Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00043/08.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:IRC; GRANDES REPARAÇÕES; ALÍNEA A) DO N.º 5 DO ARTIGO 5.º DO DECRETO REGULAMENTAR N.º 2/90.
Sumário:I. O acto que determina a correcção de IRC tem necessariamente de conter a respetiva fundamentação substancial, ou seja, os seus pressupostos reais e corretos, sob pena de ficar vedada a sua apreciação contenciosa.

II. O critério legal, para efeitos de reintegração e amortização, de qualificação de determinada obra realizada em bens do activo imobilizado corpóreo como “grande reparação ou beneficiação” é o do aumento do valor real ou da duração provável dos elementos a que respeitem (cfr. alínea a) do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro; alínea a) do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2010);

III. Assim, terá de ser por referência ao aumento do valor real do bem ou da sua duração provável que, em caso de controvérsia entre a Administração e o contribuinte quanto à qualificação da despesa, terá de ser explicitada a razão pela qual se entende que as concretas despesas realizadas aumentaram o valor real dos bens que delas foram objecto ou aumentaram a duração provável dos mesmos.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:E., EM
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

A Fazenda Pública, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente ao exercício de 2003 e respectivos juros compensatórios, deduzida por “E., E.M.”.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2003, na parte influenciada pela correcção respeitante a obras de reparação.
B. Na douta sentença, o Tribunal a quo apreciou unicamente o vício de falta de fundamentação, decidindo pela procedência do vício e, consequentemente, pela procedência parcial da presente impugnação, ficando prejudicado o conhecimento do fundamento da violação do principio da verdade material bem como, o fundamento do erro na quantificação da matéria tributável, por este respeitar apenas às correcções respeitantes às obras realizadas, nos termos do art.º 608 do CPC, ex vi art.º 2º alínea e) do CPPT.
C. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de procedência parcial da decisão nos seguintes termos: “…. como se constata da fundamentação formulada, os SIT limitaram-se a fazer o enquadramento legal das despesas contabilizadas com as obras de reparação, qualificando-as como grandes reparações. Com efeito, da sobredita fundamentação não decorre qualquer factualidade que permita aferir e classificar as obras efectuadas. Os SIT não esclareceram em que medida as obras realizadas tinham de ser classificadas como grandes reparações, não se depreendendo tal com a mera referência de que as mesmas protegem e reforçam o edifício”.
D. Acrescentou ainda que “assim, impunha-se que partindo de factualidade concretizada, como fosse a descrição das obras em questão, os SIT externassem as razões pelas quais as obras realizadas pela Impugnante teriam de ter sido consideradas como grandes reparações, de forma a ser perceptível a sua actuação“.
E. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a FP conformar-se com o doutamente decidido, incorrendo a douta sentença em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, consubstanciado na errónea valoração da prova produzida e em errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 77.º da LGT, 268.º da CRP e 152.º e 153.º, ambos do CPA.
F. Ao contrário do alegado pela Impugnante, a FP entende que não ocorre a invocada falta de fundamentação, pois da argumentação expendida em sede de direito de audição, na petição inicial, no requerimento da Prova Pericial, resulta que a Impugnante conheceu o itinerário cognoscitivo e valorativo do acto.
G. Ora, como é sabido, o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos é princípio constitucional com assento no art. 268º da CRP e, encontra-se concretizado pelo legislador ordinário no art. 77º da LGT.
H. Por força do nº 1 do art. 77º da LGT, a fundamentação deve consistir numa exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito legal que a fundamentação dos atos tributários de liquidação pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável e do tributo.
I. Pelo que, a fundamentação há-de ser expressa, através de uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; claras, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e, congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
J. Sendo que, a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de modo a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos.
K. Por sua vez o art.º 153.º, n.º 2 do Código do CPA, acrescenta que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
L. No plano jurisprudencial, o STA tem vindo a entender que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa.
M. Sendo atingido tal objectivo, qualquer irregularidade ou omissão deverá considerar-se sanada, aferindo-se tal efeito face ao acto efectivamente praticado, perante o qual terá que ser cotejada a sua adequação.
N. No caso concreto, verifica-se que o relatório fundamentador do acto tributário em dissídio descreve as situações que suscitaram as correcções ora impugnadas, identificando de forma clara, quais os custos suportados com as empreitadas de reabilitação das coberturas do Empreendimento da quinta do Melão (Edifício 1 e 2), através de um quadro, descriminando as facturas que estão subjacentes aos referidos custos, e classificando as referidas empreitadas como grandes reparações, por força do estipulado na alínea a) do nº 5 do art.º 5º do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/01.
O. Ainda que no relatório de inspecção não tenham sido descritas as obras realizadas, do confronto das facturas (ponto 4 a 11 do probatório) ali enunciadas e os autos de obras anexos às mesmas-objecto de análise por parte dos SIT, verifica-se que aquelas se encontram identificadas, pois estes descrevem-nas de forma pormenorizada, tanto mais que os mesmos se encontram na contabilidade da impugnante, tendo sido juntos à PI, onde revela conhecimento das obras de reparação que estavam subjacentes às correcções efectuadas.
P. Embora, a sua fundamentação, não seja particularmente exuberante, a leitura do relatório de inspecção, subjacente à liquidação ora em crise, permitiu à impugnante o conhecimento integral do itinerário cognoscitivo percorrido pela AT, de tal forma que a mesma percebeu e contra isso se insurgiu nos presentes autos, exercendo o contraditório, juntando cópias das referidas facturas e autos de obra anexos e requerendo prova pericial às referidas obras, não ficando, pois, prejudicada a sua defesa.
Q. Resulta da douta sentença em análise, que a impugnante alega ainda o erro na quantificação da matéria tributável.
R. Ora, se a impugnante aponta que o acto está inquinado por erro na quantificação da matéria tributável, tal significa que teve condições para apreender o sentido e o alcance do acto tributário, pois, não é possível atacar um acto com base em erro na quantificação da matéria tributável, quando não se compreendeu o teor e alcance do mesmo
S. Ademais, em sede do procedimento inspectivo, a Impugnante veio alegar, no exercício do direito de audição, que a AT incorreu em manifesto equivoco, quando considerou que as obras realizadas, não se enquadram no conceito de “grande reparação”, mas sim de mera reparação, demonstrando, inequivocamente, que a fundamentação externada pela AT, permitiu entender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão em causa.
T. E, não só não impediu a defesa por impugnação, como, mais do que isso, conduziu à exacta e concisa defesa administrativa e judicial, por parte da impugnante, contra o motivo fundamentador dos actos de liquidação, tentando comprovar que as referidas obras em causa não integram o conceito de “grandes reparações”, nomeadamente através da junção de documentos, que revelam as circunstâncias que determinaram a realização das obras em causa e as características das mesmas, manifestando mais uma vez, que percepcionou o itinerário cognoscitivo percorrido pela AT.
U. No douto acórdão de 11.12.1996, processo nº 20141, observou o STA que “no caso de o contribuinte entender perfeitamente as razões que levaram a AT a praticar certo acto, ainda que esse acto não cumprisse todas as regras quanto à sua fundamentação, essa falta de fundamentação não deveria conduzir à anulação”.
V. Não se compreende, pois, como o Tribunal a quo entendeu que do relatório final resultam meras afirmações conclusivas não suportadas na factualidade que lhes subjaz, de forma a percepcionar-se porque os SIT decidiram fazer aquele enquadramento legal e não qualquer outro e que as sobreditas correcções não se encontram devidamente fundamentadas, na medida em que a AT não logrou externar a factualidade inerente a tal enquadramento legal.
W. Pelos motivos aduzidos, entende a FP que o relatório fundamentador da liquidação adicional de IRC ora impugnada não sofre do invocado vício de falta de fundamentação, pois permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, dando a conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de modo a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos, motivo pelo qual deve o presente recurso proceder, devendo baixar os autos à primeira instância para apreciação das questões factuais que vêm impugnadas nos autos.
X. Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta sentença e baixar o processo ao Tribunal a quo para apreciação dos demais vícios, porquanto, a douta sentença de que ora se recorre encontra-se ferida de erro de julgamento, quer quanto à valoração dos factos em que se baseou para decidir da forma como decidiu, quer quanto ao enquadramento jurídico que resultou da subsunção dos factos às correspondentes normas legais, em violação do disposto nos art.º 268º da CRP, 77º da LGT e art.º152º e 153º do CPA.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e ordenada a baixa do processo ao Tribunal de primeira instância para apreciação dos demais vícios.

A Recorrida, apresentou contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:

1. De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a procedência parcial da impugnação que determinou a anulação parcial da liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios ancora no facto de que “no relatório resultam meras afirmações conclusivas, não suportadas na factualidade que lhes subjaz de forma a percepcionar-se porque os SIT decidiram aquele enquadramento legal e não qualquer outro” padecendo, por isso, as liquidações num vicio de fundamentação.
2. Pretexta a Fazenda Pública que não se conforma com a douta decisão julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial, por considerar que “Embora a fundamentação, não seja particularmente exuberante, a leitura do relatório de inspecção, fundamentador da liquidação ora em crise, permitiu à impugnante o conhecimento integral do itinerário cognoscitivo percorrido pela AT, de tal forma que a impugnante percebeu e contra isso se insurgiu nos presentes autos, exercendo o contraditório, juntando cópias das referidas facturas e autos de obra anexos e requerendo prova pericial às referidas obras, não ficando, pois, prejudicada a sua defesa (...)”.
3. Concretizando, a Fazenda Pública discorda com a sentença quando é defendido que “(...)como se constata da fundamentação formulada os SIT limitaram-se a fazer o enquadramento legal das despesas contabilizadas com as obras de reparação qualificando-as como grandes reparações..”
4. Pelo que, no entendimento da FP, a sentença ora recorrida está “ferida de erro de julgamento, quer quanto à valoração dos factos em que se baseou para decidir da forma como decidiu, quer quanto ao enquadramento jurídico que resultou da subsunção dos factos às correspondentes normas legais, em violação do disposto nos art.° 268° da CRP, 77° da LGT e art.°152° e 153° do CPA.”
5. Em face do que conclui a Fazenda Pública, a primeira questão que se coloca é precisamente saber se a sentença a quo enferma de erro no julgamento da matéria de facto, na medida em que aquela nas suas conclusões refere que, em relação aos factos provados e não provados, de acordo com a prova produzida e constante dos autos deveriam ter sido outras as conclusões retiradas pelo tribunal a quo.
NESTE ENQUADRAMENTO
6. O erro de julgamento de facto ocorre, assim, quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida.
7. Nestes termos, constitui ónus da recorrente, sob pena de rejeição, como sanciona o número 1 do artigo 640° do Código de Processo Civil em protecção da excepcionalidade da sindicância em sede de recurso dos elementos factuais, indicar com exactidão e clareza o que é que, de concreto impugna quanto à matéria factual seleccionada.
8. Contudo, perante as Alegações do Ilustre Representante da Fazenda Pública constata-se que não foi considerado.
9. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
10. Ora, em face quanto vem de se expender, atendendo a que a Fazenda Pública não especifica criticamente os concretos meios probatórios constantes dos autos que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto n.° 1 do artigo 640°do CPC.
11. O que determina tout court a rejeição imediata do recurso quanto à matéria de facto, e consequente não conhecimento do mesmo quanto à mesma.
NÃO OBSTANTE
12. A Fazenda Pública, ora Recorrente, insurge-se contra a sentença recorrida, na medida em que entende que o acto tributário sindicado apresenta a fundamentação legalmente exigida.
13. Ora, de acordo com as conclusões da alegação de recurso da Fazenda Pública, se a sentença tivesse apreciado correctamente a matéria de facto – concretamente, os anexos ao relatório de inspecção a que o probatório faz expressa referência e cujo teor deu por reproduzido – outra teria sido a conclusão jurídica extraída pelo Tribunal a quo.
14. “Tal como interpretamos a discordância da Recorrente, neste concreto ponto, daquilo que se trata é de uma divergência com as ilações de facto retiradas pelo julgador da factualidade apurada (em concreto, repete-se, no que respeita ao conteúdo dos anexos ao relatório inspectivo cujo teor foi dado por reproduzido pelo Tribunal a quo)” (cfr- Acórdão proferido pelo TCAS em 5/02/2015 no âmbito do processo n.º 07442/14).
15. A Fazenda Pública nas suas conclusões vem defender de forma sofrível que “Ainda que no relatório de inspecção não tenham sido descritas as obras realizadas, do confronto das facturas (ponto 4 a 11 do probatório) ali enunciadas e os autos de obras anexos às mesmas objecto de análise por parte do SIT, verifica-se que aquelas se encontram identificadas, pois estes descrevem-nas de forma pormenorizada, tanto mais que os mesmos se encontram na contabilidade da impugnante, tendo sido juntos à PI, onde revela conhecimento das obras de reaparição que estavam subjacentes às correcções efectuadas.”
16. Trata-se da constatação de um ponto de partida da análise inspectiva que, naturalmente, nada diz sobre a natureza das reparações efectuadas nem tão-pouco sobre o respectivo enquadramento legal de forma a enquadrá-las e qualifica-las como grandes reparações.
17. Neste ponto, e como refere a sentença “da sobredita fundamentação não decorre qualquer factualidade que permita aferir e classificar as obras efectuadas.”
18. Esta constatação do tribunal a quo é no entender da ora Alegante evidente, pois que o relatório inspectivo não demonstra, nem esclarece a razão pela qual os SIT entenderam que as obras realizadas foram “grandes reparações” para, a partir daí, demonstrar o acerto de uma ou outra qualificação jurídico-tributária.
19. Ora, atendendo à sentença recorrida apenas se poderá concluir que a fundamentação do acto tributário impugnado é notoriamente insuficiente quanto às pseudo “grandes reparações”, tendo em conta as exigências legais a observar quanto a este dever.
20. Efectivamente, lido o relatório de inspecção (anexos incluídos, naturalmente), sempre seria de concluir – como aliás o Tribunal a quo concluiu e bem – que os SIT in casu não cumpriram o ónus que sobre si impendia.
21. Assim, e como tem sido entendimento dos tribunais superiores “Faltou à AT concretizar as razões que a permitiram concluir num certo sentido, isto é, explicitar o caminho percorrido para chegar às conclusões constantes do relatório. Tratou-se, afinal, de um discurso conclusivo que não permite dar a conhecer a um contribuinte médio e com uma capacidade normal de entendimento a totalidade das razões que justificam um determinado acto com um certo conteúdo decisório” (ibidem).
22. Tem sido também jurisprudência unânime aquela que tem entendido que “É certo que, em muitos casos, a garantia de fundamentação fica cumprida ainda que seja efectuada de forma sumária, através de uma declaração de concordância com anteriores informações, pareceres ou propostas. Contudo, e em matéria tributária, tal dever de fundamentação (embora nem sempre com o mesmo grau de exigência) deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto. (…)
Efectivamente, a fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara (as razões de facto e de direito não podem ser confusas ou ambíguas, sob pena de não se dar a conhecer o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo), congruente (o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados) suficiente (por forma a tornar claros os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto) e tem que ser expressa (sob pena de pôr em causa a funcionalidade e objectivos do próprio instituto)” (cfr. Acórdãos de 12/03/13, processo n° 01674/13, do STA e o acórdão do TCAS de 26/06/14, processo n° 5778/12.
23. A este propósito salienta-se ainda que é a própria Recorrente que nas conclusões da alegação de recurso reconhece de forma quase paternalista que “(...) a sua fundamentação não seja particularmente exuberante...”.
24. Em suma o que está em causa não é propriamente o facto da fundamentação não ser exuberante (fundamentação modelo), pois isso, efectivamente, não é; trata-se, isso sim, de haver falta/ insuficiência de fundamentação do acto tributário de liquidação impugnado.
25. Assim, com o devido respeito, que é todo, a argumentação da tese de recurso é frágil pelo que não pode colher o sentido da decisão proposta pela Fazenda Pública.
26. Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.

Assim, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, farão V. Ex.ªs inteira e sã
JUSTIÇA!

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os autos com vista ao Exmo Procurador-Geral Adjunto que emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Dispensados os vistos legais, com a concordância das Exmas Juizes Desembargadoras Adjuntas, nos termos do artigo 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), vem o processo à Conferência, para julgamento.

I.I Do Objecto do Recurso - Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso, nos termos do artigos 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT – são saber, em face da sentença proferida, se se verifica erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito por errónea valorização da prova produzida e errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 77º da LGT, 268º da CRP e 152º e 153º, ambos do CPA.

II - Fundamentação
II.1 – Dos Factos

II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: “

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1) No cumprimento da OI n.º OI200701074 foi proferido em 27.07.2007 relatório do procedimento inspectivo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto tendo sido efectuadas correcções à matéria colectável em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2003 no montante de €64.568,12 - cfr. fls. 51 a 71 do processo administrativo (PA) junto aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Do relatório do procedimento inspectivo enunciado em 1) decorre o seguinte: “(…) III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções quantitativas à matéria tributável: (…) Da análise aos custos contabilizados, temos a referir o seguinte: - encontram contabilizados, nas contas 62.221 – Despesas de Representação e 62.234 – Deslocações e estadas, valores que da análise aos documentos que lhes serviram de base, a seguir identificados, não são considerados custo fiscal, nos termos do artº 23º do CIRC, no montante de €19.212,19 (…)
Contabilizou como custo do exercício na conta 62.2324 – Conservação e Reparação, as importâncias de €50.395,47, conforme abaixo se discrimina, relativas a custos suportados com empreitadas de reabilitação das coberturas do Empreendimento da quinta do (...) (edifício I e 2), a seguir identificados, que se enquadram nas grandes reparações, atendendo a que aumentam o valor real ou a duração provável do imóvel, de acordo com a al. a) do n.º 5 do artº 5º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12/01 (…)
Desta forma, integram o activo corpóreo, tal como vem definido na Tabela II, anexa ao referido Decreto-Regulamentar n.º 2/90, pelo que a sua amortização deveria ser determinada pela aplicação de uma taxa calculada em função do período de utilidade esperada, correspondendo àquela que se encontra prevista para os edifícios onde tais reparações tiveram lugar, nos termos do n.º 2 do artº 5 daquele Decreto-regulamentar.
No entanto, de acordo com o mesmo nº 2, tratando-se nomeadamente de uma grande reparação e beneficiação, o período de utilidade esperada pode ser corrigido quando se considere que é inferior ao que objectivamente deveria ter sido estimado.
Tendo em conta que as reparações efectuadas não terão o mesmo período de utilidade que o edifício, é aplicada a taxa de 10%, prevista na Tabela II, divisão I, Grupo 2, Código 2195 – Instalações não especificadas. (…)
IX – Direito de Audição – Fundamentação: (…)
B) No que que diz respeito às correcções à matéria tributável em sede de IRC, e tendo em conta o que vem exposto no projecto de relatório ora em crise, cumpre-nos dizer o seguinte: 1. Quanto às despesas de representação, não é considerado custo fiscal o valor de €19.212,19, atendendo a que, da análise dos documentos que as suportam, verificamos que não são comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, no exercício a que a presente acção inspectiva diz respeito.
Senão vejamos o seguinte.
· Alguns desses documentos não têm a identificação do cliente;
· Uma das facturas foi passada ao sr. A. e não ao sujeito passivo;
· O documento com o nº 1001034, é referente ao ano de 2002;
· O descritivo de alguns desses documentos, para além de ser vago, não justifica, de todo a sua consideração como despesa de representação (por exemplo: “refeições durante o ano de 2002”);
· O documento com o n.º 60302 visa justificar um cheque, no montante de €608,50, passado pelo sujeito passivo ao sr. I. (administrador do sujeito passivo).
2. Já relativamente ao enquadramento das obras efectuadas nos edifícios, melhor identificadas no ponto III.2.2 deste relatório, como grande reparação, reitera-se aqui, em sede de análise do direito de audição exercido pelo sujeito passivo, o que ali foi dito.
Ou seja, as referidas empreitadas aumentam efectivamente o valor real ou a duração provável do imóvel, de acordo com a al. a) do n.º 5 do artº 5º do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/01, sendo realizadas numa parte do edifício que não só protege o mesmo como reforça a sua estrutura e integrando, como tal o activo corpóreo (…)” – cfr. fls. 51 a 71 do PA junto aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Na sequência das correcções descritas em 2), foi emitida a liquidação de IRC n.º 2007 8310015714 no montante de €23.320,47 - cfr. fls. 38 dos autos.
4) A sociedade Vitor Abrantes Consultadoria e Projectos de Engenharia, Lda. elaborou projecto de reabilitação das coberturas do loteamento social da Quinta do (...) sita na (...) – cfr. fls. 41 a 61 dos autos.
5) T., Lda. elaborou o auto n.º 1, 2 e 3 – cfr. fls. 62 a 64, 66, 68 a 70 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
6) T., Lda. emitiu em 3.12.2002 a factura n.º A-00007 de onde decorre da sua designação o seguinte: “Empreitada de reabilitação das coberturas do empreendimento da Quinta do (...) (Edifícios 1 e 2). De acordo com o Auto n.º 1 em anexo” – cfr. fls. 74 dos autos.
7) T., Lda. emitiu em 6.02.2003 a factura n.º A-0000094 de onde decorre da sua designação o seguinte: “Empreitada de reabilitação das coberturas do empreendimento da Quinta do (...) (Edifícios 1 e 2). De acordo com o Auto n.º 2 em anexo” – cfr. fls. 65 dos autos.
8) T., Lda. emitiu em 6.02.2003 a factura n.º A-000009 de onde decorre da sua designação o seguinte: “Empreitada de reabilitação das coberturas do empreendimento da Quinta do (...) (Edifícios 1 e 2). De acordo com o Auto n.º3 em anexo” – cfr. fls. 67 dos autos.
9) T., Lda. emitiu em 6.03.2003 a factura n.º A-000109 de onde decorre da sua designação o seguinte: “Empreitada de reabilitação das coberturas do empreendimento da Quinta do (...) (Edifícios 1 e 2). De acordo com o Auto n.º 4 em anexo” – cfr. fls. 71 dos autos.
10) T., Lda. emitiu em 27.05.2003 a factura n.º A-000121 de onde decorre da sua designação o seguinte: “Empreitada de reabilitação das coberturas do empreendimento da Quinta do (...) (Edifícios 1 e 2). De acordo com o Auto n.º 5 em anexo” – cfr. fls. 72 dos autos.
11) T., Lda. emitiu em 25.06.2003 a factura n.º A-000129 de onde decorre da sua designação o seguinte: “Empreitada de reabilitação das coberturas do empreendimento da Quinta do (...) (Edifícios 1 e 2). De acordo com o Auto n.º 6 em anexo” – cfr. fls. 73 dos autos.
**
Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
**
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados - artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), foram corroborados pelos documentos juntos, conforme preestabelece o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil (CC), o posicionamento assumido pelas partes nos seus articulados, bem como pela prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas levada a cabo.
No que respeita à prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas levada a cabo, a formação da convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação livre (cfr. artigo 396.º do Código Civil e artigo 607.º n.º 5 do CPC), atendendo, para tal efeito, à razão de ciência apresentada pela testemunha inquirida e recorrendo, ainda o Tribunal, às regras da experiência comum.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugada que, à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal.
C., engenheiro, exerceu funções na Impugnante desde que esta iniciou actividade até 2006.
Foi indicado a responder à matéria de facto constante dos artigos 240.º a 284.º da petição inicial.
O conhecimento que demonstrou dos factos a que foi questionado decorreu do acompanhamento que fez de toda a obra da Quinta do (...).
O seu depoimento foi espontâneo e sério.
A., Técnico oficial de Contas, presta serviços de contabilidade à Impugnante desde o início da sua actividade.
Foi questionado aos factos ínsitos nos artigos 169.º a 178.º, 190.º a 209.º do articulado inicial.
O conhecimento que detinha dos factos a que respondeu decorreu do acesso que tinha ao suporte documental contabilístico não tendo conhecimento directo das obras em questão nos presentes autos.
Não obstante, as afirmações proferidas mostraram-se credíveis.
A., Revisor oficial de Contas, certifica as contas da Impugnante desde 2002.
Foi questionado à matéria de facto inclusa nos artigos 169.º a 178.º, 190.º, a 209.º da petição inicial, resultando o seu conhecimento do acesso aos documentos da Impugnante atenta as suas funções como ROC.
O seu depoimento foi sério.
L., engenheiro civil é trabalhador dependente da Impugnante desde Março de 2003, exercendo as funções de coordenador do departamento de projectos.
Foi indicado aos factos constantes dos artigos 240.º a 284.º da petição inicial.
Apesar das funções que exerce na Impugnante não acompanhou a obra em dissidio nos autos, tendo inclusive se apercebido das obras a posteriori.


II.2 - O Direito

II.2.1 A Recorrente insurge-se contra a sentença imputando-lhe erro de julgamento de facto e de direito, no que tange à falta de fundamentação do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), porquanto entende que da argumentação expendida em sede de direito de audição, na petição inicial, e no requerimento de prova pericial, se retira que a impugnante conheceu o itenerário cognoscitivo e valorativo do acto. Que o relatório fundamentador do acto tributário em dissídio descreve as situações que suscitaram as correcções ora impugnadas, identificando de forma clara quais os custos suportados com as empreitadas de reabilitação das coberturas do empreendimento, através de um quadro, discriminando as facturas que estão subjacentes a tais custos, e qualificando tais empreitadas como grandes reparações, nos termos do artigo 5º, nº 5, a) do Decreto Regulamentar 2/90. E que no RIT apesar de não terem sido descritas as obras realizadas, do confronto das facturas (ponto 4 a 11 do probatório) e os autos de obras anexos às mesmas verifica-se que aquelas se encontram identificadas.

Ora, como entende o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e Processo Tributário Anotado, II volume, página 341, Áreas Editora, 6ª edição, a propósito dos vícios de conhecimento prioritário, e que aqui se subscreve,“(…)Embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, nas situações em que a falta de fundamentação afete a própria possibilidade de o tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do ato impugnado, a nível dos pressupostos de facto e de direito”.

A fundamentação dos atos administrativos está consagrada no nº 3 do art.º 268.º, da CRP, que preceitua que: “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Por sua vez o nº 1 do art.º 124.º do CPA estabelece que “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b)(…)”

Relativamente aos atos tributários preceitua o art.º 77.º da LGT que “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

Da conjugação do n.º 3 do art.º 268 da CRP, n. 1 do art.º 124.º do CPA e art.º 77.º da LGT resulta que a fundamentação do acto tributário há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão, clara/acessível, permitindo que, através dos seus termos, se compreendam os factos e o direito com base nos quais se decide, suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.

As exigências de fundamentação variam de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido bastando-se, com a expressão clara das razões que levaram a determinada decisão, não tendo de reportar, a todos os factos considerados, vicissitudes ocorridas e a todas as ponderações feitas durante o procedimento que conduziu à decisão.

A fundamentação pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, suficiente para sustentar formalmente a decisão administrativa.

Trata-se de permitir ao destinatário normal a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão.

No presente caso, e ao contrário do pretendido pela Recorrente, o que está em causa é a falta de fundamentação material da liquidação, no que tange à qualificação de determinadas obras da aqui Recorrida, como “grandes reparações”, e não a fundamentação formal da mesma, como alegado nas conclusões de recurso.

Retornando ao caso em recurso, o discurso fundamentador da sentença, para decidir pela falta de fundamentação do RIT, que subjaz ao acto de liquidação, foi, após a enunciação das normas legais aplicáveis ao caso, como agora se transcreve:
Quanto às correcções relativas à conservação e reparação, vem a Impugnante sustentar que não foram descritas as obras realizadas, tecendo a AT meras conclusões.

Vejamos.
Como decorre do relatório, vertido no acervo probatório, ponto 2, enunciaram os SIT que a Impugnante “Contabilizou como custo do exercício na conta 62.2324 – Conservação e Reparação, as importâncias de €50.395,47, conforme abaixo se discrimina, relativas a custos suportados com empreitadas de reabilitação das coberturas do Empreendimento da quinta do (...) (edifício I e 2), a seguir identificados, que se enquadram nas grandes reparações, atendendo a que aumentam o valor real ou a duração provável do imóvel, de acordo com a al. a) do n.º 5 do artº 5º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12/01 (…) Desta forma, integram o activo corpóreo, tal como vem definido na Tabela II, anexa ao referido Decreto-Regulamentar n.º 2/90, pelo que a sua amortização deveria ser determinada pela aplicação de uma taxa calculada em função do período de utilidade esperada, correspondendo àquela que se encontra prevista para os edifícios onde tais reparações tiveram lugar, nos termos do n.º 2 do artº 5 daquele Decreto-regulamentar. No entanto, de acordo com o mesmo nº 2, tratando-se nomeadamente de uma grande reparação e beneficiação, o período de utilidade esperada pode ser corrigido quando se considere que é inferior ao que objectivamente deveria ter sido estimado. Tendo em conta que as reparações efectuadas não terão o mesmo período de utilidade que o edifício, é aplicada a taxa de 10%, prevista na Tabela II, divisão I, Grupo 2, Código 2195 – Instalações não especificadas. (…)”.

A par, em resposta ao exercício do direito de audição apresentado pela Impugnante, consta do capítulo IX o seguinte: “2. Já relativamente ao enquadramento das obras efectuadas nos edifícios, melhor identificadas no ponto III.2.2 deste relatório, como grande reparação, reitera-se aqui, em sede de análise do direito de audição exercido pelo sujeito passivo, o que ali foi dito. Ou seja, as referidas empreitadas aumentam efectivamente o valor real ou a duração provável do imóvel, de acordo com a al. a) do n.º 5 do artº 5º do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/01, sendo realizadas numa parte do edifício que não só protege o mesmo como reforça a sua estrutura e integrando, como tal o activo corpóreo (…)”

Ora, como se constata da fundamentação formulada, os SIT limitaram-se a fazer o enquadramento legal das despesas contabilizadas com as obras de reparação, qualificando-as como grandes reparações.

Com efeito, da sobredita fundamentação não decorre qualquer factualidade que permita aferir e classificar as obras efectuadas.

Os SIT não esclareceram em que medida as obras realizadas tinham de ser classificadas como grandes reparações, não se depreendendo tal com a mera referência de que as mesmas protegem e reforçam o edifício.

Assim, impunha-se que partindo de factualidade concretizada, como fosse a descrição das obras em questão, os SIT externassem as razões pelas quais as obras realizadas pela Impugnante teriam de ter sido consideradas como grandes reparações, de forma a ser perceptível a sua actuação.

Considera o Tribunal que do relatório resultam meras afirmações conclusivas, não suportadas na factualidade que lhes subjaz, de forma a percepcionar-se porque os SIT decidiram fazer aquele enquadramento legal e não qualquer outro.

Considerando-se que “Deve ter-se por suficientemente fundamentado o acto tributário em relação ao qual foram dados a conhecer as razões que o suportam de forma clara e congruente, através de externarão coeva ao acto (…)” (cfr. Acórdão do TCA Norte de 15.10.2010, rec. 01619/09.0BEBRG), as sobreditas correcções não se encontram devidamente fundamentadas, na medida em que a AT não logrou externar a factualidade inerente a tal enquadramento legal.(…)”

E nada há apontar ao decidido.
Como ali referido, nenhuma factualidade foi carreada para a necessária fundamentação. Pretender agora em sede de recurso fundamentar à posteriori, chamando à colação o conteúdo das facturas que originaram a correcção, não poderá colher, sendo certo que nada foi dito em sede de relatório de inspecção tributária (RIT). É certo que no RIT se elaborou um quadro com a identificação das facturas, todavia, nada ali foi dito de concreto que demonstre a razão pela qual tais custos foram qualificados como “grandes reparações”. Afirmar apenas que “se enquadram nas grandes reparações, atendendo a que aumentam o valor ou a duração provável do imóvel…” é insuficiente. Tanto assim é que toda a obra efectuada num imóvel pode aumentar o valor ou a duração provável do mesmo, mesmo aquelas “que visam repor a situação do edificado anterior à ocorrência de evento que os tenha danificado”, e contudo, estas últimas não são de qualificar como “grandes reparações” para efeitos legais – cfr. Acordão do TCA Sul de 4.06.2020, no processo 5/95.1BTLRS.

Antevê-se, desde já, por isso, que para que a obra seja de qualificar como “grande reparação” terão de ser carreados factos concretos, que sustentem tal qualificação, não sendo o seu valor monetário referente ao custo da obra fundamentação suficiente (como parece a Recorrente pretender com a alegação da existência de um quadro com os valores das mesmas) – cfr. Acórdão do TCASul, de 27.04.2017, processo154/08.8BELRS.

Alegar como fez a Recorrente, que a aqui Recorrida ao requerer prova pericial, entendeu o iter cognoscitivo não se nos afigura sério, porquanto não é de fundamentação formal que se trata.

Por outras palavras, para que a fundamentação material das correcções efectuadas se mostrasse elaborada, teria de ter sido explicitada a razão pela qual se entendeu que as concretas despesas realizadas aumentaram o valor real dos bens que delas foram objecto ou aumentaram a duração provável dos mesmos. Veja-se neste sentido o Ac STA de 16.11.2011, processo 513/11-30, onde se plasmou:”(…)Para efeitos de reintegração e amortização, o critério legal para a qualificação de determinada obra realizada em bens do activo imobilizado corpóreo como "grande reparação ou beneficiação" é o do aumento do valor real ou da duração provável dos elementos a que respeitem - cfr. a alínea a) do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, em vigor à data dos factos e a alínea a) do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2010 -, sendo, pois, por referência a estes dois elementos - aumento do valor real do bem ou da sua duração provável - que, em caso de controvérsia entre a Administração e o contribuinte quanto à qualificação da despesa como "simples despesa de conservação ou reparação" ou como "grande reparação", que esta terá de fundamentar por que entende que as concretas despesas realizadas aumentaram o valor real dos bens que delas foram objecto ou aumentaram a duração provável dos mesmos.
Não é, em si mesmo, o valor da reparação o critério eleito pelo legislador para a qualificação da despesa como "grande reparação", pois que como desde logo observou a ora recorrida na sua petição inicial de impugnação (a fls. 2 a 5 dos autos) pode bem acontecer que o valor da reparação seja elevado não em razão da "profundidade das reparações" mas em virtude das "dimensões grandes dos edifícios a conservar" (cfr. petição inicial a fls. 3 dos autos), daí que não baste a invocação do montante da despesa para se ter por fundamentada a subsunção desta no conceito de "grande reparação", nem se vê que do "elevado valor" decorra, ao contrário do suposto na fundamentação da correcção efectuada, um contributo necessário para o prolongamento da vida normal do bem.
Era, pois, exigível à Administração tributária ir além da fundamentação invocada como suporte da correcção para que esta se pudesse ter como materialmente fundamentada, pois que a justificação apresentada para a qualificação da despesa como relativa a "grandes reparações" não se afigura suficiente e menos ainda incontroversa.” (destacado nosso).

Em face de todo o exposto, nada há assim a apontar ao julgamento efectuado pela sentença de 1ª instância, sendo de negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

II.2.2 Formulam-se, assim, as seguintes Conclusões/ Sumário:

I. O acto que determina a correcção de IRC tem necessariamente de conter a respetiva fundamentação substancial, ou seja, os seus pressupostos reais e corretos, sob pena de ficar vedada a sua apreciação contenciosa.

II. O critério legal, para efeitos de reintegração e amortização, de qualificação de determinada obra realizada em bens do activo imobilizado corpóreo como “grande reparação ou beneficiação” é o do aumento do valor real ou da duração provável dos elementos a que respeitem (cfr. alínea a) do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro; alínea a) do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2010);

III. Assim, terá de ser por referência ao aumento do valor real do bem ou da sua duração provável que, em caso de controvérsia entre a Administração e o contribuinte quanto à qualificação da despesa, terá de ser explicitada a razão pela qual se entende que as concretas despesas realizadas aumentaram o valor real dos bens que delas foram objecto ou aumentaram a duração provável dos mesmos.

III.Decisão

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, acordam, em conferência, negar provimento ao recurso, na parte recorrida, e manter a sentença na ordem jurídica.
*
Custas pela Recorrente.
*
Porto, 16 de Setembro de 2021

Cristina Paula Travassos de Almeida de Jesus Bento Duarte
Maria Celeste Gomes Oliveira
Maria do Rosário Meneses da Silva Pais