Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00087/12.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM;
ARTIGO 41.º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:Não tendo sido questionada a impropriedade do meio processual ou o erro na forma de processo, não se pode concluir pela caducidade do direito de acção, tendo em conta a forma de processo escolhida, a acção administrativa comum, não sujeita a prazo - artigo 41.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JPEL
Recorrido 1:Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parece no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

JPEL veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 24.02.2016, pela qual foi o réu, Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, absolvido do pedido na acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, por caducidade do direito de acção.
Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 37º, nº 2, al. a), 41º, 58º, nº 2, al. b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção aplicável, no artigo 114º, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, no nº 4, do artigo 18º, do Decreto-Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro e no artigo 170º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, redacção aplicável.

O recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de proceder o recurso.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª. O autor e ora recorrente não se conforma com a sentença proferida em 24.02.2016 nos presentes autos, que absolveu o réu do pedido por considerar caducado o direito do autor à acção, considerando que:

“Portanto, se o A. toma conhecimento em 18/8/2006 da decisão que o desfavorece, na data em interpôs a acção (26/2/2012) o seu direito já tinha caducado — cfr., à contrário, art.º 58º, nº 3, al. b) do CPTA”.

2ª. O autor não impugnou qualquer acto administrativo e não intentou qualquer acção administrativa especial. Como resulta dos autos, em 26.02.2012, o autor instaurou acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o que faz nos termos do artigo 37º, nº 2, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos então em vigor.

3ª. Conforme pedido formulado a final, o objecto da acção interposta é o reconhecimento de um direito (de que, por via da interposição do recurso hierárquico em 18.08.2006 e nos termos do artigo 114º, nº 3, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, encontra-se tacitamente deferida a sua pretensão de revogação do parecer desfavorável ao licenciamento de construção de moradia por si solicitado, proferido pela Comissão Directiva do Parque Natural de Montesinho – ICN), cumulado com o pedido de notificação de tal revogação do aludido parecer desfavorável ao Município de Bragança, a fim de este poder prosseguir o respectivo licenciamento requerido pelo autor, constante do processo com a referência nº 265/05 e com pedido de pagamento de sanção pecuniária compulsória.

4ª. Tendo o recurso hierárquico o regime previsto nos artigos 6º, nº 2 e 7º, nº 4, do Decreto Regulamentar nº 5-A/97, de 4 de Abril; artigo 18º, nº 4, do Decreto-Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro, e 114º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com o decurso do prazo de trinta dias previsto neste último diploma foi deferida tacitamente a pretensão exarada pelo autor a final daquele recurso, ou seja, foi revogado o parecer desfavorável do ICN.

5ª. Tal deferimento tácito consubstancia acto administrativo constitutivo de direitos e, por isso, insusceptível de revogação – cfr. artigo 140º, nº 1, al. b), Código de Procedimento Administrativo -, considerando o autor que beneficia dessa revogação e que é titular desse direito.

6ª. O autor instaurou a presente acção de reconhecimento desse mesmo direito apenas porque necessita que tal ato administrativo (que revogou tacitamente o parecer do ICN) lhe seja reconhecido judicialmente, para efeitos de consequente notificação da Câmara Municipal de Bragança a fim de prosseguir o respectivo de licenciamento requerido.

7ª. O autor entende por isso que a presente acção (de reconhecimento desse mesmo direito) podia ser proposta a todo o tempo, nos termos do artigo 41º, nº 1, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo tempestiva a sua instauração em 26.02.2012, com o que se permite discordar com o douto entendimento expresso na sentença, que considerou caducado o seu direito à acção por aplicação do artigo 58º, nº 3, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a contrario.

8ª. Mesmo que assim se não entendesse, o autor também não se conforma com a sentença – cfr. fls. 2 e 3 - quando, perante a relatada diversidade de regimes previstos no artigo 114º, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16.02 e no artigo 18º, nº 4, do Decreto-Lei nº 19/93, de 23.01, optou por considerar que aos presentes autos se aplica exclusivamente o disposto naquele primeiro diploma legal, em detrimento deste último.

9ª. Tendo em conta os objectos, quer do parecer do ICN, quer do recurso hierárquico interposto, considera-se que o regime especial em causa é, exactamente, o previsto no artigo 18º, nº 4, do Decreto-Lei nº 19/93, de 23.01, devendo ser sempre este o aplicável.

10ª. Pelo que, mesmo a considerar-se pela existência de uma acção administrativa especial (ao invés acção administrativa comum interposta):

. Por um lado, o recurso hierárquico interposto do parecer desfavorável tem natureza necessária (com efeito suspensivo, nos termos do artigo 170º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, redacção aplicável), em face do disposto no artigo 114º, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, conjugado com o nº 4, do artigo 18º do Decreto-Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro e, por isso, não susceptível de impugnação imediata, por falta de definitividade.

. Concomitantemente, seria de aplicar sempre a suspensão prevista no artigo 59º, nº 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem prejuízo do disposto naquele artigo 170º, nº 1, Código de Procedimento Administrativo.

11ª Salvo o devido respeito, foram violados os artigos 37º, nº 2, al. a), 41º, 58º, nº 2, al. b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, redacção aplicável, artigo 114º, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, nº 4, do artigo 18º, do Decreto-Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro e artigo 170º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, redacção aplicável.
*

II – Matéria de facto.

Com base na posição das partes e nos documentos juntos ao processo encontram-se assentes os seguintes factos, em parte considerados na decisão recorrida:

1. Em Setembro de 2005, o autor apresentou junto da Câmara Municipal de Bragança um pedido de licenciamento de construção de uma moradia unifamiliar, processo que foi autuado naquele Município com o nº 265/05.

2. O licenciamento por parte da Câmara Municipal de Bragança estava dependente do parecer do Instituto da Conservação da Naturez, pela Comissão Directiva do Parque Natural de Montesinho, que foi desfavorável ao pedido de construção requerido pelo autor e que lhe foi notificado com data de 01.08.2006.

3. Por considerar que, em face das circunstâncias atinentes ao caso em concreto, tal parecer desfavorável era ilegal, em 18.08.2006 o autor interpôs do mesmo o recurso hierárquico que dirigiu ao Presidente do Instituto de Conservação da Natureza, tendo peticionado a final a “revogação do parecer desfavorável recorrido e a substituição por outro que admita a possibilidade de construção do prédio pretendido”.

4. Sobre este recurso hierárquico não recaiu qualquer decisão.

5. O autor remeteu várias comunicações à entidade demandada no sentido de lhe ser reconhecido o deferimento tácito da revogação do parecer desfavorável do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), para consequente notificação da Câmara Municipal de Bragança, a fim de prosseguir o respectivo de licenciamento requerido – cfr. artigo 18º, da petição inicial

6. Sobre este pedido de reconhecimento não obteve qualquer resposta.

7. O autor interpôs em 26.02.2012 a presente acção administrativa comum, sob processo ordinário, contra o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.

8. Deduziu nesta acção os seguintes pedidos contra o réu:

1. “Reconhecer que, por via da interposição do Recurso Hierárquico em 18-08-2006 e nos termos do artº 114º, nº 3, do Dec. Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, encontra-se tacitamente deferida a pretensão do Autor, de revogação do parecer desfavorável ao licenciamento de construção de moradia por si solicitado, parecer esse proferido pela Comissão Directiva do Parque Natural de Montesinho – ICN, que tem data de entrada no Município de Bragança de 3-07-2006 e que foi notificado ao Autor com data de 1-8-2006.

2. Em consequência, proceder à notificação de tal revogação do aludido parecer desfavorável ao Município de Bragança, a fim de este poder prosseguir o respectivo licenciamento requerido pelo Autor, constante do Processo com a referência nº 265/05.

3. Atento o período já decorrido e tendo em vista a eficácia da douta decisão, mais se requer a condenação da entidade demandada no pagamento de uma quantia de 100,00 € por cada dia de atraso no cumprimento da douta decisão a proferir, a título de sanção pecuniária compulsória.”


*

III - Enquadramento jurídico.

A decisão recorrida, de absolver o réu do pedido, face à caducidade do direito de acção, caracterizado ali como “excepção peremptória (material)” partiu da seguinte premissa essencial:

“Portanto, se o A. toma conhecimento em 18/8/2006 da decisão que o desfavorece, na data em interpôs a acção ( 26/2/2012) o seu direito já tinha caducado – cfr, à contrário, art.º 58.º, n.º3, al. b) do CPTA.

Ou seja, parte do pressuposto de que se trata de uma acção impugnatória, sujeita ao prazo de um ano, a que alude este preceito.

Simplesmente, a acção intentada foi uma acção comum e não uma acção administrativa especial.

Saber se houve erro na forma de processo, ou seja, se face aos pedidos formulados e à causa de pedir, a forma de processo escolhida é a adequada, ou não, é questão diversa da tempestividade.

Assim como é questão diversa da tempestividade saber se o autor devia ter utilizado a acção administrativa especial e apenas se socorreu da acção administrativa comum porque já se tinha esgotado o prazo para intentar a acção própria, a acção administrativa especial.

A questão de saber se a acção intentada era a própria ou adequada e admissível, ou seja, se houve erro na forma de processo (deveria ter sido utilizada a acção administrativa especial) ou se existe impropriedade do meio processual (foi usada a acção comum para contornar o obstáculo legal da caducidade do direito a interpor a acção administrativa especial), não foi tratada na decisão recorrida.

E como não foi questão tratada na decisão recorrida não pode agora ser tratada em sede de recurso jurisdicional.

Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.

Neste sentido, uniforme, se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo n.º 01660/06, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2012, processo 00254/09.7 BEMDL e de 08-07-2011, no processo 00215/98 – Porto.


Em particular, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03.05.2007, no processo n.º 01660/06, diz-se (sumário):

“1. Mediante a interposição de recurso a decisão judicial é submetida a nova apreciação por outro tribunal, tendo por objecto quer a ilegalidade da decisão quer a sua nulidade, sendo que o conteúdo do recurso deflui do contexto da alegação e respectivas conclusões - art°s. 676 e 668° CPC, ex vi artº 140º CPTA.

2. Nas alegações, a parte há-de expor as razões por que ataca a decisão recorrida; nas conclusões, há-de fazer a indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão recorrida, - artº 690° CPC, ex vi artº 140º CPTA.

3. O conceito adjectivo de questão envolve tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.

4. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso, excluída a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova).

5. O âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado - artº 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artº 715º nºs 1, 2 e 3 CPC.

6. É admissível a interposição de recurso subordinado quanto a decisões distintas, quando entre estas se verifique uma relação de prejudicialidade.

7. Para além dos casos de caducidade por decaimento nos pressupostos de recurso, expressa no artº 682º nº 3 CPC, a insubsistência do recurso principal implica o não conhecimento de mérito sobre o objecto do recurso subordinado, como é o caso.”

E no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-07-2011, no processo 00215/98 – Porto (sumário):

“1. Em sede de recurso jurisdicional - e face ao disposto no artigo 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, apenas podem ser tratadas questões quem tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.

(…)”

Como se coloca neste momento, apenas, a questão da tempestividade da acção, é irrelevante a existência de eventual acto tácito de indeferimento ou apurar a natureza do recurso hierárquico interposto.

Apenas importa averiguar se existe ou não prazo para intentar a acção escolhida pelo autor, a acção administrativa comum.

Ora quando ao prazo para intentar a acção administrativa comum, regula o artigo 41.º e não o artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

E regula de forma clara, no seu n.º1:

“Sem prejuízo do disposto na lei substantiva e no capítulo seguinte, a acção administrativa pode ser proposta a todo o tempo”.

Como não existe prazo para intentar a acção, não se pode concluir pela respectiva intempestividade, ou seja, pela caducidade do direito de accionar.

Termos em que se impõe revogar a decisão recorrida, na improcedência da apontada excepção


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam improcedente a excepção de caducidade do direito de acção.

C) Determinam a baixa dos autos para prosseguirem os seus normais termos, se nada a mais tal obstar.

Custas em ambas as instâncias pelo recorrido.

Porto, 15 de Julho de 2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha