Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00746/08.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/12/2012
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO PRONÚNCIA ACERCA PROVA INDICADA PETIÇÃO INICIAL
Sumário:I. Tendo sido omitido nos autos o acto de pronúncia acerca da produção da prova indicada no final da petição inicial, verifica-se nulidade processual – artigo 201º do CPC.
II. Tal omissão é susceptível de influir na decisão da causa, determinante da ocorrência de uma nulidade processual secundária, atípica ou inominada, com os consequentes efeitos invalidantes.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:C...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
C…, contribuinte fiscal n.º …, casado, serralheiro mecânico, residente na R…, executado revertido, deduziu oposição ao processo de execução fiscal n.º 1899-2000/0101592.3 e apensos, que havia sido instaurado contra a sociedade comercial “F…, Limitada”, executada originária, por dívidas de IVA dos quatro trimestres dos anos de 2000 a 2002 e dos três primeiros trimestres de 2003 e de IRC dos exercícios de 2000 e 2001.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição, decisão com que o oponente não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr. fls. 175 a 177 dos autos) formulando as seguintes Conclusões: “(…)
A execução fiscal foi revertida contra o Recorrente com base na al. b) do n.° 1 do art.° 24.° da LGT;
Recaía sobre o Recorrente o ónus da prova dos fundamentos da oposição que oportunamente deduziu à execução fiscal - art.° 74º, n.° 1 da LGT;
Em processo de execução fiscal são admitidos os meios gerais de prova - art.°s 114.º e 115.° do CPPT;
De entre esses meios de prova a lei admite a testemunhal, no máximo de 10 por cada acto impugnado e de três por cada facto - art.° 118.° do CPPT;
O Recorrente arrolou 7 (sete) testemunhas no seu articulado de oposição à execução fiscal para prova da matéria de facto alegada;
Por entender que os autos forneciam todos os elementos necessários para decidir, o Meritíssimo Juiz a quo, sem qualquer despacho interlocutório e contra o entendimento pugnado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, optou por não realizar a prova testemunhal oferecida pelo Recorrente e logo passou à prolação da sentença;
Ao ter negado ao Recorrente a realização da prova testemunhal, o Meritíssimo Juiz a quo violou os princípios do contraditório e da igualdade das partes, consignados, respectivamente, nos art.°s 3.º e 3.°-A do CPC, assim como as disposições contidas nos art.s 24.°, al. b) e 74.º, n.° 1 da LGT, e nos art.°s 114°, 115.° e 118.° do CPPT;
A omissão da inquirição de testemunhas arroladas pelo Recorrente é susceptível de influir na boa decisão da causa, pelo que se acha verificada a nulidade processual prevista do n.° 1 do art.° 201.º do CPC, que aqui expressamente o Recorrente invoca;
Deve, pois, a sentença recorrida ser revogada e substituída por despacho que ordene a inquirição das testemunhas arroladas pelo Recorrente;
Sem prescindir:
10ª Os documentos e informações constantes dos autos não contraditam os factos alegados pelo Recorrente;
11ª Por outro lado, tais documentos e informações, que se reconduzem, no essencial, a um contrato de arrendamento assinado pelo Recorrente, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, não são bastantes para fundamentar o julgamento de que o Recorrente exerceu a gerência efectiva da sociedade executada;
12ª As afirmações do mandatário da Recorrente nos itens 31.º a 36.º da oposição não podem ter relevância como confissão judicial, pois, para além de genéricas e circunstanciais, não se referem a factos expressos e concretos;
13ª Podem ser retiradas pelo Recorrente, como nestas alegações o foram, uma vez que não foram especificadamente aceites pela parte contrária, a Fazenda Nacional;
14ª Ao considerar tais afirmações como confissão judicial, o Meritíssimo Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação da lei, assim violando o disposto nos art.°s 39.° e n.° 2 do art.° 567.° do CPC;
15ª Na decisão dos factos dados por provados, designadamente os das al.s H) e K), como dos factos não provados e considerados irrelevantes para a boa decisão da causa, o Meritíssimo Juiz a quo errou no julgamento da matéria de facto, sendo que, no mínimo, não podia ter-se eximido a ouvir as testemunhas arroladas pelo Recorrente.
16ª Com base apenas nos documentos e informações constantes dos autos, nunca poderia a sentença ter sido proferida com o sentido da improcedência da oposição, sobretudo por haver desconsiderado os factos articulados pelo Recorrente, com o que violou o disposto no art.° 664.º do CPC;
17ª Com base apenas nos documentos e informações constantes dos autos, a sentença só poderia ser no sentido da procedência da oposição fiscal;
18ª Assim, a não se entender que a sentença é nula nos termos do n.° 1 do art.° 201.º do CPC, por omissão da audição das testemunhas arroladas pelo Recorrente, sempre a mesma deverá ser revogada e substituída por outra que julgue a oposição totalmente procedente.
Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, afinal, ser revogada a sentença recorrida e substituída por despacho que ordene a realização da prova testemunhal ou, caso assim não se entenda, por outra que julgue procedente a oposição, com as legais consequências.”
Não houve contra-alegações.
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo, pugnando pela confirmação da sentença sob recurso (cfr. fls. 189 e 190 dos autos).
Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
II – QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
a) Da nulidade processual cominada no n.º 1 do art. 201º do CPC, decorrente da omissão de inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente, cujo depoimentos comprovariam factos essenciais para a boa decisão da causa;
b) Violação do princípio do contraditório e da igualdade entre as partes, consignados nos art. 3º e 3º A do CPC, 24º, n.º 1 al. b) e 74º, n.º 1 da LGT e 114º, 115º e 118º do CPPT, por omissão de inquirição das testemunhas arroladas;
c) Da existência de erro de julgamento da matéria de facto, ao dar como provado na sentença sob recurso os pontos H e K, e não provados factos alegados no petitório.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. Matéria de facto
A. Por falta de pagamento do IVA do primeiro trimestre de 2000 até ao terceiro trimestre de 2003, e do IRC dos anos de 2000 e 2001 e juros, foram instaurados os respectivos processos de execução fiscal contra a sociedade comercial “F…, Limitada”, que foram apensos ao processo de execução fiscal n.º 1899-2000/0101592.3 (fls. 49 a 66, 68 e 76 verso).
B. As datas limite de pagamento voluntário das dívidas exequendas terminaram em 15/05/2000; 16/08/2000; 15/11/2000; 15/02/2001; 15/05/2001; 16/08/2001; 04/02/2002; 15/02/2002; 15/05/2002; 16/08/2002; 15/11/2002; 16/12/2002; 31/01/2003; 17/02/2003; 15/05/2003; 18/08/2003; e 17/11/2003 (fls. 49 a 66).
C. Por inexistência de bens penhoráveis da sociedade comercial “F…,Limitada”, devedora e executada originária, as dívidas exequendas foram revertidas contra os responsáveis subsidiários, entre eles, o ora oponente (fls. 76 verso).
D. O oponente foi citado para a execução em 20/10/2008 (fls. 67 e 67 verso).
E. O valor da quantia exequenda era de 141.129,33 € (fls. 67).
F. O oponente foi sócio gerente da firma “F…, Limitada” entre 09/07/1993, data do registo da constituição da sociedade, e 28/01/2004, data em que renunciou à gerência da firma e cedeu a sua quota a J…, sócio gerente da mesma firma (fls. 78 a 83 e 115 a 118).
G. Entre 09/07/1993 e 28/01/2004, a gerência da sociedade comercial “F…, Limitada” pertenceu aos sócios gerentes J… e C… (oponente) e a sociedade obrigava-se com a assinatura dos dois gerentes (fls. 115 a 118).
H. A “F…, Limitada” está matriculada no Registo Comercial sob a matrícula n.º 503 031 429, que corresponde à anterior matrícula n.º 03514/930707, da Conservatória do Registo Comercial de Valongo, que pela inscrição da Ap. 27/930709 tinha registado, entre o mais, o contrato de sociedade, a gerência, pertencente aos sócios J… e C… e a forma de a obrigar, assinatura de dois gerentes (fls. 62 e 101 a 103).
I. Do registo comercial da “F…, Limitada” consta ainda o Av.1 – Ap.04/20040414, que tinha registado a cessação de funções do gerente C…, em 28/01/2004, por renúncia (fls. 63).
J. Em 28/04/2000, o oponente juntamente com J…, em representação da sociedade comercial “F…, Limitada”, arrendaram um estabelecimento comercial, outorgando a escritura pública do respectivo contrato de arrendamento, no Cartório Notarial de Valongo (fls. 71 a 75).
K. O oponente assinava os documentos da sociedade comercial “F…, Limitada”, e relacionados com ela, que o outro sócio gerente lhe entregava e pedia para assinar (fls. 71 a 75).
L. O oponente deduziu a oposição em 19/11/2008 (fls. 2).
III – 2. Matéria de facto não provada
“3.1.2 – Matéria de facto não provada:
1) Nunca o oponente exerceu a gerência efectiva e de facto da sociedade executada. -
2) Na prática, o oponente nunca teve nada a ver com a sociedade executada, de cuja actividade, gestão e negócios sempre se manteve absolutamente alheado e desconhece por inteiro.
3) Que foi J… que sempre exerceu a gestão efectiva da mesma.
4) Que o oponente assinava os documentos da “Francisco Marques & Oliveira, Limitada” de cruz, sem atentar no seu conteúdo.
5) O oponente nunca exerceu de facto quaisquer funções de administração, gestão ou direcção na sociedade executada, desconhecendo os seus negócios.
6) Nunca o oponente dirigiu os destinos da sociedade executada.
7) Nunca o oponente contribuiu, por acção ou omissão, para a constituição das dívidas exequendas, pois que nunca exerceu a gerência de facto.
III – 3. Motivação
“3.2 – Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos e informações juntos aos autos, que não foram impugnados, e que são identificados à frente de cada um dos factos provados.
Os factos provados com base nos documentos resultam das certidões e documentos juntos aos autos, cujo valor probatório resulta da própria natureza dos documentos, sendo parte deles dependentes de prova documental (arts. 164.º do Código do Notariado, 110.º do Código do Registo Predial (Cód.RP), 362.º e seguintes do Código Civil (CC) e 523.º do CPC).
Da matéria de facto provada assume relevo a constante da alínea H). A sua prova resulta do documento aí identificado e sobretudo da confissão judicial do próprio oponente. Com efeito é o próprio oponente que reconhece que assinava os documentos que o outro sócio gerente lhe apresentava para assinar (art. 352.º, 355.º, 356.º e 357.º do CC, 38.º e 567.º do CPC).
A matéria de facto julgada não provada resultou da contradição com a prova que sustentou a matéria de facto provada.
Por outro lado, existem inúmeros factos alegados que não foram considerados provados e não provados, por serem conclusivos, conterem alegações de direito e / ou não serem relevantes para a decisão da causa. São factos circunstanciais, que não alteram a essência da matéria de facto julgada provada e não provada.
Designadamente, o dizer-se que o oponente assinava os documentos de cruz. Trata-se de uma expressão de uso corrente, mas que não tem relevância jurídica neste caso por dois motivos. Por um lado, porque uma pessoa adulta que sabe que é sócio gerente de uma firma e que sabe que tem de assinar os documentos para vincular a sociedade, até porque o outro sócio gerente lhos entregava para assinar (atitude que manifesta a relevância do acto de assinar os documentos), não pode dizer que os assinava de cruz. Sabia que estava a assinar documentos relevantes para a sociedade e para a sua vinculação e que constituíam actos materiais de gestão da sociedade. Por outro lado, uma pessoa adulta que vai outorgar um contrato de arrendamento a um Cartório Notarial não pode dizer que assinava os documentos de cruz. Nesta parte nem sequer colhe o argumento que os documentos lhe eram apresentados para assinar ao fim do dia, porque o contrato foi outorgado no próprio Cartório Notarial.
Os factos alegados quanto à sua profissão também são irrelevantes, porque o exercício da sua profissão não impedia o exercício e a prática de actos materiais próprias da gerência da sociedade comercial “F…, Limitada” para além do horário de trabalho. De resto, foi o próprio oponente a admitir que praticava alguns actos, o que revela a inexistência de um impedimento absoluto para a prática de actos inerentes ao exercício da gerência.
O mesmo vale para o invocado arquivamento do inquérito contra o oponente. Desde logo, tudo depende da prova produzida naquele inquérito, que em nada releva para estes autos. Acresce ainda que aquela decisão releva apenas e só para o próprio processo. Por outro lado, a responsabilidade criminal e a culpa criminal são essencialmente diferentes da responsabilidade e culpa tributárias. Os seus pressupostos e relevância jurídica são essencialmente diferentes.
Finalmente as alegações de desconhecimento dos funcionários, fornecedores e clientes da “F…, Limitada”, a gerência não remunerada e a não distribuição de lucros ou dividendos, não afastam nem impedem o exercício da gerência. Por um lado, o exercício efectivo e de facto da gerência pode ocorrer sem o contacto directo com essas pessoas, ocorrendo com o contacto com outras ou até única e exclusivamente com o outro sócio gerente e com a assinatura dos documentos que vinculam a sociedade, actos que manifestam decisões de gestão conjuntas. Por outro lado, podem revelar um lado altruístico ou mais solidário do oponente (até pelas relações familiares entre os sócios gerentes) ou eventualmente alguma falta de responsabilidade pessoal do oponente na assumpção dos actos que pratica. Porém, estas atitudes não irresponsabilizam o oponente pelos actos praticados em representação da “F…, Limitada” e também não são actos ou factos que desqualifiquem os actos praticados pelo oponente em representação da “F…, Limitada” em actos que não são do ou no exercício efectivo e de facto da gerência.
Assim, a irrelevância de tais factos para estes autos levaram-nos a não os julgar como provados ou não provados.”
IV - ENQUADRAMENTO JURÍDICO
IV – 1. Fixada a factualidade relevante, vejamos agora o direito donde emerge a solução do pleito, sendo certo que as conclusões de quem recorre balizam o âmbito de um recurso concreto (art. 684º e 690º do CPC).
É inquestionável o regime segundo o qual este Tribunal aplica o Direito ao circunstancialismo factual que vem fixado, pelo que a questão que se impõe neste recurso é a de juridicamente fundamentar se:
a) Ocorre a nulidade por falta de audição das testemunhas e violação do princípio do contraditório e da igualdade entre as partes (conclusões 1ª a 9ª).
c) Ocorre erro de julgamento sobre a matéria de facto (demais conclusões).
Assim:
Da nulidade da sentença por falta de audição das testemunhas arroladas e por falta de despacho a fundamentar a dispensa da inquirição
Em sede introdutória, refira-se que a nulidade arguida, pelo recorrente, porque não constando do elenco do art. 98.º do CPPT, só poderá, ser havida como nulidade secundária, sujeitas ao regime do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
As nulidades secundárias em que o tribunal incorrer, nos termos do art. 202.º do CPC, em princípio, só podem ser conhecidas mediante reclamação a deduzir no prazo de dez dias (prazo geral estabelecido no artigo 153.º do mesmo diploma).
De harmonia com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, do CPC, o prazo de dez dias conta-se do conhecimento da nulidade, o que significa que, no presente caso e perante ausência em concreto de despacho a prescindir a realização da prova testemunhal arrolada, a nulidade não estava sanada quando foi proferida a sentença, pois a dispensa da inquirição é implícita da mesma. Neste sentido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Abril de 1997, «a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolacção».
Assim, e sendo o meio próprio de atacar a sentença o recurso – numa concretização da máxima “das nulidades reclama-se, das decisões recorre-se” – há que concluir que nada obsta ao conhecimento da nulidade arguida em sede de recurso.
Vejamos então:
O Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância, após a não apresentação de contestação pela Fazenda Pública mandou abrir vista nos autos ao MP o qual emitiu o seu parecer (cfr. fls. 113), o que traz implícito o entendimento daquele de que podia conhecer de imediato do pedido, como viria a conhecer.
Vem agora o Recorrente invocar a nulidade por não terem sido inquiridas as testemunhas por si arroladas, não ter sido proferido despacho interlocutório, nesse sentido, contrariamente ao pugnado pelo Ministério Público.
No ensinamento de MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pág.176, as nulidades processuais «são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais».
Como já se referiu não constando a invocada nulidade do rol de nulidades insanáveis que o legislador consagrou no art. 98.º do CPPT, a mesma terá de ser aferida à luz do regime do art. 201.º e segs. do CPC (nulidade secundária).
Em conformidade com o disposto no art. 201.º, n.º 1, do CPC, «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Vale isto por dizer que as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: «a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas (art. 201.º, 1)».
No regime referenciado de nulidades processuais consagra-se uma preocupação de restringir os efeitos do vício que inquina o acto de modo que, só nos casos em que há prejuízo para a relação jurídica litigiosa, resultam ou advêm efeitos invalidantes. «O que há característico e frisante no artigo 201.º é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) Quando a lei expressamente a decreta;
b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. (…) É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa.
(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.
É neste sentido que deve entender-se o passo “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa.» (Alberto dos Reis, in: “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487.)
Cotejados os normativos em questão, dos mesmos não deriva expressamente o sancionamento com o desvalor invalidante da nulidade, em caso de omissão de pronúncia acerca da produção da prova indicada no final da petição inicial.
Assim, resta-nos aferir se no caso dos autos se tal omissão é susceptível de gerar ou não nulidade na medida em que “possa influir no exame ou na decisão da causa”.
A omissão desta pronúncia, influi claramente, quer no exame, quer na decisão da causa, ao violar-se um princípio básico do direito processual, o do contraditório, não se permitindo que ao processo sejam trazidos elementos de forma a decidir-se a causa de acordo com as várias soluções plausíveis ao Direito. (Neste mesmo sentido cfr. acórdão da 2ª Secção do STA, proferido em 10/07/2002, no recurso nº 025998).
Apesar da vastíssima motivação que faz parte integrante da sentença sob recurso, não podemos deixar de acompanhar o raciocínio do recorrente. Efectivamente, independentemente de se aferir da validade da confissão judicial, nos termos em que a mesma foi estabelecida, é certo que por ele haviam sido arroladas sete testemunhas, as quais seriam susceptíveis de alterar a matéria levada ao probatório, especialmente no que concerne à matéria de facto dada como “não provada”
Daí que, em concreto, temos de concluir pela verificação da nulidade processual e consequentes efeitos invalidantes, porquanto estamos face a nulidade que é susceptível de afectar os direitos adjectivos e/ou substantivos das partes, mormente, do ora Recorrente e que importa declarar com as legais consequências.
Assim sendo, no caso dos autos, cometida a supra identificada nulidade e arguida a mesma em tempo, importa, fazendo actuar o disposto no artigo 201º, nº 2, do CPC, anular os termos processuais subsequentes ao momento em que se omitiu pronúncia acerca da produção da prova indicada no final da petição inicial, e consequentemente da própria sentença.
V. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Porto, 12 de Janeiro de 2012
Ass. Irene Neves
Ass. Aragão Seia
Ass. Paula Ribeiro