Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00390/11.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/18/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ARTIGO 17º DO DECRETO REGULAMENTAR Nº 19-A/2004, DE 14.05; APLICAÇÃO POR ANALOGIA; PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
Sumário:A aplicação por analogia do artigo 17º do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, de 14.05, num caso concreto submetido a Tribunal, dando relevo para a progressão na carreira de um professor o serviço docente prestado durante todo um ciclo avaliativo, não viola o princípio constitucional da separação de poderes pois não invade o poder legislativo dado que a norma legal se distingue precisamente pelas características da generalidade e abstracção. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério da Educação e Ciência
Recorrido 1:D. M. R. S.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Ministério da Educação e Ciência veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 26.04.2012, que julgou totalmente procedente a acção administrativa especial intentada por D. M. R. S. contra o ora Recorrente e em que foram deduzidos os seguintes pedidos: 1º - a anulação da decisão do Director do Agrupamento de Escolas de O... pela qual foi determinado que "deverá ser considerado o período" de 2007/2009 do seu desempenho de funções na APPACDM de Coimbra, "como não avaliado bem como (...) não lhe ser contado para efeitos de progressão na carreira, enquanto não houver regulamentação efectiva nesta matéria", pelo que se devia considerar "sem efeito o (seu) anterior ofício n° 000937 de 12/10/2010”, no qual informava que fora atribuída a notação de Bom à Autora, relativamente a tal período; 2º - a condenação do condenado à prática do acto administrativo devido, de manter a menção qualitativa de Bom atribuída na avaliação da Autora para o biénio de 2007/09 e, consequentemente, 3º - a manter a progressão da Autora no 3° escalão da carreira docente, índice 205, com efeitos desde 01/01/2010; no caso de assim se não entender, 4º - que ao menos seja mantida simplesmente a sua progressão ao terceiro escalão a partir daquele mesmo dia.

Invocou, para tanto, em síntese, que o acórdão recorrido cria direito em vez de aplicar a lei ao caso concreto, o que lhe é interdito pela lei e pela Constituição da República Portuguesa.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1 – Considerando o disposto nos artigos 660º, nº 2, 664º, 668, nº 3 e 4 e 685º - A, todos do CPC, ex vi do artigo 140º do CPTA e, ainda, o artigo 149º do mesmo diploma legal, o Tribunal de recurso não se limita a analisar a decisão judicial recorrida, uma vez que, ainda que a declare nula, decide « … sempre o objecto da causa conhecendo de facto e de direito … » o que se requer.

2 - A função judicial encontra-se por excelência subordinada à lei, ou seja, àquilo que foi/é a vontade do legislador enquanto entidade portadora de poderes constitucionais e exclusivos adstritos à actividade legiferante.

3 - O poder judicial não pode sobrepor-se ao poder legislativo e pautar a sua conduta por uma vontade que extravase a autêntica vontade do poder legislativo.

4 - A actividade legislativa, de matriz essencialmente política, resulta de considerações e apreciações de ordem técnica, envolvendo juízos com elevada dose de prognose, imposta com vista à prossecução dos desígnios subjacentes à respectiva ratio legis, que apenas ao legislador dizem respeito.

5 - O legislador, lato sensu, no âmbito da actividade legiferante, tem um espaço privilegiado que lhe permita valorar e reconhecer juridicamente as situações que, a seu ver, reivindicam ou não de determinada tutela jurídica.

6 - Se o legislador regulamenta determinadas situações e não o fez relativamente a outras, tal significa ter sido sua intenção, dar relevo a todas aquelas que tutelou juridicamente, deixando fora do alcance legal outras tantas que, do seu ponto de vista, atendendo às circunstâncias específicas, não merecerão um tratamento similar às demais.

7 - O legislador decidiu regulamentar a situação dos docentes em regime de mobilidade nos serviços e organismos da Administração Pública, para efeitos de avaliação em termos de SIADAP.

8 – O legislador decidiu não regulamentar a situação dos docentes, para efeitos de avaliação em termos de SIADAP, que foram, por sua iniciativa, destacados para instituições particulares.

9 - O legislador decidiu não criar qualquer instrumento normativo que permita fazer uma transposição da avaliação obtida nos estabelecimentos particulares, por docentes em regime de mobilidade – no caso destacados, por sua iniciativa – para o SIADAP.

10 - O julgador não pode, nestes casos, de per si, entender que existe um vazio legal e chamar à colação um outro regime jurídico, criado teleologicamente com um fim distinto daquele que a presente relação material reivindica, a pretexto de colmatar aquilo que o legislador não previu por sua livre e exclusiva vontade.

11 – Os decisores jurisdicionais, por entenderem existir um vazio legal, quando, a avaliar pela conduta do legislador, não existe, e chamando à colação um outro regime jurídico não regulador da relação material controvertida, violaram o princípio da separação dos poderes quando, ex vi legis, estão subordinados inelutavelmente à lei,

12 – Dos fundamentos da decisão resulta um esvaziamento das funções materiais, específicas e exclusivamente, atribuídas ao poder legislativo pois, como o legislador decidiu não regulamentar a situação dos docentes destacados em instituições particulares, para efeitos de avaliação, o tribunal ao decidir-se por avaliar está a contrariar a vontade do legislador.

13 - A Recorrida, na situação de mobilidade, foi remunerada, não pelo MEC mas, sim, pela aludida instituição, dependeu hierarquicamente do CASCI, e não do MEC, tendo ficado adstrita às regras funcionais da instituição particular e não à regulamentação aplicável aos docentes do ensino estatal.

14 - A situação de mobilidade não foi imposta pelo MEC à Recorrida, mas verificou-se, sim e exclusivamente, por iniciativa e vontade desta, tendo o MEC, apenas, anuído.

15 – Conforme ensina o Tribunal Constitucional, nunca poderemos aportar à colação a teoria das expectativas, por inverificação dos respectivos requisitos, desde logo porque: «… face às circunstâncias que têm rodeado todo o processo de revisão do modelo de avaliação dos professores, designadamente as sucessivas alterações e agitação em torno da sua execução (…) não se afigura adequado invocar a existência de expectativas…»

16 - A decisão recorrida partiu de um pressuposto manifestamente antinómico com a realidade factual, dando como assente que a Recorrida não foi avaliada sendo que, conforme dimana dos autos, a Recorrida foi avaliada, pela Instituição Particular, com a menção de “Excelente”.

17 – O cerne dos presentes autos situa-se, exclusivamente, no facto de o legislador não ter criado qualquer diploma/instrumento legal que permita fazer uma transposição da avaliação obtida nos estabelecimentos particulares, por docentes em regime de mobilidade para o SIADAP, à semelhança do que fez para os docentes em regime de mobilidade nos serviços e organismos da Administração Pública.

18 - A decisão judicial alega que todos os cidadãos têm o direito à igualdade na progressão na função pública, invocando o nº 2, do artigo 47º da CRP, no entanto, nem tal preceito legal se reconduz a qualquer direito de progressão, mas sim ao acesso, nem os nos presentes autos não está em causa o acesso à função pública.

19 – Houve um tratamento igualitário, pois, para todos os docentes destacados, que permaneceram na função pública, estipulou-se um regime de conversão em sede avaliativa, para todos aqueles que “saíram”, temporariamente, da função pública, por sua iniciativa, não se determinou qualquer sistema de reconversão – tratou-se o igual como igual e o diferente como diferente na medida de diferença.

20 - Por não haver qualquer lei habilitante que permita fazer a equiparação de outras formas de avaliação para além das constantes do(s) respectivo(s) diploma(s) legal(ais), designadamente a constante dos presentes autos, tal impede o tribunal de avaliar, sob pena de se imiscuir e de esvaziar o núcleo essencial afecto exclusivamente aos poderes administrativo e legislativo.

Normas jurídicas violadas:

Atendendo às razões de facto e de direito que antecedem concluiremos que a decisão judicial, violou, designadamente, o disposto nos artigos 2º, 47º, nº 2 e 203º da CRP, o artigo 17º do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004 de 14/5, assim como o Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, que resulta por aplicação do disposto no Despacho nº 18020/2010, de 23 de Novembro, publicado em DR, 2ª série – nº 234 – 3 de Dezembro.
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II – Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1 - A Autora é Professora do Quadro de Agrupamento de Escolas (Q.A.) do grupo de docência 240 (Educação Visual e Tecnológica), provida no Agrupamento de Escolas de A… desde 01.09.2009 (Registo Biográfico - RB), junto como documento 2 da petição inicial.

2 - No triénio correspondente aos anos lectivos de 2006/07, 2007/08 e 2008/09 a Autora estava colocada no Agrupamento de Escolas de O… (cfr. documento n° 2 da petição inicial).

3 - Porém, esteve destacada na APPACDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental) de C…, Unidade Funcional de A… (documentos nºs 3, 4 e 5 que aqui se dão como reproduzidos), em exercício de funções docentes.

4 - A Autora estava, desde 01.09.2003, posicionada no 5° escalão da carreira docente, índice 188, nos termos do artigo 9° e Anexo 1, ambos do Decreto-Lei n° 312/99, de 10.08 (cfr. documento n° 2 da petição inicial). Contudo,

5 - Descontado o período entre 29.08.2005 e 31.12.2007 (congelamento das carreiras), a Autora completou, durante 2009, 4 anos de serviço no 2° escalão, índice 188 da estrutura da carreira docente definida no Estatuto da Carreira Docente alterado pelo Decreto-Lei n° 15/2007 de 19.01, durante 2009.

6 - A Autora obteve a nota de "Satisfaz" na última avaliação de desempenho a que foi sujeita na vigência do Decreto Regulamentar n° 11/98 de 15.05.

7 - E relativamente ao tempo em que desempenhou funções na APPACDM foi-lhe atribuída, por essa instituição, a avaliação de “Excelente”, conforme documento 7 da petição inicial que aqui se dá como reproduzido, o que foi comunicado ao agrupamento de escolas de O... por carta de 30.07.2009.

8 - Em resultado do concurso de professores para o ano lectivo 2009/2010, a Autora ficou provida no Agrupamento de Escolas de A… em 01.09.2009 (cfr. documento n° 2), não mais tendo concorrido ao destacamento para a APPACDM de C….

9 - Em 12.10.2010 o Director do Agrupamento de Escolas de O… enviou para o Agrupamento de Escolas de A… a ficha global de avaliação da Autora relativamente ao período de 2007/2009 cuja cópia a folhas 41 do processo se dá aqui como reproduzida, destacando o seguinte:

“3. Atribuição da avaliação final
(de acordo com as quotas definidas para Muito Bom e Excelente)
Menção qualitativa final: Bom”.

10 - A ficha de avaliação era acompanhada do ofício cuja cópia é documento 8 junto com a petição inicial, de que se destaca o seguinte teor:

“Exmº Sr. Director do Agrupamento de escolas de A...
Junto remeto ficha de avaliação da docente D. M. R. S..
Embora ainda não tenha sido publicada legislação que estabelece a correspondência entre a avaliação da APPACDM e a avaliação do Ministério da Educação, a docente foi avaliada com BOM.
A adequação a uma, eventual, avaliação qualitativa diferente, ocorrerá aquando da saída da legislação atrás referida."

11 - Em 19.10.2010, com base na comunicação acabada de referir, o Presidente da Comissão Administrativa Provisória do agrupamento de escolas de A... concedeu a passagem da Autora ao terceiro escalão com efeitos a 01.01.2010 (documento 9 da petição inicial).

12 - Em 23.02.2011 deu entrada no agrupamento de escolas de O... o ofício n° E/5507/2011 do Chefe da Equipa Multidisciplinar de Apoio ao Desenvolvimento da Autonomia das Escolas, da Direcção Regional de Educação do Centro, que integra folhas 2 do documento 1 da petição inicial e que aqui se dá como reproduzido, transcrevendo o seguinte excerto:

“Assunto: Avaliação do Desempenho Docente/Progressão
Tendo em consideração o teor dos V. Oficio n° 121, de 08-02-2011 , cumpre esclarecer o seguinte:
I. Para efeitos de progressão na carreira, é condição sine qua non que o Docente tenha obtido na avaliação do desempenho do ciclo de avaliação de 2007/2009 a menção qualitativa mínima de Bom, independentemente de preencher o requisito de tempo de serviço no ano civil 2009 ou 2010.
2. De referir que a avaliação acima mencionada é a avaliação obtida no âmbito do Decreto Regulamentar n° 2/2008, de 10 de Janeiro, ou a que resulta por aplicação do disposto no Despacho n° 18020/2010, de 23 de Novembro, publicado em DR, II série — n° 234 — 3 de Dezembro.
3. Acresce informar que o Despacho n° 18020/2010 veio regulamentar a situação dos docentes em regime de mobilidade nos serviços e organismos da Administração Pública, avaliados nos termos do SIADAP.
4. Ora, a Docente a) em 2007/2008 e 2008/2009, esteve em regime de mobilidade, a exercer funções não tendo sido sujeito à avaliação adoptada internamente naquela Instituição, e bem, de acordo com as orientações constantes da circular n° 808023049, de 07.03.2008, da DGRHE.
5. Não existe nenhum diploma que permita fazer a equiparação de outras formas de avaliação, pelo que deverá ser considerado, nesse período, como não avaliado, e como tal sem avaliação do ciclo 2007/2009 nos termos do ECD.
6. Face ao exposto, a avaliação obtida na b) não releva para o ECD e nessa medida o tempo aí prestado não lhe vai contar para efeitos de progressão na carreira, sem a efectiva regulamentação da matéria.
(...)
a) D. M S. R.
b) APPACDM

13. Na sequência desta comunicação, o Director do Agrupamento de Escolas de O... enviou ao Director do Grupo de Escolas de A... a comunicação cuja cópia é folhas 1 do documento 1 da petição inicial, que aqui se dá como reproduzido, destacando o seguinte:

“O Despacho n.° 18020/2010, veio regulamentar a situação dos docentes que exercem funções em regime de mobilidade nos serviços e organismos da Administração Pública, avaliados nos termos do SIADAP.
A docente DALILA MARIA RIBEIRO DOS SANTOS que nos anos de 2007/2008 e 2008/2009, exerceu funções ma APPACDM foi sujeita a avaliação adoptada pela respectiva Instituição.
De acordo com informação da Direcção Regional de Educação do Centro que nos foi remetida pelo oficio n.° S/6123/2011, por não existir nenhum diploma que faça a equiparação de outras formas de avaliação, deverá ser considerado o período de 2007/2009 como não avaliado bem como o tempo de serviço aí prestado não lhe ser contado para efeitos de progressão na carreira, enquanto não houver uma regulamentação efectiva da matéria.
Solicito a V. Exª que dê sem efeito o nosso oficio n.° 000937 de 12/10/2010”.

14 - A Autora foi notificada das comunicações acabadas de referir no dia 30.03.2011.

15- Desde 01.05.2011 os serviços do agrupamento de escolas de A... voltaram a processar o vencimento da Autora pelo segundo escalão, índice 188 do anexo 1 do Estatuto da Carreira Docente.
*
III - Enquadramento jurídico; a aplicação, por analogia, do preceito do artigo 17º do Decreto Regulamentar nº 19-A/2004, de 14.05.

O recurso interposto pelo Réu não consegue abalar a fundamentação do acórdão recorrido, que aqui se reproduz no essencial:

A única questão a resolver é a de saber se e em que termos pode relevar para a progressão na carreira o serviço docente prestado durante todo um ciclo avaliativo em regime de destacamento num serviço particular ou público não sujeito ao SIADAP, concretamente em face dos termos do artigo 7° n° 6 a) do DL n° 270/2009 de 30/9, quando é certo que apenas existe regulamentação para os destacamentos de docentes em organismos da Administração pública sujeitos ao SIADAP (artigo 30° n° 2 do Decreto Regulamentar n° 2/2008 de 10/1).

Uma vez que não está em causa o restante enquadramento jurídico da situação da Autora, passa-se a citar a parte da PI que o descreve, brevitatis causa e para melhor compreensão do que a seguir se decide.

«Com a entrada em vigor da versão do ECD operada pelo DL n° 15/2007, de 19-01, a Autora transitou do 5° escalão, índice 188, para o 2° escalão, índice 188, da nova estrutura da carreira, para onde já levou 2 anos de tempo de serviço (...).»

«Na data da entrada em vigor do DL n° 15/2007 (20 de Janeiro), continuava em vigor o "congelamento" da carreira, operado pela Lei n° 43/2005, de 29-08, que veio determinar a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão, desde 30/8/2005, em todas as carreiras, cargos e categorias, incluindo as integradas em corpos especiais, congelamento esse que durou até 31/12/2007 nos termos da Lei n° 53-C/2006, de 29-12 pelo que, só em 1 de Janeiro de 2008 é que se reiniciou, portanto, a contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira (...).»

«Na nova versão do ECD operada pelo DL n° 270/2009, de 30-09, (a docente) posicionada no 2° escalão, tem de completar 4 anos de tempo de serviço para progredir ao 3° escalão da carreira nos termos da subalínea i) da alínea a) do n° 5 do art° 37° do referido DL n° 270/2009 (...) sendo devido o direito à remuneração correspondente ao novo escalão a partir do 1° dia do mês subsequente a esse momento (cfr. n° 8 do mesmo artigo)".

Nos termos do n° 6 alínea a) do art. 7°, e do n° 3 do art° 8°, ambos do DL n° 270/2009, os docentes que preencham o requisito de tempo de serviço no ano civil de 2009 podem progredir ao escalão seguinte da categoria (...) desde que, cumulativamente, obtenham na avaliação de desempenho referente ao ciclo de avaliação de 2007-2009 a menção qualitativa mínima de Bom e que a última avaliação de desempenho efectuada nos termos do Dec-Reg. n° 1/98, de 15-05, tenha sido igual ou superior a Satisfaz."

Percebido o contexto em que se coloca a sobredita questão, quid juris?

É ponderoso o argumento do Réu, de que deferir a pretensão da Autora equivale a postergar a imperatividade da Lei, no sentido de a avaliação de desempenho num mínimo de Bom ser sempre condição da progressão na carreira docente. E o argumento de que não havendo regulamento legalmente habilitado a atribuir e a definir os termos da relevância de uma avaliação estranha ao funcionalismo público para efeitos da progressão na carreira docente, tudo se passa como se o docente destacado não tenha sido avaliado, também é ponderoso, colhe todo o sentido.

Neste contexto soa a muito forçado dar relevância à avaliação na APPACDM e fazer corresponder a um "Excelente" ali obtido a uma qualquer nota .de desempenho no sistema de avaliação dos docentes, mesmo que seja o Bom por estarem esgotadas as quotas para "excelente" ou "muito bom" no estabelecimento de origem da 'docente. Mesmo que se invoque como fundamento os artigos 2°, 13°, ou até o omitido 47° n° 2 da CRP, que fundamento para, sem mais, ficcionar que a Autora foi avaliada internamente com "Excelente" para depois, invocando-se o esgotamento das quotas, lhe atribuir um "Bom".

Mais forçado, por se lhe opor frontalmente o novo paradigma da progressão por mérito, parece ser reconhecer à Autora o direito a transitar ao 3° escalão em nome do artigo 7° n° 6 a) do DL n° 270/2009 mas independentemente de qualquer notação de mérito, como ela subsidiariamente também pretende?

Porém, privar a Autora, inesperadamente, de progredir na carreira em igualdade de condições com os demais docentes destacados e não destacados, por ter aceitado um destacamento que também era do interesse do Réu, não pode ter sido o que o legislador do ECD e do DL n° 270/2009 quis. Desde logo isso violaria quer o princípio constitucional da Confiança do Estado de Direito, quer a igualdade na progressão na Função Publica, pelo menos (artigos 2° e 47° n° 2 da CRP).

O diploma onde seria de esperar, em face daqueles direitos fundamentais, que a avaliação de desempenho de docentes destacados como a Autora fosse tratada é o Decreto Regulamentar n° 2/2008 de 10 de Janeiro que, nos termos do seu n° 1°, "regulamenta o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (...) no que se refere ao sistema de avaliação do desempenho do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário." Mas este diploma apenas contempla os destacamentos em mobilidade interna (artigo 30°).

Isto, em face daqueles princípios e correspondentes direitos liberdades e garantias constitucionais, não pode significar que o Legislador excluiu deliberadamente a relevância do tempo de serviço e da avaliação de desempenho dos docentes destacados em outros estabelecimentos ou instituições particulares ou cooperativas de educação, uma vez remunerados pelo Ministério da Educação e dado que essas instituições prestem um serviço publico, do interesse do próprio Estado, como é o caso das APPACDMs, outras IPSS em geral ou as escolas do ensino particular ou cooperativo em contrato de associação. Existe, portanto, uma lacuna legislativa lato sensu designadamente no sobredito Decreto Regulamentar. Temos, uma ausência de avaliação da docente no biénio 2007/2009, mas nada se dispõe em face desta falta de avaliação, que não é imputável à Autora.

O próprio Réu parecia reconhecer a lacuna antes da fase jurisdicional do conflito„ embora não retirando dela as legais e metodológicas consequências, quando o autor do acto impugnado diz que "deverá ser considerado o período de 2007/2009 como não avaliado bem como o tempo de serviço aí prestado não lhe ser contado para efeitos de progressão na carreira, enquanto não houver uma regulamentação efectiva da matéria" (itálico nosso). Porém, um direito liberdade e garantia redutível aos dos artigos 24° e sgs da CRP, como é o direito à igualdade na progressão na função pública (artigo 47° n° 2 da CRP), não pode esperar pela regulamentação adequada para ser reconhecido. As fontes constitucionais destes direitos são directamente aplicáveis, se não houver na ordem jurídica fonte de hierarquia inferior que os realize: artigo 18° da CRP).

Há, porém, ao contrário do que defende a Autora, norma da mesma hierarquia do sobredito Decreto Regulamentar, que regula situação análoga a esta.

Trata-se do artigo 17° do Decreto Regulamentar n° 19-A/2004 de 14/5, diploma que regulamentava em 2009, o Regime legal da Avaliação de desempenho na Função Pública, relativamente à "avaliação do desempenho dos trabalhadores e dirigentes intermédios da Administração pública", como reza a sua epígrafe.

Não falamos do artigo 18° porque o modo de suprir a falta de avaliação aí preconizado se destina exclusivamente para efeitos de concurso, o que não é o presente caso.

Dispõem assim, aquele artigo 17°:

"Casos especiais
Aos trabalhadores que exerçam cargo ou funções de reconhecido interesse público, bem como actividade sindical, a classificação obtida no último ano imediatamente anterior ao exercício dessas funções ou actividades reporta-se, igualmente, aos anos seguintes relevantes para efeitos de promoção e progressão."

Trata-se exactamente da situação da Autora. Ela foi destacada para exercer a sua função docente junto de crianças e jovens deficientes mentais, satisfazendo uma necessidade colectiva cuja satisfação é atribuição do Estado, para o que foi destacada ao abrigo do artigo 68° al. b) do ECD.

Por a instituição para a qual foi destacada ser privada, embora de utilidade pública, a Autora não foi objecto de avaliação do SIADAP no biénio 2007/9.

Então haverá de valer, no tempo em que permanecer nesta situação a nota de desempenho que obteve no último período de avaliação que antecedeu o destacamento.

Mas a última notação de desempenho obtida no ano anterior ao início destas funções não foi "Bom", mas sim "Satisfaz". Decorrerá daqui que não pode beneficiar do disposto no artigo 7° n° 6 alínea a) do DL n° 270/2009 de 30/9, que exige a nota de "Bom" no período 2007/9?

De modo algum.

Importa fazer, na aplicação por analogia do artigo 17° acima citado, e na sua conjugação com o artigo 7° n° 6 ala a) do DL n° 270/2009, uma interpretação objectiva e actualista.

Vejamos:

À notação "Satisfaz" dada no âmbito da avaliação do serviço docente regulada pelo Decreto Regulamentar n° 11/98 de 15/5, faz a alínea do n° 6 do artigo 7° do DL n° 270/2009 corresponder a de Bom no âmbito do Decreto Regulamentar n° 2/2008 de 10/1 e seus sucedâneos. É isso que se revela no facto de se exigir a nota de "Satisfaz" no ciclo avaliado em função do DR 11/98 e a de "Bom" no ciclo de 2007/9, para a progressão na carreira, aí prevista. Aliás, "Satisfaz" era, no DR n° 11/98 (cf. artigos 11 e 13°) a nota positiva mais "humilde" mas era a regra, e era atribuída a todo aquele que, notado à partida deste modo, não requeresse avaliação para nota superior. "Bom" não é no DR n° 2/2008, a nota positiva mais humilde, pois abaixo existe o Regular, mas é a nota positiva mais alta de quem não se candidatar a nota superior. É uma nota positiva comum e não sujeita a quotas.

Assim sendo, entendemos que na aplicação do artigo 17° do Dec. Reg. n° 19-A/2004 para efeitos do artigo 7° n° 6 a) do DL n° 270/2009, a nota de "Satisfaz", ultima a ser obtida pela Autora antes de ser destacada, vale pela nota de "Bom", pelo que tudo se há-de passar como se a última nota obtida pela Autora antes de passar a exercer funções na APACDM de Coimbra, extensão de A..., fosse a de Bom.

Em face da aplicação, por analogia, do artigo 17° do DR n° 19-A/2004, assim interpretado, aos factos provados, tem a Autora direito a progredir ao 3° escalão a partir de 1/1/2010, nos termos do art. 7° n° 6 al. a) do DL n° 270/2009, pelo que a acção é procedente.

As alegações de recurso, cujas conclusões que delimitam o objecto do processo foram supra reproduzidas, passam a largo do disposto no artigo 10º do Código Civil, que comete uma função criativa do direito ao juiz para poder fazer justiça no caso concreto, com a previsão da integração das lacunas da lei.

Determina o artigo10º, nº 1, do Código Civil, que os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos e o n.º 2 do mesmo preceito dispõe que há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

O acórdão da 1ª Instância deparou-se com uma lacuna da lei, à qual aplicou, por analogia, o artigo 17° do Decreto-Regulamentar n° 19-A/2004, de 19.05.

O Tribunal apenas estaria a criar lei se, em vez de se limitar a interpretar aplicar a lei ao caso concreto, decidisse que essa interpretação e aplicação se aplicava a todos os casos semelhantes, em geral e abstracto.

Isto sendo certo que precisamente o que caracteriza a lei são as características da generalidade e abstracção.

Assim, o mesmo não só não viola a lei, como a cumpre rigorosamente tal como lho impõe o artigo 10º, nº s 1 e 2, do Código Civil, que é omitido em absoluto nas alegações de recurso.

Impõe-se, pois, a improcedência do recurso e a manutenção integral da decisão recorrida.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
*
Porto, 18.10.2019

Rogério Martins
Luís Garcia
Conceição Silvestre

Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral: