Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00587/10.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Helena Canelas
Descritores:MOBILIDADE ESPECIAL; RECONHECIMENTO DE CERTOS EFEITOS PUTATIVOS DE ATO NULO
Sumário:
I – Devem ser salvaguardados os efeitos putativos do ato, declarado nulo, de colocação em situação de mobilidade especial, consistentes no pagamento das subvenções previstas nos artigos 23º e ss. do DL. n.º 53/2006, de 7 de dezembro, se em virtude do tempo decorrido e das demais particulares do caso, assim o impuserem os princípios da proteção da confiança e da boa-fé, nos termos do disposto no artigo 134º nº 3 do CPA.
II – A condenação ao reconhecimento de tal direito deve abranger as várias entidades administrativas rés na ação, envolvidas naquele procedimento e, concomitante, intervenientes na relação jurídica-administrativa, na qual são chamadas a assumir as respetivas competências, nos termos da lei.
III – A circunstância de, nos termos então disposto no artigo 38º nº 2 alínea a) do DL. nº 53/2006, de, 7 de dezembro, a competência para proceder ao pagamento das remunerações e subvenções devidas aos trabalhadores colocados em situação de mobilidade especial caber à secretaria-geral ou departamento governamental de recursos humanos do ministério em que se integrava o serviço onde, por último, o trabalhador exerceu funções, não afasta ou impede que as demais entidades administrativas, também rés na ação, sejam igualmente condenadas a reconhecer aquele direito. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE
Recorrido 1:MCPFG
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento a ambos os recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
MCPFG (devidamente identificada nos autos) instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ação administrativa especial contra o (1) Ministério da Saúde, a (2) Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. e o (3) Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE, na qual impugnou o despacho proferido pela Ministra da Saúde em 22/12/2009, através do qual foi autorizada a cessação da licença sem vencimento que havia sido por si requerida, formulando os seguintes pedidos, nos seguintes termos:
«A) Deverá a presente acção administrativa especial considerar-se procedente e, em consequência ser anulado o acto recorrido;
B) E serem os réus condenados a praticar o acto devido, consubstanciado, na autorização para a autora ocupar um lugar do quadro de pessoal do CHLN, correspondente à sua categoria, o qual deve ainda:
- reconhecer à autora o direito decorrente da sua colocação em mobilidade especial, durante o período em que aguardou a autorização para a sua colocação no quadro de pessoal do réu CHLN; EPE, com as legais consequências, nomeadamente, o pagamento das remunerações e/ou subvenções a que a autora tem direito, relativas a esse mesmo período;
- ou em alternativa, caso assim não se entenda; ser praticado com efeitos a 1 de Setembro de 2007, com as legais consequências, nomeadamente, a contagem, na categoria de origem, do tempo de serviço, ininterruptamente até à presente data, e o pagamento das remunerações a que a autora tem direito, relativas a esse mesmo período.
c) Condenar-se ainda os réus a pagarem à A, a quantia de 32 000,00 (trinta e dois mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela A., acrescidos dos juros que se vencerem à taxa legal desde a citação até integral pagamento».
Por sentença de 30/05/2017 (fls. 839 ss. SITAF) a Mmª Juíza do Tribunal a quo, pronunciando-se sobre o mérito da ação, julgou-a parcialmente procedente, nos termos assim vertidos no seu segmento decisório:
«a) Considero improcedente o pedido de anulação do ato que autorizou a cessação da licença sem vencimento e o regresso da Autora ao mapa de pessoal do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E., em 22.12.2009, absolvendo as Entidades Demandas do pedido;
b) Reconheço o direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data de tal colocação até à data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009 – DSGR, datado de 28.05.2009, condenando as Entidades Demandadas no pedido;
c) Considero improcedente o pedido de condenação à prática de ato de recolocação com efeitos a 01.09.2007, absolvendo as Entidades Demandadas do pedido;
d) Considero improcedente o pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo as Entidades Demandadas do pedido.»
Desta sentença interpuseram recursos de apelação o CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE (fls. 882 ss. SITAF) e a ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP (fls. 892 ss. SITAF).
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No seu recurso o CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE pugna pela revogação da decisão recorrida na parte em que o abrange na condenação ao pagamento das subvenções devidas pelo período da putativa colocação da autora em mobilidade especial, defendendo que nos termos do DL. nº 53/2006, de 7 de dezembro, esse pagamento compete à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, e que assim apenas o Ministério da Saúde devia ser condenado, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
- A decisão a quo julgou procedente o pedido de reconhecimento do direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data de tal colocação até à data em que foi notificada do ofício nº 4333/2009 – DSGR, datado de 28/05/2009 e condenou todas as Entidades Demandadas (Ministério da Saúde, ACSS e CHLN), conjuntamente, no pedido - alínea b) da Decisão, pág. 34 da douta Sentença.
– Nos termos do disposto art. 38º nº 2 al. a) do Decreto-Lei 53/2006, de 7 de dezembro, essa competência é exclusivamente da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.
- Logo, a Sentença recorrida, infringiu o referido normativo.
– Devendo, em consequência, ser parcialmente revogada e substituída por outra que decida sobre responsabilidade pelo pagamento das subvenções em causa, em conformidade com o referido normativo, isto é, condenando apenas o Ministério da Saúde no pedido.
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Também a ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP pugna no seu recurso pela revogação da sentença recorrida na parte em que a condenou, juntamente com os demais réus na ação, ao pagamento das subvenções devidas pelo período da putativa colocação da autora em mobilidade especial, defendendo que esse pagamento compete à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, e que assim apenas o Ministério da Saúde devia ser condenado, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
O presente recurso incide sobre a aplicação que o Tribunal a quo fez do Direito, aos factos provados.
Versa o mesmo, em concreto, sobre decisão que condenou todas as Entidades Demandadas, de forma indiscriminada e sem justificar essa decisão, quanto à condenação subjetiva, que a Sentença não revela qual o fundamento subjacente, ao pagamento à Autora das subvenções devidas pela colocação putativa da Autora em situação de mobilidade especial.
Os fundamentos do presente recurso consistem, pois, nos vícios que afetam a validade da Sentença recorrida, de falta de fundamentação bem como de erro na aplicação do Direito aos factos dados como provados.
A Sentença recorrida, data venia, ao arrepio das normas processuais aplicáveis, em particular, do artigo 94.º do CPTA e dos artigos 607.º e 615.º, n.º 1, alínea b), do Código do Processo Civil (CPC), não especifica os fundamentos de Direito para a condenação subjetiva conjunta das Entidades Demandadas no pagamento das subvenções, cujo direito é pela Sentença reconhecido.
E, como tal, padece, nos termos das normas legais invocadas, de nulidade.
Acresce que a decisão do Tribunal a quo deve obediência a normas legais que versam especificamente sobre a competência de pagamento de subvenções devidas pela colocação de trabalhadores em situação de mobilidade especial, e das quais resulta a responsabilidade de entidade que não o Recorrente ACSS.
À data dos factos em que a Autora se encontrou em situação de mobilidade e até ao conhecimento da nulidade desse ato (2008-2009), em particular, atento os factos provados e descritos sob os n.ºs 8 a 12 da decisão sobre a matéria de facto, o pagamento das subvenções devidas pela colocação de trabalhadores em situação de mobilidade especial era regulado pela Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro.
O referido regime legal previa, à data dos factos, que “o pessoal em situação de mobilidade especial é afeto à Secretaria-Geral ou departamento governamental de recursos humanos do Ministério em que se integrava o serviço onde, por último, exerceu funções”, sendo estes responsáveis, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito pelo pagamento das subvenções, da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.
Perante o quadro legal vigente não poderia, pois, o Tribunal a quo ter condenado o aqui Recorrente no pagamento das subvenções à Autora.
10º Fez, pois, o Tribunal a quo uma má aplicação do Direito aos factos.
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A recorrida autora contra-alegou (fls. 931 ss. SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, formulando a final o seguinte quadro conclusivo:
1. Vieram os Recorrentes Centro Hospitalar de Lisboa Norte E.P.E. e Administração Central do Sistema de Saúde insurgir-se contra a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, invocando em suma não concordarem com a sua condenação em conjunto com o Ministério da Saúde.
2. Alegando as Recorrentes não poderem concordar com a sua condenação, invocando para o efeito o disposto no artigo 38.º, n.º 2, alínea a) do Decreto- Lei 53/2006 de 7 de Dezembro e que em face do disposto em tal normativo legal, a obrigação de pagamento deveria recair única e exclusivamente sobre o Ministério da Saúde.
3. Alegando ainda a Recorrente Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., que não especifica a sentença os fundamentos de direito, invocando a nulidade da douta sentença.
4. Sucede que, entende a Recorrida que não assiste qualquer razão aos Recorrentes, não se enfermando a douta sentença recorrida de qualquer vício, pelo que, se deverá manter integralmente.
5. Na verdade, intentou a Recorrida a presente ação pelo facto de ter vindo a ser colocada em situação de mobilidade especial, na sequência da intervenção das diversas entidades demandadas no seu processo, não lhe tendo contudo sido pagas as subvenções devidas, vindo contudo posteriormente a deliberação que declarou a sua colocação em mobilidade especial, a ser declarada nula.
6. Tendo a Recorrida sido colocada em situação de mobilidade especial com efeitos a 17 de Julho de 2007, deliberação essa do Conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte E.P.E., de 27/06/2008, que veio a ser publicada em Diário da República datado de 16/07/2008 – cfr. pontos 6 a 10 da sentença e fls. 52 a 64 dos autos.
7. Colocação essa em situação de mobilidade especial que ocorreu na sequência da intervenção das três entidades demandadas.
8. Vindo tal deliberação a ser considerada nula pelo próprio órgão autor do ato, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar, em 25/08/2009 – cfr. pontos 12 e 13 da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida.
9. Ora, a condenação das entidades demandadas no pagamento em conjunto das subvenções que a Recorrida teria direito a auferir no período em que se terá encontrado em situação de mobilidade especial, fundamentou-se no disposto no artigo 134.º, n.º 3 do CPA (atual 162.º, n.º 3 do novo CPA), tendo sido determinada a atribuição de efeitos putativos ao ato, durante o período em que o mesmo vigorou, sob pena de violação dos princípios da proteção da confiança e da boa-fé.
10. Normativo legal que visa assim proteger, apesar da nulidade, efeitos putativos dum acto nulo, num contexto de tutela da confiança legítima dum beneficiário de acto efectiva e juridicamente nulo, confiança assente também no decurso de um período de tempo razoável – veja-se Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/07/2014, no processo nº 01561/13.
11. A condenação das entidades demandadas no pagamento das subvenções à Autora, ora Recorrida, fundamentou-se assim na necessidade de acautelar no caso em apreço os princípios da boa-fé e da proteção da confiança.
12. Fundamentando-se a condenação no indicado normativo legal do CPA e não na obrigação de pagamento prevista no artigo 38.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-lei 53/2006 de 7 de Dezembro.
13. De facto, a Recorrida foi efetivamente colocada, como exposto supra, em situação de mobilidade especial, deliberação essa publicada em Diário da República, tendo ainda sido notificada de que atempadamente lhe seriam pagas as subvenções devidas.
14. Confiando assim na deliberação proferida, que se manteve ainda em vigor durante um longo período de tempo, afetando a sua vida pessoal e profissional.
15. E, pelo menos até à data em que lhe foi comunicado o ofício de 28/05/2009, a Autora confiou que se encontrava em situação de mobilidade especial, agindo, na sua via pessoa e profissional, de acordo com tal enquadramento jurídico.
16. Acresce que, como se pode aliás ler no ofício n.º 8340/2008 da Secretaria Geral do Ministério da Saúde, datado de 11/12/2008, as subvenções devidas nos termos do disposto nos artigos 23.º e seguintes da Lei n.º 53/2006 de 7 de Dezembro, apenas não foram à data pagas à Recorrida, em virtude de não ter a secretaria geral verbas que lhe permitissem efetuar o pagamento.
17. Constando aliás também do referido ofício que havia já sido solicitado o reforço orçamental à Direcção Geral do Orçamento para efeitos de pagamento de tais subvenções – cfr. pontos 8 e 10 dos factos provados e fls. 61 a 64 dos autos.
18. Nestes termos, entende a Recorrida que bem andou o tribunal a quo ao condenar as três entidades demandadas, enquanto entidades intervenientes no processo administrativo da Recorrida, que veio a determinar a sua colocação em situação de mobilidade especial.
19. Condenação essa que se encontra contrariamente ao alegado pelas Recorrentes devidamente fundamentada no disposto no artigo 134.º, n.º 3 do CPA.
20. E que, fundando-se nos efeitos putativos do ato, se deverá manter quanto às três entidades.
21. Devendo por conseguinte improceder o recurso pelas Recorrentes interposto, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida.
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O MINISTÉRIO DA SAÚDE também apresentou contra-alegações (fls. 914 ss. SITAF) pugnando igualmente pela improcedência dos recursos, com manutenção da sentença recorrida, terminando com o seguinte quadro conclusivo:
A. A Douta sentença ora recorrida, no segmento que condenou no pedido, as três Entidades Demandadas (Ministério da Saúde, ACSS e CHLN), ao reconhecimento do direito da A. ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data dessa colocação até à data em que foi notificada do ofício nº 4333/2009 _ DSGR, de 28.05.2009, decidiu bem, não merecendo qualquer tipo de censura.
B. Foi decidido, em abono dos princípios da boa-fé, da tutela da confiança, da segurança e da certeza jurídicas, que se protegessem no caso em apreço os efeitos putativos do acto de colocação em mobilidade especial, que consistem no pagamento das subvenções.
C. Os efeitos putativos considerados na presente decisão são os derivados do decurso do tempo, que resultam da efectivação prática do acto nulo por um período de tempo, bem como os efeitos putativos ligados a factores de estabilidade das relações sociais como são aqueles que fundamentaram a decisão – princípios da boa-fé, da tutela da confiança e da certeza jurídicas, e não.
D. Ao contrário do entendido pelos recorrentes, o pagamento das subvenções é a título de efeitos putativos do acto nulo e não pelo facto da A. se encontrar, durante o lapso de tempo indicado, em mobilidade especial.
E. A A. terá direito ao recebimento das subvenções não porque estava em mobilidade especial, mas sim através da salvaguarda dos efeitos putativos do acto de colocação em mobilidade especial, uma vez que a prática do acto nulo criou uma situação jurídica de total indefinição à A. que confiava que se encontrava em situação de mobilidade especial, durante um período superior a 2 anos, actuando, na sua via pessoal e profissional, de acordo com tal enquadramento jurídico.
F. À Secretaria-Geral do Ministério da Saúde competia gerir o pessoal colocado em situação de mobilidade especial, a quem nos termos da lei competia proceder ao pagamento das remunerações e subvenções praticar os demais actos de administração relativos ao pessoal em situação de mobilidade especial.
No entanto,
G. Constatou-se que a A. não estava em mobilidade especial face à declaração de nulidade da deliberação que a colocou nessa situação. O que significa que a Secretaria-Geral deixou de ter qualquer responsabilidade financeira.
H. Actualmente, é a Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas (INA),a entidade gestora da valorização profissional – Art.º 3º do anexo da Lei n.º 25/2017 de 30.05. e não a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde que detém essa atribuição.
I. Correctamente a sentença condenou as três entidades demandadas no pagamento das subvenções devidas à A em virtude da colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data da sua colocação até 28.05.2009 (notificação do ofício 4333/2009-DGSR).
J. O Tribunal a quo condenou as três Entidades Demandadas em conformidade com as normas processuais aplicáveis em matéria de condenação, e nos termos do disposto nos artigos 94º do CPTA e 607º do CPC, ex vi, artº 1º do CPTA.
Da sentença ora recorrida, inexiste qualquer causa de nulidade, nos termos previstos do art.º 614º do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA.
K. O Tribunal a quo, no quadro legal vigente, e numa boa aplicação do Direito aos factos dados como provados, decidiu em abono das normas legais que versam, especificamente sobre a competência de pagamento das subvenções a título de efeitos putativos do acto nulo e dos princípios da boa-fé, da tutela da confiança, da segurança e da certeza jurídicas – princípios que podem ser chamadas a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação rigorosa do princípio da legalidade do acto nulo.
L. Daí, correctamente, o Tribunal a quo ter condenado as três Entidades Demandadas.
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Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público não emitiu Parecer.
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Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Vêm interpostos dois recursos independentes, um interposto pelo CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE (fls. 882 ss. SITAF) e outro pela ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP (fls. 892 ss. SITAF), réus na ação, sendo ambos os recursos dirigidos à sentença do Tribunal a quo na parte em que esta, reconhecendo o direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data de tal colocação até à data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009 – DSGR, datado de 28.05.2009, condenou as três Entidades Demandadas nessa parte do pedido.
Sendo que em face dos termos em que foram enunciadas por cada um dos recorrentes as respetivas conclusões de recurso, as questões essenciais a decidir são as de saber se a sentença recorrida ao abranger na condenação constante na alínea b) do seu segmento decisório os três réus na ação:
- padece de nulidade por falta de fundamentação - (conclusões 3ª a 5ª do recurso da ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP);
- incorre em erro de julgamento, de direito, por apenas ao réu MINISTÉRIO DA SAÚDE e não aos recorrentes competir proceder, nos termos legais, ao pagamento daquelas subvenções - (conclusões 1ª a 2ª e 6ª a 10ª do recurso da ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP e conclusões 1ª a 3ª do recurso do CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE).
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
1. Em 06.09.2002, a Autora foi nomeada assistente de farmácia da carreira técnico superior de saúde no Hospital de SM (cfr. termo de posse a fls. 42 e 43 dos presentes autos físicos).
2. Em 01.09.2004, a Autora celebrou com o Hospital IDP, S.A. um contrato intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, de que constavam entre outras, as seguintes cláusulas:
“(…) Cláusula 3.ª
Funções
As funções a exercer pelo TRABALHADOR são, nomeadamente, as seguintes: as constantes do n.º 1, do artigo 13.º, do Decreto-Lei n.º 414/91, de 22 de Outubro, por analogia ao regime jurídico da função pública.
Cláusula 4.ª
Termo
1. O período de vigência do presente contrato é de 12 (doze) meses, com início a 01 de Setembro de 2004 e termo a 31 de Agosto de 2005, podendo ser renovado por iguais períodos até ao limite de duas vezes.
2. O presente contrato é celebrado a termo certo devido à necessidade de combater e gerir as listas de espera existentes no hospital, nos termos do Art.º 129.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto. (…)
(cfr. contrato junto a fls. 44 e ss dos presentes autos físicos).
3. Para efeitos da celebração do contrato referido em 2, a Autora requereu uma licença sem vencimento junto do Hospital SM, a qual lhe foi concedida a partir de 29.12.2004 (cfr. Informação n.º 1597/2009, a fls. 2 do p.a).
4. Em 11.06.2007, a Autora apresentou junto do Hospital SM, E.P.E. um requerimento em que conclui da seguinte forma:
(…) Em Junho/2002 ingressou no quadro da função pública na categoria de assistente da carreira técnica superior de saúde (ramo farmácia) no Hospital de SM. Por pretender residir na zona de Aveiro, celebrou em Setembro/2004 contrato a termo certo com o Hospital Infante D. Pedro, onde exerce actualmente, mantendo uma licença sem vencimento de longa duração ao abrigo do SNS.
O referido contrato, tendo já sido renovado 2 vezes termina em 31 de Agosto de 2007, motivo pelo qual vem solicitar a re-colocação no quadro de pessoal dos Serviços Farmacêuticos deste hospital. (…)
(cfr. requerimento e comprovativo do registo postal a fls. 49 e 52 dos autos físicos).
5. Em 08.08.2007, a Autora apresentou novo requerimento junto do Hospital SM, E.P.E., em que informa que se irá apresentar ao serviço nos serviços farmacêuticos desse hospital a partir de 01.09.2007 (cfr. requerimento e comprovativo do registo postal a fls. 50 e 51 dos autos físicos).
6. Em 22.08.2007, o Conselho de Administração do Hospital de SM, E.P.E., aprovando as propostas constantes da informação n.º 121/07/DR, de 17.08.2007, deliberou indeferir o requerimento referido em 4, com fundamento na extinção da vaga em que a Autora estava provida antes da licença sem vencimento, e enviar o processo à Administração Central do Sistema de Saúde para colocação em situação de mobilidade especial (cfr. deliberação e informação de fls. 52 a 56 dos autos físicos).
7. Em 07.11.2007, o processo relativo ao pedido de reingresso da Autora foi reencaminhado pelos recursos humanos da Administração Central do Sistema de Saúde para o Hospital SM, E.P.E. (cfr. deliberação a fls. 60 dos autos físicos).
8. Em 27.06.2008, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E., aprovando as propostas constantes da informação n.º 407/08/UP-CM, de 24.06.2008, deliberou colocar a Autora em situação de mobilidade especial (cfr. informação e deliberação a fls. 61 e ss dos presentes autos físicos).
9. A deliberação referida em 8 foi publicada em diário da república datado de 16.07.2008 (cfr. extrato do diário da república a fls. 63 dos presentes autos físicos).
10. A deliberação referida em 8 foi ainda comunicada à Dra. CDC, na qualidade de mandatária da Autora através do ofício n.º 8340/2008 da Secretaria Geral do Ministério da Saúde, datado de 11.12.2008, de que consta, entre outros, o seguinte:
(…)
Reportando-nos ao assunto em epígrafe, cumpre informar V. Exa. que a sua constituinte se encontra em situação de mobilidade especial desde 17 de Julho de 2007, cfr. Deliberação (extracto) n.º 1908/2008, publicitada no D.R., 2.ª série, n.º 136, de 16 de Julho de 2008, cuja cópia se anexa.
No que concerne ao pagamento das subvenções devidas à sua constituinte nos termos do disposto nos artigos 23.º e seguintes da Lei n.º 53/2006, de 07 de Dezembro, e ainda não regularizadas, importa esclarecer que esta Secretaria-Geral não dispõe, presentemente, de verbas que permitam proceder ao referido pagamento, tendo sido já solicitado à Direcção-Geral do Orçamento o necessário reforço orçamental e submetida à consideração superior informação a relatar tal facto, aguardando-se orientações sobre a matéria. (…)
(cfr. ofício a fls. 64 dos presentes autos físicos).
11. Em 28.05.2009, a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde enviou à Autora o ofício n.º 4333/2009 – DSGR, de que consta, entre outros, o seguinte:
(…)
Na sequência da Informação n.º 477/DRJE/2008, de 19 de Setembro, da Direcção-Geral da Administração e Emprego Público, sobre a qual recaíram os despachos n.º 737/2008, de 22 de Dezembro, de S. Exa. o Secretário de Estado da Administração Pública e n.º 17/09, de 06 de Janeiro, de S. Exa. o Ministro de Estado e das Finanças, foi comunicado a esta Secretaria-Geral o entendimento, segundo o qual são nulas, por incompetência absoluta, as deliberações dos conselhos de administração dos hospitais ou centros hospitalares EPE, criados após a entrada em vigor da Lei n.º 53/2006, de 7 de Dezembro, que autorizaram ou indeferiram o pedido de regresso da situação de licença sem vencimento de longa duração e determinaram a consequente colocação de pessoal em SME.
(…)
Esta orientação foi transmitida ao Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, pela Administração Central do Sistema de Saúde, IP, solicitando-se que o mesmo declare a nulidade do acto que autorizou ou indeferiu o pedido de regresso da situação de licença sem vencimento de longa duração, bem como de todos os actos dele consequentes.
Assim, informa-se V. Exa., que poderá candidatar-se a processo de recrutamento para a categoria detida, no caso das carreiras de regime geral (ou para a categoria superior, caso aquele seja detentor dos requisitos legalmente exigíveis), ou a concurso interno, no caso das carreiras especiais e até revisão das mesmas, mantendo-se a sua situação de licença sem vencimento até à publicação pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE da lista de afectação de pessoal a esta Secretaria-Geral, só posteriormente sendo possível desencadear os procedimentos destinados à sua colocação em situação de mobilidade especial.
É de salientar que o vício de nulidade tem como consequência a não produção de quaisquer efeitos do acto que autorizou ou indeferiu o regresso da situação de licença e a colocação em mobilidade especial, não podendo, assim, ser reclamados quaisquer direitos inerentes a tal situação, desde a data da prática do acto declarado nulo (ex: pagamento de remunerações, direito a férias, benefícios sociais – ADSE, Caixa Geral de Aposentações, possibilidade de concorrer a processos de recrutamento através do SigaME, etc).
Consequentemente, informa-se que esta Secretaria-Geral procedeu, nesta data, à remessa do seu processo individual ao Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, devendo V. Exa. dirigir-se ao Serviço de Pessoal/Recursos Humanos do mesmo a fim de obter quaisquer esclarecimentos adicionais.
(cfr. ofício a fls. 17 e 18 do p.a.).
12. Em 25.08.2009, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E. deliberou considerar nula a deliberação de colocação de mobilidade especial da Autora referida em 8, com base nas propostas constantes da informação n.º 891/09/UP-CM, de 12.08.2009 e com o seguinte fundamento:
Face às orientações da ACSS, que resultam de entendimento perfilhado pela DGAP, os profissionais dos hospitais EPE em situação de licença de longa duração podem ser colocados em situação de mobilidade especial como resulta da deliberação do CA. Assim, propõe-se que o CA declare nula a deliberação sobre este assunto constante da acta 16/08, 27/6/08.
(cfr. extrato do diário da república, deliberação e informação a fls. 10 a 13 do p.a.).
13. A deliberação referida em 12 foi publicada em diário da república datado de 18.09.2009 (cfr. extrato do diário da república a fls. 10 do p.a.).
14. A Autora impugnou judicialmente “os despachos n.ºs 737/2008, de 22 de Dezembro do Secretário de Estado da Administração Pública, 17/09, de 6 de Janeiro do Ministro do Estado e das Finanças e a decisão do Senhor Secretário Geral datada de 28/05/2009”, que, no seu entender, haviam declarado a nulidade da deliberação que colocou a Autora em situação de mobilidade especial, pedindo a anulação de tais atos e pedindo a consideração da Autora em situação de mobilidade especial, com liquidação das subvenções, através de processo judicial que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, sob o n.º 620/09.8BEAVR (cfr. certidão da p.i. a fls. 380 e ss dos autos físicos).
15. Em 04.11.2009, o Secretário-Geral da Saúde determinou que se remetesse à Administração Central de Saúde, I.P. a Informação n.º 1597/2009, de 20.10.2009, com vista à integração da Autora, o que foi determinado com base na seguinte proposta da Chefe de Divisão de Recursos Humanos:
Concordo. Atenta a declaração de nulidade do acto de colocação em SME pelo Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE e considerando o regime de regresso da situação de licença sem vencimento concedida ao abrigo do estatuto do SNS, entende-se que deve ser promovida pela ACSS, IP a integração da trabalhadora em serviço do Ministério da Saúde que dela careça.
(cfr. informação e ofício a fls.1 e 2 do p.a.).
16. Na Informação n.º 1597/2009, de 20.10.2009, conclui-se da seguinte forma:
(…)
17) Face ao exposto, afigura-se que a colocação da técnica superior de saúde MCPG em mobilidade especial é nula, uma vez que, nos termos dos artigos 21.º e 22.º do Estatuto do SNS, em conjugação com o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 272/2002, de 9/12, a trabalhadora tem direito a ser integrada no quadro de origem, se necessário em lugar a extinguir quando vagar ou em lugar vago de outro serviço mais carenciado na mesma sub-região de saúde ou, se não existir, da região de saúde.
Assim,
Considerando a existência de posto de trabalho vago no Hospital JLCA, deverá ser promovida pela ACSS, entidade que regula o SNS, em colaboração com o Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, serviço de origem, a integração da trabalhadora no referido Hospital.
(cfr. Informação n.º 1597/2009, a fls. 2 e ss do p.a.).
17. Em 22.12.2009, foi exarado despacho da Ministra da Saúde que autorizou a cessação da licença sem vencimento e o consequente regresso da técnica superior de saúde ao mapa de pessoal do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E., com os fundamentos constantes da Informação n.º 707/UORPRT/2009, de 20.11.2009 (cfr. despacho e informação a fls. 37 e ss dos autos físicos).
18. Da informação n.º 707/UORPRT/2009, referida no ponto anterior, consta, entre outros, o seguinte:
(…)
Cabe, pois, agora, apreciar a situação vertente, salientando-se, neste âmbito que do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, não é possível destacar qualquer elemento normativo de direito transitório, pelo que haverá que recorrer aos compassos do artigo 12.º do Código Civil.
De tudo quanto se expôs, e face à doutrina citada, na situação vertente afigura-se-nos dever prevalecer o interesse da certeza jurídica, do respeito das justas expectativas dos particulares criadas à sombra de determinada lei, pelo que deverá ser aplicável ao pedido de cessação da licença da interessada a lei que vigorava no momento da concessão da referida licença, ou seja, o Decreto-lei n.º 272/2002, de 9 de Dezembro.
Efectivamente, na opção tomada pela funcionária em causa, quando solicitou a licença sem vencimento, foi, seguramente, factor determinante conhecer, a priori, os termos em que se operaria o regresso desta situação, na data em que manifestasse o desejo de fazer cessar a licença, pelo que há que aplicar ao pedido de regresso a lei vigente à data da constituição jurídica.
De outro modo, a previsibilidade das consequências das condutas adoptadas pelos interessados não seria, neste caso, garantida.
Deste modo, afigura-se que deve ser autorizada a cessação da licença e consequente regresso da técnica superior de saúde, ramo de farmácia MCPFG, ao mapa de pessoal do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E. (…)
(cfr. informação a fls. 37 e ss dos autos físicos).
19. Através do ofício n.º 006238, de 26.02.2010, a Dra. CDC foi notificada do despacho referido em 17, na qualidade de mandatária da Autora, (cfr. ofício a fls. 35 dos autos físicos).
20. Em 17.10.2012, no âmbito do processo judicial referido no ponto 14, foi proferida sentença que considerou a ação totalmente improcedente (cfr. sentença a fls. 554 e ss dos presentes autos).
*
B – De direito
1. Da decisão recorrida
1.1 A presente ação administrativa especial foi instaurada pela autora contra três entidade administrativas, a saber, o (1) Ministério da Saúde, a (2) Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. e o (3) Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE.
Nela a autora impugnou o despacho proferido pela Ministra da Saúde em 22/12/2009, através do qual foi autorizada a cessação da licença sem vencimento que havia sido por si requerida, formulando os seguintes pedidos, nos seguintes termos:
«A) Deverá a presente acção administrativa especial considerar-se procedente e, em consequência ser anulado o acto recorrido;
B) E serem os réus condenados a praticar o acto devido, consubstanciado, na autorização para a autora ocupar um lugar do quadro de pessoal do CHLN, correspondente à sua categoria, o qual deve ainda:
- reconhecer à autora o direito decorrente da sua colocação em mobilidade especial, durante o período em que aguardou a autorização para a sua colocação no quadro de pessoal do réu CHLN; EPE, com as legais consequências, nomeadamente, o pagamento das remunerações e/ou subvenções a que a autora tem direito, relativas a esse mesmo período;
- ou em alternativa, caso assim não se entenda; ser praticado com efeitos a 1 de Setembro de 2007, com as legais consequências, nomeadamente, a contagem, na categoria de origem, do tempo de serviço, ininterruptamente até à presente data, e o pagamento das remunerações a que a autora tem direito, relativas a esse mesmo período.
c) Condenar-se ainda os réus a pagarem à A, a quantia de 32 000,00 (trinta e dois mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela A., acrescidos dos juros que se vencerem à taxa legal desde a citação até integral pagamento».
1.2 Pela sentença recorrida (fls. 839 ss. SITAF), datada de 30/05/2017, a Mmª Juíza do Tribunal a quo, pronunciando-se sobre o mérito da ação, julgou-a parcialmente procedente, vertendo o seguinte no respetivo segmento decisório:
«a) Considero improcedente o pedido de anulação do ato que autorizou a cessação da licença sem vencimento e o regresso da Autora ao mapa de pessoal do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E., em 22.12.2009, absolvendo as Entidades Demandas do pedido;
b) Reconheço o direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data de tal colocação até à data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009 – DSGR, datado de 28.05.2009, condenando as Entidades Demandadas no pedido;
c) Considero improcedente o pedido de condenação à prática de ato de recolocação com efeitos a 01.09.2007, absolvendo as Entidades Demandadas do pedido;
d) Considero improcedente o pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo as Entidades Demandadas do pedido.»
1.3 Os dois recursos independentes (que vêm interpostos pelo CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE e pela ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP, réus na ação) dirigem-se, ambos, à sentença do Tribunal a quo na parte em que esta, reconhecendo o direito da autora ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data de tal colocação até à data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009 – DSGR, datado de 28.05.2009, condenou as três Entidades Demandadas nessa parte do pedido.
A sentença vem, assim, recorrida em ambos os recursos tão só e apenas quanto à alínea b) do seu segmento decisório, mais precisamente, à parte em que a sentença recorrida, dando ganho parcial da causa à autora, condenou, nesse segmento, a par com o MINISTÉRIO DA SAÚDE, as entidades agora recorrentes (o CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE e a ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP).
Essa é, pois, a parte do segmento decisório da sentença que se mostra recorrida.
1.4 Quanto a tal aspeto, e debruçando-se a Mmª Juíza a quo sobre os pedidos que haviam sido formulados pela autora nessa parte, a sentença recorrida verte o seguinte (vide pág. 22 ss. da sentença recorrida):
«(…)
Dos pedidos de reconhecimento de direito e de condenação à prática de ato devido:
Cumulativamente com o pedido de anulação do ato administrativo, a Autora formula os seguintes pedidos:
1) Pede o reconhecimento do seu direito ao pagamento das remunerações e/ou subvenções decorrentes da sua colocação em mobilidade especial, durante o período em que aguardou autorização de colocação, e
2) Em alternativa, pede a condenação da Administração à prática de ato que defira o seu pedido de recolocação no quadro de pessoal do réu CHLN, com efeitos reportados a 01.09.2007, com as legais consequências.
Cumpre referir, a respeito de tais pedidos, que não procedem as alegações da Administração Central do Sistema da Saúde, I.P., no sentido de que a Autora procedeu à restrição dos pedidos em sede de alegações finais (cfr. pontos 1 a 4 das alegações daquela Entidade Demandada).
Na verdade, sendo certo que tais pedidos não são literalmente repetidos nas alegações finais, a verdade é que lei exige uma restrição expressa para que se possa considerar restringidos os fundamentos do pedido (cfr. art. 91.º, n.º 5, do CPTA), o que não se verificou. Recorrendo às palavras dos autores Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, fica “excluída a possibilidade de se considerar tacitamente restringido o objecto do pedido por mera não inclusão, nas conclusões da alegação, de algum ou alguns dos fundamentos invocados na petição inicial (…).” (in AROSO DE ALMEIDA, Mário, e FERNANDES CADILHA, Carlos Alberto, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista. Coimbra: Almedina, 2010, p. 619).
Principiemos então por analisar a procedência do primeiro pedido.
Conforme decorre do probatório, a Autora foi colocada em situação de mobilidade especial por deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E., em 27.06.2008 (cfr. pontos 8 e 9 do probatório). Esta deliberação foi considerada nula, por incompetência absoluta, através dos despachos n.º 737/2008, de 22 de Dezembro, do Secretário de Estado da Administração Pública e n.º 17/09, de 06 de janeiro, do Ministro de Estado e das Finanças (cfr. ponto 11 do probatório). Posteriormente, a deliberação foi considerada nula pelo próprio órgão autor do ato, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar, em 25.08.2009 (cfr. pontos 12 e 13 do probatório).
A Autora impugnou judicialmente os atos que declararam a nulidade da deliberação que a havia colocado em mobilidade especial, com as legais consequências, tendo tal ação sido considerada totalmente improcedente por sentença deste tribunal (cfr. pontos 14 e 20 do probatório).
Ora, aquilo que é pedido nestes autos é o reconhecimento do direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas por força da sua colocação em mobilidade especial, em virtude do tempo decorrido até à sua colocação no Centro Hospitalar, não estando tal pedido relacionado com o reconhecimento da ilegalidade dos atos que consideraram nula a sua colocação em mobilidade especial, mas antes com as circunstâncias em que a Autora se viu envolvida, no seu conjunto. De salientar, a este respeito, que um tal pedido não foi formulado nem tão pouco apreciado na ação que correu termos neste tribunal sob o n.º 620/19.8BEAVR (cfr. pontos 14 e 20 do probatório).
Assim, há que aferir se a Autora, em virtude do ato de colocação em situação de mobilidade especial, pode ter direito às subvenções devidas, ainda que tal ato seja nulo.
É que, na verdade, dispunham então os arts. 22.º a 25.º do Decreto-lei n.º 53/2006, de, 7 de dezembro:
“Artigo 22.º
Processo
O pessoal colocado em situação de mobilidade especial enquadra-se num processo que compreende as seguintes fases:
a) Fase de transição;
b) Fase de requalificação;
c) Fase de compensação.
Artigo 23.º
Fase de transição
1 - A fase de transição decorre durante o prazo de 60 dias, seguidos ou interpolados, após a colocação do funcionário ou agente em situação de mobilidade especial.
2 - A fase de transição destina-se a permitir que o funcionário ou agente reinicie funções, nos termos da presente lei, sem necessidade de proceder à frequência de ações de formação profissional que o habilitem a esse reinício.
3 - Durante a fase de transição o funcionário ou agente mantém a remuneração base mensal correspondente à categoria, escalão e índice detidos no serviço de origem.
4 - O disposto no n.º 2 não impede que, por sua iniciativa, por indicação da entidade gestora da mobilidade ou no âmbito de procedimento de seleção para reinício de funções, o funcionário ou agente frequente ações de formação profissional.
5 - A frequência de ações de formação profissional por iniciativa da Administração Pública constitui encargo desta.
Artigo 24.º
Fase de requalificação
1 - A fase de requalificação decorre durante o prazo de 10 meses, seguidos ou interpolados, após terminada a fase de transição.
2 - A fase de requalificação destina-se a reforçar as capacidades profissionais do funcionário ou agente, criando melhores condições de empregabilidade e de reinício de funções e podendo envolver, ouvido o interessado, a identificação das suas capacidades, motivações e vocações, a orientação profissional, a elaboração e execução de um plano de requalificação, incluindo ações de formação profissional, a avaliação dos resultados obtidos e o apoio ao reinício de funções.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, durante a fase de requalificação o funcionário ou agente aufere remuneração no valor de cinco sextos da remuneração base mensal correspondente à categoria, escalão e índice detidos no serviço de origem.
4 - A frequência de ações de formação profissional deve corresponder a necessidades identificadas por serviços e, preferencialmente, inserir-se em procedimentos concretos de seleção para reinício de funções em serviço.
5 - A frequência de ações de formação profissional, após seleção e como condição para reinício de funções, confere direito, durante o seu decurso, à remuneração base mensal correspondente à categoria, escalão e índice detidos no serviço de origem, acrescida de subsídio de refeição.
6 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo anterior.
Artigo 25.º
Fase de compensação
1 - A fase de compensação decorre por tempo indeterminado, após terminada a fase de requalificação.
2 - A fase de compensação destina-se a apoiar o funcionário ou agente cujo reinício de funções não tenha ocorrido em fases anteriores, podendo envolver a frequência de ações de formação profissional, em especial se inseridas em procedimentos concretos de seleção para reinício de funções em serviço.
3 - Durante a fase de compensação o funcionário ou agente aufere remuneração no valor de quatro sextos da remuneração base mensal correspondente à categoria, escalão e índice detidos no serviço de origem.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 23.º e no n.º 5 do artigo anterior.”
Terá a Autora direito ao recebimento das subvenções previstas nestes preceitos, não obstante a nulidade do ato de colocação em mobilidade especial?
Dispõe o art. 134.º, do CPA o seguinte:
“1 – O ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
2 – A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
3 – O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.” (assinalado nosso)
Aquilo que o n.º 3 deste preceito visa salvaguardar são os efeitos putativos de um ato nulo.
Tais efeitos correspondem àqueles que resultam da efetivação prática de um ato nulo por um determinado período de tempo e que podem encontrar-se relacionados, entre outros, com a proteção do princípio da proteção da confiança e da boa-fé depositada pelos particulares em tais atos (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim - Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição. Coimbra: Almedina, 2005, p. 655).
Recorrendo às doutas palavras do Tribunal Central Administrativo Norte:
Face à radicalidade e severidade destas consequências jurídicas decorrentes deste regime da nulidade, e movido pela doutrina e pela jurisprudência, o legislador foi-as temperando pontualmente, em nome de princípios como os da proporcionalidade e da necessidade, dando atenção a interesses legítimos de contra-interessados afectados por actos nulos consequentes [133º nº2 alínea i) do CPA], abrindo a possibilidade do reconhecimento de efeitos de facto produzidos [134º nº3 do CPA], e dando relevância ao próprio decurso do tempo [69º nº4 do RJUE, introduzido pela Lei nº 60/2007 de 4/9].
Mas outras situações poderão ocorrer que clamem o bom senso e a ponderação do julgador, tendo vindo a doutrina a sublinhar que a opção legislativa pela sanção da nulidade, no que respeita às actuações administrativas, não poderá justificar injustiças ou iniquidades, nem deve dispensar os operadores judiciários de pensarem e de actuarem racionalmente [sobre o tema ver Vieira de Andrade, Sumários das Lições de Direito Administrativo II, Policopiadas, 2008-2009; Marcelo Rebelo de Sousa, Regime Jurídico do Acto Administrativo, Cadernos de Ciência e Legislação, INA, nº9/10, 1994, página 165; Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, em comentário ao artigo 133º]. Sendo certo que essa necessidade de temperança, na aplicação do regime legal da nulidade, brotará, cremos nós, da própria necessidade de aplicar a lei de acordo com a Constituição. (…).” (cfr. Ac. do TCAN de 13.01.2011, proc. n.º 00069/06.4BECBR, in www.dgsi.pt).
Ora, no caso dos presentes autos, estamos precisamente numa situação em que a rejeição de quaisquer efeitos jurídicos ao ato que colocou a Autora em situação de mobilidade especial violaria os princípios da tutela da confiança e da boa-fé que devem pautar a atividade administrativa, de acordo com o art. 6.º-A do CPA.
É que, na realidade, como vimos, a prática do ato nulo, ao criar uma situação ilegal que acabou por ter de ser revertida, com eliminação dos efeitos, deu causa a uma situação de total indefinição da situação jurídica funcional da Autora por um período superior a 2 anos. E, pelo menos até à data em que lhe foi comunicado o ofício de 28.05.2009 (ponto 11 do probatório), a Autora confiou que se encontrava em situação de mobilidade especial, agindo, na sua vida pessoal e profissional, de acordo com tal enquadramento jurídico.
Acresce que as subvenções que eram devidas à Autora por força da colocação em mobilidade especial apenas não foram pagas pelo Ministério da Saúde porque à data inexistiam verbas para o respetivo pagamento (cfr. ponto 10 do probatório).
Seria atentatório do princípio da boa-fé que à Autora fossem retirados, quer o direito à colocação que lhe assistia mas que não foi concedido por força da putativa vigência do ato depois declarado nulo, quer o direito às subvenções que decorriam da colocação em mobilidade especial e eram então devidas, porque entretanto o ato foi declarado nulo.
Assim, afigura-se razoável, proporcional e de acordo com os princípios da boa-fé, da tutela da confiança, da segurança e da certeza jurídicas, que se salvaguardem no caso concreto os efeitos putativos do ato de colocação em situação de mobilidade especial, consistentes no pagamento das subvenções previstas nos arts. 23.º e ss do Decreto-lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro.
Tais efeitos putativos, porque decorrentes da proteção da confiança na vigência putativa do ato por parte da Autora, apenas poderão ser considerados até à data em que a Autora foi notificado do ofício n.º 4333/2009-DSRG, datado de 28.05.2009 (cfr. ponto 11 do probatório).
A partir deste momento, a Autora já estava informada pelo que deixou de se verificar a efetivação prática do ato, pressuposto para a produção de efeitos putativos.
E, ainda que o Conselho de Administração do centro hospitalar autor do ato apenas tenha procedido à declaração de nulidade do ato em 25.08.2009 (ponto 12 do probatório), a verdade é que, nos termos do art. 134.º, n.º 2, do CPA, a nulidade pode ser declarada a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo, e não apenas pelo Autor do ato.
Procede, assim, o pedido de reconhecimento do direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas entre a data do início da colocação putativa na situação de mobilidade especial até à data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009-DSRG, datado de 28.05.2009, a título de efeitos putativos de ato nulo.
(…)»
2. Da invocada nulidade da sentença
2.1 A recorrente ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP começa por invocar que a sentença recorrida padece do vício de falta de fundamentação, por condenar todas as entidades demandadas, de forma indiscriminada, e sem justificar essa decisão, no pagamento à autora das subvenções devidas pela colocação putativa em situação de mobilidade especial,
não especificando os fundamentos dessa condenação, padecendo, assim, de nulidade, nos termos dos artigos 94º do CPTA e 607º e 615º nº 1 alínea b) do CPC – (vide conclusões 2ª, 3ª, 4ª e 5ª das suas alegações de recurso).
2.2 É sabido que em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP, o artigo 154º do CPC novo dispõe que “…as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (nº 1), não podendo a justificação consistir “…na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade” (nº 2).
Simultaneamente termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC ocorre nulidade da decisão quando ela não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
Ora só tal falta – da especificação dos fundamentos, de facto e de direito – constituirá causa de nulidade da sentença. E, como é consensual na Doutrina e na Jurisprudência, a falta de motivação (quer de facto quer de direito) suscetível de integrar a nulidade de sentença a que se reporta a citada alínea b) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 14/07/2008, Proc. n.º 510/08; de 03/12/2008, Proc. n.º 540/08; de 01/09/2010, Proc. n.º 653/10; de 07/12/2010, Proc. n.º 1075/09; de 02/03/2011, Proc. n.º 881/10; de 07/11/2012, Proc. n.º 1109/12; de 29/01/2014, Proc. n.º 1182/12; de 12/03/2014, Proc. n.º 1404/13, in, www.dgsi.pt/jsta).
2.3 A sentença recorrida explicita os respetivos fundamentos, quer de facto, através da enunciação dos que nela foram dados como provados, quer de direito, encontrando-se, assim, fundamentada.
Fundamentação que abrange, também, a alínea b) do segmento decisório da sentença recorrida, pelo qual, recorde-se, foi reconhecido «…o direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data de tal colocação até à data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009 – DSGR, datado de 28.05.2009, condenando as Entidades Demandadas no pedido».
2.4 Se o Tribunal a quo não considerou, para a solução jurídica da causa, e em concreto, no que respeita àquela parte da decisão, aspetos normativos que, na tese do recorrente, conduziria a decisão diferente, tal consubstanciará erro de julgamento e não nulidade da sentença.
2.5 Não pode, por conseguinte, considerar-se que a sentença recorrida padeça da apontada nulidade.
Improcedendo, pois, nesta parte, o recurso da recorrente ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP
O que se decide.
3. Do invocado erro de julgamento
3.1 Nos recursos independentes que vêm interpostos seja pelo recorrente CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE (fls. 882 ss. SITAF) seja pela ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP (fls. 892 ss. SITAF), réus na ação, sendo os recorrente insurgem-se contra a sentença recorrida parte em que esta, reconheceu o direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data de tal colocação até à data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009 – DSGR, datado de 28.05.2009, condenou as três Entidades Demandadas nessa parte do pedido.
Está, assim, aqui em causa o vertido na alínea b) do segmento decisório da sentença recorrida, pugnando ambos os recorrentes nos seus recursos, que apenas ao réu MINISTÉRIO DA SAÚDE e não aos recorrentes, compete proceder, nos termos legais, ao pagamento daquelas subvenções, invocando como argumento essencial da sua tese, que nos termos do artigo 38º nº 2 alínea a) do DL. nº 53/2006, de 7 de dezembro, o pagamento das subvenções devidas pela colocação em situação de mobilidade especial competia à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, e que assim apenas o Ministério da Saúde devia ser objeto daquela condenação e não também os recorrentes – (vide conclusões 1ª a 2ª e 6ª a 10ª do recurso da ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP e conclusões 1ª a 3ª do recurso do CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE).
3.2 Não lhes assiste, todavia, razão.
Vejamos porquê.
3.3 A sentença recorrida pronunciando-se sobre o mérito da ação, julgou-a parcialmente procedente, vertendo o seguinte, na alínea b) do respetivo segmento decisório, o único aqui em causa:
«b) Reconheço o direito da Autora ao pagamento das subvenções devidas em virtude da sua colocação putativa na situação de mobilidade especial desde a data de tal colocação até à data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009 – DSGR, datado de 28.05.2009, condenando as Entidades Demandadas no pedido»
3.3 A sentença recorrida constatou que na situação dos autos a autora havia sido colocada em situação de mobilidade especial por deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E., em 27/06/2008, mas que tal deliberação foi considerada nula, por incompetência absoluta, através dos despachos n.º 737/2008, de 22 de Dezembro, do Secretário de Estado da Administração Pública e n.º 17/09, de 06 de janeiro, do Ministro de Estado e das Finanças, tendo também sido considerada nula pelo próprio órgão autor do ato, o Conselho de Administração daquele Centro Hospitalar, através da deliberação de 25/08/2009.
Essa realidade factual não foi posta em causa nos recursos e verifica-se (cfr. pontos 8, 9, 11, 12 e 13 do probatório).
3.4 Simultaneamente a sentença recorrida explicitou que o enfoque a colocar na apreciação que deveria levar a cabo, estava na circunstância de estar em causa o pedido de reconhecimento do direito da autora ao pagamento das subvenções devidas por força da sua colocação em mobilidade especial, em virtude do tempo decorrido até à sua colocação no Centro Hospitalar, em termos que haveria de se aferir se a autora, em virtude do ato de colocação em situação de mobilidade especial, poderia ter direito às subvenções devidas, não obstante tal ato ser nulo. E veio a concluir que assim era, dando resposta positiva a tal questão.
3.5 Nenhum dos recorrentes se insurge quanto ao entendimento feito na sentença recorrida de que, no caso concreto, deviam ser salvaguardados os efeitos putativos do ato, declarado nulo, de colocação em situação de mobilidade especial, consistentes no pagamento das subvenções previstas nos artigos 23º e ss. do DL. n.º 53/2006, de 7 de dezembro.
Não estando, assim, em causa no presente recurso, a decidida salvaguarda de tais efeitos. O que os recorrentes propugnam é que apenas o MINISTÉRIO DA SAÚDE devia ter sido condenado no pedido, e não também os recorrentes, colocando em destaque que a obrigação de pagamento das subvenções devidas pela colocação em situação de mobilidade especial competia à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde nos termos do artigo 38º nº 2 alínea a) do DL. nº 53/2006, de 7 de dezembro.
3.6 Ora, ao Tribunal a quo foi colocada a concreta questão de saber se deveria proceder o pedido de reconhecimento do direito da autora ao pagamento das subvenções devidas por força da sua colocação em mobilidade especial, em virtude do tempo decorrido, não obstante tal ato ser nulo, pedido que foi dirigido contra as três entidades demandadas na ação (cuja legitimidade processual passiva foi positivamente decidida em sede de despacho-saneador).
E apreciando tal pedido de reconhecimento do direito à perceção das subvenções decorrentes da colocação em situação de mobilidade especial, o Tribunal a quo deu razão à autora, balizando-o ao período compreendido entre a data em que foi colocada em situação de mobilidade especial e a data em que foi notificada do ofício n.º 4333/2009 – DSGR, datado de 28/05/2009.
3.7 O fundamento da decisão de reconhecimento daquele direito assentou, desde logo, como claramente decorre do discurso fundamentador contido na sentença recorrida, já supra transcrito, no artigo 134º nº 3 do CPA onde expressamente era salvaguardada a “…possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito”, com simultânea invocação dos princípios da proteção da confiança e da boa-fé, apoiando-se, para tanto, na doutrina e jurisprudência a tal respeito, que citou e acompanhou.
E esse é o fundamento correto do reconhecimento desse direito.
O qual, na situação concreta da autora, se traduziu na circunstância de ela se ter encontrado numa situação de facto como se tivesse estado colocada em mobilidade especial, mas sem que assim tivesse sido do ponto de vista jurídico.
E os princípios da proteção da confiança e da boa-fé impuseram, e efetivamente impõem, que se atribuam ao ato declarado nulo, isto é, ao ato que colocou a autora em situação de mobilidade especial, os efeitos jurídicos que dele derivariam, nos termos legais, em particular o direito às subvenções previstas nos artigos 23º, 24º e 25º do DL. nº 53/2006, de, 7 de dezembro, limitado ao período de tempo merecedor daquela proteção, tal como foi balizado na sentença recorrida.
3.8 Ora, se assim é, isto é, se este é o fundamento da decisão, a condenação ao reconhecimento de tal direito tinha, como tem, que abranger as várias entidades administrativas envolvidas naquele procedimento, e concomitante, intervenientes na relação jurídica-administrativa, e na qual são chamadas a assumir as respetivas competências nos termos da lei.
3.9 Andou bem, pois, a sentença recorrida ao condenar as três entidades administrativas demandadas na ação no reconhecimento daquele direito, nos termos vertidos na alínea b) do seu segmento decisório, na exata medida que o seu julgado (condenatório) deve abranger aquelas três entidades, que o devem acatar. Naturalmente, na exata medida das respetivas atribuições e competências.
3.10 Isto não significa que o MINISTÉRIO DA SAÚDE não deva proceder ao pagamento à autora daquelas subvenções, nos termos em que foram reconhecidos pelo Tribunal a quo. Ele aliás, que foi também condenado pela sentença recorrida quanto àquele reconhecimento dela não interpôs recurso. Pelo que acatou a decisão recorrida que formou, quanto a ele, caso julgado.
O que significa é que a circunstância de, nos termos então disposto no artigo 38º nº 2 alínea a) do DL. nº 53/2006, de, 7 de dezembro, a competência para proceder ao pagamento das remunerações e subvenções devidas aos trabalhadores colocados em situação de mobilidade especial caber à secretaria-geral ou departamento governamental de recursos humanos do ministério em que se integrava o serviço onde, por último, o trabalhador exerceu funções, não afasta ou impede que as demais entidades administrativas, também rés na ação, sejam igualmente condenadas a reconhecer aquele direito.
3.11 Não colhem, pois, os recursos interpostos pelo CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE e pela ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP, não sendo de revogar e substituir a decisão recorrida por decisão que os absolvesse totalmente do pedido, como propugnaram.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento a ambos os recursos, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas na presente instância de recurso por ambos os recorrentes, e na primeira instância nos termos já decididos na sentença que se confirma - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 12 de julho de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato