Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00051/01-Coimbra
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
EXCESSO NA QUANTIFICAÇÃO
Sumário:1- Provando-se haver manifesto excesso na quantificação por métodos indirectos, as liquidações devem ser anuladas, por força do disposto no art. 74º/3 LGT.
2- Considerando a procedência do recurso e anulação das liquidações impugnadas, fica prejudicada a apreciação de todas as restantes questões, ao abrigo do disposto no art. 608º/2 «ex vi» do art. 663º/2 do CPC, (anteriores artigos 660º/2 e 713º/2, respectivamente).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J... e mulher
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

J... e mulher inconformados com a sentença proferida no TAF de Coimbra que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IRS dos anos de 1992, 1994 e 1995 dela recorreram formulando alegações e concluindo como segue:

B1 Em sede de Matéria de Facto:
a) A sentença do TAF erra ao dar como por provado a material constate das alíneas f) e g) dos factos provados, sendo que, em ambas as afirmações referidas, o tribunal apoia-se num relatório de peritagem constante dos autos (fls. 391.) e esses números referem-se a um período temporal mais amplo do que o abrangido pelas liquidações impugnadas: a impugnação dirigiu-se ao IRS de 1.992 1994 e 1995, e os números retratados na parte que o tribunal deu como provada referem-se ao período compreendido entre 1992 e 1996 (inclusivé sendo esse relatório claro ao afirmar que “se retirarmos os clientes com recibos emitidos durante o ano de 1996,o número de clientes, até 31/12/ 1995, é de 570” (fls. 405).
b) Assim, ao dar como provados os números levados às alíneas em crise, sem relevar o período temporal a que os mesmos respeitavam, e que era diverso do que fora impugnado em IRS, o tribunal incorre não apenas num erro de julgamento da matéria de facto, mas também num excesso de pronúncia na parte em que profere um juízo sobre o número total de clientes e recibos à data de 31 de Dezembro de 1996, extravasando do âmbito temporal das liquidações e respectivas impugnações.
c) Consequentemente, devem, pois ser alteradas as alíneas F) e G) da matéria de facto, dando-se ao invés por provado que “segundo o relatório de peritagem, foram identificados, até 31/12/1995, 570 clientes com recibos emitidos e distribuídos de acordo com a seguinte tabela:


Clientes com 1 recibo244 Recibos244
Clientes com 2 recibos289 Recibos189
Clientes com 3 recibos210 Recibos106
Clientes com 4 recibos68 Recibos 25
Clientes com 5/6 recibos18 Recibos 4
Total de Clientes570







“. (cf. fls. 405, dos autos).
E, quanto aos factos não provados:
d) A motivação da decisão da matéria de facto e encontra-se insuficientemente fundamentada, porquanto é totalmente omissa quanto factos tidos por “não provados” das alíneas b), c), d), e), f), g), e h), daí ressaltando uma clara ausência de exame crítico da prova, impossibilitadora da prolação de um juízo de “provado ou não provado”.
Ainda assim, considera-se
e) O tribunal erra ao não dar como provado que “em Coimbra foram passados 547 recibos e não 567”, assinalando que “não foi produzida qualquer prova” (alínea a) dos “factos não provados”), sendo que a mesma resulta da análise dos documentos com base nos quais a AT actuou, ou seja, da análise da listagem apresentada pela AT (artigo 37.° e ss. das p.i. e Doc. 10), que se encontra escrutinada “um a um” no Documento 10.
f) O Tribunal erra ao não dar como provada a existência de 20 casos no distrito de Coimbra a quem foi apenas passado um recibo que incluía o valor da entrada inicial e o do pagamento final (alínea c) dos factos não provados). Esses casos constam do Documento 11, deles resultando não ter existido desdobramento do pagamento, tendo sido facturado um valor único pela prestação do serviço. Esses 20 casos referidos, estão incluídos entre os 30 constantes do relatório de peritagem (fls. 395), onde se explicita o n.° do recibo, a data, o valor e o serviço prestado, considerando-se ter sido facturado um valor único para a prestação do serviço, pelo que do confronto do documento 11 com o relatório de peritagem na parte citada, resulta comprovada a existência de (pelo menos) vinte casos em que foi passado um recibo único pela prestação total do serviço final.
g) O tribunal erra ao dar por não provado na alínea e) “No escritório de Mangualde eram 32 os clientes com processos resolvidos”, confrontando com o que resulta do documento n.° 12 e do relatório de peritagem na parte (fls. 396) em que enumera os mesmos casos referidos naquele documento como pagamentos finais.
h) O Tribunal erra ao dar como não provado o disposto nas alíneas f) e g) dos factos não provados; posto que, quanto à alínea f), deve dar-se por provado que no distrito de Coimbra foram indevidamente consideradas como pessoas diferentes 15 clientes distintos, quando se tratam do mesmo cliente a quem foram repetidos recibos; devendo-se essa realidade ao facto de os nomes dos clientes não se apresentarem escritos de maneira igual, como se exemplificou com o Sr. Joaquim, que aparece como cliente duplicado nas listas da AT como cliente diferente de Joaquim…, existindo outros exemplos apontados no Documento n.° 13 e revelados pela listagem da AF - ver, por.ex., pag.15/16 dessa Listagem (Anexo II da AT e Doc. 10 junto pelos recorrentes) a Sr.a Maria…, também aí referida como Maria..; e, quanto à alínea g), o Sr. L… é o mesmo L… referido na linha anterior; a Sr.a Maria… é a mesma Sra. Maria… referida, como pessoa distinta na mesma lista; o Sr. S… é o mesmo S…, residente em S. Lourenço, Anadia. cf. Anexo III da AT e Documento n.° 13, onde se listam esses casos.
i) Com a prova dos factos “supra” invocados, resulta matematicamente verificado o número de clientes que, dos 549 elencados pelo fisco, teriam os seus processos resolvidos (146=111+20+15, no distrito; e 55=27+25+3, fora do distrito de Coimbra), sendo estes elementos o resultado da prova efectuada a partir dos números considerados pela AF, quando expurgados das incorrecções assinaladas e demonstradas, daí devendo resultar, em consequência, a alteração do julgamento de facto constante das alíneas h) e i) dos factos não provados.
j) Destarte e em todo o caso, sempre devia o tribunal ter dado como provado existirem mais do que 138 clientes a quem foram repetidos os recibos.
k) Erra também o Tribunal ao dar como não provado que os processos durassem entre 1 e 3 anos (alínea j) dos “factos não provados”, por resultar, segundo o Tribunal da prova pericial realizada que os processos duravam entre 4 meses e um ano, remetendo para fls. 494 do relatório pericial, o que se revela como um lapso de escrita, pois a fls. 494, nada se diz sobre o assunto. Porquanto no mesmo Relatório Pericial afirma-se, a fls. 404, em sentido contrário ao que o Tribunal deu como provado que “face às várias condicionantes, não é possível afirmar com exactidão a existência de um só prazo médio”, tendo verificado casos em que as decisões foram proferidas ao fim de 2 meses, e meses (4 casos), 4 meses (2 casos), 5 meses (2 casos), 6 meses (3 casos), 7 meses (2 casos), 8 meses (2 casos), 10 meses (3 casos), 11 meses, 12 meses (3casos), 13 meses, 14 meses, 17 meses, 18 meses, 19 meses, 22 meses, 27 meses e 28 meses - cf. fls. 404. No mesmo sentido, as declarações constantes do Doc. 14, permitem comprovar, que os processos pudessem durar mais do que 2 anos.
l) o Tribunal deixou de fora da valoração da matéria de facto um conjunto de factos centrais para a análise das liquidações contestadas que foram invocados na p.i. ou que resultam do relatório de peritagem na parte em que se consideram os valores até 31. de Dezembro de 1995, nas respostas aos quesitos aí formulados e que, atendendo às causas de pedir elevadas na p.i., constituem factos absolutamente fulcrais para a análise da impugnação e que deveriam ter merecido a correcta análise judicativa. Assim,
Devia o Tribunal ter dado como provada a seguinte factualidade:

1) De acordo com a fórmula da AT, aplicada aos elementos recolhidos pela administração, o número de clientes resultante da operação: n.° total de recibos - n° de recibos repetidos tem como resultado o valor de 629 clientes. (cf. p.i.s artigo 34.° e Informação da inspecção fls. 580 e ss.);
2) Da Inventariação física e directa dos clientes e recibos emitidos constante das listagens elaboradas pela AT resulta um total geral de 549 clientes (394 no distrito de Coimbra e 155 fora do distrito de Coimbra) (cf. artigo 37.° das p.i. e doc. n.° 10 que reproduz analiticamente os anexos relevados pela inspecção).
3) De acordo com a fórmula utilizada inicialmente pela AT, foi determinado um factor de correcção de 4,5; apurado com base na fórmula Total de recibos menos recibos repetidos a dividir pelo n.° de recibos repetidos. (cf. artigo 34.° da p.i., relatório do fisco a fls. 269 e ss. e 575 e ss. relatório da peritagem fls. 394).
4) Da inventariação física directa efectuada nos escritórios dos SP por estes, constante do Doc. 9., resulta que o número total de clientes era 555 (cf. arts. 36° a 38.° das p.i.).
5) De acordo com o relatório de peritagem (cf. fls. 405): e1) O n.° de clientes de 1992 até 31/12/1995 é de 570; e2) Nesse período foram emitidos, em termos totais, 807 recibos (cf. fls. 405); e3) Desses 807 recibos, 244 referem-se a clientes aos quais apenas foi passado 1 recibo; e4) Existem 326 clientes aos quais foram passados 2 ou mais recibos; e 5) Considerando os elementos constantes do relatório de peritagem até 31 de Dezembro de 1995, da relação entre o total de recibos emitidos (807), com o número de clientes que tiveram recibos repetidos (326), de acordo com a fórmula A+B (Total de recibos) - C (Recibos repetidos) / C (Recibos repetidos), resulta um rácio de 1,47 (cf. fls. 394 e 405).
6) Os casos detectados de total omissão de clientes corresponde a cerca de 15% dos clientes declarados pelos recorrentes (cf. p.i.s arts. 56.°, 50.° e 53.°, 2. parte, 71.°; e Relatórios da Inspecção fls. 269 e ss. e 575 e ss., em particular, Anexo VI).
m) O tribunal considerou erradamente a existência de 1569 recibos emitidos e correspondentes a 999 clientes (fls. 568) e de 381 recibos repetidos (fls. 573), quando devia ter considerado a existência de apenas 807 recibos emitidos a 570 clientes, com 326 recibos repetidos, pois estes foram os números apurados até 31 de Dezembro de 1995, ou seja no período a que respeitam as liquidações impugnadas.
B2 Em sede de Matéria de Direito e ponderação jurídica:
n) O tribunal omitiu pronuncia quanto à questão da inidoneidade da fórmula pela qual se presumiu o número de clientes alegadamente omitido (cf., “inter alia”, artigos 33.°, 34.º, 35.º, 47.º, 59.º, 60.°, 61.°, 71.º...), sendo certo que essa questão de direito não se confunde com as questões relativas à prova do excesso de quantificação.
o) A fórmula mobilizada (A+B-C/C, em que A+B traduzem o número total de recibos emitidos pelos recorrentes e C o número total de clientes a quem se repetiram recibos) pela AT não tem aptidão para fazer presumir o número de clientes relativamente aos quais não foi emitido qualquer recibo.
Sem conceder,
p) Os elementos que a AT fez constar da referida fórmula não são exactos, quer no pressuposto, quer na sua expressão numérica, o que determina, num caso e noutro, a excessiva determinação do universo total dos clientes. Quanto ao pressuposto temporal, os processos não se encontravam todos findos a 31 de Dezembro de 1995, não sendo idónea a aplicação de uma fórmula que projecta uma realidade diferente. Quanto à expressão numérica, os elementos considerados pela AT assentam em errados pressupostos de facto, quer no plano “interno” - ou seja, no âmbito dos elementos valorados pela AT -, como se intentou demonstrar perante as próprias listas da AT, quer perante a realidade externa e factual decorrente do relatório de peritagem, quando considerados os elementos de facto pertinentes para a análise das liquidações em crise.
q) A fórmula aplicada pelo fisco assenta numa expressão numérica (767-138/138) completamente contrária à realidade, posto que, no período relevado pela AT não foram 767 (567+200) os recibos emitidos, mas sim 807 (592+215); e, não foram repetidos 138 recibos, mas sim 326; o que vale por dizer que o “rácio” de 4,5 que a AT aplicou para determinar o universo de clientes omitidos, é manifesta e comprovadamente excessivo, quando comparado com os números que se encontram demonstrados pela peritagem e que conduzem a um “rácio de 1,47”.
r) Da análise do relatório de peritagem, com base no qual o Tribunal construiu a sua fundamentação, o que resulta é que o número de clientes era de 570, o número de recibos repetidos era de 326, e os processos poderiam ter duração superior a um ano. Assim, a fundamentação do tribunal é contraditória com a decisão proferida:
1) Ao dar como assente que nem todos os clientes tinham os seus processos resolvidos (o tribunal refere 381, mas como se disse, o número exacto à data correcta, era 326), resulta inadmissível a fórmula administrativa quanto ao pressuposto temporal, no sentido de que a mesma relevava, indevidamente, que todos os processos estivessem findos.
2) Se foram repetidos 381 recibos, ao invés dos 138 referidos pela AT, não pode manter-se o rácio de 4,5 avançado pela AT.
3) A fórmula administrativa foi utilizada indevidamente para calcular ou “presumir” o n.° de clientes a quem não fora passado qualquer recibo, pelo que a alteração dos elementos com base nos quais foi efectuada essa quantificação (a do n.° de clientes presumido, não declarado) sempre determina um excesso a esse nível se, como é o caso, o Tribunal dá por assente uma alteração dos factores aritméticos componentes da equação ao nível dos recibos repetidos.
s) Considerando-se que a determinação do n.° de clientes assentou na fórmula explicitada - com a fixação de um rácio inicial de 4,5, alterado, posteriormente, de forma subjectiva para 2,73 - fica demonstrado o excesso na quantificação demonstrando-se que esse rácio, na realidade, é de 1,47, como resulta da peritagem.
t) Assim, não apenas foi mobilizada pela administração uma “fórmula de quantificação” desprovida de idoneidade para presumir o n.° de clientes omitidos, como também essa “fórmula” assenta em pressupostos de facto que não foram demonstrados e que, ao invés, são contrariados pela prova existente nos autos, dela se extraindo a existência de um claro excesso na quantificação em face de do n.° de clientes demonstrado pela peritagem e do n.° de recibos a estes repetidos resultar um “rácio” que é três vezes inferior ao valor inicialmente imputado pela AT e que é cerca de metade (!) do valor com base na qual foi efectuada a liquidação.
u) Em suma, o Tribunal: olvida o já referido número de clientes e o número de recibos repetidos; ignora que a fórmula quantificadora assentou em errados elementos de facto, como aí se demonstra, não se pronuncia sobre a idoneidade do critério de quantificação nem sobre o facto de dos elementos documentais apresentados pela AT resultar, em termos presuntivos, um número de clientes bastante inferior ao imputado, se a quantificação tivesse feito, como devia, numa relação entre os casos de omissão que constatou perante o universo de sujeitos que directamente investigou.
v) E, para concluir, dando o Tribunal por provado que foram emitidos 807 recibos até 31/12/1995 (Alínea H) dos factos provados) e tendo depois considerado que foram repetidos recibos a 381 clientes (fls. 573, mas na verdade foram repetidos 326), resulta da própria decisão a existência do assinalado excesso na quantificação, pois com base nos elementos valorados pelo Tribunal, o rácio é de “1,11” (807- 381/381), ou seja 245% inferior ao considerado pela AT.
B3 Normas Jurídicas Violadas:
w) A decisão recorrida, com o exposto, violou o disposto no artigo 123.°, n.° 2, parte final, do CPPT e os artigos 607.°, n.° 4 e 5, do CPC, aplicáveis ex vi o disposto no artigo 2.° do CPPT;
x) Violou ainda o disposto no artigo 608.°, n.° 2, do CPC, por omissão de pronúncia, em matéria de facto e de direito, sancionada pelo artigo 125.°, n.° 1, do CPPT;
y) A decisão recorrida violou, em matéria de quantificação, por errada interpretação e aplicação, os artigos 38.° do CIRS e 52.° do CIRC e o princípio da tributação de acordo com o rendimento real presumido, em conjugação com o disposto no artigo 77.° da LGT, normas que deviam, em concreto, ter sido interpretadas no sentido de, em concreto, dar por verificada a existência de um excesso de quantificação que resulta patente pelo facto de o critério de quantificação estar inquinado de erro de concepção e de erro nos elementos tácticos nele vertidos e que, de acordo, com os elementos corrigidos — e a corrigir — conduz a um aumento da matéria tributável que seria possível imputar ao sujeito passivo sem a existência desses vícios.
z) A decisão recorrida viola ainda, em conjugação com as normas referidas no ponto anterior, o princípio da legalidade da administração, na vertente da total sindicabilidade dos actos da administração que procedam à quantificação indirecta do rendimento, ao não sindicar a idoneidade do critério de quantificação, sendo que o mesmo viola a lei porquanto a quantificação assenta numa fórmula inidónea ao fim visado por não ter aptidão matemática, científica ou estatística para presumir o número de clientes omitidos.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, consistem em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito, e se enferma de nulidade por excesso e omissão de pronúncia, por falta de fundamentação.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
A) Os impugnantes foram alvo de uma ação de inspeção tributária, respeitante aos exercícios de 1992, 1995 e 1996 no âmbito da qual, em 22/04/1997, foi elaborado o relatório de fls. 269 a 278, que se dá por integralmente reproduzido, do qual resultaram correções ao lucro tributável declarado pelos impugnantes para os exercícios de 1992 e 1995, com recurso a métodos indiciários e meramente aritméticas quanto ao ano de 1995, respetivamente, para os valores de 11.323.840$00 e 136.095.328$00.
B) Os impugnantes foram também alvo de ação inspetiva que incidiu sobre os exercícios de 1993 e 1994, no âmbito da qual foi elaborado o relatório de fls...., que também se dá aqui por reproduzido na sua integra, do qual resultou o lucro tributável corrigido através de métodos indiciários de, respetivamente, 38.491.518$00 e 84.568.656$00.
C) Deduzida reclamação para a Comissão de Revisão da Matéria Coletável, contra a fixação da matéria coletável do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos anos de 1992 a 1995, e reunidos os peritos, no dia 30/09/1997, foi elaborada a Acta n.º 250, de fls. 29 a 32, que também se dá aqui por reproduzida, nos termos da qual os peritos alcançaram acordo fixando a matéria coletável por métodos indiretos dos anos de 1992 a 1995, respetivamente, nos valores de 3.650.000$, 14.746.000$00, 25.513.500$00 e 37.230.000$00.
D) Consequentemente, foram emitidas as liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 1992, 1994 e 1995, de fls. 28 destes autos e de fls. 28 e 29 do apenso, que se dão por integralmente reproduzidas.
E) Dos 8.000 separadores adquiridos pelos impugnantes, muitos deles ainda estão arrumados, sem uso, em prateleiras - facto referido pelos Senhores Peritos.
F) Os 1569 recibos emitidos pelos impugnantes correspondem a 999 clientes - facto referido pelos Senhores Peritos a fls. 391.
G) Daqueles 1569 recibos emitidos, apenas 618 se referem a clientes a quem foi passado apenas um recibo, sendo que os restantes 951 correspondem a mais do que um recibo passados a 381 clientes - facto referido pelos Senhores Peritos a fls. 394.
H) Até 31/12/1995, foram emitidos 592 recibos a clientes do distrito de Coimbra e 215 fora do distrito - facto referido pelos Senhores Peritos a fls. 395.
I) No distrito de Coimbra apenas foi emitido um recibo de valor superior a 73 contos - facto que resulta do quadro elaborado em resposta ao quesito 6.º/a) dos impugnantes a fls. 395 a 396.

Sobre a matéria não provada, a sentença registou o seguinte:
Factos não provados:
Com interesse para a decisão não se provou que:
a) Em Coimbra foram passados 547 recibos e não 567.
b) Os recibos repetidos são 198 e não 138.
c) No distrito de Coimbra, há 20 de clientes a quem foi passado um único recibo englobando os 10 contos de entrada e os 73 contos médios finais.
d) No escritório de Mangualde, até 31/12/1995, por razões de marketing, não se cobravam os 10 contos de entrada inicial.
e) No escritório de Mangualde eram 32 os clientes com processos resolvidos.
f) No distrito de Coimbra foram repetidos recibos a 126 clientes e não a 111, havendo 15 clientes que são os mesmos embora estejam identificados com nomes ligeiramente diferentes (caso de Joaquim de Jesus Silva que também consta de recibo como Joaquim Jesus Silva).
g) Há 3 situações idênticas à referida na alínea antecedente fora do distrito de Coimbra.
h) Eram 146 os clientes do distrito de Coimbra com processos resolvidos e 55 os clientes residentes fora de Coimbra com processos resolvidos, havendo o total de 201 clientes com processos resolvidos.
i) Em 31/12/1995, havia 348 clientes que não tinham os processos resolvidos ou que não recebiam qualquer pensão.
j) Os processos duravam entre 1 e 3 anos.

Na motivação da decisão de facto diz-se o seguinte:

A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes.
Relativamente aos factos não provados:
- quanto aos factos elencados nas alíneas a) e i), não foi produzida qualquer prova;
- quanto ao facto referido na alínea j), resulta da prova pericial realizada que os
processos duravam entre 4 meses e 1 ano - cfr. fls. 494.

Posteriormente, no despacho proferido em cumprimento do disposto no art. 641º/1 do NCPC, a MMª juiz «a quo» rectificou a sentença nos seguintes termos:

«Onde a fls. 5 da sentença (fls. 570 dos autos) se lê:
«- quanto aos factos elencados nos alíneas a) e j), não foi produzida qualquer prova;»
Deve ler-se:

«- quanto aos factos elencados nas alíneas a) a j), não foi produzida qualquer prova.».


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Quanto aos erros de julgamento da matéria de facto.
Os recorrentes imputam à sentença vários erros de julgamento da matéria de facto. Começamos por analisar a existência destes erros porque, a confirmarem-se, a apreciação dos restantes poderá ficar prejudicada.
A metodologia que nos propomos desenvolver é a análise «erro a erro» para podermos alcançar uma melhor compreensão dos assuntos envolvidos.

Assim,
1º erro:
Nas primeiras conclusões dizem os Recorrentes que a sentença do TAF erra ao dar como por provado o material constante das alíneas f) e g) dos factos provados, sendo que, em ambas as afirmações referidas, o tribunal apoia-se num relatório de peritagem constante (fls. 391) e esses números referem-se a um período temporal mais amplo do que o abrangido pelas liquidações impugnadas: a impugnação dirigiu-se ao IRS de 1992, 1994 e 1995, e os números retratados na parte que o tribunal deu como provada referem-se ao período compreendido entre 1992 e 1996 (inclusivé); sendo esse relatório claro ao afirmar que “se retirarmos os clientes com recibos emitidos durante o ano de 1996, o número de clientes até 31/12/1995 é de 570” (fls. 405) Conclusão B1 a).

B1 b) Assim, ao dar como provados os números levados às alíneas em crise, sem relevar o período temporal a que os mesmos respeitavam, e que era diverso do que fora impugnado em IRS ou IVA, o tribunal incorre não apenas num erro de julgamento da matéria de facto, mas também num excesso de pronúncia na parte em que profere um juízo sobre o número total de clientes e recibos à data de 31 de Dezembro de 1996, extravasando do âmbito temporal das liquidações e respectivas impugnações.

Os processos abrangidos pela sentença recorrida são os processo n.º 51/2001 e 40/2001, os quais foram apensados por despacho de 4/11/2008, a fls. 354 processo 51/2001.

As liquidações impugnadas respeitam aos exercícios de 1992 (impugnação n.º 51/2001) e 1994 e 1995 (impugnação n.º 40/2001).

Nas alíneas F) e G) dos Factos Provados, a MMª juiz «a quo» registou o seguinte
F) Os 1569 recibos emitidos pelos impugnantes correspondem a 999 clientes - facto referido pelos Senhores Peritos a fls. 391.
G) Daqueles 1569 recibos emitidos, apenas 618 se referem a clientes a quem foi passado apenas um recibo, sendo que os restantes 951 correspondem a mais do que um recibo passados a 381 clientes - facto referido pelos Senhores Peritos a fls. 394.

Como este erro tem conexão com o erro a apreciar sob o n.º 8, faremos, nessa altura, a sua apreciação desenvolvida.

2º erro de facto:
Na conclusão B1 e) o recorrente defende que o tribunal erra ao não dar como provado que em Coimbra foram passados 547 recibos e não 567, assinalando que não foi produzida qualquer prova (alínea a) dos “factos não provados”) sendo que a mesma resulta da análise da listagem apresentada pela AT (artigo 37º e ss. das p.i. e Doc. 10) que se encontra escrutinada “um a um” no Documento 10.

Nos artigos 34 e segs. da petição inicial (procº 51/2001) o impugnante alegou o seguinte:

34º
O Fisco, partindo do pressuposto certo (mas que o não é, como se verá) de que apenas em relação a 138 clientes dos constantes da lista havia repetição de recibos dentre o número total de recibos que lhes tinham sido emitidos nos anos de 1992 a 1995, construiu a seguinte fórmula em que A + B são o total de recibos passados de 1992 a 1995 pelos SP no distrito de Coimbra e fora dele, respectivamente, e C o total de clientes a quem se repetiram recibos:
A+B-C = 4,56 567+200-138 = 4,56
C 138
Donde se pode concluir que o número de clientes é de 629, como resultado da operação 567+200-138 =629 e o coeficiente de 4,56

35º
Ora, esta fórmula apenas é idónea cientificamente para revelar que em cada 4,56 clientes dos SP só um tinha, em 31/12/95, o seu processo definitivamente resolvido e nada mais, pois ela representa apenas o quociente do total dos clientes declarados pelos SP pelo total dos clientes a quem foram repetidos recibos.
(…)
37º
Ora, o Fisco apresenta duas listagens onde se constata (em inventariação física e directa) o número de clientes:
Com residência no distrito de Coimbra – 394 clientes
Com residência fora do distrito -155 clientes.
Total Geral: 549 clientes (Doc. 10).
(…)
39º
Verifica-se, todavia, inexistir coincidência entre o número total de clientes revelado pela citada fórmula do Fisco (629) e o apurado através da contagem directa (549), o que não é normal matematicamente, pois: total dos recibos emitidos – total dos recibos repetidos = total dos clientes.
40º
Ora, a diferença está num erro de soma e num erro de raciocínio: de soma, porque são de 547 e não 567 os recibos passados a clientes do distrito de Coimbra (Cfr. doc.9); de raciocínio, porque os recibos repetidos são de 198 e não 138, pois embora sejam em número de 138 os clientes a quem foram repetidos os recibos, há clientes a quem foram repetidos vários recibos.
41º
E feitas estas correcções poderá constatar-se que passam a coincidir a fórmula usada pelo Fisco com a quantidade determinada pela sua inventariação física e directa ou seja, 547 + 200 -198 = 549 clientes (supra artigo 35°).

O tribunal «a quo» na alínea a) dos factos não provados registou que “Em Coimbra foram passados 547 recibos e não 567”.

Ou seja, não se provou que em Coimbra tenham sido passados 547 recibos.

A listagem de fls. 64 a 79 revela efectivamente que os recibos emitidos no distrito de Coimbra foram em número de 547.

Mas a MMª juiz «a quo» na alínea H) dos factos provados registou que «Até 31/12/1995 foram emitidos 592 recibos a clientes do distrito de Coimbra e 215 fora do distrito – facto referido pelos Senhores Peritos a fls. 395.

E assim é, de facto. No relatório pericial perguntava-se: São 547 ou 567 os recibos passados a clientes constantes da listagem do Fisco do Distrito de Coimbra que estão registados na contabilidade do SP?

E a resposta dos peritos foi que:
«De acordo com a listagem de recibos, foram 807 os recibos emitidos até 31/12/1995, sendo 592 do Distrito de Coimbra e 215 fora do Distrito»

Por conseguinte, a MMª juiz «a quo» tem razão ao dar como não provado que “Em Coimbra foram passados 547 recibos e não 567”

E como nas alíneas B1 h) e B1 i) das conclusões o recorrente parte de um número total de recibos emitidos (547) inferior ao efectivamente apurado, os sub números da alínea B1 h) não têm qualquer aderência à realidade, não podendo por isso, figurar nos factos provados.

3º erro de facto:
Na alínea B1 f) diz o recorrente
«O Tribunal erra ao não dar como provada a existência de 20 casos no distrito de Coimbra a quem foi apenas passado um recibo que incluía o valor da entrada inicial e o do pagamento final (alínea c) dos factos não provados). Esses casos constam do Documento 11, deles resultando não ter existido desdobramento do pagamento, tendo sido facturado um valor único pela prestação do serviço. Esses 20 casos referidos, estão incluídos entre os 30 constantes do relatório de peritagem onde se explicita o n.º de recibo, a data, o valor e o serviço prestado, considerando-se ter sido facturado um valor único para a prestação do serviço, pelo que do confronto do documento 11 com o relatório da peritagem na parte citada, resulta comprovada existência de (pelo menos) vinte casos em que foi passado um recibo único pela prestação total do serviço final»

No quesito n.º 6º a) perguntava-se aos Srs. Peritos:
Digam os senhores peritos se, perante a contabilidade do sujeito passivo têm por segura a existência das seguintes situações:
a) 20 casos de clientes no distrito de Coimbra a quem se passou um único recibo englobador da entrada inicial e da remuneração média do serviço admitido pelo Fisco (73 contos)?

E a resposta foi que:
«Foram assim detectados 30 casos de clientes do Distrito de Coimbra, a quem se passou um único recibo no período considerado, e esse recibo não estava ligado com entrada inicial…» (fls. 395)

N alínea c) dos factos não provados, a MMª juiz « a quo» registou que
b) No distrito de Coimbra, há 20 clientes a quem foi passado um único recibo englobando os 10 contos de entrada e os 73 contos médios finais

Tendo em conta o relatório dos Exmos. Peritos, afigura-se-nos que este facto deverá ser alterado. E isto por duas razões: uma relativa aos factos alegados e a outra referente à resposta dos Srs Peritos.

Na petição inicial diz o impugnante nos arts 42º e 43º o seguinte:
42º
O Fisco contou 138 clientes a quem foram repetidos recibos, sendo 111 no distrito de Coimbra e 27 fora do distrito.
43º
Ora, eles são mais, pois:
- há casos de clientes a quem se passou um único recibo que englobou os 10 contos de entrada + os 73 contos (médios) finais, no distrito de Coimbra e que são 20 (Doc. 11);

Como se vê, o Impugnante defendia que os (20) clientes de Coimbra a quem se passou um único recibo englobava os 10 contos de entrada mais os 73 contos (médios) finais.

Os Srs. peritos detectaram 30 casos de clientes no Distrito de Coimbra a quem se passou um único recibo, sem ligação com a entrada inicial.
Se os peritos detectaram 30 casos a quem se passou um único recibo, os vinte estão obviamente incluídos neste número.

Por isso, o facto não provado deve ser eliminado e passar a facto provado com a seguinte redação:

J) Em pelo menos vinte casos foi passado um recibo único pela prestação total do serviço final no distrito de Coimbra.

4º Erro de facto.
Na conclusão B1 g) o recorrente conclui que
«O tribunal erra ao dar por não provado na alínea e): “No escritório de Mangualde eram 32 os clientes com processos resolvidos”, confrontando com o que resulta do documento n.º 12 e do relatório de peritagem na parte (fls. 489) em que enumera os mesmos casos referidos naquele documento como pagamentos finais».

No quesito n.º 6º perguntou-se aos Srs. Peritos:
6º Digam os senhores peritos se, perante a contabilidade do sujeito passivo têm por segura a existências das seguintes situações:
c) 32 casos no escritório de Mangualde em que não foi cobrada entrada inicial?

A resposta dos Exmos. Peritos (a fls. 396 e não 489 como por lapso refere o recorrente) foi que:
Expurgados os recibos atribuídos ao escritório de Mangualde, em que se verificava a inscrição de EI (Entrada inicial), apuraram-se 121 recibos emitidos, a 80 clientes, conforme mapa seguinte: (seguindo-se uma tabela com a identificação dos clientes, morada, número do recibo, data, valor e assunto tratado).

O documento de fls. 12 (fls. 129 do processo n.º 51/2001) que o recorrente apresenta em defesa do número (32) de casos em que no escritório de Mangualde respeitam a pagamentos finais é uma lista com 46 nomes, data, ASS (assunto) e valor do pagamento.

Na parte respeitante ao ASS (assunto) constam várias siglas, mas nenhuma correspondente a pagamento final, pelo que nos parece podermos concluir que tal documento não confirma a tese do recorrente. Nem por si só nem em articulação com o parecer dos Exmos. peritos de onde não vemos que se retire a conclusão pretendida.
Daí que o facto não provado na alínea e) não mereça qualquer censura.

5º Erro de facto.
Defende o recorrente na conclusão B1 m)
«O Tribunal erra ao dar como não provado o disposto nas alíneas f) e g) dos factos não provados; posto que, quanto à alínea f), deve dar-se por provado que no distrito de Coimbra foram indevidamente consideradas como pessoas diferentes 15 clientes distintos, quando se tratam do mesmo cliente a quem foram repetidos recibos; devendo-se essa realidade ao facto de os nomes dos clientes não se apresentarem escritos de maneira igual, como se exemplificou com o Sr. Joaquim…, que aparece como cliente duplicado nas listas da AT como cliente diferente de Joaquim…, existindo outros exemplos apontados no Documento n.º 13 e revelados pela listagem da AF - ver, por. ex., pag.16 dessa Listagem (Anexo II da AT e Doc. 10 junto pelos recorrentes) a Sr.ª Maria…, também aí referida como Maria…; e, quanto à alínea g), o Sr. L… é o mesmo L… referido na linha anterior; a Sr.ª Maria… é a mesma Sra. Maria… referida, como pessoa distinta na mesma lista; o Sr. S… é o mesmo S…, residente em S. Lourenço, Anadia. cf. Anexo III da AT e Documento n.º 13, onde se listam esses casos».

Os factos não provados mencionados nas alíneas f) e g) da douta sentença são os seguintes:

f) No distrito de Coimbra foram repetidos recibos a 126 clientes e não a 111, havendo 15 clientes que são os mesmos embora estejam identificados com nomes ligeiramente diferentes (caso de Joaquim… que também consta de recibo como Joaquim…).
g) Há 3 situações idênticas à referida na alínea antecedente fora do distrito de Coimbra.

No quesito n.º 6º perguntava-se
6º Digam os senhores peritos se, perante a contabilidade do sujeito passivo têm por segura a existências das seguintes situações:
c) 15 casos de recibos cujo nome de cliente é quase igual?
d) 3 casos em situações idênticas fora do distrito de Coimbra?

A resposta dos Exmos. Peritos consistiu na elaboração de dois quadros do qual resulta que são 12 o número de recibos cujo nome de cliente é quase igual (distrito de Coimbra), e não 15 - como defende o recorrente -, e 5 para a segunda situação (fora do distrito de Coimbra). E não 3 como defendeu o impugnante.

Por conseguinte, as alíneas f) e g) dos factos não provados não merece qualquer censura.

6º Erro de facto.
Na conclusão B1 j) defende o recorrente que
«Destarte e em todo o caso, sempre devia o tribunal ter dado como provado existirem mais do que 138 clientes a quem foram repetidos os recibos, como se alegou no artigo 42.º a 45.º da p.i.»

No art. 40º da douta petição inicial, os Impugnantes alegam que
«(…) os recibos repetidos são de 198 e não 138, pois embora sejam em número de 138 os clientes a quem foram repetidos os recibos, há clientes a quem foram repetidos vários recibos»

No quesito n.º7 foi perguntado aos Exmos peritos o seguinte:
É de 201 ou de 138 o número de clientes constantes da contabilidade do SP que devem considerar-se como tendo os seus processos resolvidos, aferido este facto segundo a repetição dos recibos e segundo os números apurados na resposta ao quesito anterior?

A resposta foi que:
Segundo a repetição de recibos, encontramos 381 clientes nesta situação.
Defendendo os Recorrentes que se dê como provado existirem mais do que 138 clientes a quem foram repetidos os recibos isso contradiz frontalmente o que alegaram na petição inicial, confessando serem 138 os clientes com recibos repetidos.

Os Recorrentes também não têm razão nesta parte.

7º Erro de facto.
Na conclusão B1 k) diz o recorrente:
«Erra também o Tribunal ao dar como não provado que os processos durassem entre 1 e 3 anos (alínea j) dos “factos não provados”, por resultar, segundo o Tribunal da prova pericial realizada que os processos duravam entre 4 meses e um ano, remetendo para fls. 494 do relatório pericial, o que se revela como um lapso de escrita, pois a fls. 494, nada se diz sobre o assunto. Porquanto, no mesmo Relatório Pericial afirma-se, a fls. 404, em sentido contrário ao que o Tribunal deu como provado que “face às várias condicionantes, não é possível afirmar com exactidão a existência de um só prazo médio’’, tendo verificado casos em que as decisões foram proferidas ao fim de 2 meses, e meses (4 casos), 4 meses (2 casos), 5 meses (2 casos), 6 meses (3 casos), 7 meses (2 casos), 8 meses (2 casos), 10 meses (3 casos), 11 meses, 12 meses (3casos), 13 meses, 14 meses 17 meses 18 meses, 19 meses, 22 meses, 27 meses e 28 meses – cf. Fls. 404. No mesmo sentido, as declarações constantes do Doc. 14, permitem comprovar, que os processos pudessem durar mais do que 2 anos.»

A MMª juiz «a quo» registou nos factos não provados a alínea J) segundo a qual não se provou que os processos durassem entre 1 e 3 anos.
Baseou-se para tanto na prova pericial, remetendo para fls. 494.

Esta remissão resulta de evidente lapso, uma vez que fls. 494 não corresponde a nenhuma peça do relatório pericial.

Mas a verdade é que o relatório pericial sustenta, efectiva e claramente, o facto não provado.

A pergunta relevante foi feita aos Srs. Peritos sob o n.º 4:
Qual o tempo médio de conclusão de um processo de reforma no estrangeiro?

A fls. 404 os Exmos. Peritos adiantam que
«Face às várias condicionantes, não é possível afirmar com exactidão a existência de um só prazo médio.
Os testes efectuados dão consistência ao informado pela funcionária de que uma parte dos processos demora cerca de 4 meses a ser concluído e outra parte cerca de um ano.

Nos artigos 32º e 50º da petição inicial o impugnante alegou que os processos durariam entre 1 a 3 anos, depois do preparo inicial, insistindo que esta duração deveria ser provada.

Como vimos, o laudo dos Exmos. Peritos não autoriza tal conclusão. Foram verificados casos de 2 meses, 3 meses, 4 meses, 5 meses, 11 meses, 12 meses, 13 meses, 14 meses, 17 meses, 18 meses, 19 meses, 22meses, 27 meses e 28 meses. Mas não se regista nenhum caso de 3 anos (36 meses).

O Recorrente alega que as declarações constantes do Doc. 14 permitem comprovar que os processos pudessem durar mais do que dois anos.
Não se vê como. Mesmo admitindo a veracidade destes documentos (fls. 179 e segs..) nos quais se declara não estar findo o processo, estes apenas têm a data em que foram emitidos (15/9/1997 e 10/9/1997) mas em parte alguma se alude à duração do processo.

O recorrente diz, agora, que os processos podiam durar mais que dois anos.
Porém, não foi isso que alegou na petição inicial como tivemos oportunidade de ver. A duração dos processos pelo período de dois anos é matéria nova que não pode ser conhecida neste recurso, por não ter sido alegado na petição inicial, nem submetido a julgamento. Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado – cf. Acórdão do STA de 13/11/2013, proferido no rec. nº 01460/13).


Por conseguinte, a alínea j) dos factos não provados também não merece qualquer censura.

8º Erro de facto.
Para além das conclusões alinhadas sob os n.º B1 a) e B1 b) já acima transcritas, o Recorrente defende que o tribunal «a quo» devia ter dado como provado o seguinte:
«1) De acordo com a fórmula da AT, aplicada aos elementos recolhidos pela administração, o número de clientes resultante da operação: n.º total de recibos – n.º de recibos repetidos tem como resultado o valor de 629 clientes (cf. p.i.s artigo 34º e informação da inspecção fls. 580 e ss).
2) Da Inventariação física e directa dos clientes e recibos emitidos constante das listagens elaboradas pela AT resulta um total geral de 549 clientes (394 no distrito de Coimbra e 155 fora do distrito de Coimbra) (cf. artigo 37.° das p.i. e doc. n.° 10 que reproduz analiticamente os anexos relevados pela inspecção).
3) De acordo com a fórmula utilizada inicialmente pela AT, foi determinado um factor de correcção de 4,5; apurado com base na fórmula Total de recibos menos recibos repetidos a dividir pelo n.° de recibos repetidos. (cf. artigo 34.° da p.i., relatório do fisco a fls. 269 e ss. e 575 e ss. relatório da peritagem fls. 394).
4) Da inventariação física directa efectuada nos escritórios dos SP por estes, constante do Doc. 9., resulta que o número total de clientes era 555 (cf. arts. 36° a 38.° das p.i.).
5) De acordo com o relatório de peritagem (cf. fls. 405): e1) O n.° de clientes de 1992 até 31/12/1995 é de 570; e2) Nesse período foram emitidos, em termos totais, 807 recibos (cf. fls. 405); e3) Desses 807 recibos, 244 referem-se a clientes aos quais apenas foi passado 1 recibo; e4) Existem 326 clientes aos quais foram passados 2 ou mais recibos; e5) Considerando os elementos constantes do relatório de peritagem até 31 de Dezembro de 1995, da relação entre o total de recibos emitidos (807), com o número de clientes que tiveram recibos repetidos (326), de acordo com a fórmula A+B (Total de recibos) - C (Recibos repetidos) / C (Recibos repetidos), resulta um rácio de 1,47 (cf. fls. 394 e 405).
6) Os casos detectados de total omissão de clientes corresponde a cerca de 15% dos clientes declarados pelos recorrentes (cf. p.i.s arts. 56.°, 50.° e 53.°, 2. parte, 71.°; e Relatórios da Inspecção fls. 269 e ss. e 575 e ss., em particular, Anexo VI).
m) O tribunal considerou erradamente a existência de 1569 recibos emitidos e correspondentes a 999 clientes (fls. 568) e de 381 recibos repetidos (fls. 573), quando devia ter considerado a existência de apenas 807 recibos emitidos a 570 clientes, com 326 recibos repetidos, pois estes foram os números apurados até 31. de Dezembro de 1995, ou seja no período a que respeitam as liquidações impugnadas».


A fórmula que os Recorrentes criticam no n.º 1), traduz o que os Impugnantes alegaram no artigo 35º da pi, dizendo que esta só é idónea cientificamente para revelar que em cada 4,56 clientes dos SP só um tinha, em 31/12/95, o seu processo definitivamente resolvido e nada mais.
E prosseguem os impugnantes nos artigos 36 e segs. da douta petição inicial alegando que os clientes são em número total de 555.

Porém, nos artigos 39º, 44º e 45º da pi já só são 549 (201 clientes com processos resolvidos e 348 que não tinham o processo resolvido), e é este também o número que referem no n.º 2 supra transcrito das conclusões.

Mas depois na alínea m) do n.º 6 defendem que o tribunal deveria ter «…considerado a existência de apenas 807 recibos emitidos a 570 clientes…».

Enfim, 555, 549, 570…As conclusões são tudo menos claras, contribuindo manifestamente para adensar uma complexidade que a matéria, só por si, já representa.

Mas os peritos concluíram, efectivamente, que eram 570 o n.º total de clientes (fls. 405).

Como também já referimos, a MMª juiz «a quo» fixou nas alíneas F) e G) dos factos provados que
F) Os 1569 recibos emitidos pelos impugnantes correspondem a 999 clientes – facto referido pelos Senhores Peritos a fls. 391
G) Daqueles 1569 recibos emitidos, apenas 618 se referem a clientes a quem foi passado apenas um recibo sendo que os restantes 951 correspondem a mais do que um recibo passados a 381 clientes – facto referidos pelos Senhores Peritos a fls. 394.

Porém, como vemos a fls. 404 e 405 dos autos (corresponde a fls. 14 e 15 do laudo pericial), este número de clientes (999) refere-se ao número de clientes verificados entre 1/10/1992 e 31/12/1996.

A alínea F) foi extraída do relatório pericial que a fls. 391 diz o seguinte: Os 1569 recibos emitidos correspondem a um total de 999 clientes, uma vez que existem clientes com 1 ou mais recibos (…)

Como salientam os Srs peritos na respectiva Nota Prévia: «Na organização do trabalho foram tidos em linha de conta os recibos que foram exibidos pelo impugnante após notificação, e que correspondem ao período entre 1/10/1992 e 31/12/1996, num total de 1569 recibos» (fls. 391)

Tomando em conta apenas os exercícios impugnados (1992, 1994 e 1995) excluindo portanto, 1996, o relatório pericial diz o seguinte a fls. 405: «No entanto se retirarmos os clientes com recibos emitidos durante o ano de 1996, o número de clientes até 31/12/1995 é de 570»

Ora, sabendo-se que no processo n.º 51/2001 está em causa IRS de 1992 e que no processo n.º 40/2001 estão impugnadas as liquidações de IRS de 1994 e 1995, não devemos contar com os clientes de 1996. Isso parece-nos pacífico.

No que respeita à alínea G) também esta se reporta ao período de 1/10/1996 a 31/12/1996.

Depois, é certo, a MMª juiz na alínea H) dos factos provados referiu que Até 31/12/1995 foram emitidos 592 recibos a clientes do distrito de Coimbra e 215 fora do distrito – facto referido pelos Senhores Peritos a fls. 395.
Ou seja, 807 recibos.
O que coincide com o número de recibos referidos no relatório pericial.

Posto isto, perguntamos: Afinal, com que número de clientes e recibos se deve trabalhar?

Sabendo-se que a MMª juiz «a quo» se baseou (essencialmente) no relatório pericial para decidir a matéria de facto provada e não provada, cremos que também nos devemos ater ao seu conteúdo.

Por esse motivo, vamos operar com 570 clientes, 807 recibos, 326 dos quais repetidos, por ser o número apurado pelos Srs peritos.

Assim, corrigimos as alíneas F) e G) dos factos provados que passam a ter o seguinte teor:

F) No período compreendido entre 5/10/1992 a 31/12/1995 os Impugnantes emitiram 807 recibos a 570 clientes.
G) Desses 807 recibos emitidos, 244 referem-se a clientes a quem foi passado um único recibo. Os restantes 563 correspondem a mais do que um recibo passado a 326 clientes, de acordo com o quadro seguinte (relatório pericial fls. 405):
clientes
Clientes com 1 recibo 244 Recibos
244
Clientes com 2 recibos 269 Recibos
189
Clientes com 3 recibos 210 Recibos
108
Clientes com 4 recibos 66 Recibos
25
Clientes com 5/6 recibos 18 Recibos
4
Total de Clientes (807 recibos)
570

E com estas correcções à matéria de facto, podemos desde já passar à verificação da alegada existência de erro de julgamento.

Com efeito, operando com a fórmula A+B-C/C (em que A+B corresponde ao total dos recibos passados e C ao número de clientes a quem se repetiram recibos) temos que:
A+B = 807 recibos; C=326.

O que daria o seguinte resultado (rácio):
807-326/326= 1.475

Ora tendo em conta que a AT na sua quantificação trabalhou com um rácio de 4,56, podemos efectivamente concluir que houve excesso na quantificação.

Não ignoramos que em sede de revisão da matéria tributável a quantificação foi alterada (reduzida), mas mesmo assim cremos ter excedido as quantidades de clientes e recibos apurados pelos Srs. Peritos.

Há manifesto excesso na quantificação por métodos indirectos, razão por que as liquidações devem ser anuladas, por força do disposto no art. 74º/3 LGT.

Para além do erro de julgamento da matéria de facto e de direito, os Impugnantes/Recorrentes imputam ainda à sentença nulidade por omissão de pronúncia (B2 n), excesso de pronúncia (B1 b) insuficiência de fundamentação (B1 d).

No entanto, tendo em conta a procedência do recurso e anulação das liquidações impugnadas, ao abrigo do disposto no art. 608º/2 «ex vi» do art. 663º/2 do CPC, consideramos prejudicada a apreciação de todas as restantes questões (anteriores artigos 660º/2 e 713º/2, respectivamente).

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação, anulando-se as liquidações impugnadas.
Sem custas.
Porto, 15 de Outubro de 2015.

Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira