Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03537/14.0BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ROL DE TESTEMUNHAS; ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS
Sumário:
Ainda que a anterior versão do CPC admitisse a indicação de novos meios de prova na audiência preliminar, atualmente só se mostra possível alterar o requerimento probatório na audiência prévia, no pressuposto de já ter anteriormente sido apresentado um requerimento que então se altera, pois que o normativo (n.º 2 do artigo 598.º do CPC) passou a referir apenas “alterar ou aditar”, o que pressupõe a sua anterior apresentação. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:VS– TJA, SA
Recorrido 1:Turismo de Portugal, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Não tomar conhecimento do recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A VS– TJA, SA, devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa Especial, veio, em 11 de dezembro de 2017, recorrer jurisdicionalmente, e em separado, do despacho proferido em 20 de outubro de 2017 que “anulou o despacho pelo qual, no dia 12 anterior, o mesmo Tribunal havia deferido o pedido de alteração do rol de testemunhas da Autora”.
Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1. O despacho ora recorrido revogou o anterior despacho pelo qual o Tribunal a quo havia admitido o pedido de alteração do rol de testemunhas apresentado pela Autora, tendo-o feito na sequência de arguição da sua nulidade pelo Réu (o ora Recorrido) com fundamento em que a admissão da alteração ao rol constituísse um ato cuja prática estivesse vedada ao Tribunal a quo - portanto, nulo ao abrigo do n.º 1 do Artigo 195° do Código de Processo Civil.
2. O despacho de admissão do rol de testemunhas alterado não constitui um ato que o Tribunal a quo não pudesse processualmente praticar, mas, antes pelo contrário, um despacho decisório, proferido em cumprimento da reta tramitação processual (seja, o disposto no n.º 2 do Artigo 598° do Código de Processo Civil).
3. Porque assim é, o vicio imputado ao despacho originário não constitui causa de nulidade arguível por via de reclamação, nos termos previstos no n.º 1 do Artigo 195°, do Código de Processo Civil - trata-se de ato admitido pela lei processual -, mas, antes, quando muito, de um ato cujo conteúdo pudesse mostrar-se viciado, pelo que só poderia ter sido impugnado por via de recurso.
Cita-se doutrina relevante a este propósito.
4. Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do Artigo 613° do Código de Processo Civil, com a prolação do despacho (originário) de admissão do rol de testemunhas alterado, o poder jurisdicional do Meritíssimo Juiz a quo, sobre essa matéria, ficou esgotado.
5. Razão por que, salvo para efeitos de retificação de erros materiais (nos termos do Artigo 615.° do Código de Processo Civil) ou suprimento das nulidades referidas no Artigo 615.° do mesmo diploma ou reforma quanto a custas e multa ou, ainda, em caso de lapso manifesto do juiz (nos termos do disposto no Artigo 616° do Código de Processo Civil) - hipóteses que, manifestamente, não se verificam relativamente ao despacho recorrido, o Tribunal a quo não poderia nem anular nem revogar o despacho originário.
Cita-se a doutrina relevante a este propósito.
6. A conclusão imediatamente enunciada mantém-se ainda que se pudesse entender que a nulidade declarada pelo despacho recorrido se fundasse no reconhecimento pelo Tribunal a quo da (sic) "prática de um ato que a lei não admita, [...ou] omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva", porque do n.º 2 do Artigo 630° do Código de Processo Civil in fine resulta que o mesmo só pudesse ser impugnado por via de recurso.
Subsidiariamente:
7. Ou bem que, com a menção a que (sic) "a Autora não apresentou Rol de Testemunhas", o Meritíssimo Juiz a quo (i) pretendeu significar que a ora Recorrente não fez uso de tal meio de prova na Petição Inicial, ou bem que (ii) pretendeu significar que a Recorrente não o tenha feito no contexto da audiência prévia.
8. A anulação do despacho originário com fundamento naquela primeira hipótese (i) careceria absolutamente de fundamento legal, pois que a alteração do requerimento probatório (incluindo a indicação ex novo de rol de testemunhas) em sede de audiência prévia se acha expressamente prevista e admitida no n.º 1 do artigo 598.° do Código de Processo Civil.
9. Se for esta a leitura do despacho recorrido, então o mesmo deve, pelas razões indicadas na conclusão precedente, ser, sem mais, revogado por V. Exas.
10. Quanto à segunda leitura possível do despacho recorrido (ii), a mesma não corresponde aos eventos ocorridos na audiência prévia, não obstante a omissão na ata respetiva ao requerimento ai apresentado pela Autora de que fosse ouvida como testemunha o Senhor Luís Lopes, o que motivou a dedução de incidente de falsidade da mesma.
11. Para a discussão e julgamento deste argumento justifica-se que seja ordenada, ou a fundamentação da decisão recorrida quanto à questão de saber se, quando a mesma afirma que (sic) "a Autora não apresentou Rol de Testemunhas", o Meritíssimo Juiz a quo pretende significar que a Autora não tenha indicado qualquer testemunha na audiência prévia (cf. alínea d) do n.º 2 do Artigo 662° do Código de Processo Civil), ou a sua anulação, por obscuridade, nos termos da alínea c) do mesmo preceito;
12. Em consequência, deverá ser ordenada a produção de prova (requerida infra) para que se possa apurar se a Autora, de facto, requereu, no decurso da audiência prévia, a alteração do requerimento probatório com indicação do Senhor Luís Lopes como testemunha a apresentar.
13. A demonstração de que a Autora exerceu a faculdade prevista no n.º 1 do artigo 598° do Código de Processo Civil impõe a revogação do despacho recorrido por erro quanto ao facto essencial em que assentou (o de que não tivesse havido lugar ao arrolamento de qualquer testemunha) e por errónea aplicação do direito em face do que dispõe o n.º 1 do Artigo 589° do Código de Processo Civil.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que V. Exas. doutamente suprireis se requer que o presente recurso seja julgado procedente, por provado e por legalmente justificado e, em consequência, que:
a) o despacho recorrido seja declarado nulo, repristinando-se o despacho anterior que havia admitido a alteração do rol de testemunhas;
ou que, no caso em que assim se não entender
b) o despacho recorrido seja revogado, com idêntica consequência
Mais requerendo que vos digneis ordenar os demais termos da lide, até final, para que, pela V. sapiente decisão, se cumpra a consueta JUSTIÇA!
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O presente Recurso foi admitido por Despacho de 5 de dezembro de 2017 (Cfr. fls. 40 Procº físico).
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O Turismo de Portugal IP veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 30 de janeiro de 2018, nas quais concluiu (Cfr. fls. 46v Procº físico):
I. O despacho objeto do presente recurso já não existe na ordem jurídica, porquanto foi da mesma erradicado por força do despacho proferido pelo Tribunal a quo em 30 de outubro de 2017, que já transitou em julgado.
II. Caso assim não se entenda, o recurso deve ser julgado improcedente por a matéria em causa - o objeto do recurso encontra-se delimitado à questão do esgotamento do poder jurisdicional do Juiz, conforme decorre das conclusões - no despacho de 12 de outubro não se confundir com a matéria em causa no despacho de 20 de outubro.
III. Resulta dos autos que o Tribunal a quo nunca se tinha pronunciado sobre a questão da nulidade processual, pelo que em caso algum se poderia estar perante um caso julgado formal ou um esgotamento do poder jurisdicional do Tribunal quanto a essa matéria.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Excelências a quanto exposto, deve o presente recurso (i) não ser admitido, (ii) ser julgado totalmente improcedente.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, a impossibilidade do tribunal a quo revogar pretérito rol de testemunhas já admitido.

III – Dos Factos
Para enquadrar factualmente a matéria controvertida, infra se transcreve, no que aqui releva, o teor do Despachos conexos com o Recurso apresentado:
a) Despacho de 12 de outubro de 2017:
“Por tempestivamente apresentado, admito o aditamento da identificada testemunha, ao rol já apresentado pela Autora”.
b) Despacho de 20 de outubro de 2017 (Despacho Recorrido)
“Efetivamente, assiste razão ao Réu, porquanto, ao contrário do tínhamos pressuposto na base do nosso despacho datado de 12 de outubro de 2017, a Autora não apresentou Rol de testemunhas.
Por conseguinte, tendo subjacente o disposto nos artigos 196.º, 197.º e 195.º, todos do CPC, declaro a nulidade do nosso despacho datado de 12 de outubro de 2017 e dos ulteriores termos que o mesmo motivou, e consequentemente, a identificada Elisabete Pacheco não é admitida como testemunha, porque a sua intervenção nos autos pode influir no exame ou na decisão da causa.
Não se procede à audição da Autora, dada a manifesta desnecessidade - Cfr. artigos 3.º, n.º 3 e 201.º, ambos do CPC.
c) Despacho de 30 de outubro de 2017:
“Como decorre da Petição inicial, nela não consta requerida a produção de prova testemunhal por parte da Autora.
Neste patamar, não tendo a Autora apresentado rol de testemunhas, antes apenas e só, junta aos autos 4 documentos, não admito a apresentação da testemunha ora indicada pela Autora, dada a manifesta extemporaneidade da sua apresentação, desde logo porque com a indicação desta testemunha o que a Autora pretende fazer é apresentar ao Tribunal um tipo de prova que nunca requereu nos autos, razão porque nos termos do artigo 598.º, n.º 2, do CPC, a referida testemunha apresentada nunca pode ser tida como aditamento ou uma alteração ao rol apresentado.”

IV – Do Direito
Importa pois analisar e decidir o suscitado.
Independentemente da ponderação da suscetibilidade da apresentação de testemunhas apenas na audiência prévia, sem que tenha sido indicada previamente qualquer testemunha na Petição Inicial, nos termos do Artº 598º CPC, há uma questão aqui incontornável e que reside no facto de, mesmo que se anulasse o despacho recorrido de 20 de outubro de 2017, que declarou a nulidade do pretérito despacho de 12 de outubro que havia admitido o aditamento a rol inexistente, tal facto não invalidaria o despacho de 30 de outubro de 2017, proferido em Audiência Final, que veio reafirmar a não admissão da testemunha indicada pela Autora.
Com efeito, o Tribunal a quo, tendo entendido que havia admitido uma Testemunha indicada pela Autora em Audiência Prévia, no pressuposto, errado, de ter já anteriormente sido apresentado Rol de Testemunhas, veio em 20 de outubro de 2017 a declarar nula essa admissão de testemunha, que havia considerado ser um aditamento.
Efetivamente, como notam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “se na lei antiga se admitia a indicação dos meios de prova na audiência preliminar, agora só se admite a alteração do requerimento probatório na audiência prévia, sem possibilidade de a relegar para momento ulterior. A alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento que então se altera" (cfr. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, vol. I, 2014, 2.ª ed., pág. 561).
Por outro lado, mas no mesmo sentido, refere Isabel Alexandre (in Aspetos do Novo Processo Civil, 1997, pág. 285), que o disposto no n.º 2 do artigo 598.º do CPC só pode ser usado desde que já se tenha apresentado rol de testemunhas anteriormente, pois o normativo fala em alterar ou aditar, o que pressupõe a sua anterior apresentação.
Correspondentemente, em Despacho de 30 de outubro, relativo à apreciação da regularidade da instância, em decorrência de suscitada falsidade de ata, veio o Tribunal a quo a declarar a nulidade de todo o processado nos autos a partir da ata da audiência prévia, determinando que a instrução dos autos devia retroagir à fase da audiência prévia.
Foi pois em face do que antecede que o Tribunal, no mesmo despacho de 30 de outubro, reafirmou a não admissão da testemunha indicada pela Autora, despacho não recorrido, pelo que transitado em julgado.
Aqui chegados, mostra-se inútil o recurso apresentado relativamente ao despacho de 20 de outubro de 2017, pois que fosse qual fosse a decisão face ao mesmo, manter-se-ia como não admitida a testemunha apresentada pela Autora, aqui Recorrente, em função do despacho de 30 de outubro de 2017, não recorrido.
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V - Decisão
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, não tomar conhecimento do Recurso apresentado.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 30 de maio de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Migueis Garcia