Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00005/05.5BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rosário Pais
Descritores:IRS; AJUDAS DE CUSTO; DEDUÇÃO AO RENDIMENTO COLETÁVEL DA CATEGORIA B; ARTIGO 33.º-C, N.º 8, DO CIRS; FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:I – Nos termos do n.º 8 do artigo 33.º-C do CIRC (vigente no ano de 2001 e que, por força do DL n.º 198/2001, de 3/07, foi aditado ao artigo 33.º-B do CIRS), aplicável à situação dos autos, os valores que a Impugnante esposa declarou na sua contabilidade como ajudas de custo pagas ao Impugnante marido não são dedutíveis para efeito de determinação do seu rendimento da categoria B.

II - Só quando se afasta da declaração do contribuinte é que a AT está onerada com a demonstração dos factos que justificam a liquidação, inexistindo o referido ónus nos casos em que a AT não se afasta do que foi declarado pelo contribuinte - como sucedeu no caso vertente. Nestas situações, o dever de fundamentação da AT cinge-se à evidenciação do que foi declarado pelo contribuinte, das normas legais aplicáveis e dos cálculos e operações realizadas para o apuramento da coleta, como lhe é imposto pelo artigo 77.º, n.º 2, da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:F. e Outra
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. F. e mulher, M., devidamente identificado nos autos, vêm recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 3.07.2014, pela qual foi julgada improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2001 e respetivos juros compensatórios.

1.2. Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
“A) Como ressalta de toda a realidade subjacente aos autos e como emerge da documentação constante dos mesmos, os valores recebidos pelo impugnante marido e que foram tratados pela AT como ajudas de custo, mais não são do que reembolso de despesas efectuadas, nomeadamente no estrangeiro, onde o impugnante marido efectuou serviço de transportes internacionais, a coberto do nome e número de contribuinte da esposa, a qual se encontrava colectada e sob o qual gravitava a respectiva actividade.
B) Incorreu a Administração Fiscal na errónea qualificação do montante de 4.560.300$00 (€ 22.746,68), anuindo à tese de que tal verba não integra o conceito de ajudas de custo mas sim o de rendimento de trabalho dependente.
C) Não logrou a Administração Tributária fundamentar a correcção no tocante à verba em causa de ajudas de custo, pelo que não é permitido concluir que a mesma pretensamente abonada pela empresa tem efectivamente a natureza de ajudas de custo, mas que na verdade se trata de despesas da empresa, pelo que essa correcção não pode sustentar-se em meras designações para efeitos de contabilidade.
D) Não há qualquer vínculo jurídico-laboral entre o impugnante marido e a esposa. Não há sequer remuneração ou qualquer contrapartida pelo trabalho do cônjuge marido, logo, também não há ajudas de custo. O que há, referimos de novo, são despesas suportadas pela empresa e que têm por finalidade a formação dos proveitos e que são anuladas por esses mesmos proveitos debitados ao cliente. Nada têm a ver com a compensação de despesas do trabalhador.
E) É à AT, na medida em que se afasta da declaração apresentada pelos impugnantes, que recai o ónus de demonstrar a verificação dos requisitos que lhe permitem alterar o rendimento colectável declarado, ou seja, demonstrar que os montantes são verdadeiras ajudas de custo e não custos normais, conforme refere o artigo 23º do CIRC, aplicável por remissão do artigo 32º do CIRS.
F) Com efeito, cabendo à AT o ónus de provar a existência dos pressupostos vinculativos da sua actuação, isto é, o encargo de provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, compete-lhe demonstrar a existencial e conteúdo do facto tributário, ou seja e no que ao caso interessa, provar que o valor em causa não traduziu um reembolso por despesas que o impugnante teve de suportar nos serviços efectuados nas viagens a Espanha, devendo, em caso de dúvida, ser julgado pelo Tribunal contra a AT, por força do estipulado no artigo 100º, nº 1 do CPPT, onde se preceitua que "Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado".
G) Sendo inequívoca a exigência de fundamentar a decisão que corrige o rendimento colectável ou matéria tributável declarado pelo contribuinte (artigo 268º, nº3 da CRP, artigos 19º e 21º do CPT — aplicável, à data, artigo 4º do Decreto lei nº 433/99, de 26/10, artigo 124º do CPA), essa exigência satisfaz-se com a externação dos motivos que levaram a AT a considerar que os montantes declarados pelos impugnantes não são verdadeiros. No caso vertente, o acto não está fundamentado.
H) A sentença recorrida viola as normas dos artigos 33º-C e 66º do CIRS, artigo 100º do CPPT, artigo 124º do CPA e artigo 268º da CRP
Nestes termos e mais de direito, pelos fundamentos expostos, DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA e substituída em conformidade com os termos e COM os fundamentos acima enunciados, com as legais consequências.
E assim, V. Exas. farão
JUSTIÇA

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal, que emitiu o douto parecer de fls. 178 a 182 do suporte físico dos autos, concluindo que o recurso não merece provimento, porquanto:
«(…)
ERRO DE JULGAMENTO NA QUALIFICAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO
(…) atenta a matéria fáctica dada como provada, constata-se que a Autoridade Tributária, baseando na contabilidade dos impugnantes, ora Recorrentes que foi considerada como verdadeira, não veio alterar a qualificação das despesas e rendimento por eles efectuada,
Ou seja, não veio pôr em causa que as ajudas de custo declaradas o não eram efectivamente, nem veio dizer que os valores declarados constituíam rendimento de trabalho, por não terem natureza compensatória.
Apenas se limitou a indicar a norma legal que prevê a não aceitação da dedução dos valores das ajudas de custo contabilizadas, no caso o artigo 33º, do CIRS.
Assim sendo, a haver erro contabilístico nas despesas, cabia aos Impugnantes, ora Recorrentes, o ónus de demonstrar que os montantes contabilizados como ajudas de custo não o eram efectivamente, o que, não aconteceu.
Destarte, nesta sede e em nosso modesto parecer, a douta sentença recorridas não merece reparo, quanto a esta parte.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
(…)
Ora, no caso sub judice, o relatório da inspecção tributária revelou, de forma clara e elucidativa, os fundamentos de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a efectuar as correcções impugnadas, podendo os Impugnantes ora Recorrentes, optar, conscientemente, entre aceitar o acto ou impugná-lo
Assim, não nos merece censura a argumentação aduzida pelo tribunal a quo para decidir, como de facto decidiu, (…).».

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma dos erros de julgamento que lhe vêm apontados, quer no que respeita à qualificação do custo em causa, quer quanto à fundamentação da liquidação impugnada.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
“De acordo com as várias soluções de direito plausíveis para a presente decisão, são os seguintes os
3.1 Factos considerados Provados
1. A ora Impugnante, M., nos anos de 2000 e 2001, exerceu em nome individual a actividade de transporte rodoviário de mercadorias, a que corresponde o CAE 60240 (fls. 8 do PA em apenso);
2. Os Impugnantes, no ano de 2001, registaram na contabilidade e declararam à AT que o Impugnante marido prestou serviços de motorista, no âmbito dessa actividade, como trabalhador dependente (fls. 12, 58 e 59 do PA);
3. O Impugnante marido trabalhou efectivamente como motorista para a Impugnante mulher no âmbito da sua actividade de transporte rodoviário de mercadorias (art. 5º da p.i. conjugado com a Declaração Modelo 3 de fls. 53 do PA e com o Anexo J da Declaração Anual, de fls. 56 e ss. do PA);
4. Da contabilidade da actividade da Impugnante consta o pagamento ao Impugnante marido, no ano de 2001, do valor de 4.560.300$00 a título de ajudas de custo, bem como de 1.256.048$00 a título de salário (fls. 59 do PA em apenso);
5. Em 31-10-2003, na sequência do exame à escrita da Impugnante pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Coimbra, após notificação do projecto de relatório e audição do contribuinte, os quais aqui se dão por reproduzidos, foi elaborado relatório, sancionado superiormente, que aqui se dá por reproduzido, e que, quanto às correcções impugnadas, tem o seguinte teor: III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
(...)
2. – IRS
2.2. – Ano 2001
A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro – Reforma Fiscal, com entrada em vigor em 01 de Janeiro de 2001, veio alterar, revogar e aditar artigos do CIRS, os quais vieram a adoptar medidas novas na tributação do rendimento.
Esta Lei aditou um novo artigo, o artº 33º-C do CIRS, que na sua alínea d) do n.º 1 (actual artº 33º nº 8) determina que as remunerações dos titulares da Cat. B (anterior C), bem como as atribuídas a membros do seu agregado familiar que lhes prestem serviço, assim como outras prestações a título de ajudas de custo, subsídios de refeição não são dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento mesmo quando contabilizadas como custo.
Refere o actual artº 32º do CIRS (que correspondia ao artº 33º-B pelas alterações efectuadas pela Lei 30-G/2000 e anterior artº 31º) que “a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos não abrangidos pelo regime simplificado seguir-se-ão as regras estabelecidas no Código do IRC para a determinação do lucro tributável, com as adaptações do presente Código” (sic), ou seja, com as adaptações resultantes do CIRS, portanto devendo aplicar-se a estes rendimentos em primeiro lugar o que determina o CIRS.
Assim, as remunerações do titular dos rendimentos, do membro do agregado familiar que lhe prestou serviços (marido) as prestações a título de ajudas de custo e de subsídio de refeição não são dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento da Cat. B.
(Valores em Euros)
Rubricas Valores em Escudos Valores em Euros
1. – Remunerações do titular dos rendimentos 804.000$00 4.010,34
2. – Remunerações do marido 1.256.048$00 6.265,14
3. – Subsídio de refeição:
- marido 234.790$00 1.171,13
4. – Ajudas de custo 4.560.300$00 22.746,68
5. - Total 6.855.138$00 34.193,29
(...)
IX. Direito de Audição
(...)
2. – Procedendo à análise do descrito no Direito de Audição exercido pelo sujeito passivo, verifica-se que inicia a sua exposição com o conceito, em termos jurídicos, de “ajudas de custo”, rematando que o quantitativo considerado não é excessivo e que aquelas não têm natureza remuneratória, mas reembolso de despesas efectivamente pagas pela empresa. Ora, o que se encontra em causa, para efeitos de correcções, é o enquadramento legal fiscal, e não os montantes em si atribuídos, ou a sua natureza ou não de carácter remuneratório.
(...)
4. – Ano de 2001
O artº 33º nº 8 do CIRS refere taxativamente, as remunerações dos titulares de rendimentos da Categoria B (empresário), dos membros do seu agregado familiar que lhes prestem serviço (neste caso o cônjuge), prestações a título de ajudas de custo e subsídios de refeição.
Este n.º 8 refere rendimentos de natureza remuneratória assim como outras prestações. Estas correcções decorrem da aplicação literal do referido artigo do CIRS.
(...)” (fls. 6 a 51 do PA em apenso);
6. Na sequência do relatório a que se refere o ponto anterior, foi emitido o acto tributário aqui impugnado, o qual consiste na liquidação adicional de IRS, respeitante ao ano de 2001, no montante de € 11.403,87, cuja data limite do pagamento voluntário foi fixada em 27-09-2004 (fls. 27 dos autos);
7. Em 03-01-2005 foi deduzida a presente impugnação judicial (cfr. fls. 1 e 2 dos autos).
3.2. Factos não Provados
A. Os montantes escriturados a título de ajudas de custo na contabilidade referiam-se a valores suportados pela empresa e comprovados com documentos de despesa debitados ao cliente – artigo 10º da p.i. (quanto a esta situação, apesar de alegada, nenhuma prova foi feita, nem documental – prova determinante –, nem mesmo testemunhal).
Não há outros factos não provados com interesse para a decisão da causa.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos, não impugnados, e do Processo Administrativo em apenso, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto do probatório.”

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Erro de julgamento quanto à qualificação das despesas
Sustentam os Recorrentes, em resumida síntese, que: “os valores recebidos pelo impugnante marido e que foram tratados pela AT como ajudas de custo, mais não são do que o reembolso de despesas efectuadas”; a AT errou na qualificação do montante de 4.560.300$00 anuindo à tese de que se trata de rendimento de trabalho dependente; não há qualquer vínculo laboral entre o impugnante marido e a esposa, nem sequer remuneração ou qualquer contrapartida pelo seu trabalho, o que há são despesas suportadas pela empresa e que têm por finalidade a obtenção de proveitos.
Vejamos o que, sobre esta questão, ficou decidido em 1.ª instância:
«(…)
Defendem os Impugnantes que as ajudas de custo não aceites como custo não são remuneração do impugnante marido, mas compensação das despesas que o mesmo teve que suportar no estrangeiro; que, se a AF tivesse analisado documentos, datas, valores e onde os mesmos se fundamentaram, reconheceria que não se trata de ajudas de custo, já que não há qualquer vínculo jurídico-laboral entre o impugnante marido e a esposa, não havendo sequer remuneração ou qualquer contrapartida pelo trabalho, logo, também não há ajudas de custo; que as quantias em causa são despesas suportadas pela empresa e que têm por finalidade a formação dos proveitos e que são “anuladas” por esses mesmos proveitos debitados ao cliente, nada tendo que ver com compensação de despesas do “trabalhador”; que a AF não apontou, como lhe competia, elementos factuais demonstrativos de que as verbas contabilizadas a título de ajudas de custo não reuniam as características essenciais destas, não podendo, por isso, manter-se a liquidação de IRS; que a verba em causa só poderia ser tributada em sede de IRS se a AF tivesse demonstrado os pressupostos básicos que autorizavam essa tributação, nomeadamente, que ela constitui um rendimento do trabalho sem fim compensatório, ou seja, que tendo-se a AF afastado da declaração dos Impugnantes, recaía sobre ela o ónus de demonstrar que os montantes são verdadeiras ajudas de custo e não custos normais, e, havendo dúvida, nos termos do art. 100.º, a liquidação deveria ser anulada.
Por seu turno, a RFP veio defender que, sendo o Impugnante marido trabalhador da empresa, como ele próprio reconhece no art. 5º da p.i., a AT apenas deu cumprimento ao determinado no art. 33.º do CIRS e que a AT se baseou na contabilidade dos Impugnantes, que foi valorada como sendo verdadeira, e, por isso, os valores relativos a ajudas de custo estão sujeitos a IRS nos termos do art. 33.º do CIRS.
Vejamos, então.
Analisados os fundamentos da impugnação e os da correcção, constantes do relatório de inspecção (cfr. ponto 5. do probatório), verifica-se que os Impugnantes laboram em erro quanto aos mesmos.
Na verdade, a correcção que foi feita à matéria tributável da categoria B da Impugnante baseou-se apenas na aplicação de uma norma legal – art. 33.º do CIRS – aos valores e tipos de despesas constantes da contabilidade da Impugnante. A AT não veio pôr em causa que as ajudas de custo declaradas não o eram efectivamente, nem veio dizer que os valores assim declarados constituíam rendimento do trabalho por não terem natureza compensatória. Ou seja, a AT não alterou a qualificação das despesas e rendimentos feita pelos Impugnantes na contabilidade, tendo apenas aplicado a lei aos valores contabilizados.
E, assim sendo, e tendo a AF aceite a qualificação dos montantes em causa feita pelos Impugnantes, ao contrário do que referem, não competia àquela vir demonstrar que as ajudas de custo assim declaradas não o eram efectivamente, competindo, ao invés, aos Impugnantes, se vêm afirmar, como acontece na presente p.i., que os valores registados na contabilidade e declarados não tinham a natureza de ajudas de custo, mas que serviram para pagar despesas suportadas pela empresa no estrangeiro em documentos legais e debitadas ao cliente, e não despesas suportadas pelo Impugnante enquanto trabalhador (artigo 10º da p.i.), demonstrar o que alegam.
Ora, resulta do probatório (ponto A. dos factos não provados) que nenhuma prova foi feita sobre esta situação alegada, pelo que, competindo-lhes demonstrar ter havido erro no registo contabilístico das despesas, a falta de prova tem que ser valorada contra os Impugnantes.
Como se viu, a AF baseou a sua correcção no art. 33.º n.º 8 do CIRS (o referido n.º foi aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29-12, sendo o art. 33.º-C, o qual passou a 33.º pela revisão efectuada pelo DL n.º 198/2001, de 03-07).
Dispõe tal norma que As remunerações dos titulares de rendimentos desta categoria, bem como as atribuídas a membros do seu agregado familiar que lhes prestem serviço, assim como outras prestações a título de ajudas de custo, utilização de viatura própria ao serviço da actividade, subsídios de refeição e outras prestações de natureza remuneratória, não são dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento da categoria B.”
Ora, resultando do probatório (pontos 2. e 3.) que o Impugnante marido tinha trabalhado como motorista no âmbito da actividade empresarial desenvolvida pela sua mulher, e resultando, também, do probatório (ponto 4.) que estava registado na contabilidade o pagamento de ajudas de custo ao Impugnante, a norma acima transcrita aplica-se na sua plenitude, não sendo o valor das ajudas de custo dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento da categoria B, sendo a correcção, consequentemente, devida.
E, por isso, não tendo a AF baseado a sua correcção no facto das quantias escrituradas não reunirem as características das ajudas de custo, não tinha, do mesmo passo, que “apontar os elementos factuais demonstrativos” de que tais verbas não reuniam essas características.
Por outro lado, como se disse já, tendo a AF baseado a tributação na contabilidade da Impugnante, que aceitou como boa, recaía sobre ela o ónus de demonstrar que os montantes contabilizados como ajudas de custo não o eram verdadeiramente, ou seja, que a sua contabilidade estava errada – o que, já se viu, não aconteceu.
A AF para alterar a declaração dos Impugnantes, e para demonstrar os pressupostos legais dessa actuação, só tinha de fazer o que fez, ou seja, indicar a norma legal que previa a não aceitação da dedução dos valores das ajudas de custo contabilizadas ao rendimento da categoria B.
Tudo isto vale por dizer que a correcção ao rendimento da categoria B foi devida e legal, não tendo sido levantada qualquer dúvida fundada sobre a mesma.».
Tendo em conta que os Recorrentes não apontam qualquer erro ao julgamento de facto realizado pelo Tribunal a quo, tem-se por definitivamente fixada a factualidade provada nestes autos. Daqui decorre que não pode considerar-se a alegação dos Recorrentes quanto à inexistência de relação laboral entre marido e mulher e à alegada alteração da qualificação do dito valor por parte da AT.
Como bem se salienta no transcrito excerto da sentença recorrida, foi a própria impugnante mulher quem inscreveu na sua contabilidade que o valor em causa de 4.560.300$00 (€22.746,68) respeitava a ajudas de custo pagas ao Impugnante marido, qualificação esta que a AT aceitou, limitando-se a aplicar à factualidade declarada pelos Recorrentes (na sua contabilidade) as normas legais em vigor.
Para além disto, não sofre discussão que o n.º 8 do artigo 33.º-C do CIRC (vigente no ano de 2001 e que, por força do DL n.º 198/2001, de 3/07, foi aditado ao artigo 33.º-B do CIRS) é aplicável à situação dos autos e estatuía que «As remunerações dos titulares de rendimentos desta categoria, bem como as atribuídas a membros do seu agregado familiar que lhes prestem serviço, assim como outras prestações a título de ajudas de custo, utilização de viatura própria ao serviço da actividade, subsídios de refeição e outras prestações de natureza remuneratória, não são dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento da categoria B.».
Assim sendo e por força deste normativo, os valores que a Impugnante esposa declarou na sua contabilidade como ajudas de custo pagas ao Impugnante marido não são dedutíveis para efeito de determinação do seu rendimento da categoria B.
Bem andaram, pois, quer a AT, quer o Tribunal a quo, que confirmou a atuação desta, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida, nesta parte.

3.2.2. Erro de julgamento quanto ao vício de forma por falta de fundamentação
No presente recurso, os Recorrentes persistem na alegação de que a AT não logrou “fundamentar a correcção no tocante à verba em causa de ajudas de custo, pelo que não é permitido concluir que a mesma pretensamente abonada pela empresa tem efetivamente a natureza de ajudas de custo, (…) pelo que essa correcção não pode sustentar-se em meras designações para efeitos de contabilidade”.
No que a esta questão respeita, o Tribunal a quo entendeu o seguinte:
«(…)
A jurisprudência tem vindo a afirmar que a fundamentação do acto tributário tem de externar-se mediante um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para permitir ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do impugnante, conhecer as razões de facto e de direito que levaram a AT a praticá-lo (as razões por que decidiu no sentido adoptado e não em qualquer outro), permitindo-lhe optar esclarecidamente entre conformar-se com tal acto ou atacá-lo graciosa ou contenciosamente.
No que respeita ao requisito da suficiência, vem-se entendendo que «A fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão» DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2.a edição, nota 6 ao art. 77.º, pág. 328.
Este requisito, tendo em conta a finalidade do dever de fundamentação, deve ter-se por preenchido quando a fundamentação externada é bastante para permitir ao contribuinte a referida opção consciente entre o aceitar ou impugnar o acto. Assim, com vista a indagar se a fundamentação de um acto é suficiente interessa indagar, em concreto, se o acto, tal como foi praticado, torna impossível ou particularmente difícil ao interessado saber as suas razões, de facto e de direito, por forma a poder decidir, plenamente consciente, entre aceitar o acto ou impugná-lo.
Ora, como se verifica pela transcrição da parte do relatório de inspecção referente à correcção impugnada (ponto 5. do probatório), a AF foi clara ao identificar a situação de facto – a existência de ajudas de custo pagas ao marido da titular do rendimento da categoria B do IRS – bem como da norma legal aplicável – o n.º 8 do art. 33.º do CIRS. Ora, na posse destes dados, pelos quais a AF revelou, de forma cristalina, os fundamentos de facto e de direito que a levaram a efectuar a correcção, os Impugnantes puderam decidir, conscientemente, entre aceitar o acto ou impugná-lo, tendo optado por esta última situação.
E, portanto, não existindo qualquer falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação, a correcção é devida.
Tudo isto vale por dizer que, não sofrendo a liquidação impugnada de qualquer ilegalidade, formal ou substancial, tem a mesma que se manter, devendo, em consequência, improceder a impugnação na totalidade.».
A este julgamento da 1.ª instância é pertinente acrescentar que, no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da atuação dos contribuintes com a lei, a AT atua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a proceder à liquidação. E, como vem sendo unanimemente aceite, o dever de fundamentação que impende sobre a AT cumpre-se quando esta dá a conhecer os pressupostos legais da sua atuação, as razões em que se suportou para atuar da forma que atuou.
Tendo presente a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade e nos respetivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita, acolhido no artigo 75.° da LGT, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que permita afastar tal presunção, quando isso seja pressuposto do direito a que se arrogue de liquidação de um qualquer tributo.
Assim, só quando se afasta da declaração do contribuinte é que a AT está onerada com a demonstração dos factos que justificam a liquidação, inexistindo o referido ónus nos casos em que a AT não se afasta do que foi declarado pelo contribuinte - como sucedeu no caso vertente. Nestas situações, o dever de fundamentação da AT cinge-se à evidenciação do que foi declarado pelo contribuinte, das normas legais aplicáveis e dos cálculos e operações realizadas para o apuramento da coleta, como lhe é imposto pelo artigo 77.º, n.º 2, da LGT.
No caso concreto, resulta da análise do RIT que a AT fundamentou adequadamente a liquidação em crise, demonstrando o que lhe competia. Se os Impugnantes/Recorrentes entendem que os valores por si declarados como ajudas de custo tinham outra natureza, distinta, portanto, da que eles mesmos lhe deram através dos registos contabilísticos que efetuaram e da atinente declaração de rendimentos, cabia a eles fazer a prova dessa realidade, como decorre da regra geral em matéria de ónus probatório (artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º, n.º 1, do CC) segundo a qual àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Isto posto, também nesta parte não assiste razão aos Recorrentes, nem a sentença recorrida merece qualquer reparo, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
*
Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
*
Porto, 28 de janeiro de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta