatório do exame ao Imposto de Selo, e das normas legais sobre a repartição do ónus da prova, transcrevendo em particular as al.s a) e b) do art. 75º da LGT, confirma a verificação dos pressupostos da tributação, a decisão de existem dúvidas fundadas acerca da existência e quantificação dos factos tributários é insustentável, por entrar em contradição fundamental entre si e, na questão da legalidade das liquidações por estarem provado os factos constitutivos do direito a liquidar, com a decisão final de procedência da impugnação”.

No trecho pertinente da sentença, deixou-se consignado o seguinte:

«O n°1 do art° 15.° da LGT, na redação anterior à Lei n.° 55-B/2004, de 30 de dezembro, prevê que: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações das contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercia! e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifico quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos do presente lei, for legítima a recusa do prestação de informações;
c) (…).”
Da conjugação do art.° 342.° n°1 do CC e n.°1 do art.° 74 e 75.° da LGT, cumpre à Administração tributário o ónus da prova da verificação indícios ou pressupostos da tributação e ao contribuinte provar a existência das factos tributários que alegou como fundamento do seu direito (1).
(1) Acórdão do STA de 08/10/03 processo n°0453/03.

Resulta da matéria assente que, com data de 17.02.1999, foi elaborado pela Direção de Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária (DSPIT) com sede em Lisboa, o ‘Relatório do exame ao Imposto de Selo”, com base na Ordem de Serviço n.° 2062/98 de 28 de Abril.
Como consta do Relatório de Inspeção foi analisado individualmente os anos de 1994 e 1995, constatando a existência de descobertos em depósitos à ordem (DO). A ação inspetiva analisou diversas contas DO., dos clientes do Banco que apresentavam saldos devedores nos finais de cada mês (anexo 1).
No ano de 1994, procedeu á elaboração de mapas de evidência, cliente a cliente, dos descobertos em depósitos à ordem, no fim de cada mês os quais constam do Anexo n.° 2. e apuraram as situações de descoberto técnico e o Imposto de Seio, que foi apurado (Anexo n.°3).
Do confronto dos referidos anexos foi apurado um imposto de selo no valor de Esc. 2049471$00.
Nos créditos designados por “Hot Money” a Administração analisou a conta 2209
procedeu á elaboração de mapa com evidências dos financiamentos, (anexo 5), tendo apurado o valor 171 240 000$00, ao qual foi subtraído o imposto já pago pelo banco, que perfez 165 240.000$00, através do anexo 6.
No ano de 1995, o Administração a Administração analisou a conta 2209. E procedeu á elaboração de mapa com evidências dos financiamentos, (anexo 9), tendo apurado que o valor 545 400 000$00, ao qual foi subtraído o imposto já pago pelo banco, que perfez 507 300 000$00 através do anexo 10.
Como se pode concluir, a Administração tributária cumpriu, o ónus da provo da verificação indícios ou pressupostos da tributação pelo que competia á impugnante a prova a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.
Nesta conformidade, não se verifica qualquer ilegalidade das liquidações impugnadas por incorreta aplicação das regras do ónus da prova, improcedendo a pretensão do impugnante».

Como se vê, o que a Recorrente censura à sentença foi ter afirmado, por um lado, que a Administração fiscal cumpriu o ónus de prova que lhe competia quanto aos pressupostos indiciários da tributação, bem como que não se verificava qualquer ilegalidade nas liquidações por incorrecta aplicação das regras do ónus de prova e, por outro lado, contraditoriamente, ter concluído existirem dúvidas fundadas acerca da existência e quantificação dos factos tributários.

Mas essa hipotética contradição reconduz-se a um mero erro de julgamento e não à nulidade prevista na alínea c) do n.º1 do art.º668.º, do CPC, porque afirmar que a Administração fiscal cumpriu o ónus de prova que lhe competia quanto à verificação dos pressupostos da tributação e que não se verifica ilegalidade na liquidação por incorrecta aplicação do ónus da prova não conduz necessariamente a uma decisão de improcedência da impugnação, a qual não adveio, na lógica da sentença, por ter resultado da prova produzida nos autos fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários.

Quando muito poderia haver contradição entre fundamentos, mas isso, como se disse, não consubstancia nulidadepor contradição entre os fundamentos e a decisão”, antes se reconduzindo a erro de julgamento vício que, aliás, a Recorrente também imputa à sentença.

Improcede a invocada nulidade da sentença “por contradição entre os fundamentos e a decisão”.

Alega depois a Recorrente que o ponto 12 do probatório não contém matéria factual.

Ali se deixou escrito o seguinte: «A operação “Hot Money”, consubstancia-se na utilização de crédito, ao abrigo de uma linha de abertura de crédito, com um plafond previamente acordado».

Caracteriza-se como matéria de facto aquela que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos e as actuações dos seres humanos, incluindo as do foro interno, os elementos do mundo ideal ou imaterial, tais como acções, qualidades, estados, sentimentos, ideias e factores anímicos, volitivos, intelectuais, que não deixam de reconduzir-se ao domínio dos factos pela mera circunstância da sua abstracta natureza. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual – cf. Acórdão do TCAS, de 07/02/2012, proferido no proc.º04686/11.

Ora, o que sentença fez foi consignar como facto uma definição jurídica, qual a de operação “hot money”, caracterizando-a comoutilização de crédito, ao abrigo de uma linha de abertura de crédito, com um plafond previamente acordado”.

Trata-se inequivocamente de matéria de direito assumida como matéria de facto provada, que não pode manter-se no probatório da sentença.

Nos termos do disposto no n.º4 do art.º646.º, do CPC, “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito…”.

Assim, considera-se não escrita a matéria vertida no ponto 12 do probatório.

Imputa a Recorrente à sentença erro de julgamento alegando, nuclearmente que (cf. Conclusão O) “Não existindo qualquer certeza acerca dos factos invocados pela impugnante (i.e., de que as aberturas de crédito da origem dos financiamentos “hot money” estavam submetidas ao regime de conta corrente, que existe um nexo de causalidade inequívoco entre as utilizações efetuadas e os contratos a que respeitariam, e que esses contratos foram tributados), deve fazer-se aplicação da regra do ónus da prova decidindo a questão contra quem tem o ónus desses factos: a entidade bancária impugnante”.

Com efeito, perante a constatação em sede inspectiva, de utilizações de créditos por clientes do banco impugnante contabilizados na conta “2209” dos exercícios de 1994 e 1995, operações que a Administração fiscal se arroga o direito de tributar em sede de imposto do selo, o impugnante e ora Recorrido veio aos autos sustentar que o ónus da prova da sujeição a tributação de tais utilizações de créditos por clientes recaía sobre a Administração fiscal sem prejuízo de se ter proposto, em sede procedimental e na observância do princípio da colaboração, fazer a prova da associação dessas operações a contratos de abertura de crédito (e suas prorrogações), actos pelos quais já teria liquidado o correspondente imposto do selo, não sendo devida tributação por cada utilização de crédito contida no “plafond” acordado.

Esta questão do ónus da prova resolveu-a a sentença por aplicação do disposto no art.º100.º, do CPPT, concluindo, por um lado, que a Administração fiscal cumpriu o ónus que lhe competia na indiciação dos pressupostos da tributação e, por outro, haver fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

Todavia, e julgamos ser essa também a linha argumentativa da Recorrente, a “fundada dúvida” que a sentença erroneamente tem em vista é de qualificação jurídica do facto tributário, reconduzindo-se à questão de saber se nas aberturas de crédito em conta corrente o imposto de selo deveria recair unicamente sobre os “plafonds” estabelecidos no contrato ou sobre cada utilização feita ao abrigo do mesmo contrato (no fundo, se estamos perante um facto tributário único ou perante vários factos tributários correspondentes a cada utilização de crédito).

Ora, esta questão que é de qualificação jurídica do facto tributário, supõe resolvida uma outra, essa sim, questão de facto, qual a de apurar se o impugnante e ora Recorrido logrou demonstrar que as utilizações de crédito lançadas na dita conta “2209” – “Hot Money” dos exercícios de 1994 e 1995 se reportam efectivamente aos contratos de abertura de crédito em regime de conta corrente a que estão referenciados, assente que foi na sentença ter a Administração fiscal cumprido o ónus probatório que lhe incumbia na indiciação dos pressupostos da tributação de tais utilizações.

Tal como anteriormente salientado, as correcções levadas a efeito assentaram na constatação, em sede inspectiva, de utilizações de créditos por clientes do banco contabilizados na conta “2209” sem que tenha sido liquidado o imposto de selo por cada operação de utilização de crédito e sem que tenha sido possível comprovar a sua referenciação aos contratos de abertura de crédito (e suas prorrogações) que os documentam.

Como também se referiu já, a sentença concluiu que a Administração fiscal tinha cumprido o ónus probatório que lhe incumbia na verificação indiciária dos pressupostos da tributação em imposto de selo de tais operações, não tendo a decisão sofrido impugnação nessa parte.

E tendo merecido resposta positiva e estando consolidada a questão de saber se a Administração fiscal cumpriu o ónus de prova a que estava vinculada na decisão de correcção, ao impugnante e ora Recorrido competia produzir prova que permitisse comprovar o que alega: que as utilizações de créditos contabilizadas consubstanciam, afinal, actos de utilização decorrentes de um pré-existente contrato de abertura de crédito em regime de conta corrente (ou suas prorrogações), abrangendo os períodos em que foram feitas as questionadas utilizações de créditos, como decorre do disposto no n.º1 do art.º74.º, da LGT, segundo o qual, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, e do n.º1 do art.º342.º, do Código Civil.
Salienta-se, a propósito, que competindo ao contribuinte o ónus da prova de que as questionadas utilizações de créditos estão reportadas aos contratos de abertura de crédito que os documentam, não lhe basta criar dúvida sobre tal facto, ainda que fundada, pois neste caso o art.º100º do CPPT não tem aplicação.

Neste ponto, diga-se que o ónus consagrado no art.º100º, nº1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a Administração fiscal, segundo a máxima latina in dubio contra fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação. Nesse sentido, pode ver-se o Acórdão do TCAS, de 04/06/2013, proferido no proc.º06478/13.

Ora, no artigo 16.º da petição inicial, a impugnante, aqui Recorrida, alegava ter demonstrado, em sede de reclamação graciosa, “…que as liquidações efectuadas respeitavam a prorrogações de aberturas de crédito e à utilização sucessiva do crédito aberto em regime de conta corrente, em que, contrariando a orientação do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no despacho já anteriormente mencionado, a Administração tributária considerara haver diversos factos sujeitos a imposto do Selo”.

A sentença, já se intui, em vista da solução dada ao litígio, não tratou de apurar se o impugnante, não obstante sustentar que o ónus da prova da sujeição a tributação de tais utilizações de crédito por clientes recaía sobre a Administração fiscal, logrou fazer, como afirma, a prova da associação dessas operações a contratos de abertura de crédito em regime de conta corrente e suas prorrogações [actos pelos quais já teria liquidado o correspondente imposto do selo, não sendo devida tributação por cada utilização contida no “plafond” acordado], apreciando os elementos probatórios que se diz terem sido carreados para os autos em sede procedimental.

Como também e pelas mesmas razões, não conheceu das restantes questões suscitadas na petição de impugnação.

Dispõe o n.º2 do art.º665.º, do CPC que «Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários».

Neste ponto, constata-se que os elementos juntos aos autos não permitem uma decisão esclarecida quanto à natureza, conteúdo e alcance das operações de crédito reflectidas na documentação junta pelo impugnante, havendo que proceder a diligências complementares visando a obtenção de informação sobre a prática bancária então seguida na formalização dos instrumentos jurídicos e na contabilização dos lançamentos relativos a tais operações de crédito em regime de conta corrente e suas prorrogações, o que inviabiliza o conhecimento imediato pelo tribunal de recurso das questões prejudicadas.

5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:

i. Julgar procedente a arguição de nulidade, declarando nulo o acórdão posto em crise na parte em que não apreciou as questões factuais e jurídicas cujo conhecimento o tribunal recorrido deu por prejudicado em vista da solução dada ao litígio;
ii. Anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para diligências complementares, ampliação da matéria de facto e prolação de nova sentença em que se conheça de todas as questões prejudicadas.
Sem custas
Porto, 15 de Outubro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro