Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00589/12.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
IMI
ISENÇÃO
BENEFÍCIOS FICAIS
BENS IMÓVEIS
PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PUBLICA
Sumário:I – A alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro não constitui fundamento de isenção de imposto municipal sobre imóveis.
II – A afectação dos rendimentos, decorrentes da alienação ou oneração de imóvel, à realização dos fins de pessoa colectiva de utilidade pública que o adquiriu, não constitui fundamento da isenção de imposto municipal sobre imóveis a que alude o artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:D. G. Impostos
Recorrido 1:Caixa Económica...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório

O Excelentíssimo Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso jurisdicional do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferido em 10.02.2015, que julgou procedente o pedido formulado pela CAIXA ECONÓMICA ... (CE...), NIPC 5…, com sede na Rua…, Lisboa, na presente acção administrativa especial, tendo por objecto a anulação do acto de indeferimento de recurso hierárquico, praticado pela Subdirectora-Geral dos Impostos, relativo a benefício fiscal consistente na isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) concernente à fracção autónoma designada pela letra …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Giestinha, freguesia de Friande, Concelho de Felgueiras e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo nº …, requerido ao abrigo da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º151/99, de 14 de Setembro, e da alínea e) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 e n.º 4 do artigo 44.º do Estatuto do Benefícios Fiscais (EBF) e a substituição do mesmo por outro que confira a isenção de IMI ao imóvel em causa.

A Recorrente apresentou alegações, que resumiu nas seguintes conclusões, que se transcrevem ipisis verbis:

Tudo visto, não podemos conformar-nos com a decisão do tribunal “ a quo “, que enferma de grosseiros erros de julgamento, na interpretação e na aplicação do direito ao caso concreto, porquanto:

→ Quanto à lei aplicável

a) Não se aceita a conclusão de que é irrelevante a aplicação da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, ou da alínea e) do n.º 1 do artigo 40.º do EBF, uma vez que conduzem à mesma solução jurídica: o deferimento do pedido de isenção.

b) Embora ambas as normas tenham conteúdos e alcances diferentes, como aliás, o mesmo acórdão o admite, a norma que rege a isenção só pode ser a que consta do EBF. Isto porque,

c) A isenção foi decidida ao abrigo do EBF, porquanto dele consta, quer a previsão da isenção, quer o procedimento que conduz ao reconhecimento ou não da isenção, constando, concretamente, nos artigos 2.º, 5.º, 7.º,12.º,13.º e 44.º do EBF.

d) E foi com fundamento no artigo 44.º, n.º 1, alínea e) do EBF que a isenção foi requerida, e todo o procedimento se desenvolveu no âmbito deste diploma.

e) Inexiste qualquer contradição entre o consignado na al. e), do nº1, do art. 44º do EBF, e na al. d) do art. 1º da Lei 151/99, de 14 de Setembro, sendo este um diploma que actualiza o regime geral de regalias e isenções das pessoas colectivas de utilidade pública, e prevê, de forma genérica, o direito à isenção de IMI.

f) A Lei 151/99, no art. 1º, prevê que “Sem prejuízos de outros benefícios previstos na restante legislação aplicável, podem ser concedidas às pessoas colectivas de utilidade pública as seguintes isenções”, (…) “d) Contribuição Autárquica de prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários”, e o EBF concretiza e densifica a isenção de IMI no art. 44º, nº 1, alíneas. e) e f), com a exigência de que a isenção se destine aos imóveis daquelas instituições que directamente estejam afectos aos fins estatutários

g) Temos, pois, forçosamente de concluir que a Lei 151/99, de 14/09 estabelece o regime geral de regalias e isenções das pessoas colectivas de utilidade pública, e que o EBF concretiza, densifica e estabelece o procedimento da isenção, cujo direito ficou previsto naquele diploma relativo aquelas entidades.

h) E assim, há que dar relevância, no momento de reconhecer a isenção, ao facto da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF referir a “destinação “directa” do prédio à realização dos fins estatutários.

i) Consequentemente, tal significa, necessariamente, que nem todos os prédios podem beneficiar da isenção, mas, tão-somente, aqueles que se destinam directamente à realização dos fins estatutários da pessoa colectiva.

j) Esta isenção tem, pois, natureza selectiva, que depende do pressuposto da afectação dos prédios aos fins específicos da pessoa colectiva.

k) Para além do mais, inexiste um suposto conflito de hierarquia de normas, na medida em que, nos termos do art. 103º, nº 2 da Constituição da República, “ …a lei… determina …os benefícios fiscais…”, pelo que no que diz respeito ao regime jurídico dos benefícios fiscais vigora o princípio da legalidade, enquanto princípio de reserva absoluta de lei formal, no sentido de que devem ser criados e regulados, nos seus aspectos essenciais por lei formal da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo autorizado por aquela Assembleia [art. 165º, nº 1, al. i)].

l) Em conclusão, não existe qualquer revogação tácita da alínea e) do artigo 44.º do EBF, sendo o normativo de aplicar ao caso dos autos, como afinal vem feito.

→ Quanto ao suposto direito à isenção

a) Sendo a questão principal dos autos a de saber se o prédio em questão se pode considerar directamente destinado aos fins estatutários da ora recorrida, em termos que lhe permitam beneficiar da isenção de IMI requerida, não aderimos à análise que é feita no acórdão recorrido sobre pessoas colectivas de utilidade pública, o escopo da CE..., enquanto “Caixa Económica”, e ao facto de não ter a forma de sociedade comercial, bem como aos seus Estatutos, para se concluir pelo direito à isenção para qualquer prédio propriedade da CE..., porque directamente destinado aos seus fins estatutários, quer por via da alínea e), do nº1, do art. 44º do EBF, quer da al. d) do art. 1º da Lei 151/99, de 14 de Setembro, e que esta alínea assim deve entendida pelo menos para as caixas económicas sem a forma de sociedade.

b) Com a argumentação apresentada, acaba-se por aniquilar a alínea e) do artigo 44.º do EBF, porque fica concluído que é indiferente que a norma se refira a prédios destinados directamente aos fins da entidade, ou não, e que esta alínea assim deve entendida, pelo menos para as caixas económicas sem forma de sociedade, distinção sub-reptícia que só pode servir o propósito de pretender isentar esta pessoa colectiva, em concreto.

c) Tal interpretação da lei vai ao arrepio das mais elementares regras de interpretação das leis, entrando num perigoso precedente de fazer a justiça do caso concreto.

d) O facto da CE... ter a natureza de Pessoa Colectiva de Utilidade Pública, anexa ao ..., não afasta o facto de constituir uma instituição de crédito, do tipo caixa económica, com a particularidade de parte dos resultados dos seus exercícios ser aplicada no ..., enquanto IPSS, nos termos fixados estatutariamente (art. 36º, al. d) dos seus Estatutos)

e) A qualidade de utilidade pública da CE... não lhe advém do exercício de uma actividade financeira, mas resulta, conforme consta do art. 4° dos Estatutos, do dever de colocar à disposição do ..., os resultados dos seus exercícios, feitas as deduções estatutariamente previstas, para que este os aplique na realização dos seus fins.

f) A prossecução pela CE... de fins de utilidade pública é meramente indirecta, uma vez tais fins são directamente prosseguidos pelo ..., dada a sua natureza jurídica, com os fundos que advêm da CE....

g) O fundamento da declaração de utilidade pública da CE... não tem, assim, a ver, com a actividade financeira/bancária à qual os bens imóveis de que é proprietária estão legalmente afectos.

h) Como decorre do artigo 3.º dos estatutos da CE..., existem no património da CE... bens imóveis que apenas indirectamente estão afectos a fins de utilidade pública.

i) Inexiste, assim, qualquer conexão directa entre tais bens imóveis e o fundamento da declaração de utilidade pública da CE....

j) Pelas mesmas razões, os rendimentos prediais ou de mais-valias, gerados respectivamente pelo arrendamento ou venda desses bens imóveis, não são necessariamente e directamente aplicados nos fins de solidariedade social desenvolvidos pelo ..., por não estarem directa e obrigatoriamente afectos ao ....

k) Esses rendimentos não são receita do ..., sendo a receita do ... o resultado do exercício da CE..., de que esses rendimentos são apenas um elemento componente. É o que resulta do art. 36° dos Estatutos, em matéria de reservas.

l) Estatutariamente, e de facto, a CE... é uma instituição financeira que actua, com uma lógica empresarial, em concorrência no mercado financeiro com as demais instituições financeiras que estão sujeitas e não isentas de IMI.

m) Além do mais, a CE... está sujeita ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo art. 1° do Decreto - Lei n° 298/92, de 31 de Dezembro, sem prejuízo das especificadas dos arts. 3°, alínea b), 4°, n° 2, 19°, alínea b), 29° e 41° de que resulta não estarem obrigadas a adoptar a forma de sociedade anónima e não disporem do chamado passaporte comunitário, do que resulta não poderem exercer a sua actividade noutros países da União Europeia, através de sucursais ou em regime de livre prestação de serviços.

n) Por outro lado, o reconhecimento do benefício em reporte não opera ope legis, porquanto carece obrigatoriamente de estarem reunidos os pressupostos fixados na lei, no caso, o averbamento do Chefe do Serviço de Finanças da área da localização do imóvel a certificar que o prédio se encontra inscrito na matriz em nome da entidade requerente e que o prédio se destina directamente à realização dos fins estatutários da mesma. A Administração Tributária tem o dever oficial de investigar os factos previstos.

o) O reconhecimento oficioso da isenção prevista na al. e), do nº 1 do art. 44º do EBF depende da verificação dos pressupostos consignados no EBF, pelo que reveste natureza declarativa do direito ao benefício fiscal.

p) Ora, no presente caso, o prédio encontra-se devoluto, incorpora o activo imobilizado da CE..., e não produz qualquer rendimento passível de ser aplicado nas reservas da CE... ou no ....

q) Entendemos que na medida em que um prédio, na situação de devoluto, com objectivo de ser vendido no mercado, com a eventual obtenção de mais-valias, não pode destinar-se directamente à realização dos fins de uma PCUP.

r) A ser como pretende a entidade recorrida, bastaria provar a titularidade do imóvel por parte da PCUP para que fosse reconhecida a isenção do IMI!

s) Resta, então, responder, que finalidade gizaria o legislador fiscal ao estatuir expressamente que o prédio deve destinar-se directamente à realização dos fins estatutários das pessoas colectivas de utilidade pública.

t) Não têm qualquer sustentabilidade na lei todos os argumentos aduzidos na sentença do tribunal “ a quo”, relativamente ao decidido direito à isenção, quer com base na alínea e) do artigo 44.º do EBF, supostamente tacitamente revogada, quer por força da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 191/99, de 14 de Setembro que prevê, apenas, o regime geral de regalias e isenções das pessoas colectivas de utilidade pública, e prevê, de forma genérica o direito à isenção de IMI, e não o direito em concreto à isenção de IMI, e que estas normas se aplicam a todos os prédios da entidade recorrida, por ser caixa económica sem forma societária.

u) O acórdão assim proferido cometeu erro de julgamento ao não ter aderido a tese da entidade demandada em defesa do seu acto que é legal, porquanto, a Lei nº151/99 não tem aplicabilidade directa em sede de reconhecimento da isenção de IMI, conforme ficou atrás demonstrado, e a decisão ao abrigo da alínea e) do artigo 44.º do EBF foi proferida, com base em argumentos jurídicos inapropriados para sustentar a conexão directa entre a natureza da requerente e o destino do prédio.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se o acórdão recorrido, e, por consequência, mantendo-se o despacho de indeferimento do pedido de isenção de IMI, por ser legal e conforme a al. e) do art. 44º do EBF.


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A Recorrida CAIXA ECONÓMICA ... apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

1. Há contradição entre a redação da e) do nº 1 do artigo 44º do EBF quando a expressão “diretamente” aferida utilização dos imóveis para os fins das PCUP (redação primitiva do EBF, em vigor de 1989) e a alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.12 (Lei da AR publicada em 1999) onde essa expressão foi suprimida, porquanto o Decreto-Lei (o EBF) diz mais do que a lei permite, dado que se trata de redação que tinha em conta o anterior regime fiscal da PCUP que findou com a revogação do Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, pela Lei 151/99, de 14.12.
2. Deve, pois, entender-se revogada tacitamente a expressão “diretamente”, enquanto elemento que restringe ou limita o benefício fiscal, contida na alínea e) do nº 1 do atual artigo 44º do EBF que resulta da sua redação primitiva, quer porque a Lei 151/99 é uma lei posterior, quer por ser hierarquicamente superior a um Decreto-Lei do Governo e aparentemente menos restritiva.
3. Caso contrário ocorreria uma inconstitucionalidade orgânica que, à cautela, se invoca.
4. O ... e a sua Caixa Económica anexa são “UMA UNIDADE com as funções de realizar as FINALIDADES do M…” – artigo 2º da PI – Deliberação do Conselho de Administração Fiscal.
5. “2 - O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário”
6. No caso o benefício fiscal carece de acto administrativo de mero reconhecimento.
7. Ou seja, não é a AT que tem o poder para dizer o que cabe ou não no âmbito do benefício fiscal. Essa amplitude só pode dimanar da lei da AR, neste caso a Lei 151/99, de 14.12, uma vez que o acto de reconhecimento tem sempre efeito meramente declarativo.
8. Os mecanismos previstos na lei, neste caso no EBF, são de mero CONTROLO do benefício fiscal, mas nunca podem permitir não o reconhecer, tendo em conta o princípio da legalidade.
9. Haverá que ter em conta ainda que as normas sobre benefícios fiscais admitem interpretação extensiva (artigo 10º do EBF).
10. Está em causa a aplicação do princípio da igualdade (da isonomia diga-se!): tratar deforma igual o que é igual e forma diferente o que é diferente.
11. A Banca Privada do sector privado especulativo tinha na prática isenção de IMI em situações idênticas (hoje tem em apenas 50%) através do mecanismo dos fundos imobiliários, tendo ainda uma vantagem comparativa superior à da CE... (não consolida esses imóveis mal-parados nas suas contas se a unidades de participação estiverem na posse de terceiros em pelo menos 50,1%).
12. O bem em causa não integra o activo imobilizado (nem poderia de acordo com a lei das caixas económicas) e nem tal foi provado pela recorrente.
13. Não procedem “in totum” quaisquer das conclusões das alegações de recurso.
14. O douto aresto recorrido, com base numa correcta, adequada e sensata percepção da realidade factual, fez uma correctíssima leitura da lei a aplicou-a de forma absolutamente exemplar ao caso concreto.
15. Posto que o que há-de ter-se em conta é (a verdade, a realidade substancial) que quando uma Mutualidade institui uma Caixa Económica, o capital institucional desta é uma mera aplicação dos dinheiros dos associados, tal como o é um prédio, uma aplicação financeira, um depósito bancário. Logo, todo o retorno dessa valência estatutária, deduzidas as despesas de contexto, é absolutamente igual – na substância - ao retorno do rendimento de um prédio, do juro de um depósito, do dividendo de uma aplicação em acções. Daí que, como acima se referiu as caixas económicas nunca deveriam ser obrigadas a ter personalidade jurídica (autónoma das Mutualidades, até para maior salvaguarda dos clientes), mas se a têm foi apenas porque o Poder Político o ordenou.

Termos em que na procedência do contra-alegado, deve manter-se o doutamente decidido no douto aresto recorrido, assim se fazendo como se espera
Justiça!
****
O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 148º, nº1 do CPTA.
Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, vem o processo à Conferência para Julgamento.

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (nos termos dos artigos 660.º, nº 2, 684.º, nº s 3 e 4, atuais 608.º, nº 2, 635.º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT) sendo que impera saber se o acórdão recorrido padece de erro de julgamento de direito, ao concluir que a isenção de IMI em causa pode aproveitar à ali Autora, ora Recorrida.

Fundamentação

De Facto
A Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considerou provados os seguintes factos com relevância para a decisão:

“Com relevância para a decisão da causa, este Tribunal considera provados os seguintes factos, mediante prova documental, junta aos autos e constante do processo administrativo e por acordo, resultante dos articulados oferecidos pelas partes:
A) Em 05-01-2011 a recorrente enviou para o Serviço de Finanças de Felgueiras-1, um pedido de isenção de IMI quanto ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Giestinha, freguesia de Friande, concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …º, conforme Documento nº 1 que se dá por reproduzido.
B) Em 21.02.2011 recebeu do SF de Felgueiras uma notificação, em sede de audição prévia, com um projeto de indeferimento referindo o seguinte: “o prédio não se destina diretamente à realização dos seus fins” - Documento nº 2 que se dá por reproduzido.
C) Pelo ofício 1091 de 2011.03.25 a Administração Fiscal (AF) notificou a recorrente do indeferimento definitivo que se transcreve apenas em parte: “Face o informado, converto em definitivo o meu projeto de despacho de folhas 15, na totalidade o pedido de isenção - conforme Documento nº 3 que se dá por integralmente reproduzido.
D) Por requerimento enviado em 07.04.2011 a recorrente interpôs recurso hierárquico deste despacho, alegando um conjunto de situações e pugnando pelo deferimento do pedido - conforme Documento nº4 que se dá por reproduzido.
E) Pelo ofício 4979, datado de 2011.12.29, o SF de Felgueiras notificou a recorrente da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, mantendo o indeferimento, que se transcreve em parte: “Para efeitos de isenção de IMI, o prédio tem que estar afeto diretamente à realização dos fins estatutários do ... – Associação Mutualista, Instituição Particular de Solidariedade Social, o que não se verificou dado o prédio não estar a ser utilizado diretamente aos fins da instituição, tendo apenas como objeto a sua alienação para o eventual realização de mais-valias, por parte da instituição financeira “Caixa Económica ...” - Documento nº 5 que se dá por reproduzido.
F) Por despacho concordante de 08/10/1991, proferido pelo Primeiro-Ministro, foi deferido o pedido à Caixa Económica de Lisboa, anterior designação da actual Caixa Económica ..., formulado em 31/05/1990, de concessão de declaração de utilidade pública nos termos do Decreto-Lei nº 460/77, de 7 de Novembro (fls. 7 a 10 do PA apenso e 58 e 59 dos autos DR n.º 243, II Série, de 22/10/1991, e DR n.º 205, III Série, de 06/09/1991);
G) Nos termos dos artigos 4º e 5º dos Estatutos da Caixa Económica ... vigentes desde 01/08/1999, a mesma foi constituída com a finalidade de pôr à disposição do ... os resultados dos seus exercícios, feitas as deduções estatutariamente previstas, para que este os aplique na satisfação dos seus fins, estando anexa ao ..., seu fundador, o que se traduz na afetação de resultados e na comunhão, por ambas as instituições, dos titulares dos correspondentes Órgãos Institucionais (admitido e publicação disponível em https://www.m....pt/iwovresources/SitePublico/documentos/pt_PT/institucional/est
atutos-…/Estatutos- CaixaEconomicaM…al.pdf); - fls 18 a 21 dos autos.
H) Nos termos do artigo 36º dos Estatutos referidos, os resultados da Caixa Económica apurados em cada exercício terão a seguinte afectação: Um mínimo de 20% para a reserva legal, um mínimo de 5% para a reserva especial, as importâncias necessárias para outras reservas e o remanescente para o ... (admitido e publicação disponível em https://www.m....pt/iwovresources/ SitePublico/documentos/pt_PT/institucional/estatutos-m./Estatutos- CaixaEconomica….pdf);
I) Nos termos do artigo 2º dos Estatutos do ... – Associação Mutualista, vigentes desde 1998, são, designadamente, fins do ...: “a) Conceder e garantir, através de modalidades individuais e coletivas, benefícios de segurança social e de saúde destinados a prevenir ou a reparar as consequências da verificação de factos contingentes relativos à vida e à saúde dos associados e seus familiares e dos beneficiários por aqueles designados;
b) Prosseguir outras formas de proteção social e de promoção da melhoria da qualidade de vida, através da organização e gestão de equipamentos, serviços e obras sociais e outras atividades que visem principalmente o desenvolvimento cultural, moral, intelectual e físico dos associados e seus familiares, e dos beneficiários por aqueles designados, em especial das crianças, jovens, idosos e deficientes;
c) Contribuir para a resolução dos problemas habitacionais dos associados;
d) Gerir regimes profissionais complementares das prestações garantidas pela segurança social e outras formas coletivas de proteção social.” (admitido e publicação disponível em https://www.m....pt/iwovresources/ SitePublico/documentos/pt_PT/institucional/estatutos-…/associacaomutualistaestatutos.pdf);
J) Nos termos do artigo 3º nº 1 dos Estatutos do ... – Associação Mutualista, o ..., para auxiliar a realização dos seus fins;
“a) Dispõe de uma caixa económica anexa, com personalidade jurídica e estatutos próprios, denominada Caixa Económica ...;
b) Pode criar estabelecimentos dele dependentes;
c) Pode constituir rendas vitalícias;
d) Pode deter participações financeiras.” (admitido e publicação disponível em https://www.m....pt/iwovresources/
SitePublico/documentos/pt_PT/institucional/estatutos…/
associacaomutualista- estatutos.pdf);
K) Nos termos do artigo 3º nº 2 dos Estatutos do ... – Associação Mutualista, o ..., e para a prossecução dos seus fins pode, designadamente:
“a) Fazer aplicações mobiliárias e imobiliárias;
b) Contrair empréstimos;
c) Desenvolver outras iniciativas e realizar todos os actos e contratos legalmente permitidos.” (admitido e publicação disponível em https://www.m.....pt/iwovresources/
SitePublico/documentos/pt_PT/institucional/estatutos-m..../associacaomutualistaestatutos.pdf);
L) Em 29-03-2012 a Autora apresentou a petição inicial da presente acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (fls. 4 dos Autos);
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na posição assumida pelas partes, e no exame crítico dos documentos que constam dos autos e do PA, não impugnados.”
*
Do Direito
Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente o pedido de anulação da decisão que confirmou hierarquicamente o indeferimento do pedido de isenção de imposto municipal sobre o prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Giestinha, freguesia de Friande, Concelho de Felgueiras e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo nº …- fracção … e condenou o ora Recorrente a emitir novo acto com as vinculações que se mostram expostas no Acórdão recorrido.
Sobre as questões nucleares suscitadas nos presentes autos se pronunciou mui recentemente este Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão, ainda inédito, de 09.06.2015 proferido no Recurso n.º 699/13.8BECBR, cujo entendimento vem sendo perfilhado neste Tribunal, nomeadamente, nos acórdãos nºs 732/12.0BEAVR de 25.06.2015, e 983/12.8BEAVR de 03.07.2015, 1063/12.1BEAVR de 03.07.2015, 1068/12.2 BEAVR de 03.07.2015.
Mutatis mutandis, a questão jurídica nuclear em torno da qual gravita todo inconformismo da Recorrente é a de saber se o acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente o pedido de anulação da decisão que confirmou hierarquicamente o indeferimento do pedido de isenção de imposto municipal sobre o imóvel em apreço e condenou o ora Recorrente a emitir novo acto com as vinculações explanadas no acórdão recorrido, padece de erro de julgamento de direito.
Assim, iremos seguir de muito perto o Ac. deste TCAN de 09.06.2015, lavrado no rec nº699/13.8BECBR que, por adesão in totum à proficiente fundamentação e não vislumbrando justificação para daquela jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, na parte aqui relevante, aderindo a todo o seu discurso fundamentador, com as adaptações necessárias ao caso sub judice. Vejamos, então.
A questão fundamental do presente recurso é a de saber se o acórdão recorrido padece de erro de julgamento de direito ao concluir que a ora Recorrida tem direito à isenção de imposto municipal sobre imóveis, relativamente ao imóvel em causa nos presentes autos, no entendimento de que ”(…) pode dizer-se que os fins estatutários da Autora (Caixa Económica) se traduzem na obtenção de excedente financeiro, constituído por um resultado líquido do exercício da actividade bancária (e não a actividade bancária em si mesma), com o objectivo de colocar à disposição da Associação Mutualista a que está anexa o total do remanescente de que não carecer para a manutenção da fonte produtora.

Esse fim teleológico é o verdadeiro fim estatutário da Caixa Económica .... O seu desígnio último é obtenção de resultados líquidos positivos para atribuição à associação mutualista fundadora.
Logo, a destinação relevante dos prédios pertencentes a este tipo de pessoas colectivas de utilidade pública abrange tanto os prédios imediatamente afectos ao uso da actividade bancária geradora de proveitos como quaisquer outros susceptíveis de contribuir para o resultado financeiro da Caixa Económica, que se pretende que seja positivo.
Assim, no caso especial das caixas económicas sem forma de sociedade comercial consideram-se destinados directamente aos respectivos fins estatutários todos os seus prédios destinados a gerarem proveitos que contribuam para o excedente financeiro do exercício da respectiva actividade bancária, e não apenas os afectos directamente à actividade que constitui o “objecto” dessas entidades.
Daqui resulta o entendimento de que entre a alínea e) do artigo 44º do EBF e a alínea d) do artigo 1º da Lei nº 191/99, de 14 de Setembro, não existe verdadeira divergência, pelo menos quando essas normas sejam aplicadas às Caixas Económicas sem forma de sociedade, como é o caso da Autora.(…)».
Como se escreve naquele aresto “(…) Para a resolução desta questão identificamos dois problemas jurídicos fundamentais: o problema se saber qual a lei aplicável [ou seja, o de saber se é aplicável a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais – redacção em vigor – ou ambas] e o problema de saber se, a ser aplicável (apenas) a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, o que se deve entender por «prédios destinados directamente à realização dos seus fins» (sublinhado nosso) para efeitos deste normativo. (…)»
Atenhamo-nos à primeira questão suscitada, ou seja, importa, antes de mais, determinar qual a lei aplicável, rectius, se é aplicável a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais –na redacção em vigor – ou ambos os normativos.
Do cotejo dos elementos probatórios constantes dos autos resulta que a isenção foi requerida pela ora Recorrida a coberto daquelas duas disposições, sendo que tal pretensão veio a ser indeferida por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais exigidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, concretamente, ao abrigo apenas desta última disposição.
Em defesa da sua posição, a Recorrente esgrime o argumento de que não existe qualquer contradição entre o consignado na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF e na alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, sendo este um diploma que actualiza o regime geral de regalias e isenções das pessoas colectivas de utilidade pública, e prevê, de forma genérica, o direito à isenção de IMI. Todavia, a almejada isenção foi decidida ao abrigo do EBF, porquanto, quer a previsão da isenção, quer o procedimento que conduz ao reconhecimento ou não da isenção, encontram-se regulados no EBF, concretamente, nos artigos 2.º, 5.º, 7.º,12.º,13.º e 44.º.
Na sua petição inicial, a ora Recorrida esgrimiu em defesa da sua tese que a isenção é devida uma vez que se lhe aplica a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, estando, pois, em causa determinar o alcance do que se deve entender por prédio “destinado à realização dos fins” das pessoas colectivas de utilidade pública e saber se se aplica a Lei n.º 151/99, de 14/09 ou a alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
No acórdão recorrido considerou-se que, independentemente de ser apenas aplicável ao caso dos autos esta última norma, e, portanto, com a aparente limitação da destinação “directa” do prédio à realização dos fins estatutários, ou de se considerar alternativamente aplicável a Lei n.º 151/99, de 14/09, onde o texto não revela tal aparente limitação, a autora deve beneficiar da requerida isenção.
Quid iuris?
Como se decidiu no já citado Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.06.2015 lavrado no processo n.º 699/13.8BECBR, “… Observa-se, a título introdutório, que os pressupostos objectivos da concessão do benefício contido em cada uma dessas normas não são totalmente sobreponíveis: enquanto a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro tem em vista prédios urbanos e pressupõe que sejam destinados à realização dos seus fins estatutários, o artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (na redacção do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, que sucedeu ao artigo 40.º, n.º 1, alínea e), na redacção anterior, sem alteração do seu teor) tem em vista prédios ou parte de prédios e pressupõe que sejam destinados directamente à realização dos seus fins.
É verdade , no entanto , que não existe – desde a reforma da tributação do património – nenhuma antinomia entre as duas normas. (…)
É que a disposição correspondente da Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro não consagra nenhuma isenção de imposto municipal sobre imóveis: consagra – isso sim – uma isenção de contribuição autárquica. E o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não consagra nenhuma isenção de contribuição autárquica: consagra – isso sim – uma isenção de imposto municipal sobre imóveis.
Pelo que as disposições em causa têm âmbitos de aplicação distintos.
E é incontroverso que o Recorrente não pediu o reconhecimento oficioso de nenhuma isenção de contribuição autárquica sobre o prédio em causa. Aliás, o Código de Contribuição Autárquica já tinha sido revogado na data em que (…)”, in casu , a ora Recorrida “ adquiriu o prédio em causa(…)”, ou seja , in casu, em 15.02.2012 conforme fls.2 do PA apenso.
E prossegue o mesmo aresto:”(…) Pelo que o benefício em causa só poderia ser concedido ao abrigo do artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
E não se diga que o imposto municipal sobre imóveis sucedeu à contribuição autárquica e que, por conseguinte, os benefícios consagrados na lei para aquele se transferem para este. Porque a extinção do tributo importa a supressão da isenção respectiva do sistema tributário. Sem prejuízo, naturalmente, do direito à isenção adquirido na vigência do tributo extinto (como decorre do artigo 3.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais – que não vem ao caso, porque não está em causa nenhum direito adquirido na vigência da contribuição autárquica a coberto do regime transitório consagrado no artigo 11.º, nºs 3 e 4, e no artigo 31.º, nºs 5 e 6, ambos do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro).
É o que decorre do facto de os benefícios fiscais serem medidas de desagravamento fiscal que incidem sobre normas de incidência fiscal: se a norma de incidência desaparece do ordenamento jurídico, a norma de desagravamento desaparece concomitantemente. Não se transfere para outra norma de incidência. A menos que a lei o determine especialmente, designadamente no seu regime transitório.
E a lei confirma esta interpretação, quando refere que os benefícios fiscais são medidas fiscais de carácter excepcional, relacionadas com a própria tributação que impedem – artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
No sentido de que a supressão do tributo a que o benefício fiscal respeita extingue o próprio benefício fiscal se pronunciou NUNO SÁ GOMES, na sua obra «Teoria Geral dos Benefícios Fiscais» [in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (165), 1991, pag.s 222/223 e 281].
Do exposto decorre que a alínea d) do n.º artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14 de Setembro não se aplica ao caso,(…)”.
Destarte , resulta, pois, inequívoco que no caso vertente se aplica o disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, conforme defende a Recorrente e resulta aplicado no acto impugnado.
Assim, assente que ao caso sub judice se aplica tão só o artigo 44.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, importa que prossigamos a presente análise , dilucidando a segunda questão suscitada supra e que consiste em determinar o sentido e limites da interpretação desta norma.
Volvendo ao citado aresto, ali se esclarece que ”(…) Podemos adiantar desde já que a isenção ali consagrada deve ser qualificada como um benefício fiscal misto (subjectivo e objectivo): é um benefício subjectivo porque atende à natureza ou qualidade do sujeito e é um benefício objectivo porque atende também ao elemento objectivo do facto desagravado.
Concretizando: a isenção da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais tem natureza subjectiva porque só dela beneficiam as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública; e tem natureza objectiva porque estas entidades só dela beneficiam quanto aos prédios ou parte dos prédios destinados directamente à realização dos seus fins.
Saliente-se, também, que nunca esteve em causa no procedimento a verificação do pressuposto subjectivo do benefício fiscal a que os autos se reportam. Aliás, na informação que serviu de base à decisão do recurso hierárquico consignou-se expressamente que «relativamente à qualificação jurídica da Recorrente, constata-se que a Caixa Económica ..., anexa ao ... – Associação Mutualista, Instituição Particular de Solidariedade Social, é uma pessoa colectiva de utilidade pública, conforme despacho de 08/10/1991, publicado no Diário da República, II Série, n.º 243 de 22/10/1991».
Pelo que o litígio dos autos se centra exclusivamente no seu pressuposto objectivo e muito em particular na questão de saber se a Recorrente “ ( in casu a recorrida)” destinou o imóvel em causa à directa realização dos seus fins, nos termos da parte final da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Ora, a interpretação que fazemos deste segmento do dispositivo é a de que só se verifica o pressuposto objectivo do benefício se os próprios prédios forem destinados à realização dos fins prosseguidos pelas pessoas colectivas de utilidade pública. E já não assim quando as pessoas colectivas de utilidade pública destinem à realização desses fins os rendimentos obtidos com a alienação ou oneração desses prédios.
Porque é para aí que apontam todos os factores da hermenêutica jurídica, quando aplicados à norma em análise.
Como é sabido, a interpretação parte do teor verbal da lei, tendo em conta as regras da gramática e o uso corrente da linguagem.
Ora, do teor da lei resulta que tem que existir uma relação directa entre o destino dos prédios e os fins prosseguidos pela pessoa colectiva. Sendo que essa relação só é directa quando resulta da própria afectação ou utilização do prédio. Já quando são os rendimentos do prédio que estão afectos a utilidade pública da pessoa colectiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é directa, mas indirecta. O prédio em si mesmo pode estar afecto a uma utilização particular, mas os rendimentos resultantes da sua exploração são aplicados nos fins públicos da pessoa colectiva.
Além do teor verbal da lei, deve atender-se à coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos (interpretação logico-sistemática).
Ora, a interpretação que fazemos do preceito é também a única que se sustenta do ponto de vista da sua coerência interna. Porque a alternativa inutilizava totalmente a segunda parte do mesmo preceito: todos os prédios estariam destinados à realização dos fins de utilidade pública da pessoa colectiva, na medida em que não estivesse afastada a possibilidade de, em algum momento, ser afectado a essas finalidades o produto da sua alienação ou oneração. Deixaríamos de ter um benefício misto e passaríamos a ter um benefício meramente subjectivo.
A interpretação que fazemos é também aquela que se enquadra melhor no capítulo dos benefícios fiscais relativos a bens imóveis (em que a norma interpretanda se insere efectivamente). Se o legislador tivesse pretendido relevar a afectação à utilidade pública dos rendimentos dos imóveis, o mais adequado seria isentar de imposto esses rendimentos em si mesmos e não a propriedade ou posse dos imóveis.
E a interpretação que fazemos é também a que melhor se enquadra se atendermos ao conjunto de isenções consagradas naquele artigo 44.º. Sobretudo porque, quando o legislador enquadra ou concretiza os fins prosseguidos por essas entidades, o faz reportando-se sempre à utilização dos prédios em si mesma. Assim, as associações religiosas também estão isentas quanto aos templos ou edifícios exclusivamente destinados ao culto ou outros fins económicos (e não também quanto aos edifícios rentabilizados para financiar actividades religiosas). E as colectividades de cultura e recreio apenas estão isentas quanto aos prédios utilizados como sedes dessas entidades.
Finalmente, a interpretação que fazemos é também a que sugere a ratio do preceito (interpretação teleológica). Entendeu o legislador que não deveria tributar a capacidade contributiva das pessoas colectivas de utilidade pública revelada pela propriedade ou posse de imóveis se o seu proprietário ou possuidor abre mão do seu valor de utilização e os aloca a fins de utilidade pública. Porque o proprietário que afecta os seus bens a benefício público não revela riqueza disponível que deva contribuir para o bem comum, mas riqueza já afectada ao bem comum. Ora, a questão não se coloca do mesmo modo se o imóvel é rentabilizado ou se encontra disponível para gerar rendimento nos mesmos termos em que o faz qualquer contribuinte. Porque o seu proprietário não abre mão dessa riqueza. E se vier a abrir mão da riqueza gerada pela sua exploração, a isenção deve incidir sobre o produto dessa exploração (e não sobre o imóvel em si mesmo).
A esta luz, não tem qualquer relevo a discussão sobre os fins estatutários da Caixa Económica ..., da sua relação com a associação mutualista ... e do destino que é dado ao seu resultado líquido. Porque não está em causa aqui a aplicação dos seus rendimentos, mas a afectação do imóvel em si mesmo.
Estando assente que o dispositivo em causa deve ser interpretado no sentido de que a isenção de imposto municipal sobre imóveis só abrange o imposto que incida sobre os prédios ou a parte dos prédios que, em si mesmos, sejam destinados aos fins de utilidade pública prosseguidos pela pessoa colectiva, importa agora acrescentar que a isenção em causa é reconhecida oficiosamente desde que, além do mais, se verifique que os prédios se destinem directamente à realização dos seus fins, sem prejuízo do dever dos seus titulares de revelarem à administração tributária os pressupostos da sua concessão – artigos 44.º, n.º 4, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 14.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
Ora, tendo em conta que do título de aquisição não consta que o prédio seja destinado a fins de utilidade pública da Recorrente (aliás, consta que o destino do prédio é a «habitação»), cabia a esta revelar e justificar o destino que deu do imóvel.

A este respeito, importa referir que o Recorrente também não requereu a isenção com base em deliberação de onde constasse o destino que lhe foi atribuído. Em vez disso, veio declarar o seguinte (cfr. requerimento para que remete a alínea “D” dos factos provados na sentença recorrida):

«4. O imóvel identificado destina-se à direta e imediata realização dos fins da requerente, uma vez que:

· As mais-valias eventualmente realizáveis pela sua alienação – (obrigatória nos termos do n.º 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 136/79, de 18.05) – são transferidas, como resultado da Caixa, anualmente, para o M…, para que este as aplique em pensões, subvenções e subsídios aos seus beneficiários e pensionistas.

· Igualmente os rendimentos derivados de eventuais situações temporárias de arrendamento são entregues, em regime de exclusividade, ao M…, para pagamento de pensões, subvenções e subsídios aos beneficiários e pensionistas, após a constituição das reservas legais e estatutárias».

À luz de tal justificação e da interpretação que fazemos da lei aplicável, é notório que o Recorrente(…)” - (in casu a Recorrida) - “(…) não tem direito à isenção. Porque invoca como fundamento do seu direito, não a afetação do imóvel a fins de utilidade pública, mas a afetação a esses fins dos rendimentos eventuais que consiga extrair da afetação desse imóvel a outros fins. (…).
Volvendo in casu, considerando o teor do pedido de isenção, verificamos que este se ancora na utilização dos aos recursos financeiros gerados pelo imóvel, ou seja, as eventuais mais-valias realizáveis pela alienação do prédio em apreço, bem como, os eventuais rendimentos resultantes do seu arrendamento temporário e que seriam respectivamente , as primeiras posteriormente transferidas, a título de resultado da Caixa para a Associação Mutualista ..., para que esta aplique em pensões, subvenções e subsídios aos seus beneficiários e pensionistas, e os segundos entregues, em regime de exclusividade, à Associação Mutualista ..., para pagamento de pensões, subvenções e subsídios aos beneficiários e pensionistas, após a constituição das reservas legais .
Em rigor, o pedido de isenção formulado pela Recorrida alicerça-se no destino dos eventuais rendimentos que venha a auferir pela alienação ou arrendamento do imóvel em causa e não na efectiva afectação do imóvel em si mesmo aos fins estatutariamente impostos e por si prosseguidos, enquanto pessoa colectiva de utilidade pública.
Destarte, e porque invoca como fundamento do direito à isenção de IMI, não a afectação do imóvel a fins de utilidade pública, mas, diversamente, a afectação dos eventuais rendimentos que venha a auferir em resultados da afectação desse imóvel a outros fins, resulta manifesto que a Recorrida não tem direito à pretendida isenção.
Nesta conformidade, atento o disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea e) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, designadamente os pressupostos para reconhecimento do benefício fiscal consubstanciado no direito à isenção de IMI, impera manter inalterado o despacho posto em crise na presente acção.
Termos em que se concede-se provimento ao recurso, mantendo-se inalterado o despacho impugnado na presente acção administrativa especial, resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos pela Recorrida nas respectivas contra-alegações (nos termos do artigo 608.º, nº 2 do CPC).

DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido, julgando improcedente a acção administrativa especial.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias ( cfr. n.º 2 do artigo 6.º, n.º 2, n.º 2 do art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais).
Porto, 15 de Outubro de 2015
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Ana Patrocínio