Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01026/14.2BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; NULIDADE; FALTA DE ELEMENTO ESSENCIAL; VIOLAÇÃO DO CONTEÚDO DE UM DIREITO FUNDAMENTAL; ANULABILIDADE;
ARTIGO 133º, Nº 1, E Nº. 2 ALÍNEA D) DO CPA DE 1991 [ALÍNEAS D) E G) DO N.º 2 DO ARTIGO 161º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE 2015]; ARTIGO 58º DO C.P.T.A.
Sumário:
I- O dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto no nº. 1 e alínea f) do n.º 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; nº.1 e alínea g) do n.º 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental.
II- A fundamentação dos atos só pode ser considerada como um elemento essencial do ato administrativo se, em concreto, servir para a defesa de um direito fundamental;
III- O direito a uma fundamentação dos atos administrativos não é de modo algum um direito fundamental, nem decorre da lei ordinária um especial dever de fundamentar os atos administrativos, a ponto de se entender que tal dever representa a garantia única ou essencial de salvaguardar um valor fundamental.
IV- A eventual falta de fundamentação do ato impugnado não põe em causa o direito da Recorrente a obter a consulta do processo, a reprodução ou declaração autenticada de documentos, a prestação de indicações sobre a sua existência e conteúdo e a passagem de certidões, pelo que jamais terá a virtualidade de contender com o núcleo essencial do direito à informação administrativa previsto no artigo 37º da C.R.P., sendo, por isso, inidóneo a gerar a nulidade do ato ora impugnado. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AMPG
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
AMPG, devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [doravante T.A.F. de Aveiro], de 27.11.2015, proferida no âmbito da Ação Administrativa que o Recorrente intentou contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação, e, consequentemente, absolveu o Réu da instância.
Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
A) - A exigência de reposição das quantias em causa, constante da primeira notificação, carece de total e absoluta fundamentação legal no sentido de se entender o motivo, fundamentação legal, para a pretensão que lhe foi comunicada, prejudicando, consequentemente, o direito de defesa;
B) - A falta de fundamentação constitui uma nulidade que invalida o ato praticado;
C) - Carecem de ser fundamentados todos os atos que “...neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções.” (alínea a) do n°1 do artigo 124° do Código do Procedimento Administrativo - CPA), devendo tal fundamentação constar obrigatoriamente do ato (alínea d) do artigo 123° do CPA);
D) - A falta de fundamentação inquina o ato de nulidade por falta de elemento essencial nos termos do disposto no n°1 do artigo 133° do CPA;
E) - Mas a exigência de fundamentação, mais do que uma exigência legal, é uma exigência constitucional nos termos do estabelecido no n°3 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa (CRP);
F) - Motivo pelo qual o ato praticado, mais do que nulo, é inconstitucional;
G) - E é-o, inconstitucional, de mais do que uma forma: Desde logo da primeiramente apontada, e que respeita à direta falta de fundamentação;
H) - Mas de igual forma pela consequência que resulta dessa falta de fundamentação e que se traduz no desrespeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (n°1 do artigo 266° da CRP) e na desobediência à Constituição e à Lei a que estão subordinados
H) - Mas de igual forma pela consequência que resulta dessa falta de fundamentação e que se traduz no desrespeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (n°1 do artigo 266° da CRP) e na desobediência à Constituição e à Lei a que estão subordinados os órgão e agentes administrativos (n°2 do artigo 266° da CRP);
I) - É de se considerar como falta de fundamentação, gerando a referida nulidade por força do disposto no n°1 do artigo 133° do CPA, a contradição entre a fundamentação e a decisão, por não permitir esclarecer concretamente a motivação do ato, nos termos do disposto no n°2 do artigo 125° do CPA;
J) - Não se coloca em crise a afirmação de inexistência de norma que comine de nulidade a omissão de fundamentação, mas o mesmo não se pode afirmar quanto ao facto da fundamentação não se tratar de elemento essencial ou ao facto da sua falta não ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental;
K) - A essencialidade da fundamentação enquanto elemento do ato administrativo advém, inclusivamente, e ante de mais, de consagração constitucional nos termos do disposto no n°3 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa (CRP), mas igualmente consagrada na lei geral, relativamente a todos os atos que “...neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções.” (alínea a) do n°1 do artigo 124° do Código do Procedimento Administrativo - CPA), devendo tal fundamentação constar obrigatoriamente do ato (alínea d) do artigo 123° do CPA);
L) - Por consagração constitucional (artigo 268°, n°3) todos os atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos carecem de fundamentação, com transposição para a lei geral (artigo124°, n°1, alínea a) CPA), devendo tal fundamentação constar obrigatoriamente do ato (alínea d) do artigo 123° do CPA), constituindo, assim, elemento de tal ato administrativo, e elemento essencial face à obrigatoriedade da sua existência;
M) - Por outro lado, a falta de fundamentação, nomeadamente nos atos administrativos em causa, aqueles que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos e neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental na medida em que viola um dos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa: O direito à informação - artigo 37°, n°1 da CRP;
N) - Nestes casos de obrigatoriedade de fundamentação do ato administrativo existe o direito fundamental à informação, no sentido de que todos têm o direito a ser informados (artigo 37°, n°1 da CRP), em particular sobre a fundamentação relativa a ato administrativo em que a mesma é obrigatória (artigo 268°, n°3 da CRP) com vista ao cabal esclarecimento da motivação do ato;
O) - Neste sentido entende-se ser inconstitucional a interpretação dos arts. 123°, n°1, alínea d), 124°, n°1, alínea a) e 133°, n°1 e n°2, todos do Código do Procedimento Administrativo, quando dada no sentido de não ser a fundamentação dos atos administrativos que afetem direitos e interesses legalmente protegidos elemento essencial desses atos e direito fundamental dos cidadãos, não determinando, a sua violação, a nulidade de tais atos;
P) - Contudo, é precisamente este o sentido da interpretação desses artigos dada pela Douta sentença posta em crise (o de não ser a fundamentação dos atos administrativos que afetem direitos e interesses legalmente protegidos elemento essencial desses atos e direito fundamental dos cidadãos, não determinando, a sua violação, a nulidade de tais atos), o que se entende ser inconstitucional, e como tal deve ser declarada;
Q) - De qualquer modo, mesmo que se entenda estarmos apenas perante o vício da mera anulabilidade, mesmo assim a impugnação contenciosa foi apresentada dentro do prazo legal, não se verificando a invocada caducidade do direito de ação, atendendo à data da notificação ao Autor (19/08/2014) do ato administrativo de reposição da quantia exigida pelo Réu;
R) - não se afirme, como consta da Douta sentença posta em crise, “... decorrer inequivocamente da petição inicial apresentada que o ato impugnado nos presentes autos é o ato que foi notificado ao Autor em 30.10.2013, sendo, por isso, irrelevante que o autor venha, em sede de resposta à exceção de caducidade do direito de ação, alegar agora que apenas teria sido notificado daquele ato em 19.08.2014...”, pois tal não corresponde inteiramente à realidade;
S) - Efetivamente, em sede de resposta à exceção de caducidade do direito de ação não se alegou que apenas teria sido notificado daquele ato em 19.08.2014, mas antes, alegou-se que ocorreu aquela notificação de 19.082014, estando aquele “apenas” incorretamente, abusivamente, incluído no texto da Douta sentença recorrida;
T) - Igualmente, é errada a afirmação, constante da Douta sentença recorrida, de que os vários requerimentos apresentados pelo Autor, quanto à possibilidade dos mesmos poderem ter operado qualquer efeito suspensivo no prazo para impugnação do ato administrativo, nos termos do disposto no artigo 58°, n°4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, configuram reclamações do ato impugnado, pelo que tendo sido apresentados para além do prazo de quinze dias, não tiveram a virtualidade de produzir aquele efeito suspensivo do prazo de impugnação em curso;
U) - Efetivamente, a reclamação de ato administrativo visa a revogação ou a modificação deste (artigos 138° e 158°, n°1, ambos do CPA), mas os atos nulos não podem ser revogados nem modificados (artigos 139°, n°1, alínea a) e 147°, ambos do CPA), pelo que, entendendo-se ser nulo o ato administrativo em causa, não faria sentido a apresentação de reclamação, motivo pelo qual os requerimentos em causa não são assim entendidos pelo Recorrente, mas antes, e isso sim, como incidente de arguição de nulidade, que não está vinculado aquele prazo de quinze dias;
V) - De qualquer forma, tais requerimentos do ora Recorrente a arguir a nulidade provocaram no Recorrido a necessidade de prestar esclarecimentos, pelo que, quando, após a segunda vez em que o Recorrido prestou tais esclarecimentos, com data de 27.03.2014, o Recorrente arguiu nova nulidade, com data de 24.04.2014, aguardou por nova prestação de esclarecimento que em definitivo colmatasse o vício de nulidade arguido em virtude de falta de fundamentação;
W) - Como, ao invés de tal esclarecimento definitivo, o Recorrente foi notificado para em trinta dias proceder à reposição da quantia em causa sob pena de, não o fazendo, ser enviada uma declaração de dívida para a Repartição de Finanças da área da sua residência, para reposição coerciva”, consubstanciando antes um ato de execução daquele ato administrativo impugnado, o Recorrente apresenta a impugnação judicial do ato administrativo sobre a qual se pronunciou a Doutas Sentença recorrida;
X) - Neste contexto, mesmo entendendo-se que o vício de falta de fundamentação não origina a nulidade do ato administrativo, o que só por mera hipótese académica se equaciona, sempre se deve entender estarem reunidos os pressupostos previstos no n°4 do artigo 58° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de modo a admitir-se a impugnação apresentada;
Y) - Pelo que, por todo o exposto, deve a Douta sentença recorrida ser revogada e a exceção de caducidade do direito de ação ser considerada improcedente por não verificada, apreciando-se o mérito da causa da impugnação do ato administrativo viciado;
Assim se fazendo JUSTIÇA.
(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que, todavia, não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
*
O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão suscitada pelo Recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo, ao determinar a intempestividade da presente ação, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do direito.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
A) Em 08.10.2013, em ofício no qual consta como signatário o Diretor da Direção de Recursos Humanos da Guarda Nacional Republicana, remetido ao Comando Territorial de Aveiro, extrai-se o seguinte:
"1. O Cabo (18...93) AMG, de acordo com o BIA n.° 656 de julho de 2013, foi-lhe aplicada pena efetiva de prisão em 19JUN13 (oficio n.° 5644174 de 31MAI13 3° Juízo Tribunal Judicial Valongo), estando aguardar ulterior termo do processo desde 27JUN12 em prisão domiciliária, pelo que recebeu indevidamente por esta Guarda, as importâncias que se discriminam:
(...)
2. Assim, informa-se esse Comando que deverá notificar a militar para que efetue a reposição abatida no total dos abonos indevidos, na importância de €9484,94 a qual deverá ser entregue através do Mapa de reposições, na Rubrica 010103AOAO - Pessoal em Funções -Militar.
3. Esta Direção deve ser informada quando for efetuada a reposição, para que se possa proceder à regularização do ficheiro informático, a responsabilidade da Divisão de Abonos.’’ [cfr. fls. 13, do processo físico];
B) Em 30.10.2013, foi dado conhecimento ao Autor do ofício a que se reporta a alínea anterior e ainda do documento do qual se extrai o seguinte:
“Nos termos do art.º 66 do Código de Procedimento Administrativo, notifica-se o Cabo (18...93) -AMPG, do Comando Territorial de Aveiro, que se encontra a cumprir a pena efetiva de prisão, no estabelecimento Prisional Militar em Tomar, do teor da nota n 27993 - P 080.40.05 de 08-10-2013 da Direção de Recursos Humanos - Divisão de Abonos, relativo à reposição do valor de €9.484,94, que recebeu indevidamente no período em que estando aguardar ulterior termo do processo desde 24JUN12, em prisão domiciliária. O militar deve proceder ao pagamento no prazo de trinta (30) dias a contar da data desta notificação, podendo ser efetuado do seguinte modo:
Por transferência bancária para a conta do IGCPPTPL, titular, GNR Comando Territorial de Aveiro como NIB07…35
Na tesouraria da fazenda pública, através de Guia de Reposição a emitir pela SRF deste Comando, neste caso o militar deve fazer prova desse pagamento nesta Unidade.
Reposição em prestações mensais, mediante requerimento fundamentado do militar e despacho do Comandante Geral, nos termos da Circulam.0 06/DRF/12 de 23NOV12.” [cfr. fls. 12, do processo físico];
C) O Autor, por correio registado remetido a 11.12.2013, enviou um requerimento dirigido ao Comandante do Comando Territorial de Aveiro, no qual conclui o seguinte:
“(...)Termos em que, face à nulidade invocada, e que se REQUER seja declarada, não assiste qualquer obrigação de devolução ao ora Requerente nos termos preconizados.” [cfr. fls.14 a 16, do processo físico];
D) Por ofício datado de 19.02.2014, foi remetida ao mandatário do Autor a seguinte informação:
“Relativamente a exposição apresentada por V Exa., referente a vosso constituinte, Cabo n.° 652/1870193
— AMPG, deste Comando, a cumprir pena de prisão efetiva, no Estabelecimento Prisional Militar em Tomar, comunica-se o seguinte:
Em cumprimento do Mandado de Detenção do Tribunal Judicial de Valongo 3º Juízo, o Cabo G..., em 19 de julho de 2013, iniciou o cumprimento de pena efetiva de oito anos de prisão.
Desde 27 de junho de 2012, que o referido militar se encontrava a aguardar ulterior termo do processo em prisão domiciliária, medida de coação aplicada pelo mesmo Tribunal.
No período em que o militar esteve sobre a medida da coação, (prisão domiciliaria), a Guarda pagou mensalmente ao militar o Vencimento Base e Suplemento das Forças de Segurança.
Na situação de cumprimento depena de prisão efetiva aplicada pelo Tribunal Judicial, o militar mantém o direito a 1/3 da remuneração base, enquanto mantiver o vínculo jurídico à Guarda.
A reposição de remunerações resulta da lei, a fundamentação que sustenta a reposição dos vencimentos recebidos indevidamente pelo Cabo G..., consta do n.° 1 da nota n.° 27933 do CARI/DRH/DA de 080UT2013, da qual foi entregue cópia ao militar, no ato da notificação." [cfr. fls. 19 e ss., do processo administrativo];
E) O Autor, na sequência do requerimento a que se reporta a alínea anterior, dirigiu novo requerimento ao Comandante do Comando Territorial de Aveiro da Guarda Nacional Republicana, o qual deu entrada, nos Serviços do Réu, em 07.03.2014, e do qual se extrai o seguinte:
“(...) tendo sido notificado da Vossa resposta à exposição apresentada em 11/12/2013 vem dizer, com o devido respeito, que do n.°1 da nota n.° 27993 a que se reporta e referente à notificação de reposição salarial alegadamente recebida indevidamente não resulta qualquer fundamentação para a pretensão formulada e que, embora possa eventualmente resultar da lei a reposição de remunerações, não obsta a que tal seja devidamente fundamentado, o que não ocorreu naquela primeira notificação e continua a não ocorrer, mantendo-se inalterados os termos da defesa apresentada, que se reiteram." [cfr. fls. 20, do processo físico];
F) Com data de 24.03.2014, a Direção de Recursos Humanos da Guarda Nacional Republicana, remeteu ao Comando Territorial de Aveiro, daquela Guarda, um ofício do qual se extrai o seguinte:
“1. Através da nota em referência (Doc. 1), da Secção de Recursos Humanos - Abonos, do Comando Territorial de Aveiro, foi enviada a esta Divisão, exposição apresentada pelo Dr. PGP, Ilustre Mandatário do Cabo G..., invocando a nulidade, por falta de fundamentação, da Nota n. 27993/DRH/DA, de 08 de outubro de 2013 (Doc.2), cujo conteúdo foi notificado ao Cabo G... em 30 de outubro de 2013 (Doe.3).
2. Sobre o caso sub judice, sempre se dirá que o Cabo G...:
a. Desde 27 de junho de 2012, encontrava-se sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201. do Código de Processo Penal (CPP), enquanto aguardava ulterior termo do processo.
b. Na sequência do Mandado de Detenção do Tribunal Judicial de Valongo, 3. Juízo (Doc.4), em 19 de julho de 2013, iniciou o cumprimento da pena efetiva de 8 (oito) anos de prisão, a que foi condenado por decisão transitada em julgado, a 27 de março de 2013;
3. Sendo assim, importa, desde já, destrinçar dois momentos distintos, na esteira do disposto na Circulam. 16/CSF, de 15 de julho de 2004 (Doc.5) - vide parágrafos III e IV são estes: o lapso temporal durante o qual o Cabo G... esteve sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, e o momento a partir do qual este iniciou o cumprimento da pena efetiva, que relevaram de forma diferenciada para efeitos da aferição dos montantes a abonar ao Cabo G..., a título de remuneração, e que consubstanciaram a necessidade deste repor a quantia de € 9.484,94 (Doc.2):
a. Durante o primeiro momento, ou seja, enquanto o Cabo G... se encontrava sujeito a sobredita medida de coação, tinha o mesmo direito a ser abonado da remuneração base e do suplemento das forças de segurança, perdendo apenas o direito as remunerações acessórias e ao subsídio de alimentação;
b. O supracitado primeiro momento terminou coma detenção e inerente condução do Cabo G... para o Estabelecimento Prisional de Tomar, decorrência do transito em julgado da sentença condenatória, que, nos termos do artigo 214.°, n. 2, do CPP, é causa de extinção da medida de coação a que o Cabo G... estava sujeito;
c. Entramos ora num segundo momento, a partir do qual o Cabo G... passou a ter direito a auferir 1/3 da sua remuneração base, circunstância que se vai manter durante o cumprimento da pena de prisão, enquanto este mantiver o vínculo jurídico a instituição;
d. Todavia, importa dilucidar que, nos termos do artigo 80. , n. 1, do Código Penal, o tempo a que o Cabo G... esteve sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, é descontado por inteiro no cumprimento da pena de prisão, pelo que se considera como cumprimento de pena efetiva;
e. Tendo-lhe sido, por isso, solicitada a reposição do montante excedente que recebeu, a título de remuneração base e suplemento das forças de segurança, desde que iniciou a obrigação de permanência na habitação, porquanto a partir desta data só lhe era devido 1/3 da sua remuneração;
f. Tal procedimento decorre do respeito pelo princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no artigo 32., n. 2, da Constituição da República Portuguesa, motivo pelo qual, in casu, não pode esta Guarda operar de diferente modo, apenas procedendo aos acertos depois de transitada em julgado sentença condenatória e inerente início do cumprimento da pena de prisão, porquanto é este o momento em que se comprovou a culpabilidade do Cabo G...;
g. Se assim não se procedesse, violaríamos o sobredito princípio constitucional, uma vez que estaríamos a antecipar a sanção penal. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, quando nos diz que: "(...) a presunção da inocência impõe que a medida cautelar não constitua uma antecipação da sanção penal (acórdão do TEDH no caso Letellierv. Françae, na doutrina, PAOLOTONWI, 2007:288f.)"
4. Pela fundamentação supra exposta, deverá esse Comando emitir BIA solicitando o desconto de 2/3 no vencimento base do Cabo G..., com efeitos reportados a 27 de junho de 2012, consubstanciando o montante a repor de € 9.484,94.
5. Mais se devendo acrescentar, que a falta de fundamentação corresponde a um vício formal do ato administrativo, sancionado com a mera anulabilidade, nos termos do artigo 135 do Código do Procedimento Administrativo, e não com nulidade, e menos ainda com inconstitucionalidade, conforme vem defendido no requerimento em apreço.
6. Termos em que deverá esse Comando proceder conforme se expôs no ponto 4. da presente nota, procedendo ainda a notificação do texto integral da mesma ao Cabo G... e ao seu Ilustre Mandatário, o Exmo. Sr. Dr. PGP, cujo teor constitui a necessária fundamentação da reposição legalmente devida.” (cfr. fls. 23 e ss. do processo físico);
G) Por ofício datado de 27.03.2014, e com referência à resposta à exposição apresentada, foi remetido ao ilustre mandatário do Autor, cópia do ofício transcrito na alínea anterior [cfr. fls. 22 e ss. do processo físico];
H) Em resposta ao ofício anterior, o ilustre mandatário do Autor apresentou novo requerimento, reiterando a nulidade daquele ato e que fosse declarada a inexistência da obrigação de devolução de qualquer quantia [cfr. fls. 38 e ss. do processo físico];
I) O Autor, em 19.08.2014, é notificado do ofício do qual se extrai o seguinte:
“Junto se envia o original e duplicado da Guia de Reposição n.° 665 MAI/GNR, no valor de 9.484,94€, ordenada pela nota de reposição n.° 27993/DRH/DA de 09OUT13 da qual foi notificado em 300UT13, a fim de proceder à reposição da quantia indicada, nos Serviços de Finanças da Autoridade Tributária, devendo ser efetuada no prazo de 30 dias, a contar da data de receção desta nota.
Caso não proceda à reposição, dentro do prazo, este Comando enviará uma declaração de divida para Repartição de Finanças da área da sua residência, para reposição coerciva.
Aquando da reposição, deve o Sr. AMPG, dar conhecimento à SRH deste Comando." (cfr. fls. 45 e ss. do processo físico);
J) A presente ação deu entrada neste Tribunal em 16.10.2014 [cfr. fls. 2 e ss. do processo físico].
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III.2 - DO DIREITO
Elencada a factualidade relevante, cumpre, agora, apreciar se o Tribunal a quo, ao determinar a intempestividade da presente ação, ou seja, a julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação do direito.
Para facilidade de análise, convoquemos, no que ao direito concerne, o que discorreu na 1ª instância:
“(…)
Quanto aos prazos de impugnação do ato administrativo, dispõe o artigo 58.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
“1- A impugnação de atos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo.
2-Salvo disposição em contrário, a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, sem promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
3- A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de ações que se encontram previstos no Código de Processo Civil.
4- Desde que ainda não tenha expirado o prazo de um ano, a impugnação será admitida, para além do prazo de três meses da alínea b) do n.° 2, caso se demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, por:
a) A conduta da Administração ter induzido o interessado em erro;
b) O atraso dever ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma;
c) Se ter verificado uma situação de justo impedimento. ”
Ainda com relevância para a decisão da tempestividade da presente ação, e assim, da eventual caducidade do direito da Autora, dispõe o artigo 59.°, do mesmo Código, que:
"1- O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação, ainda que o ato tenha sido objecto de publicação obrigatória.
2- O disposto no número anterior não impede a impugnação, se a execução do ato for desencadeada sem que a notificação tenha tido lugar.
3- O prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados dos atos que não tenham de ser obrigatoriamente publicados começa a correr a partir do seguinte facto que primeiro se verifique:
a) Notificação;
b) Publicação;
c) Conhecimento do ato ou da sua execução.
4- A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal.
5- A suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares.
6- O prazo para a impugnação pelo Ministério Público conta-se a partir da data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória.
7- O Ministério Público pode impugnar o ato em momento anterior ao da publicação, caso tenha sido desencadeada a sua execução.
8- A retificação do ato administrativo ou da sua notificação ou publicação não determina o início de novo prazo, salvo quando diga respeito à indicação do autor, do sentido ou dos fundamentos da decisão. ”
Assim, a suscetibilidade dos vícios assacados aos atos impugnados serem causa de nulidade ou anulabilidade dos mesmos, é questão que deve ser apreciada de imediato, uma vez que, como decorre do referido normativo, enquanto o ato nulo pode ser impugnado a todo o tempo, o ato anulável, apenas pode ser impugnado pelo seu destinatário, no prazo de três meses (nos casos em que não se verifique a situação prevista no n.° 4, daquele artigo 58.°)
Vejamos, então.
O artigo 135° do Código de Procedimento Administrativo (na redação aplicável à data dos factos), dispõe que são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas para cuja violação se não preveja outra sanção, e o artigo 133.°, n.° 1, do mesmo Código que, são nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, seguindo-se, no n.° 2, uma enumeração de algumas das situações que são considerados atos nulos.
E esta questão da nulidade, tem já sido amiúde tratada pela jurisprudência. Assim, podemos ler, entre outros, o acórdão de 26.06.2008, da 1ª secção, do contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no processo n.° 00255/04.1BEBRG, disponível em www.dgsi.pt, de onde se retira, o seguinte: “No nosso ordenamento jurídico-administrativo a forma de invalidade da nulidade reveste de natureza excecional porquanto o regime regra é o da anulabilidade (cfr. art. 135° do CPA) (cfr., por todos, Freitas do Amaral in: ob. cit., págs. 408/409).
Refere a este propósito J.C. Vieira de Andrade (in: ob. cit., págs. 586/587) que num "... sistema de administração executiva, como o português, a generalidade da doutrina está de acordo em que a anulabilidade constitui a «invalidade-regra», em função das ideias de estabilidade (das relações jurídicas criadas pelos atos ou à sombra deles) e de autoridade (mas não já de «presunção de legalidade»), do ato administrativo - para uns porque a nulidade só existe nos casos expressamente previstos na lei; para outros, porque o regime da nulidade só se aplica em casos de vícios particularmente graves ..." (cfr., também, o mesmo Autor em “Nulidade e anulabilidade do ato” in: CJA n.° 43, JAN/FEV 2004, págs. 41 a 48, em especial, págs. 46/47, bem como Freitas do Amaral in: ob. cit., pág. 409). Daí que os casos de nulidade no nosso ordenamento são aqueles que vêm estabelecidos no art. 133.° do CPA, normativo este que encerra em si, para além duma remessa para o que se mostre fulminado em lei especial com o desvalor da nulidade, um enunciado genérico que contém a lista das nulidades. E reportando-se ao regime decorrente do citado art. 133.° refere Marcelo Rebelo de Sousa (em “Inexistência jurídica” in: “DJAP”, vol. V, pág. 242) que “...o Código aponta para as seguintes inovações, no domínio que nos importa:
1. ° Suprime a figura da nulidade por natureza, ao englobá-la na cláusula geral do n.° 1 do art. 133°;
2.° Define de tal modo a nulidade que praticamente cobre todas as situações que a doutrina e a jurisprudência consideravam de inexistência jurídica do ato administrativo.
Tomando esta segunda inovação, vemos que a nulidade passa a corresponder à falta de qualquer dos elementos essenciais do ato. Definindo Diogo Freitas do Amaral - principal autor material ou informal do Código - elementos de molde a abarcar o que outros setores da doutrina (em que nos integramos) qualificam de pressupostos, e parecendo ser esse o sentido vazado no Código, na previsão do art. 133° n.° 1 caberiam a falta de sujeito (órgão administrativo), de competência em termos de função do Estado e de competência absoluta, e de suscetibilidade de atuação imputável a órgão da Administração (isto é, por titulares devidamente investidos e preenchendo os requisitos de tal imputação).
Por outras palavras, acarretariam nulidade todos os casos de inidentificabilidade orgânica mínima, bem como os de inidentificabilidade material mínimas (enumerados no n.° 2) ...”. Da leitura do dispositivo em referência resulta, assim, para além duma enumeração exemplificativa das situações geradores de nulidade (cfr. o seu n.° 2 quando se emprega a expressão “designadamente”), uma enumeração genérica de duas situações geradoras igualmente do desvalor da nulidade (cfr. o seu n.° 1), ou seja, por um lado, temos aquelas situações em que por lei especial é fulminado um ato com tal forma de invalidade e, por outro, temos as situações em que um ato é nulo por lhe faltarem os “elementos essenciais”.
Atente-se, por outro lado, que dúvidas não existem quanto à previsão legal da al. d) do n.° 2 do art. 133° do CP A que a mesma é extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP, bem como aos direitos de caráter análogo àqueles insertos no próprio texto constitucional, ou em norma de direito internacional ou comunitário ou ainda em lei ordinária (cfr. J.C. Vieira de Andrade in: "Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", págs. 87 e segs.; J.M. Cardoso da Costa em "A hierarquia das normas constitucionais a sua função na proteção dos direitos fundamentais" in: BMJ n.° 396, pág. 93; M. Esteves de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J. Pacheco Amorim in: "Código do Procedimento Administrativo", 2a edição atualizada, revista e aumentada, pág. 646). Utilizando a expressão de J.M. Cardoso da Costa temos que o legislador terá pretendido tutelar com o disposto no art. 133.°, n.° 2, al. d) do CPA o "núcleo duro" da CRP (cfr. citado autor in: loc. e pág. citados supra). Defendem J.M. Santos Botelho, A. Pires Esteves e J. Cândido de Pinho em sede de interpretação da expressão "conteúdo essencial de um direito fundamental" utilizada no normativo a que vimos fazendo alusão que ali se consagra uma formulação absoluta e restrita dos direitos fundamentais, sendo ",.. absoluta na medida em que sanção da nulidade afetará todos os atos administrativos..." e "... restrita já que não será qualquer lesão que será apta a gerar tal nulidade, mas, apenas, a que afete o conteúdo essencial..." (in: "Código do Procedimento Administrativo", 5a edição, pág. 799, nota 36),
Refira-se, ainda, que na previsão em análise estão ainda abrangidos os atos administrativos não só os que violam pelo seu conteúdo ou motivação esse direito fundamental mas também aqueles em cujo procedimento se postergam direitos dessa mesma natureza dos interessados. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", então a sanção adequada será a anulabilidade.”
Ora, presentes os normativos legais aplicáveis, bem como os considerandos e jurisprudência citados, vejamos, então.
O Autor, na presente ação, peticiona a nulidade do ato praticado pelo Réu e que lhe foi notificado em 30.10.2013 e que determinou que o mesmo procedesse à reposição do valor de € 9.484,94, invocando a invalidade do ato decorrente da sua falta de fundamentação e do erro nos pressupostos de direito.
Cabendo, por isso, decidir se as invalidades imputadas ao ato impugnado originam a mera anulabilidade ou a sua nulidade, conclui-se, desde logo, que não existindo qualquer norma que comine com a nulidade a indicada falta de fundamentação, bem como o invocado vicio de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, as mesmas a serem consideradas procedentes apenas originam a anulabilidade daquele ato (neste sentido, e em particular no que respeita aos vícios de falta de fundamentação e de falta de audiência prévia, entre outros o Acórdão de 18.10.2007, no processo n.° 00032/05.2BECBR, da 1ª secção de contencioso administrativo, do Tribunal Central Administrativo do Norte, disponível em www.dgsi.pt), atento o disposto no artigo 135.°, do Código de Procedimento Administrativo, conjugado com o artigo 133.°, do mesmo Código, pelo que, cabe agora apenas proceder à contagem do prazo de três meses para apresentação da presente petição inicial, atento o disposto no artigo 58.°, n.° 2, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
E para averiguar se a presente ação foi interposta no prazo de três meses a contar da data em que o Autor teve conhecimento do ato que vem agora impugnar, cabe antes de mais não olvidar que este prazo de três meses é contado como sendo de 90 dias, quando se verifique no seu decurso a existência de dias de férias judiciais, atenta a constatação de que o mês legal corresponde a 30 dias (neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.11.2007, no processo n.° 0703/07).
Ora, o Autor foi notificado daquele ato em 30.10.2013, tendo proposto a presente ação em 16.10.2014 (factos assentes nas alíneas a), b) e j)), pelo que, nos termos do indicado artigo 59.°, n.° 1 e 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o prazo para impugnação contenciosa daquele ato iniciou-se em 31.10.2013, tendo sido suspenso em 22.12.2013, por efeito das férias judiciais do Natal (nos termos do disposto no artigo 28.°, da Lei de Organização do Sistema Judiciário), e tendo reiniciado em 04.01.2014, terminou em 10.02.2014, por decurso daqueles 90 dias.
Alega, porém, o Autor que não se verifica a caducidade do direito de ação, desde logo pela existência do vício gerador de nulidade que se manifestou na primeira notificação, levando à necessidade do Réu prestar esclarecimentos adicionais; que, de todo o modo não se verifica a invocada caducidade do direito de ação, atendendo à data da notificação ao Autor (19.08.2014), do ato administrativo de reposição.
Sucede que além de decorrer inequivocamente da petição inicial apresentada que o ato impugnado nos presentes autos é o ato que foi notificado ao Autor em 30.10.2013, sendo, por isso, irrelevante que o Autor venha, em sede de resposta à exceção de caducidade do direito de ação, alegar agora que apenas teria sido notificado daquele ato em 19.08.2014, quando efectivamente tinha alegado que impugnava a ordem de reposição que lhe tinha sido notificada em 30.10.2013, constando aliás da notificação de 19.08.2014, que aquela nota de reposição se reporta à nota de reposição n.° 27993/DRH/DA de 09OUT13 “da qual foi notificado em 30OUT13”.
Por outro lado, e quanto aos vários requerimentos apresentados pelo Autor, e a possibilidade dos mesmos poderem ter operado qualquer efeito suspensivo no prazo para impugnação daquele ato, nos termos do artigo 58.°, n.° 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, considerando que foram sendo sempre dirigidos ao Comandante do Comando Territorial de Aveiro da Guarda Nacional Republicana e configurando assim reclamações do ato impugnado, a verdade é que tendo a primeira delas foi apresentada para além dos 15 dias (uma vez que foi notificado do ato impugnado em 30.10.2013 e apenas remeteu em 11.12.2013, por correio registado, a primeira daquelas exposições) de que 0 Autor dispunha para esse efeito, não tiveram a virtualidade de produzir o efeito suspensivo do prazo de impugnação que se encontrava em curso (neste sentido, vide o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22,11.2012, proferido no processo n.° 09062/12).
Quanto à alegação do Réu de que o prazo poderia quando muito contar-se desde 27.03.2014, quando foram prestados esclarecimentos adicionais ao Autor, a verdade é que mesmo considerando que aqueles esclarecimentos pretendiam completar a fundamentação do ato impugnado e notificado ao Autor em 30.10.2014, tal situação contende já não com o inicio do prazo de impugnação mas com a invalidade que lhe vem assacada (constituindo uma situação de fundamentação a posteriori).
Pelo exposto, considero procedente a exceção de caducidade do direito de ação do ato impugnado, que obsta ao prosseguimento do processo, nos termos do artigo 89°, n.° 1, alínea h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e determina a absolvição da instância do Réu, nos termos do disposto nos artigos 278.°, n.° 1, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o artigo 1.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
São devidas custas pelo Autor, nos termos do artigo 527.°, n.° 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o artigo 1.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido (cfr. fls. 50 e ss. do processo físico).
(…)”
Desta sentença discorda o Recorrente, que lhe imputa erro de julgamento de direito, que substancia com base no entendimento de que (i) a falta de fundamentação inquina o ato de nulidade, no mais essencial, por falta de um elemento essencial, nos termos do disposto no nº.1 do artigo 133º do CPA; e/ou por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo inconstitucional o sentido da interpretação dos artigos 123º, 124º e 133º do C.P.A. quando não concordante com a posição defendida pelo Recorrente [nulidade], ou, quando assim não se entenda, de que (ii) a presente ação foi intentada dentro do prazo legal, não se verificando a caducidade do direito de ação, considerando a data de notificação ao Autor [19.08.2014] do ato administrativo de reposição da quantia exigida pelo Réu.
Mas sem razão, como veremos.
Na verdade, o dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto no nº.1 e alínea f) do n.º 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA].
Neste sentido, pode ver-se, de entre outros, os seguintes Acórdãos:
- do Tribunal Constitucional, de 10.12.2008, tirado no Processo nº. 1111/07, disponível em www.tribunalconstitucional.pt: “[…] Ora, o direito de ação ou de recurso contencioso tem por conteúdo a garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos e interesses legalmente protegidos, afetados ou violados por atos administrativos. A fundamentação, apenas, propicia, na perspetiva de um eventual exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efetividade, a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da concreta ação e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto ato e deliberação. Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a atividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele. Nesta perspetiva, pode concluir-se que o dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. […] Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento. Como diz José Carlos Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é [ou é sempre] causa de invalidade do ato administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento do ato. Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra [artigo 135º do CPA], e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica [artigo 133º do CPA], bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. E, dizemos em princípio, porque a violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da garantia institucional constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA]. Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 293]. […]”
- do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2002, no processo 0360/02: “Este Supremo Tribunal tem, reiteradamente, decidido que a falta de fundamentação, consiste num vício de forma que não é gerador de nulidade mas de mera anulabilidade. Vejam-se neste sentido e a título meramente indicativo os Acórdãos da Secção, de 30/11/1995, no recurso n° 35.872, de 21/3/2002, no recurso n° 221/02 e do Pleno de 8/10/1998, no recurso 34.722, que veio reforçar aquela linha jurisprudencial de que não se vislumbram agora razões para divergir. Como se pode ler no primeiro daqueles Acórdãos, "Com efeito, nem todos os elementos do ato administrativo enumerados no n° 2 do artigo 123° do Código do Procedimento Administrativo constituem elementos essenciais do ato para efeitos do disposto no n° 1 do artº 133° do mesmo diploma, sendo entendimento dominante que a falta de fundamentação é geradora de mera anulabilidade. A história dos preceitos confirma este entendimento: na 2ª versão (1982) do Projeto do então chamado Código do Processo Administrativo Gracioso, após se estabelecer a regra de que eram nulos os atos a que faltasse qualquer dos seus elementos essenciais (n° 1 do artigo 174º), também se cominava a nulidade para os atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigida (alínea f) do n° 2 do mesmo artigo), o que implicava que a fundamentação não era considerada elemento essencial do ato; na versão definitiva do Código, retirou-se do elenco do n° 2 do correspondente artº 133° a menção aos atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigível, “pois a sanção adequada para eles não é a nulidade, mas a anulabilidade” (DIOGO FREITAS DO AMARAL e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Coimbra, 1995, págs. 197 e 212; porém, admitindo a existência de casos em que a falta de fundamentação, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, gera nulidade, nos termos da alínea d) do n° 2 do citado artigo 133º, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Volume II, Coimbra, 1995, págs. 96-98 e 151". Sendo a fundamentação dos atos administrativos em si mesma um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de conteúdo material, não é de considerar como direito fundamental, salvo se em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que não está adquirido nos autos.”
- deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.09.2010, tirado no processo nº. 00007/09.2BEMDL, em que se sumariou: (…) I. A invalidade de um ato administrativo consiste na sua inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica; II. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, torna o ato totalmente ineficaz, é insuscetível de sanação, é impugnável a todo o tempo perante os tribunais, sendo que este conhecimento judicial concorre com o conhecimento administrativo; III. A anulabilidade traduz um desvalor menos grave, sendo o ato eficaz até ser anulado [ou suspenso], é passível de sanação, é obrigatório enquanto não for anulado, e esta anulação, que tem prazo, apenas pode ser judicial; IV. O vício de falta de fundamentação acarreta, em princípio, apenas a anulabilidade do ato que dele padece.
(…)”.
- deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.05.2012, no processo 00730/10.9BECBR, em que se sumariou:” (…) I. Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato, ato este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa. II. O invocado desconhecimento quanto ao facto do prédio estar ou não inserido em zona REN e se está próximo de linha de água com consequente ilegalidade do edificado mostra-se irrelevante para efeitos da pretensa falta de fundamentação do ato impugnado. III. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", a sanção adequada será a anulabilidade. IV. Não ocorre violação do art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA dado nem a falta de fundamentação ser suscetível de gerar no caso o desvalor da nulidade, nem se mostra alegado a violação dum qualquer outro direito fundamental por parte do ato impugnado. V. Questão prejudicial para efeito do disposto no art. 31.º n.º 1 do CPA tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento. VI. Esta decisão não pode ser proferida, nomeadamente com uma determinada margem de segurança, sem se saber ou conhecer o resultado da decisão da questão prejudicial que compete a outro órgão administrativo ou aos tribunais, ou seja, a resolução final da questão colocada à apreciação do órgão administrativo tem que depender da solução a dar à questão prejudicial (…)”.
Não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida na apontada jurisprudência, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos, pelo que a ela aderimos.
Importa, por isso, determinar se no caso em apreço ocorre a excecionalidade da fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA], determinante da nulidade do ato impugnado.
Nesta sede, entendemos reproduzir o teor da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Aresto de 10.04.2007, tirado no processo nº. 0523/07, em que se sumariou: “(…) I - A sanção que geralmente recai sobre um ato administrativo inválido é a sua anulabilidade (art. 135.º do CPA), sendo que a lei só determina a sua nulidade quando lhe falte qualquer um dos seus elementos essenciais ou quando expressamente o sancione com essa forma de invalidade - art.º 133.º do mesmo diploma. Deste modo, só são nulos os atos administrativos especificamente indicados na lei - é o caso dos enumerados no n.º 2 daquele art.º 133.º - e aqueles a que falte um dos seus elementos essenciais. II - Por elementos essenciais do ato administrativo para efeitos do art.º 133.º, n.º 1, do CPA, deve entender-se os elementos integrantes do próprio ato administrativo contidos no art.º 120.º do mesmo código e, por isso, só são nulos os atos a que falte qualquer dos seus elementos constitutivos, pelo que só na aparência são atos administrativos. III - Deste modo, e sendo a fundamentação dos atos uma formalidade instrumental dirigida à defesa dos direitos de conteúdo material a mesma não pode ser considerada como um elemento essencial do ato administrativo salvo se, em concreto, servir para a defesa de um direito fundamental. IV - Com efeito, sendo a falta de fundamentação um vício relacionado com a legalidade externa do ato, que nada tem a ver com a sua legalidade interna, não pode a mesma considerar-se um elemento essencial do ato, um seu elemento constitutivo, e portanto um elemento cuja falta determinaria a sua nulidade. V - Daí que a sindicância de ato administrativo com fundamento na falta de fundamentação tenha de ser feita no prazo de 2 meses estabelecido no art.º 28.º da LPTA. (…)”.
Ressalte-se, também, o expendido por esta mesma Instância no Acórdão prolatado em 25.05.2011, no processo 091/11, onde se concluiu: (…) Relativamente ao dever de fundamentação dos atos administrativos e tributários constitui linha jurisprudencial dominante que, não obstante se tratar de uma imposição constitucional, não constitui um direito de natureza fundamental cuja ofensa possa determinar a nulidade do ato. Aliás, a falta de fundamentação nem sequer põe em causa a identificabilidade orgânica ou a identificabilidade material do ato, repercutindo-se, apenas, e em princípio, na sua inteligibilidade e justificação perante os interessados (por estar em causa essencialmente a sua compreensibilidade), pelo que também não implica a falta de qualquer elemento essencial do ato, não podendo, assim, gerar a sua nulidade. Por particularmente expressivo, não resistimos a transcrever, nos seus excertos essenciais e verdadeiramente elucidativos, o Acórdão n.º 594/08 do Tribunal Constitucional, cuja doutrina sufragamos, e onde se conclui que a fundamentação dos atos administrativos não constitui um direito fundamental, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (por não constituir, sequer, garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados), embora possa vir a ser permeado com as exigências dos direitos fundamentais nos casos, pontuais e específicos, em que a fundamentação do ato seja condição indispensável da realização de direitos fundamentais.“(…) Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia (…)” Como também refere VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, “… não há um direito subjetivo fundamental à fundamentação (ou à notificação) de todos os atos administrativos (lesivos)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por estes Tribunais Superiores, tem-se, portanto, por assente que:
(i) a fundamentação dos atos só pode ser considerada como um elemento essencial do ato administrativo se, em concreto, servir para a defesa de um direito fundamental;
(ii) o direito a uma fundamentação dos atos administrativos não é de modo algum um direito fundamental, nem decorre da lei ordinária um especial dever de fundamentar os atos administrativos, a ponto de se entender que tal dever representa a garantia única ou essencial de salvaguardar um valor fundamental.
No caso concreto, está invocada a violação do direito à informação consagrado no artigo 37º da Constituição da República Portuguesa [C.R.P.].
Este artigo 37º garante a todos a liberdade de expressão e informação, o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações, sendo ainda articulado com o direito de participação na vida pública.
Chegamos ao “direito à informação administrativa” no Título da Administração Pública, no artigo 268º nº 1 da C.R.P. [dimensão procedimental] e nº 2 [princípio da administração aberta]; sendo que ambos materializam um princípio geral de publicidade ou transparência da Administração Pública, em concretização do princípio do Estado de Direito democrático.
Como se decidiu no acórdão do colendo S.T.A., de 21.01.2008, tirado no processo nº. 0896/07, “(…) O direito à informação materializa-se por diversos meios de que são exemplos a consulta do processo, a reprodução ou declaração autenticada de documentos, a prestação de indicações sobre a sua existência e conteúdo e a passagem de certidões (…)”.
Ora, a eventual falta de fundamentação do ato impugnado não põe em causa o direito da Recorrente a obter a consulta do processo, a reprodução ou declaração autenticada de documentos, a prestação de indicações sobre a sua existência e conteúdo e a passagem de certidões, apenas a compreender [ou não] as razões do Réu para exigir o reembolso da quantia de € 9,484,94, sendo de referir o facto do bloco legal aplicável nada aportar de relevante no sentido de exigir uma fundamentação acrescida como garantia da salvaguarda de um direito fundamental, como sucede, por exemplo, no domínio do direito sancionatório relativamente ao direito de defesa do arguido, o que também contribuiu para a posição ora assumida por este Tribunal no que diz respeita a esta matéria.
Pelo que o alegado fundamento de invalidade, que não se confunde com o direito à fundamentação expressa dos atos administrativos constitucionalmente previsto no artigo 268º, nº. 3 da CRP, a proceder, jamais terá a virtualidade de contender com o núcleo essencial do direito à informação administrativa previsto no artigo 37º da C.R.P, sendo, por isso, inidóneo a gerar a nulidade do ato ora impugnado.
Assim, e sopesando que o se vem de expender nos supra pontos (i) e (ii), in casu, carece de apoio legal e/ou doutrinal a configuração da violação do dever de fundamentação como associada à forma de invalidade mais gravosa, ademais e especialmente, por falta de um elemento essencial, nos termos do disposto no nº.1 do artigo 133º do CPA, e por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, não se divisando qualquer inconstitucionalidade na interpretação dos preceitos de lei ordinários contidos dos artigos 123º, 124º e 133º do C.P.A. no sentido que de vem de expor.
A anulabilidade é, pois, a única hipótese aqui em causa.
A ser assim, a não instauração da ação administrativa especial dentro do prazo legal, que é de 3 meses, prazo esse que expirou em 08.07.2014, constitui um insuperável obstáculo ao prosseguimento da presente ação.
Refira-se que não tem razão o Recorrente quando advoga que o prazo para a interposição da presente ação deve atender à data de 19.08.2014 de notificação do ato administrativo de reposição de quantia exigida pelo Réu.
Na verdade, estabelece o nº. 1 do artigo 60º do C.P.T.A. para efeitos da impugnação contenciosa, um princípio de inoponibilidade da notificação ou da publicação, quando esta não dê a conhecer ao interessado o sentido da decisão, o que significa que se não inicia o prazo para a utilização do meio processual enquanto não for efetuada uma nova notificação que identifique o conteúdo e o objecto da decisão.
Quando faltem outros elementos que devam constar da notificação e que o interessado considere necessários para deduzir o meio impugnatório, poderá este requerer a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha [n° 2].
Nos presentes autos, cabe notar que se mostra provado que, após ter tomado conhecimento do teor da nota de reposição de abonos indevidos, de entre outras atuações procedimentais, o Recorrente, em 07.03.2014, dirigiu um requerimento ao Comandante do Comando Territorial de Aveiro da Guarda Nacional Republicana, invocando a falta de fundamentação da nota de reposição visado nos autos [alíneas a) a e) do probatório].
Cabe ainda notar que resulta demonstrado que tal pretensão logrou obter resposta da Administração, comunicada ao Recorrente, por intermédio do seu mandatário, em 27.03.2014 do seguinte teor:”
“(…)
1. Através da nota em referência (Doc.1), da Secção de Recursos Humanos - Abonos, do Comando Territorial de Aveiro, foi enviada a esta Divisão, exposição apresentada pelo Dr. PGP, Ilustre Mandatário do Cabo G..., invocando a nulidade, por falta de fundamentação, da Nota n. 27993/DRH/DA, de 08 de outubro de 2013 (Doc.2), cujo conteúdo foi notificado ao Cabo G... em 30 de outubro de 2013 (Doe.3).
2. Sobre o caso sub judice, sempre se dirá que o Cabo G...:
a. Desde 27 de junho de 2012, encontrava-se sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201. do Código de Processo Penal (CPP), enquanto aguardava ulterior termo do processo.
b. Na sequência do Mandado de Detenção do Tribunal Judicial de Valongo, 3. Juízo (Doc.4), em 19 de julho de 2013, iniciou o cumprimento da pena efetiva de 8 (oito) anos de prisão, a que foi condenado por decisão transitada em julgado, a 27 de março de 2013;
3. Sendo assim, importa, desde já, destrinçar dois momentos distintos, na esteira do disposto na Circulam. 16/CSF, de 15 de julho de 2004 (Doc.5) - vide parágrafos III e IV são estes: o lapso temporal durante o qual o Cabo G... esteve sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, e o momento a partir do qual este iniciou o cumprimento da pena efetiva, que relevaram de forma diferenciada para efeitos da aferição dos montantes a abonar ao Cabo G..., a título de remuneração, e que consubstanciaram a necessidade deste repor a quantia de € 9.484,94 (Doc.2):
a. Durante o primeiro momento, ou seja, enquanto o Cabo G... se encontrava sujeito a sobredita medida de coação, tinha o mesmo direito a ser abonado da remuneração base e do suplemento das forças de segurança, perdendo apenas o direito as remunerações acessórias e ao subsídio de alimentação;
b. O supracitado primeiro momento terminou coma detenção e inerente condução do Cabo G... para o Estabelecimento Prisional de Tomar, decorrência do transito em julgado da sentença condenatória, que, nos termos do artigo 214.°, n. 2, do CPP, é causa de extinção da medida de coação a que o Cabo G... estava sujeito;
c. Entramos ora num segundo momento, a partir do qual o Cabo G... passou a ter direito a auferir 1/3 da sua remuneração base, circunstância que se vai manter durante o cumprimento da pena de prisão, enquanto este mantiver o vínculo jurídico a instituição;
d. Todavia, importa dilucidar que, nos termos do artigo 80. , n. 1, do Código Penal, o tempo a que o Cabo G... esteve sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, é descontado por inteiro no cumprimento da pena de prisão, pelo que se considera como cumprimento de pena efetiva;
e. Tendo-lhe sido, por isso, solicitada a reposição do montante excedente que recebeu, a título de remuneração base e suplemento das forças de segurança, desde que iniciou a obrigação de permanência na habitação, porquanto a partir desta data só lhe era devido 1/3 da sua remuneração;
f. Tal procedimento decorre do respeito pelo princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no artigo 32., n. 2, da Constituição da República Portuguesa, motivo pelo qual, in casu, não pode esta Guarda operar de diferente modo, apenas procedendo aos acertos depois de transitada em julgado sentença condenatória e inerente início do cumprimento da pena de prisão, porquanto é este o momento em que se comprovou a culpabilidade do Cabo G...;
g. Se assim não se procedesse, violaríamos o sobredito princípio constitucional, uma vez que estaríamos a antecipar a sanção penal. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, quando nos diz que: "(...) a presunção da inocência impõe que a medida cautelar não constitua uma antecipação da sanção penal (acórdão do TEDH no caso Letellierv. Françae, na doutrina, PAOLOTONWI, 2007:288f.)"
4. Pela fundamentação supra exposta, deverá esse Comando emitir BIA solicitando o desconto de 2/3 no vencimento base do Cabo G..., com efeitos reportados a 27 de junho de 2012, consubstanciando o montante a repor de € 9.484,94.
5. Mais se devendo acrescentar, que a falta de fundamentação corresponde a um vício formal do ato administrativo, sancionado com a mera anulabilidade, nos termos do artigo 135 do Código do Procedimento Administrativo, e não com nulidade, e menos ainda com inconstitucionalidade, conforme vem defendido no requerimento em apreço.
6. Termos em que deverá esse Comando proceder conforme se expôs no ponto 4. da presente nota, procedendo ainda a notificação do texto integral da mesma ao Cabo G... e ao seu Ilustre Mandatário, o Exmo. Sr. Dr. PGP, cujo teor constitui a necessária fundamentação da reposição legalmente devida.” (cfr. fls. 23 e ss. do processo físico);
(…)”
Em face do teor deste ofício, é de considerar que são dadas, de forma suficiente, clara e precisa, a conhecer ao interessado as razões do Réu para exigir o reembolso da quantia de € 9,484,94, sendo, por isso, tal notificação oponível ao interessado, seu destinatário, nos termos do nº 1 do artigo 60º do C.P.T.A.
Sendo oponível, não se pode aproveitar quanto às demais intervenções procedimentais do Recorrente o efeito interruptivo da contagem do prazo de impugnação contenciosa previsto no citado artigo 60º do C.P.T.A.
Isso significa que a partir de então [na melhor das hipóteses, 31.03.2014] se iniciou o prazo para a utilização do meio processual impugnatório, in casu, a ação administrativa especial, cuja instauração está sujeita a prazo, nos termos do nº. 2 do artigo 58º do C.P.T.A,
Na data em que a presente ação foi proposta, em 16 de outubro de 2014, já havia decorrido o prazo previsto no artigo 58°, n°. 2 alínea b) do C.P.T.A.
A decisão judicial recorrida erra, todavia, ao considerar como termo a quo da contagem desse prazo, assim convertido, o dia 10.02.2014., uma vez que, como supra se expos, que o prazo relevante é o de 08.07.2014.
Acontece, porém, que esse erro factual não se repercute decisivamente no sentido da decisão deste recurso, pois que resulta que, no dia 16.10.2014, data da interposição desta ação impugnatória, já estava caducado o direito do Autor/Recorrente a fazê-lo.
Derradeiramente, saliente-se que alegação em torno da convocação ao caso presente do disposto no nº.4 do artigo 58º do C.P.T.A. carecia de mais e melhor densificação e justificação, o que só por si determina a sua não verificação.
Com efeito, a alegação que o Recorrente mobiliza neste domínio é manifestamente insuficiente no sentido da sua conformação com a aplicação do regime do erro desculpável, não constituindo suporte para logicamente se concluir a necessidade, ou, sequer, a probabilidade da sua verificação.
Concludentemente, improcedem todas as conclusões de recurso.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida, com a atual fundamentação.
Assim se decidirá.
***
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, ainda que com fundamentação parcialmente diferente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
Porto, 29 de março de 2019,
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco