Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00013/02 - MIRANDELA
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2010
Relator:Fonseca Carvalho
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:1 – O artº 77º/2 da LGT versa sobre a fundamentação e eficácia dos actos tributários e impõe que os actos tributários sejam fundamentados embora de forma sumária de forma expressa devendo conter sempre as normas legais aplicáveis…
2 – No caso dos autos o Tribunal deu como provado que na fundamentação não haviam sido indicadas as normas legais onde se alicerçara a decisão. Todavia, a Mma. Juiz considerou que essa falta por não contender com a defesa do contribuinte se deveria ter como preterição de formalidade não essencial.
3 – Em direito tributário a fundamentação dos actos deve obedecer aos requisitos do artigo 125º do CPA, o qual no seu nº1 impõe que dele constem os fundamentos de direito.
4 – As formalidades que a lei impõe em direito tributário são garantia da defesa e direito dois contribuintes, pelo que neste campo de direito que é gravoso para o cidadão, as formalidades se devem ter sempre como essenciais, só sendo passíveis de degenerescência quando a lei expressamente o consagra.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Não se conformando com a sentença do TAF de Mirandela, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por José Manuel , contra a liquidação de IRS nº 20015333793734, no valor de € 1.790,92, veio o impugnante dela interpor recurso para o TCAN concluindo assim as suas alegações:

A. A douta sentença recorrida é nula porquanto:
B. Na impugnação judicial em referência veio o Impugnante invocar a nulidade da liquidação por preterição de formalidade essencial, a saber por violação do art.65.º, actualmente n.º 5 do CIRS que determina:
C. Por imperativo legal a competência para praticar actos de apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos colectáveis é do director de finanças distrital do domicílio do sujeito passivo.
D. Inexistindo a notificação da rectificação ou alteração prevista naqueles termos, aliás,
E. Inexistindo o próprio acto de rectificação ou alteração previsto no art.65.º do CIRS, da competência do Director de Finanças, estamos perante um caso de inexistência jurídica, cujo regime jurídico é o previsto para os casos de nulidade do art.º 134.º, n.ºs 1 e 2 do CPA e tem como consequência o facto de não produzir quaisquer efeitos jurídicos, pelo que determinaria necessariamente a anulação da liquidação impugnada, conforme foi requerida nos art.20.º e seguintes da impugnação judicial em referência.
F. Na verdade, ao primeiro momento da fiscalização que consistiu desde logo na visita de fiscalização que culminou com o Relatório Final, da competência da Inspecção.
G. Teria de seguir-se obrigatoriamente, por imperativo legal artigo 65.º do CIRS, o momento da rectificação ou alteração das declarações dos sujeitos passivos, da competência do Director distrital de finanças, conforme determina o art.65.º do CIRS.
H. Neste caso concreto teria obrigatoriamente de acontecer posteriormente ao Relatorio de Inspecção, de resto após ter sido apontada esta irregularidade inúmeras vezes, a Direcção de Bragança passou a adoptar a prática em consonância com este dispositivo legal.
I. E a este momento deveria seguir-se depois a notificação do acto tributário, ou seja a notificação daquela decisão de alteração dos rendimentos, a efectuar nos termos do art.66.º do CIRS, após declaração de rectificação da declaração do sujeito passivo pelo Director Distrital de Finanças.
J. Claramente num primeiro momento temporal tem de ser praticado o acto (a rectificação que pode ter por base as inexactidões ou omissões apuradas pela fiscalização) e só num segundo momento temporal pode ser notificada a liquidação na sequência da rectificação.
K. A liquidação foi emitida e notificada sem ter sido precedida da rectificação do imposto declarado.
L. Devendo por isso ser anulada a liquidação impugnada conforme foi peticionado.
M. Neste mesmo sentido, em situação semelhante e quanto ao mesmo contribuinte já decidiu favoravelmente, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela Sentença de 21/06/2007, proferida no Proc.14/2002 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. :
«Este acto de fixação ou alteração previsto no art.65.º citado, é sempre notificado ao sujeito passivo, com a respectiva fundamentação (art.66.º do CIRS).
Ora, compulsados os autos e atento também a matéria provada, a contrario, inexiste essa notificação com a respectiva fundamentação, porque inexiste, também o próprio acto de fixação ou alteração.
Estamos perante um caso de inexistência jurídica porque existem tão só factos que em nada correspondem a um conceito de acto administrativo (ver Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, pág.512), tal como está configurado no art.120.º do CPA.
O seu regime jurídico é o previsto para os casos de nulidade do art.º 134.º, n.ºs 1 e 2 do CPA (Neste sentido cfr.Santos Botelho, Pires Estevese Cândido de Pinho in CPA anotado e comentado, 5.ª edição, fls.790) e tem como consequência o facto de não produzir quaisquer efeitos jurídicos, o de ser invocável a todo o tempo e o ser declarado por qualquer órgão administrativo ou qualquer tribunal».
N. Sucede porém que o tribunal recorrido não apreciou a nulidade invocada, o que nos termos do art.95.º do CPTA e art.668.º do CPC determina a nulidade da sentença.
O. Devendo em consequência ser a apontada inexistência apreciada determinando-se a anulação da liquidação, conforme peticionado.
P. É ainda nula a douta sentença recorrida por oposição entre os fundamentos de facto adoptados e a decisão, conforme se alegará infra.
Q. A douta sentença recorrida, conforme alegado e provado documentalmente – dá por assente que:
«No caso em apreço não consta do relatório de inspecção, nem da decisão da reclamação graciosa, as normas legais ao abrigo das quais foi efectuada a liquidação impugnada».
R. Matéria de facto provada que se tem por assente para todos os efeitos legais.
S. Apesar disso o tribunal recorrido, em clara contradição com a matéria de facto dada por assente (apontada na transcrição supra) veio entender que:
«No entanto, da leitura da petição inicial resulta que não foi a falta de indicação da norma legal que suporta a liquidação que não permitiu ao impugnante conformar-se com a liquidação».
T. Mais sustenta, a sentença recorrida, que:
«Não sendo o impugnante um especialista em direito fiscal [...] qualquer profissional da área da contabilidade ou fiscal, a quem o impugnante tem necessariamente de se socorrer face à especialidade que a matéria exige, tem obrigação de o saber».
U. Concluindo a douta decisão recorrida: «pelo que deve considerar-se tal irregularidade como não essencial».
V. A tese sustentada pelo tribunal recorrido viola manifestamente o art.268.º da CRP, o art.77.º da LGT e o art.65.º e 66.º ambos do CIRS.
W. Incorrendo em erro na interpretação e aplicação da lei no que concerne ao dever legal de fundamentação dos actos tributários e decisões procedimentais.
X. O Recorrente veio invocar a falta de fundamentação da liquidação desde a sua primeira intervenção no procedimento, em sede de reclamação graciosa.
Y. No entanto obteve o mero indeferimento da reclamação graciosa sem que tenham sido apontadas expressamente os motivos do indeferimento, resultando na violação do dever de fundamentação previsto no art.77.º da LGT, e em consequência devendo ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação e todos os actos subsequentes, conforme peticionado.
Z. O Recorrente não pode aceitar de modo algum o entendimento do tribunal recorrido que face ao reconhecimento de ausência de fundamentação de direito, da liquidação impugnada e da decisão que indefere a reclamação graciosa – o que se tem por assente –, o qualifica de mera irregularidade!
AA. E mais, não atribuindo a essa “mera irregularidade” qualquer consequência!
BB. Para tanto invoca a douta decisão recorrida a nota 1 ao art.77.º da LGT comentada e anotada por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária comentada e anotada, 2.ª Ed., 2002, Vislis, p.325 e 326. , todavia esta anotação não se refere à omissão pura do dever de fundamentação.
CC. Resulta do elemento literal da lei (art.77.º, 1 da LGT), «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de exposição sucintadas razões de facto e de direito que a motivaram», o legislador quis que as decisões de procedimento fossem sempre, e não as vezes, fundamentadas.
DD. No mesmo sentido, como se confirma na referida LGT anotada, consideram esses autores, prosseguindo na nota 3:
EE. «A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito».
FF. No caso concreto nem sequer estamos perante uma fundamentação obscura ou insuficiente mas sim perante a total ausência de fundamentação de direito, pelo que se verifica o invocado vício de forma, o que deve determinar a anulação do acto, ou seja da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e de todos os actos subsequentes.
GG. Nem se diga, que o contribuinte poderia ter-se socorrido do art.37.º do CPPT, porquanto ainda deitando mão desta via, como fez, o contribuinte não ficou a conhecer as razões que motivavam de direito o acto, pura e simplesmente porque essas razões não estavam apenas ausentes da notificação mas da própria decisão, conforme a sentença recorrida dá por assente!
HH. Relativamente à questão da Falta de Fundamentação da Liquidação, determina o n.º 2 do art.77.º da LGT: «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo». (nosso cheio e sublinhado)
II. A remissão que a douta sentença recorrida faz para uma anotação da Lei Geral Tributária de Diogo Leite de Campos e outros, é erradamente aplicada ao caso vertente, desde logo porque essa anotação ao n.º 1 do art.77.º da LGT refere-se aos elementos que a decisão de procedimento deve conter, entendendo que falhando alguma dessas menções ainda assim possa não ser anulável a decisão de procedimento, se se verificar que o sujeito passivo tem elementos para perceber o seu exacto alcance.
JJ. Assim e primeiro lugar, diga-se, esta anotação não se refere ao acto de liquidação e em segundo lugar também não se aplicaria ao caso vertente, nem tão pouco no que se refere à decisão de indeferimento da reclamação graciosa porquanto estamos, neste caso, perante a total inexistência de fundamentação de direito. Não sendo defensável que o sujeito passivo possa compreender o raciocínio jurídico e a aplicação de normas que pura e simplesmente foram omitidas!
KK. Na verdade, aos actos de liquidação é aplicável o n.º 2 do art.77.º da LGT, a que corresponde a anotação 5 e não a anotação 1, da apontada lei geral tributária Lei Geral Tributária comentada e anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 2.ª Ed., 2002, Vislis, p.327 e 328., assim referem aqueles autores:
«No n.º 2 deste art.77.º, estabelecem-se requisitos da fundamentação dos actos tributários que, pelos termos utilizados serão, para este efeitos, apenas os actos de liquidação dos tributos.
Estes actos podem conter uma fundamentação sumária que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
A fundamentação deve dar a conhecer ao interessado o itenerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer outro.
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (art.125.º, n.º 2 do CPA)». (nosso cheio)
LL. No mesmo sentido em anotação ao art.77.º, n.º 2 da LGT, António Lima Guerreiro Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, p.339 e 340.: «a fundamentação do acto tributário deve conter sempre a indicação das normas legais aplicáveis. A fundamentação que não contenha essa indicação é sempre insuficiente, mesmo quando inequívoca, e a insuficiência constitui causa de anulabilidade do acto».
MM. Mais referindo com relevância para a decisão da causa,
«A própria Quarta Revisão Constitucional, na redacção dada ao artigo 268.º, número 3, converge nesse sentido, apontando para uma fundamentação clara e acessível dos actos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, no sentido de poder ser conhecida por uma destinatário normal e não apenas por um destinatário de conhecimentos técnicos acima da média. Essa exigência impõe-se peculiarmente para os actos tributários ou em matéria tributária, dada a conhecida complexidade da maioria das normas fiscais».
NN. Pelo que erra a douta sentença recorrida quando reduz a inexistência de fundamentação de direito a mera irregularidade não essencial, porquanto, no seu entendimento, o sujeito passivo deveria socorrer-se de técnico de contas (sendo certo que no caso concreto nem sequer possuía contabilidade organizada nem técnico oficial de contas), consultor fiscal ou, porque não, advogado, quando pelo contrário, a lei exige que a fundamentação seja: clara, expressa, inequívoca, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos actos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
OO. Justamente tornando a liquidação acessível a um destinatário comum, a saber ao sujeito passivo.
PP. De resto do Relatório de Inspecção resulta que a contabilidade do sujeito passivo não oferece credibilidade o que de princípio deveria resultar na avaliação indirecta dos seus rendimentos, no entanto sem qualquer fundamentação lógica de facto ou de direito e por conseguinte vedando ao sujeito passivo a possibilidade de seguir o seu percurso cognitivo, a Administração Fiscal opta pelas correcções meramente aritméticas.
QQ. A douta sentença recorrida violando manifestamente o dever de fundamentação atribui ao exercício dos meios de defesa do Recorrente a demonstração de que esse dever de fundamentação é inútil!
RR. Sucede que o Recorrente desde a Reclamação graciosa vem invocando a falta de dever de fundamentação sem que a mesma seja indicada – demonstrando-se a sua inexistência – o que claramente o coloca numa posição de inferioridade para exercer cabalmente o seu direito de defesa, na medida em que conhece as consequências – a alteração ao seu rendimento – mas não as razões de facto e de direito que conduziram à alteração desse rendimento.
SS. Ora, é justamente esse desequilíbrio que o dever de fundamentação pretende evitar.
TT. Ainda André Salgado de Matos Código do Imposto do Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, p.360., em anotação ao artigo 67.º do CIRS (da fundamentação dos actos):
«uma fundamentação obscura (ou seja, que não seja clara), contraditória (ou seja, que não seja completa enquanto explicação dos motivos de facto e de direito que levaram à adopção do acto) equivale à falta absoluta de fundamentação. Como tal, as consequências jurídicas serão exactamente as mesmas nos casos de um acto de fixação ou alteração careça absolutamente de fundamentação, ou em que esta esteja em qualquer das situações acima descritas».
UU. Donde é forçoso concluir que, tendo a douta decisão recorrida chegado à conclusão: «No caso em apreço não consta do relatório de inspecção, nem da decisão da reclamação graciosa, as normas legais ao abrigo das quais foi efectuada a liquidação impugnada»,
VV. A douta decisão recorrida deveria ter retirado de tal vício a consequência jurídica prevista na lei, artigo 77.º da LGT, art.125.º e 135.º do CPA, a saber, a anulação do acto, isto é a anulação da liquidação e de todos os actos subsequentes,
WW. E pelas mesmas razões de facto e de direito deveria ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e todos os actos subsequentes.
XX. Decidindo em sentido contrário o tribunal recorrido viola aqueles preceitos legais e decide mesmo em contradição com os fundamentos de facto adoptados com a consequente nulidade da sentença nos termos previstos subsidiariamente no art.668.º, 1 d) do CPC.
YY.A douta sentença recorrida é nula nos termos dos art. art.95.º do CPTA e art.668.º do CPC e art.668.º, 1 d) do CPC.
ZZ. A douta decisão recorrida viola os artigos 77.º da LGT e art.268.º CRP, art.37.º CPPT, viola os art.120.º, 123.º, 134.º e 135.º do CPA, e art.65.º e 66.º do CIRS.
Termos em que revogando a decisão recorrida e determinando a anulação da liquidação impugnada farão V. Excias. inteira Justiça.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público pronuncia-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal a quo deu como assente:

1. A escrita do impugnante foi objecto de uma acção inspectiva da qual resultou o relatório datado de 03-10-2001 cuja cópia está junta a fls. 18 a 20 do processo apenso e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
2. Na sequência da acção inspectiva referida em 1) foi efectuada a liquidação n.º 5333793734 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do ano de 1999, no montante de Esc. 359.048$00 (€ 1.790,02) – fls. 47.
3. A liquidação resultou de correcções meramente aritméticas à matéria tributável – relatório de inspecção.
4. O ora impugnante apresentou reclamação graciosa a qual foi indeferida por despacho de 06-09-2002 – processo apenso.
5. A decisão referida em 4) foi notificada ao ora impugnante em 10-09-2002 – processo apenso.
6. A petição inicial foi remetida via fax no dia 25-09-2002 para o extinto Tribunal Tributário de 1ª Instância de Bragança.

Foi perante a factualidade descrita que o Mº Juiz “a quo” se questionou desde logo sobre a alegada falta de fundamentação da liquidação referindo que o Impugnante alegou que foi notificado de correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria colectável.
Verifica-se, diz a Impugnante, que a liquidação está fundamentada em erros de cálculo quando no relatório da Inspecção se alude a erros ou omissões na contabilização.
A Mª Juiz considera que no caso em apreço não constam do relatório da Inspecção nem da decisão de reclamação graciosa as normas legais ao abrigo das quais foram efectuadas a correcção e a liquidação impugnada.
Todavia, não foi este o motivo, pelo qual a Impugnante deduziu a sua Impugnação.
A Impugnante alega que a correcção aritmética apenas envolve erros de cálculo na escrita e por isso considera não haver fundamentação quando se invoca erro ou omissão na contabilização.
A Mª Juiz entende que a alegação da Impugnante considera apenas o que em Direito Fiscal se entende como correcção aritmética que é um conceito mais abrangente do que o percepcionado pela recorrente e que permite à Administração Tributária a correcção da matéria colectável declarada desde que a mesma possa ser exactamente quantificada através da avaliação directa.
Por isso, e porque, a Impugnante neste caso entendeu o sentido da correcção aritmética deve este procedimento e as decisões dele decorrentes terem-se por correctamente fundamentados.
Porque não havia outro vício invocado nem fosse alegada qualquer ilegalidade a Mª Juiz julgou a Impugnação improcedente.
A recorrente não se conforma com esta decisão e desde logo invoca coloca a questão prévia da nulidade da sentença por omissão da pronúncia por não ter conhecido da preterição da formalidade legal consistente na violação do art. 65º hoje art. 5º do CIRS que prescreve sobre as bases para o apuramento ou alteração de rendimentos por inexistência do acto de rectificação ou alteração previsto no art. 65º do CIRS da competência do Director de Finanças.
Estar-se-ia assim perante um caso de inexistência jurídica donde há que retirar os seus efeitos jurídicos que é a anulação da Impugnação.
Outra preterição de formalidade consiste na omissão da notificação dfa decisão do Director de Finanças nos termos do artº 66º do CIRS pelo que por esta razão também deveria ser anulada a liquidação.
Relativamente à sentença a recorrente não se conforma também com a decisão porquanto tendo a Mª Juiz dado como provado não constarem do relatório da Inspecção nem da decisão da reclamação graciosa as normas legais ao abrigo das quais foi efectuada a declaração impugnada considerou que tal irregularidade se deveria ter por não essencial, em afronta manifesta com o art. 268 da CRP, 77º da LGT e 65 e 66 do CIRS.
A recorrente invocou a falta de fundamentação em sede de reclamação graciosa que lhe foi indeferida sem que fossem expressos os motivos de tal indeferimento e porque este vicia afronta o art. 77º da LGT, tal decisão deve ser também anulada.
E deve também ter-se a liquidação por não fundamentada, por falta da indicação das normas legais que a legitimaram por força do nº2 do art. 77º da LGT.
Cumpre decidir:
Como se vê da P.I a Impugnante fundamentou a sua Impugnação na falta de fundamentação da decisão da reclamação graciosa e da liquidação por não conterem factos suficientes donde se colhessem as razões e o porquê da decisão nem as normas de direito que legitimavam o poder correctivo da Administração Fiscal.
A Mª Juiz acaba no fundo por dar como provado que as razões de facto constam do relatório da inspecção sobre a qual a Impugnante teve ocasião de se pronunciar quando foi notificada para exercer o direito de audição a que alude o art. 60º da LGT e muito embora dê como provado que da liquidação e da decisão da reclamação graciosa não consta a indicação das normas legais que fundamentaram os actos tributários em causa considera contudo que tal falta de indicação das normas legais não impediu a Impugnante de conhecer as razões da correcção aritmética e da decisão da Administração Tributária, pelo que considerou, que essa irregularidade, se deve ter como não essencial.
Em abono da sua tese cita a doutrina de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge de Sousa, in Comentários à LGT 1999 p. 263.
Não sufragamos tal doutrina e entendimento.
A fundamentação do acto administrativo, lesivo dos direitos e interesses legítimos do administrado está sujeita a fundamentação por força do disposto no art. 268º nº3 da CRP.
A fundamentação é assim um dever da Administração e uma garantia e direito dos administrados.
A fundamentação cumpre como é sabido uma função justificativa da legitimidade e racionalidade da Administração pelo que não pode considerar-se a fundamentação como um mero elemento formal do acto administrativo de que possa prescindir-se quando a sua ausência ou insuficiência não provoquem a falta de defesa do administrado.
Ela deve por isso em obediência ao preceituado no art. 77º da LGT e 125º do CPA expressar embora de forma sucinta as razões que moveram a Administração Tributaria a ter o comportamento que teve e ainda a referir as razões porque tomou aquela decisão.
Mas para além disso reitera-se ela terá que referir também as normas legais que legitimaram tal actuação pois só assim o administrado conhecerá o “iter” cogniscitivo bem como o “iter” valorativo da Administração só assim podendo ficar convencido da legalidade e do rigor da Administração Tributária ou em situação de a contestar correctamente.
É certo que este dever de fundamentar se pode fazer por relação assentando em acto distinto do decisor mas onde ele alicerça expressamente todo o seu raciocínio e decisão.
No caso dos autos pareceria à primeira vista que haveria uma fundamentação “per relacionem” ou “in aliunde”, na medida em que se diz que os motivos estão contidos no relatório e projecto de Inspecção de que a Impugnante teve oportunamente conhecimento aquando da sua notificação para sobre ele se pronunciar.
Mas se virmos bem o teor do relatório da inspecção constatamos que a mesma remete para as normas da LGT que curam do dever de fundamentação dos actos administrativos, mas não concretiza neste caso quais as normas violadas e quais as normas que legitimaram o poder correctivo.
E o mesmo se diga no que concerne à nota da liquidação remetida ao contribuinte.
Por isso, e pelas razões anteriormente expostas, devem os actos impugnados ter-se por não fundamentados sendo que o julgador não deve, no campo do direito fiscal, sempre gravoso para os contribuintes, propender para relevar a degradação de uma formalidade essencial, a não ser que a lei fiscal concretamente o preveja.
Por todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em dar provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e em substituição julgar procedente por provada a Impugnação Judicial, anulando consequentemente a liquidação impugnada.
Sem custas.
Notifique e Registe.
Porto, 14 de Julho de 2010
José Maria da Fonseca Carvalho
Francisco Rothes
Álvaro Dantas