Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00163/03 - Coimbra
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:MENOS VALIAS - PROVISÕES
Sumário:1. Nos termos do art. 42º/1 do CIRC (na redação aplicável), “Consideram-se mais valias ou menos valias realizadas os ganhos ou as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere....”
2. Uma vez que a renegociação contratual não incidiu sobre bens integrantes do activo imobilizado da Impugnante não pode apelar ao disposto no art. 42º/1 CIRC para contabilizar como custos a diferença entre o valor contratado inicialmente (1995) e o que posteriormente (em 2000) renegociou.
3. A constituição de provisão para créditos de cobrança duvidosa não será admissível se não resultarem de actividade económica da empresa. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: P…, SA
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Coimbra na parte em que julgou improcedente a impugnação deduzida pela Impugnante contra as liquidações de IRC do exercício de 2000.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1. O presente Recurso vem interposto de Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente, relativa a acto tributário de liquidação adicional de IRC, do ano de 2000, no valor total de 995.948,67 €, e da qual se recorre na parte julgada improcedente.
2. A Recorrente no âmbito do exercício da sua actividade procedeu à qualificação na sua contabilidade do valor de 132 480 000$00 (cento e trinta e dois milhões e quatrocentos e oitenta euros, ou seja, 660.807,45 €) como “dívida incobrável”, ou seja, na conta “692 - dívidas incobráveis”, efectuado a contrapartida da conta “26831 – M…, Lda”, quando, em rigor aquilo que deveria ter apurado e registado contabilisticamente era uma menos-valia na alienação das 150 000 acções da S…, não existindo, na verdade, uma dívida incobrável.
3. A ora Recorrente assume ter efectuado uma incorrecta contabilização dos factos acima descritos.
4. Isto porque, na sua redacção à data, o n.° 1 do artigo 42.° do CIRC estabelecia que são consideradas menos valias as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere (sublinhado nosso).
5. Sendo que, para efeitos de cálculo desta menos-valia fiscal teria de atender-se ao estipulado no n.° 2 do artigo 42° do CIRC, considerando o legislador que o valor de realização nos casos de alienação de acções é o valor da respectiva contraprestação (alínea f), do n.° 3 do artigo 42° do CIRC).
6. Não se aceita que o Tribunal “a quo”, a respeito dos argumentos alegados em primeira instância, tenha dito que a douta impugnação nunca poderia proceder, nesta parte, tendo por base única e exclusivamente a seguinte fundamentação:
Ora, de acordo com o artigo 42.°, n.° 1 do CIRC (redacção então em vigor), só seriam de considerar menos-valias realizadas as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado. E, à data da renegociação, as referidas acções já não faziam parte do activo imobilizado da impugnante.
7. Uma outra correcção efectuada pela Administração Fiscal e impugnada pela Recorrente foi a desconsideração como custo fiscal de provisão para cobrança duvidosa.
Isto porque a Recorrente no exercício da sua actividade, entre Abril de 1997 e Maio de 1998, vendeu à sociedade PLÁSTICOS S…, S.A., diversos produtos por si fabricados e resultantes da sua actividade normal, no valor total de 325 892 887$40 (1.625.546,87 €), conforme facturas identificadas e relacionadas no extracto de conta corrente, juntas aos autos.
8. A ora recorrente respeitou e cumpriu o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 33.° do CIRC, ou seja, os créditos resultavam da actividade normal da empresa; verificava-se o risco de incobrabilidade; e existia evidência na contabilidade dos respectivos valores como créditos de cobrança duvidosa.
9. Não se compreende a razão pela qual a argumentação da Administração Fiscal para a não aceitação da provisão como custo fiscal, se centre, apenas e totalmente, na alegada impossibilidade de aceder à contabilidade da S…, descurando, em absoluto, os requisitos previstos na lei para efeitos de consideração de custo fiscal.
10. Foi inclusivamente intentada acção judicial para recuperação dos créditos por parte da recorrente.
11. Requisitos que foram integralmente respeitados pela Recorrente, no momento da constituição da provisão em causa, ou seja, existiram efectivamente vendas à S… que não foram pagas, verificando-se assim o risco de incobrabilidade, tendo sido intentada, no ano de 2000, competente acção judicial contra a devedora; e por último a provisão encontrava-se evidenciada na contabilidade, quer na conta 21.8 do POC, quer na nota 23 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados, conforme prova documental junta aos autos.
12. Apesar da douta Sentença recorrida indicar que a Administração Fiscal apenas colocou em causa o custo porque as facturas aqui referenciadas não resultavam da actividade normal da empresa, a ora Recorrente fez prova do contrário em juízo.
13. As provas documentais juntas aos autos e a prova testemunhal apresentada demonstrou que as vendas em causa foram dirigidas à obtenção do lucro.
14. Só se o entendimento da Administração Fiscal, em sede de inspecção, tivesse ido no sentido da qualificação da facturação como “falsa”- o que não aconteceu !-, se poderia defender que a Administração Fiscal tinha posto em causa a correspondência das mesmas com a realidade documentada e com a verdade.
15. Em suma: por tudo isto não se aceita que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra não tenha considerado a prova oferecida como provada, considerando que esta afirmação só poderá resultar de uma errada apreciação e valoração dos factos.
16. A Sentença do Tribunal “a quo” violou o n.° 1 do artigo 42.° do CIRC, os artigos 23º, n.° 1, alínea i) e 24°, n.° 1, alínea b) do CIRC, o Artigo 11.º da Lei Geral Tributária e a alínea a) do n.° 1 do artigo 33.° do CIRC.
TERMOS EM QUE,
COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE COIMBRA, ANULADO-SE O ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRC, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE A RESTITUIÇÃO À ORA RECORRENTE DO VALOR DO IRC QUE ENTRETANTO VENHA A SER PAGO, COM JUROS
INDEMNIZATÓRIOS CALCULADOS NOS TERMOS DA LEI, BEM COMO DE PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito na parte em que julgou improcedente a impugnação.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1. Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Coimbra procederam a exame à escrita da Impugnante, em resultado do qual foi elaborado, em 2002.11.04, o relatório de inspecção tributária que integra o processo administrativo em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte:

«III.G. Outros custos não aceites
Foram ainda detectados outros custos não aceites fiscalmente, relacionados na 13.ª Listagem e na 14.ª Listagem, relativas aos exercícios de 1999 e 2000, respectivamente.
Alguns dos valores inscritos nas referidas listagens e comprovados nos anexos, carecem de explicações adicionais, que passamos a expor: (…)

a) 132.480.000$00 lançado na conta “692-dívidas incobráveis”.

Este lançamento, cujos documentos comprovativos constituem o anexo LXXIII, é efectuado por contrapartida da conta “26831-M..., Lda.” (empresa pertencente ao Grupo P…, detida por gestores da mesma e que funciona nas mesmas instalações), com o pretexto de renegociação (redução) de dívida.
Conforme se pode observar nos documentos do referido anexo LXXIII, este valor não se enquadra no artigo 39.º do CIRC (anterior art. 37.º do CIRC), porque não resulta “de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores, ou de processo de execução, falência ou insolvência…”, não sendo, portanto, custo fiscal.

b) Provisão de 325. 892.887$00 lançada na conta “6711-Provisões para cobranças duvidosas – dívidas de clientes”

A Empresa lançou em custos provisões para cobranças duvidosas no montante total de 33.649.202$00, sendo 325.892.887$00 relativa a dívida da empresa Plásticos S..., SA., dom o NIF 500219656 e que adiante designamos apenas por S..., provisão esta constituída nos termos do então art. 34º do CIRC (actual art. 35.º). Veja-se no anexo LXXIV o documento contabilístico e no anexo LXXV o mapa das provisões de 2000.
Pelo que a seguir se expõe, propõe-se que não seja aceite como custo a provisão de 325.892.887$00.
1 – Verificamos no sistema informático da DGCI que as vendas da P... não deverão ter sido relevadas na S..., pois esta empresa não apresentou declarações de IVA ou modelos 22 de IRC desde 1997, inclusive, apesar de a provisão constituída se basear em vendas alegadamente efectuadas em 1997 e 1998. No anexo LXXVI juntamos o extracto de conta do cliente S..., desde 1996 a 1998.
2 – Apesar de funcionar desde a aquisição nas instalações da P…, por cujos gestores é gerida, a empresa S... manteve sempre a sede formal em Crestins – Moreira da Maia, sem lá desenvolver qaulquer actividade, conforme nos é informado pela Direcção de Finanças do Porto (anexo LXXVII). Além da sede, também nunca actualizou a identificação dos responsáveis pela gestão e pela contabilidade – veja-se no anexo LXXIII que no cadastro da DGCI, a sede e os responsáveis da S..., são so da década de 1980.
Só com esta desactualização da sede e do cadastro na DGCI, terá sido possível deixar de apresentar declarações do IVA da S..., sem que a Administração Fiscal consiga notificar os responsáveis – daí o pedido da Direcção de Finanças do Porto do referido anexo LXXVII.
E com esta negligência, os responsáveis conseguem duas vantagens: não se entregam impostos (IVA) da S... e cria-se um custo com a provisão na P…, que assim evita ser tributada em IRC.
3 – Quando pretendemos levar a efeito a acção de inspecção pedida pela Direcção de Finanças do Porto – anexo LXXVII – à empresa S..., na qual também se analisaria o registo na mesma das vendas e dos fluxos financeiros da P... que serviram de suporte à provisão, o administrador da P... Dr. M… disse-nos desconhecer totalmente a localização da S... e da sua contabilidade e que não nos seria permitida a entrada nas instalações da P... para tratar quaisquer assuntos da S..., quando se sabe que a S..., após ter sido adquirida pela P... em 1989, tem funcionado exclusivamente nas instalações da sede desta, sendo a gestão comum a ambas as empresas e para os fins expressos nos nºs 12 e 13 da impugnação judicial à liquidação de IRC de 1995 da mesma P..., que a seguir se transcrevem:
12º No entanto foi aceite e verificado que a S... é uma empresa dominada pela P... e que tinha como objectivo a comercialização de contentores hortícolas e material de protecção, sendo-lhe proposto em termos de exclusivo vender somente as mercadorias da P... pelo mesmo preço que as compra, dando assim cumprimento ao contrato outorgado entre ambas as empresas;
13.º A metodologia e filosofia que preside ao presente contrato é a de assegurar o controlo desta área de negócios, em termos dos preços serem absolutamente determinados e controlados pela entidade produtiva que é a ora Impugnante” (P...).
O citado texto da impugnação consta do processo da P… na Direcção de Finanças de Coimbra.
4 – Face a esta recusa, procedemos à notificação postal dos responsáveis da S..., tendo o resultado das diligências sido enviado para a Direcção de Finanças do Porto, sendo que nenhum dos responsáveis à data pela S..., compareceu na hora e local da notificação, mas, posteriormente, foi recebida na Direcção de Finanças de Coimbra,m uma carta do director J…, que constitui o anexo LXXIX, onde este diz ter apresentado renúncia ao cargo de director em 1992, tendo todavia continuado a ser director – veja-se a sua assinatura do cheque em 1995 (anexo LXXX) e assinatura da declaração modelo 41 em Maio de 1997 (anexo LXXXI).
Posteriormente, foi recebida uma carta do empregado e Técnico de Contas da P... A…, que declara ter sido contabilista da S... até 1998 – ver anexo LXXXII.
Confirmando esta situação, no anexo LXXXIII, juntamos documentos datados de Março de 1998, da P... e da S..., que estão assinados pela mesma pessoa (rubricados pelo contabilista comum) e onde se pode verificar que, para efeitos comerciais, a S... tem endereço e telefones comuns à P....
5 – Para cúmulo desta confusão entre empresas do grupo, podemos ver no já referido anexo LXXIII um contrato datado de 2 de Novembro de 2000, em que a P... alega entregar (vender) nesta data as acções da S... à M..., Lda. detentora do NIF 5…, outra empresa que funciona na sede da P... e é gerida por pessoal da mesma (designadamente o Dr. J…– Responsável Comercial da P...) e o T.O.C. é comum.
Também a S... é gerida pelo referido Dr. J... e pelo administrador da P... Dr. M…, conforme se pode observar no referido anexo LXXX, pela coincidência das assinaturas num cheque passado em 1995/08/31 sobre o BCP-Fig. Foz, ao T.O.C. comum às duas empresas A...
Toda a actividade da S... tem sido desenvolvida na sede da PASFIL, na Figueira da Foz, onde, inclusivamente foi elaborada a contabilidade e as declarações fiscais dos últimos exercícios em que foram entregues, e a dependência da S... relativamente à P..., já foi comprovada em acções de inspecção tributária anteriores, conforme consta dos processos de ambas as empresas, já que foram até fiscalizadas simultaneamente em 1997, estando então toda a documentação na sede da P..., pelo que a recusa em permitir o acesso à S..., acentua a suspeição sobre os movimentos entre as duas empresas, que, conforme consta nos relatórios daquelas acções de fiscalização, se verificou a contabilização de despesas não documentadas e de facturas fictícias.
A atestar esta afirmação, temos no anexo LXXXIV documentos lançados como pagamentos da S..., mas que são despesas confidenciais da P... (aquisições de cheques auto) e despesas de representação (viagem), não levadas a custos e assim não tributadas nessa qualidade.
Portanto, não foram só facturas de vendas e respectivos pagamentos que originaram o saldo do cliente S... na P..., sobre que é feita a provisão.
6 - Da acção que deveria ter sido efectuada na S..., e para o presente trabalho na P..., n Ada se alterou, acabamos por ter uma provisão por alegadas vendas a outra empresa a funcionar no mesmo local, que não declarou quaisquer movimentos no mesmo período à administração fiscal, e cujos responsáveis comuns nos recusaram a verificação dos registos contabilísticos desses movimentos, sabendo-se pelos extractos que enquanto houve vendas da P... para S..., sempre houve contrapartidas financeiras, mantendo-se um saldo entre ambas sempre elevado ao longo de vários anos – ver o referido anexo LXXVI.
A confirmar estas situações, a P... recebeu em Junho de 1998 um cheque de um cliente no montante de 948.468$00, que paga a factura da P... nº 980807 datada de 1998/04/07 no valor de 320.262$00 e as facturas da S... nº 980164 de 1998/03/20 no valor de 320.262$00 e nº 980141 de 1998/03/13 no valor de 307.944$00. Juntamos estes documentos no anexo LXXXV, demonstrando que os clientes efectuaram os pagamentos para a sede da P..., pagando facturas recentes de ambas as empresas e que só uma verificação à contabilidade de ambas poderia permitir averiguar se poderá haver lugar a uma provisão na P....
Os clientes adquirentes das mercadorias transaccionadas pela P... através da S..., pagam esses fornecimentos na P... e, mesmo que os valores sejam depositados em contas da S..., são depois efectuadas transferências para a P... e estes procedimentos vêm-se mantendo, conforme se pode observar pelos referidos extractos de 1996 a 1998 do referido anexo LXXVI.
7 – Pelo exposto, parece-nos haver por parte dos responsáveis intenção na recusa da exibição da contabilidade da S..., não entendível pelas explicações dadas. Senão vejamos:

Ø A gerência de facto de ambas as empresas é exercida por pessoas comuns: M… e J...;

Ø A relação de domínio é invocada pela própria P..., confirmada em processo de impugnação judicial à liquidação do IRC de 1995;

Ø A S... é vinculada em termos bancários er fiscais pelos directores M…– Administrador da P... e J... – Responsável comercial da P..., como se pode observar nos anexos LXXIX, LXXX, LXXXI, LXXXII e LXXXIII;

Ø A existência de contratos comuns e com a empresa M..., também detida e gerida por pessoal da P... – ver anexo LXXIII;

Ø Inexistência de declarações fiscais da S..., em cédulas de IRC e IVA, desde o exercício de 1997, inclusive.

Ora, a existência de relações especiais entre estas empresas, e não tendo sido possível o acesso à contabilidade da S..., não nos permite confirmar todas as transacções, quer de mercadorias, quer de fluxos financeiros, nem a veracidade das operações justificativas da constituição da provisão.
Assim, na nossa acção de inspecção à P..., não nos foi possível confirmar como custo fiscal a provisão de 325.892.887$00, cujo valor do saldo, pelas provas expostas não deverá resultar da actividade normal entre empresas – se o fosse, não nos seria certamente recusada a sua confirmação na S....
O total dos custos não aceites fiscalmente discriminados na 14ª Listagem, é de 2.453.344,29€, a acrescer ao resultado fiscal de 2000.».
Extracto de pág.s 8 a 13 do relatório, fls. 9 a 14 do processo administrativo em apenso.

2. Com base nas correcções propostas no relatório de fiscalização a que alude o n.º anterior foi, posteriormente, efectuada a liquidação adicional de I.R.C. do exercício de 2000 nos seguintes termos:
Imposto
Período
N.º Liquidação
Valor (€)
Data Limite Pagamento
I.R.S.
2000
8310010341
995.948,67
2003.07.21
Doc. de fls. 29 dos autos

3. A presente impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Coimbra em 2003.10.17.

Cfr. carimbo aposto no cabeçalho da douta P.I.

Mais se provou que:

4. Em 1995.12.29, M… em representação da Impugnante e M… em representação da sociedade “M... –, Limitada”, subscreveram o documento de que se junta cópia de fls. 209 a fls. 211 dos autos e que denominaram «contrato», pelo qual a Impugnante declarava vender à “M...” e esta declarava comprar à outra 150.000 acções de que a primeira era titular no capital social da sociedade comercial anónima denominada “Plásticos S..., S.A.” pelo preço global de venda de Esc. 93.600.000$00, obrigando-se a Impugnante «a ceder à M... a completa exclusividade de toda a área de negócio de contentores horto-frutícolas pelo prazo mínimo de 15 (quinze) anos» e a «manter os actuais moldes de contentores em condições de operacionalidade; - acompanhar, com investimento em novos moldes, as futuras tendências de mercado; - proceder a futuras correcções de preços de acordo com fórmula anexa ao presente contrato e do qual fará parte integrante; - dar prioridade às encomendas dos contentores no seu planeamento de produção ainda que tenha de recorrer à subcontratação, desde que façam parte do plano anual de compras; - efectuar os fornecimentos à M... nas melhores condições de mercado quanto a prazos de entrega e qualidade; - fazer entrega dos moldes à M..., no caso de não poder satisfazer os fornecimentos encomendados, que poderão ser utilizados para fabricação em qualquer empresa concorrente».

Facto extraído do alegado nos artigos 11.º e 12.º da douta P.I.
Comprovado pelo documento para que se remete.
Este documento não foi impugnado na sua origem nem no seu teor pela parte contrária e foi valorado positivamente pelo Tribunal, visto que as duas últimas testemunhas deram conta da sua existência.

5. Em 1995.12.29, M… em representação da Impugnante e M… em representação da sociedade “M... –, Limitada”, subscreveram o documento de que se junta cópia de fls. 207 a fls. 208 dos autos e que denominaram «acordo de transmissão de dívida», pelo qual a “M...” declarava assumir a responsabilidade pelo pagamento à “C…” da dívida que a li a Impugnante reconheceu, no montante de 72.000c. como contrapartida da compra de acções a que alude o n.º anterior.

Facto extraído do alegado no artigo 11.º da douta P.I.
Comprovado pelo documento para que se remete.
Este documento não foi impugnado na sua origem nem no seu teor pela parte contrária e foi valorado positivamente pelo Tribunal, visto que as duas últimas testemunhas deram conta da sua existência.

6. Em 2000.11.02, os legais representantes da Impugnante e a legal representante da “M... –, Limitada”, subscreveram o documento de que se junta cópia de fls. 248 a fls. 250 do processo administrativo em apenso e que denominaram o «acordo de renegociação dos contratos celebrados em 29 de dezembro de 1995», que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e pelo qual, além do mais, se acordava reduzir o valor global do negócio de 165.600.000$00 para 33.120.000$00.

Facto extraído do alegado nos artigos 14.º e 15.º da douta P.I.
Comprovado pelo documento para que se remete, o que constitui o anexo LXXIII ao relatório de fiscalização.

7. Em 2000.11.21, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca da Maia acção ordinária intentada pela Impugnante contra a “Plásticos S..., S.A.”, nos termos que constam do documento de fls. 48 a fls. 51 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e onde, além do mais, a Impugnante pedia a condenação da outra a pagar-lhe 325.892.887$00.

Facto extraído do alegado nos artigos 29.º e 30.º da douta P.I.
Confirmado pelo documento para que se remete.

8. Na acção a que alude o n.º anterior, a Ré não contestou, pelo que, por douta sentença lavrada em 2001.10.31, foram julgados assentes os factos articulados na petição e a ali Ré condenada no pagamento à ali Autora da quantia de 325.892.887$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efectivo e integral pagamento

Facto extraído do alegado no artigo 30.º da douta P.I.
Confirmado pelo documento para que se remete.

9. No Serviço de Finanças de Figueira da Foz 1 deu entrada em 2002.10.24 a declaração de substituição modelo 22 relativa a rendimentos da Impugnante de 2000, nos termos que constam do documento de fls. 101 a fls. 104 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

Facto alegado no artigo 58.º da douta P.I.
Confirmado pelo documento para que se remete.
Reconhecido expressamente pela F.P. na douta contestação.

10. No mesmo Serviço de Finanças a que alude o n.º anterior deu entrada em 2002.12.26 a declaração de substituição modelo 22 relativa a rendimentos da Impugnante de 2000, nos termos que constam do documento de fls. 106 a fls. 109 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

Facto alegado no artigo 58.º da douta P.I.
Confirmado pelo documento para que se remete.
Reconhecido expressamente pela F.P. na douta contestação.

11. A A.F. não teve em conta as alterações efectuadas na segunda declaração de substituição, a que alude o n.º anterior nem o pagamento do imposto respectivo.

Facto alegado no artigo 59.º da douta P.I.
Confirmado expressamente pela F.P. nos artigos nos artigos 57.º e 58.º da douta contestação.

12. À data a que se alude em 6 supra, as 150.000 acções a que se alude em 4 supra já não faziam parte do imobilizado da Impugnante.

Facto alegado no artigo 12.º da douta Contestação.
Já vinha confirmado no próprio relatório, na parte em que se refere que o lançamento cujos documentos comprovativos constituem o anexo LXXIII é efectuado por contrapartida da conta “26831-M..., Lda.”, sendo a conta 268 (Devedores e Credores Diversos), onde são registadas as operações realizadas com vendas de imobilizado.
Não foi infirmado na resposta. Foi confirmado pelas 1.ª e 3.ª testemunhas, a instâncias da Ex.ma R.F.P.

*
3.2. Factos Não Provados
Todos os restantes, sendo com interesse os seguintes:

1. Não se provou que a Impugnante não tivesse cumprido nenhuma das obrigações a que se alude no ponto 5 dos factos provados.

Facto alegado no artigo 13.º, primeira parte, da douta P.I.
O Tribunal não deu como provado este facto pelas seguintes razões:
1.ª – o documento que constitui o anexo LXXIII ao relatório de fiscalização (fls. 249 do processo administrativo em apenso) e que integra o «acordo de renegociação dos contratos celebrados em 29 de dezembro de 1995» apenas alude ao não cumprimento por parte da Impugnante da primeira dessas obrigações contratuais (exclusividade do seu mercado de contentores horto-frutícolas), nada aludindo às restantes, especificadas na cláusula SÉTIMA. Isto é, não resulta daí o incumprimento generalizado das obrigações contratuais da Impugnante.
2.ª – o mesmo documento inculca a ideia que o incumprimento generalizado veio do lado da a “M...”, faltando inclusive a prestação da garantia bancária. De resto, e segundo o mesmo documento, foi por essa razão que não lhe foram entregues os títulos representativos das acções vendidas, o que sugere objectivamente que a Impugnante não cumpria a sua parte, naquele particular, enquanto a outra não desse cumprimento à sua. Isto é, não houve incumprimento unilateral da Impugnante. E o que alegadamente não cumpriu foi por falta de cumprimento da outra.
3.ª – apesar de constar daquele documento que «a Primeira Contraente não concedeu à Segunda Contraente a exclusividade do seu mercado de contentores horto-frutícolas», o Tribunal não vê como pudesse tal ter acontecido, visto que, de acordo com o depoimento da segunda testemunha, a adquirente dos contentores horto-frutícolas à Impugnante era a própria “S...” (os clientes da Impugnante eram a “C…”, que lhe adquiria grades, a “S...”, que lhe adquiria os tais contentores, a “Auto…”, a “F…” e a “Y…” na área dos componentes automóveis). Se bem se vê, a aquisição das acções desta sociedade implicaria a apropriação de toda esta área de mercado da Impugnante.
4.ª – apesar de constar do mesmo documento que «a Primeira Contraente não fez entrega dos títulos representativos das cento e cinquenta mil acções vendidas», apontando para um negócio que não se consumou, a verdade é que a 2.ª testemunha reconheceu que a “M...” comprou a “S...” em 1995 e a 3.ª reconheceu, a instâncias da Ex.ma R.F.P., que as acções deixaram de constar do imobilizado da Impugnante.
5.ª – De qualquer modo, o incumprimento das obrigações da Impugnante não foi suficientemente confirmado por nenhuma das testemunhas que, aliás, não souberam sequer concretizar as condições estabelecidas no referido contrato (e, por isso, muito menos saberiam especificar aquelas que não foram cumpridas). A 2.ª testemunha, (que das três seria aquela que melhor colocada estaria para dar conhecer os pormenores desta transacção, visto ter declarado ter sido funcionária da Impugnante desde 1995 e administradora desde 2000 e até 2004 e ainda, actualmente, gerente da “M...”) declarou até desconhecer os pormenores desta venda.

2. Não se provou que a Impugnante, no exercício da sua actividade, entre Abril de 1997 e Maio de 1998 tivesse vendido à “Plásticos S..., S.A.” diversos produtos por si fabricados no valor de 325.892.887$40.

Facto alegado no artigo 26.º da douta P.I.
A prova fornecida pela Impugnante não convenceu o Tribunal, por ser vaga, inconsistente, e insusceptível de confirmação. E, por isso, incapaz de remover as dúvidas quanto à sua credibilidade.
1 – o extracto de conta-corrente junto pela Impugnante (cujo saldo em 2000.11.06 apresenta o referido valor) não traz nada de novo ao processo, seja porque nada adianta sobre a materialidade das transacções, seja porque, já constava do anexo LXXVI. Por outro lado, se tal extracto não permitiu à fiscalização «confirmar todas as transacções, quer de mercadorias, quer de fluxos financeiros», afigura-se-me que a prova do mesmo facto já não poderia passar pela remissão para os mesmos documentos que a A.F. já tinha apresentado. Das duas uma: ou se refutam as conclusões do relatório face à prova documental dele constante ou se apresenta melhor prova.
2 – As facturas que a Impugnante apresentou ainda na fase dos articulados (em anexo) e, que, atendendo aos respectivos números e valores, conferem com os lançamentos na referida conta corrente, não chegam para remover as dívidas do Tribunal pelo seguinte:
Em primeiro lugar, caberia à Impugnante explicar porque apresentou agora os documentos que não facultou à A.F. na altura própria. Sobretudo porque, segundo o que alega a fls. 156 dos autos, esses documentos serviram para instruir a acção declarativa que instaurou contra a “S...” em 2000. E, por conseguinte, já os tinha em seu poder à data da inspecção (até porque a sentença respectiva também é anterior à fiscalização). E não se diga que a fiscalização não lhos solicitou, visto que lhes foi solicitado o acesso à contabilidade da “S...” e os originais das facturas são documentos da contabilidade desta.
Em segundo lugar, consta do relatório que o Sr. Administrador da Impugnante afirmou desconhecer totalmente a localização da contabilidade da “S...”. Pelo que, ou não era verdadeira a sua afirmação ou a documentação que junta, apesar de ser constituída pelos originais das facturas, não faz parte da contabilidade da “S...”.
Ambas as hipóteses são perturbadoras e justificam um ónus probatório bem mais exigente. A primeira sugere fortemente a intenção de obstaculizar a fiscalização cruzada e a confirmação por esta via da materialidade das transacções; a segunda confirma que os documentos não se encontram na contabilidade da “S...” e que, por isso, não servem para, por si só, confirmar as mesmas transacções.
Em terceiro lugar, os mesmos documentos não apresentam qualquer indício de terem sido objecto de tratamento contabilístico no destinatário. Não há nenhum carimbo relativo ao lançamento em conta da “S...”. Não há sequer qualquer indicador de que as facturas foram recepcionadas no destinatário.
Por todo o exposto, entendo que as facturas apresentadas em anexo não servem in casu para fazer a prova da materialidade das transacções que pretendem titular. Importaria, face às circunstâncias relatadas, que a Impugnante fizesse um esforço adicional, quer ao nível da alegação, quer ao nível da prova. Justificando a posse dos documentos e a recusa da sua apresentação à inspecção, e fornecendo indicadores adicionais, externamente confirmáveis, da materialidade das transacções [ainda que exemplificativamente, juntando encomendas que se reportassem a algumas delas ou ao período correspondente; referenciando os meios utilizados na sua produção, nomeadamente funcionários que nela intervieram; identificando matérias primas adquiridas para a satisfação de tais encomendas no período respectivo (e que não servissem para outros artigos também produzidos, nomeadamente as grades de cerveja e os componentes automóveis); contratos de transporte de algumas dessas mercadorias, se fosse o caso; meios de pagamento; etc.].
3 – Das testemunhas ouvidas, a primeira não conhecia senão a expressão contabilística destas transacções e a terceira nada adiantou sobre esta matéria. O depoimento da segunda não chegou para remover as dúvidas quanto à sua credibilidade e isenção e não convenceu o Tribunal, nesta parte. Atente-se que esta testemunha referiu que é funcionária da Impugnante e chegou a ser administradora da mesma entre 2000 e 2004, acabando por referir, no decurso da inquirição, que é a actual gerente da “M...”. Esperava-se, por isso, um depoimento claro e ancorado em dados objectivos susceptíveis de verificação externa. Em vez disso, foram dadas referências genéricas [nomeadamente quando se lhe questionou a data em que terminaram os fornecimentos à “S...” («creio que até ao final da década de 90», disse; «eu diria que até ao final da década de 90», disse mais adiante), ficando em aberto se os fornecimentos que tinha em mente ocorreram no período em causa (entre final de Abril de 1997 e Maio de 1998)] e algumas afirmações de carácter argumentativo que ao Tribunal pareceram defensivas.
4 – A questão de saber se a Impugnante vendeu ou não à “S...” as mercadorias em causa não podia divorciar-se da prova que se viesse a fazer relativamente às alegadas relações especiais entre ambas e à data em que cessaram. Porque a existência dessas relações especiais foi um fundamento basilar, no relatório de fiscalização, da conclusão de que essas vendas não ocorreram ou não ocorreram nos termos em que se pretende documentar. Ora, é justamente sobre essas relações especiais, as suas características e a data até qual se mantiveram que a Impugnante nada adianta ou concretiza. E a mesma vacuidade revela o depoimento da segunda testemunha, quando convidada a explica-las.
Entende também o Tribunal que não é fácil conciliar o volume de vendas que as facturas exprimem com a diminuição dos meios de produção da Impugnante alocados a esta área de negócio («deixou de manter nesta área de negócios os meios necessários a manter o nível de vendas que mantinha até então»). Se de um lado se reafirma a manutenção das relações comerciais com a “S...” até data indefinida do final da década de 90, por outro lado justifica-se a renegociação do contrato com a “M...” com expressiva diminuição dos meios destinados à produção dos contentores que aquela adquiria (e que a “M...”, nas palavras da 2.ª testemunha, adquiriu em 95). Esperava-se, por isso, uma quebra nas vendas documentadas no extracto da conta corrente entre a Impugnante e a “S...”. Mas não é isso que resulta nem do extracto junto pela Impugnante nem do do anexo LXXVI ao relatório, onde não é visível uma variação sensível nos fornecimentos à “S...” entre Janeiro de 1996 e Abril de 1998.

3. Não se provou que, após a venda das mercadorias referidas nas facturas elencadas no extracto da conta-corrente, a Impugnante tivesse solicitado inúmeras vezes, à “S...” o respectivo pagamento.

Facto alegado no artigo 27.º da douta P.I.
A Impugnante não especificou quantas vezes, quando, por que meios. E embora a segunda testemunha tivesse aludido a «cartas que foram enviadas a reclamar o pagamento», não foi junta nem uma para exemplo. E também não se compreende que tais cartas tenham sido enviadas para a sede da “S...” na Maia se, como se dá conta no relatório e na documentação ali anexa, os próprios clientes da “S...” efectuavam os pagamentos na Impugnante. Aliás, se assim era (e se a “S...” – como também se refere no relatório – era vinculada em termos bancários pelo administrador e pelo responsável comercial da Impugnante) também parece difícil conceber que a “S...” pudesse obstar a que a Impugnante se fizesse pagar das dívidas através dos pagamentos dos próprios clientes daquela. E se – como se objectou no decurso da inquirição – a gerência da “S...” exercida por membros do conselho de administração da Impugnante, menos ainda se compreenderia que, conforme o depoimento da segunda testemunha, as cartas não fossem recebidas.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a procedimento de fiscalização relativa ao exercício de 2000, no âmbito do qual foram efetuadas várias correções culminando com a liquidação adicional de IRC no montante de € 995.948,67.
A Impugnante contesta as seguintes correções:
a) Constantes da 14ª listagem, identificada no relatório como ponto III.G. Outros custos não aceites, alíneas a) e b);
c) Correções que entretanto foram regularizadas pela Impugnante através da Declaração de Substituição, com o inerente pagamento do imposto e que ainda se encontram incluídas na liquidação impugnada;
d) Juros compensatórios e de mora exigidos à Impugnante.

No que respeita à dívida incobrável no valor de € 132.480.000$ a AT considerou que não se trata de custo fiscal, porque não resulta de “processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores, ou de processo de execução, falência ou insolvência. Mas a Impugnante apercebeu-se que tal não resulta de dívida incobrável mas antes menos valia fiscal. Isto porque a Impugnante e a M... em 29 de dezembro de 1995 celebraram um contrato e um acordo de transmissão de dívida através dos quais a impugnante vendeu à M... e esta comprou, pelo preço global de € 165.600.000$ 150.000 ações da sociedade Plásticos S... SA. Por incumprimento de algumas obrigações da Impugnante, o contrato foi renegociado, pelo que o valor de venda das ações deixou de ser 165.600.000$ e passou a ser de 33.120.000$ e que o valor de 14.000.000$ já entregue por conta do preço seria descontado ao novo valor acordado de Esc. 33 120.000$, ficando em débito por conta do preço apenas a quantia de 19.120.000$. Daí o apuramento da menos valia na alienação das ações.

No que respeita à provisão para cobrança duvidosa, a Impugnante vendeu a Plásticos S... diversos produtos no montante de 325.892.887$40 que esta não pagou, pelo que foi intentada ação judicial, tendo em 31 de outubro de 2001 sido proferida sentença, transitada em julgado, a condenar a S... a pagar à Impugnante a referida quantia. A Impugnante constituiu provisões no montante em débito que a AT não aceitou por não ter sido possível o acesso à contabilidade da S....
Por ouro lado, a Impugnante no decorrer da inspeção procedeu a várias correções à matéria colectável de molde a poder pagar voluntariamente o imposto correspondente. Porém, a AT ignorou as correções efetuadas numa das Declarações de Substituição acabando por liquidar no exercício de 2000 imposto relativo a essas mesmas correções.

Os juros compensatórios também não são devidos por não estarem devidamente fundamentados.

Contestou o Exmo. Representante da Fazenda Pública contrariando os fundamentos alegados e no que respeita à quantia paga pela Impugnante o mesmo deverá ser imputado e abatido ao valor da liquidação impugnada, devendo ser considerado pagamento por conta do valor em dívida.

O MMº juiz julgou procedente a impugnação na parte em que as liquidações não tiveram em consideração o pagamento efetuado bem como na parte referente ao valor liquidado a título de juros compensatórios. No mais, a impugnação foi julgada improcedente.

A RECORRENTE não se conforma com o decaimento e recorre para este TCA concluindo que a “dívida incobrável” não constitui de facto uma dívida incobrável (foi incorretamente contabilizada como tal) mas sim uma menos valia na alienação das 150 000 ações da S..., não aceitando a argumentação da sentença que considera não existir “menos valia” porque à data da renegociação as ações já não faziam parte do activo imobilizado da Impugnante (Conclusões 1 a 6).

Por outro lado, discorda da não aceitação como provisão para cobrança duvidosa na medida em que cumpriu o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 33º do CIRC e foi inclusivamente intentada ação judicial para recuperação dos créditos por parte da Recorrente. Além disso, provou que as facturas resultaram de actividade normal da empresa ao contrário do que defende a AT (Conclusões 7ª e segs).

Iniciando agora a análise do recurso, pela sua clareza vale a pena recolher os fundamentos invocados na douta sentença e que quanto à dívida incobrável, foram os seguintes:

Quanto à dívida incobrável
“Está em causa o custo no montante de 132.480.000$00 lançado na conta 692, dívidas incobráveis por contrapartida da conta de terceiros representativa da dívida. O lançamento a débito resulta da diferença entre o valor da venda à “M...” de 150.000 acções da “S...” em 1995 (165.600.000$00) e a renegociação do respectivo valor em 2000 (33.120.000$00).

A Impugnante reconhece que o valor em causa não deveria ter sido tratado como dívida incobrável, mas considera que o respectivo custo é, ainda assim, dedutível, por dever ser configurado como uma menos valia fiscal. Conclui pelo erro na qualificação («…não avaliaram e qualificaram correctamente os factos…»).

Ora, de acordo com o artigo 42.º, n.º 1, do C.I.R.C. (redacção então em vigor), só seriam de considerar menos-valias realizadas as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado. E, à data da renegociação, as referidas acções já não faziam parte do activo imobilizado da Impugnante.

Pelo que a douta Impugnação nunca poderia proceder, nesta parte”.

A Recorrente reitera que apurou uma menos valia fiscal e não aceita que o Tribunal “a quo”, a respeito dos argumentos alegados em primeira instância, tenha dito que a douta impugnação nunca poderia proceder, nesta parte, tendo por base o argumento de que à data da renegociação, as referidas acções já não faziam parte do activo imobilizado da impugnante.

Sugere, nas alegações, que a sentença não analisou todos os factos invocados pela Recorrente e fundamentado devidamente a decisão.

A Recorrente não tem razão. A sentença não só ponderou todos os factos pertinentes e o direito aplicável como o fez de forma sucinta mas muito clara.
E de facto, nos termos do art. 42º/1 do CIRC (na redação aplicável), “Consideram-se mais valias ou menos valias realizadas os ganhos ou as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere....”

Ora é indiscutível que as ações já não faziam parte do activo imobilizado quando a Recorrente renegociou o contrato.

Portanto, a renegociação contratual não incidiu sobre bens integrantes do activo imobilizado da Impugnante que é condição necessária para poder apurar menos valias. Como tal, não pode apelar ao disposto no art. 42º/1 CIRC para contabilizar como custos a diferença entre o valor contratado inicialmente (1995) e o que posteriormente (em 2000) renegociou.
Por conseguinte, o MMº juiz decidiu bem. A Recorrente discorda desta fundamentação, mas não esclarece de que modo poderá apurar menos valias em relação a bens que já não faziam parte do seu activo imobilizado.

Quanto à provisão para cobrança duvidosa, o MMº juiz decidiu o seguinte:

“Está em causa a provisão de 325.892.887$00 lançada na conta “6711-Provisões para cobranças duvidosas – Dívidas de Clientes”. A A.F. considerou que tal importância não deveria ser aceite como custo por não ter sido possível confirmar nem a materialidade das transacções que lhe deram origem nem a sua relação com a actividade normal da Impugnante.

Nos termos do artigo 33.º, n.º 1, do C.I.R.C., podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

Por seu turno, dispunha o artigo 34.º, n.º 1, do mesmo Código que, para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará, nomeadamente quando os créditos tenham sido reclamados judicialmente [sua alínea b)].

Para que a provisão para créditos de cobrança duvidosa possa ser fiscalmente dedutível torna-se, assim, necessário que:

a) estes créditos resultem da actividade normal da empresa;

b) que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado;

c) que os créditos, a situação de incumprimento do devedor e a constituição da provisão sejam evidenciados como tal na contabilidade.


Ressalta do relatório de fiscalização que a A.F. não põe em causa a relevação contabilística dos créditos provisionados através da sua transferência para a conta 218 (“clientes de cobrança duvidosa”) nem tão pouco a da constituição da própria provisão por contrapartida da conta 671. A A.F. também não põe em causa que o risco de incobrabilidade se encontre devidamente justificado através da reclamação judicial do crédito supra identificado.

O que a A.F. põe em causa é que o crédito provisionado resulte da actividade normal da empresa.

A lei não diz aqui o que se deve entender por «actividade normal da empresa», mas parece seguro que se tem em vista as actividades conformes com o objecto social e com o escopo societário (dirigidas à obtenção do lucro). «Só podem contar para efeitos de provisão-custo os créditos da empresa provenientes do exercício da actividade; de onde resulta que não podem tomar para o cômputo do volume dos créditos a considerar, aqueles créditos que resultem de elementos ou factos que sejam excluídos por lei, ou que, por si, não devam ser havidos como indispensáveis à realização dos proveitos ou à manutenção de fonte produtora» (1).

A A.F. considerou, pois, haver indícios suficientes de que os créditos provisionados não resultavam de «actividade normal entre empresas» ou até que não resultavam de qualquer actividade económica visto não ter sido possível confirmar «a veracidade das operações justificativas da provisão». Indícios que me proponho resumir da seguinte forma:
1.º - a “S...” não apresentou declarações de IVA ou modelos 22 de I.R.C. desde 1997;
2.º - a “S...” foi adquirida pela Impugnante em 1989;
3.º - a “S...” e a “M...” funcionam nas instalações da Impugnante (aquela desde a sua aquisição);
4.º - o presidente do conselho de administração da “S...” foi até finais de 2000, Dr. M…, que é também gerente da Impugnante; O gerente a “M...”, Dr. J…, é membro do conselho de administração da “S...” e o responsável comercial da Impugnante;
5.º - o contabilista da “S...” até 1998 é empregado e técnico de contas da Impugnante; a Impugnante e a “M...” têm T.O.C. comum;
6.º - a contabilidade de as declarações fiscais da “S...” nos últimos exercícios foram elaboradas na sede da Impugnante e em acções de inspecção tributária anteriores a contabilidade das duas foi analisada simultaneamente e no mesmo local;
7.º - há documentos lançados como pagamentos na “S...” que são despesas da Impugnante (aquisições de cheques auto e viagem) que esta não levou a custos;
8.º - A Impugnante recebeu em 1998 pagamentos de facturas da “S...”;
9.º - A “S...” é vinculada em termos bancários pelos directores Dr. M… e Dr. J…;
10.º - A “S...” vende exclusivamente mercadorias da Impugnante pelo mesmo preço em que as compra, sendo os preços absolutamente determinados pela Impugnante.
11.º - apesar do exposto, quando a fiscalização pretendeu efectuar acção de fiscalização à “S...” com vista à confirmação dos registos das vendas e dos fluxos financeiros da Impugnante que serviram de suporte à provisão, o DR. M… disse desconhecer totalmente a localização da “S...” e da sua contabilidade e que não seria permitido à A.F. entrar nas instalações da Impugnante para tratar de quaisquer assuntos daquela.
Análise.
A falta de apresentação de declarações de I.R.C. e de I.V.A. pela devedora dos créditos provisionados no período a que se reporta a dívida nada diz, por si só, sobre o comportamento fiscal da Impugnante, visto que é o incumprimento dos valores declarativos da devedora que se descrevem. No entanto, conjugando este facto com o facto de as duas empresas partilharem o espaço, meios de produção, contabilistas, a e terem gerentes e administradores comuns, sendo aquela dominada por esta, é natural que se conclua que até o incumprimento fiscal daquela decorre de acção concertada entre as duas empresas e se subordine também aos objectivos comuns.

A recusa no franqueamento das portas da Impugnante para o desencadear de uma fiscalização cruzada a outra sociedade não representa, por si só violação do dever de colaboração, nem faculta qualquer indício da intenção de ocultação da verdade fiscal da própria Impugnante. Mas já não é assim se a contabilidade vinha até então a ser efectuada pelos mesmos responsáveis e se a própria A.F. já tinha efectuado outras acções de inspecção a ambas as empresas, em simultâneo, na sede da Impugnante, e pôde constatar então que toda a documentação da “S...” estava ali. Afigura-se-me que o dever de colaboração incluía então informação sobre a data em que tal documentação saiu das instalações da Impugnante, para onde foi e a quem foi entregue. Ao limitar-se ao alegado desconhecimento total do paradeiro de uma empresa, que desde 1989 sempre ali funcionou em absoluta dependência da Impugnante, e à recusa do acesso às suas instalações para o confirmar, deixou à A.F. – como deixaria a qualquer declaratário colocado na sua posição – uma forte impressão de que se pretendia assim obstaculizar ou dificultar o acesso aos respectivos elementos contabilísticos. A carta de J... de 2002.09.17 só vem reforçar estes indícios: como poderia este dizer que renunciou ao cargo de director da “S...” em 1992 se em 1995 ainda assinava documentos nessa qualidade e a vinculava em termos bancários e fiscais? Como poderia dizer que cessou todos os contactos com a “S...” em Fevereiro de 1998 se o presidente do conselho de administração da mesma era também, nessa altura e até 2000 o legal representante da Impugnante, onde aquele exerce as funções de responsável comercial?

Mas os principais indicadores de que se trata de uma acção concertada para ocultar a verdadeira origem dos créditos provisionados e de que estes nada têm a ver com a actividade normal da empresa vêm da própria relação de domínio da Impugnante sobre a “S...” descrita e documentada, de forma aprofundada, no relatório e reconhecida pela própria Impugnante com referência à data em que tais créditos foram constituídos.

É que as provisões para cobranças duvidosas constituem dotações financeiras destinadas a acautelar perdas prováveis da empresa, mas incertas. E a incerteza na cobrança de créditos sobre uma empresa é algo que não se vê como possa ocorrer se essa empresa é totalmente dominada e controlada pela credora, quer ao nível dos seus órgãos de representação, quer ao nível dos responsáveis pela contabilidade, quer ao nível dos próprios meios de produção, quer até ao nível da estratégia comercial e de determinação dos preços aos clientes da devedora. Ao ponto de a credora receber os pagamentos dos clientes da devedora. Ao ponto de o seu administrador e o responsável comercial poderem aceder e vincular os respectivos movimentos bancários. Em tal situação, não há ninguém em melhor posição do que a credora de aferir se a devedora está ou não em condições de pagar. Aliás, não haveria ninguém melhor do que a credora para saber, antes mesmo da formação do crédito, se a devedora teria meios para o solver. E para tomar as necessárias providências para garantir que tal acontecesse. Por sua vez, a devedora nada poderia fazer para evitar o pagamento, se tivesse meios para tal. Como entidade dominada, restava-lhe executar mecanicamente os actos que exprimissem a vontade da entidade dominante. E até a eventual renúncia a essa relação de domínio teria que ser um acto determinado pela sociedade dominante, que não deixaria, seguramente, de acautelar os seus interesses pendentes antes de abrir mão da outra.

A esta luz, o recurso a uma acção judicial para obter a condenação da outra a pagar-lhe a dívida só pode ter sido destinado ao cumprimento de uma formalidade que lhe permitisse relevar fiscalmente um custo. Porque ou a Impugnante não precisa da tutela judicial ou já sabe muito bem que a tutela judicial não lhe pode valer. A esta luz, também, a inércia na cobrança de uma dívida na altura em que ainda exercia a relação de domínio, nada poderia ter a ver com o escopo social, que é o da obtenção e maximização do lucro. Os interesses que a determinaram seriam necessariamente alheios os interesses da empresa. A menos que operação subjacente não tivesse existido. Em qualquer dos casos, a provisão não seria legalmente dedutível, porque nunca se teria destinado a cobrir créditos resultantes da sua actividade normal.

Foi este o raciocínio da A.F. E o Tribunal não vê que pudesse ter sido outro.

E também não se vê como a A.F. pudesse ter ido mais longe do apuramento da verdade fiscal da Impugnante, impossibilitada que estava de testar estes indicadores em fiscalização cruzada à contabilidade da “S...”.

Ora, embora nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da L.G.T., as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, se presumam verdadeiros quando organizados de acordo com a legislação comercial ou fiscal, recaindo sobre a A.F. o ónus de demonstrar os factos indicativos de que aqueles elementos não correspondem à sua realidade tributária, a partir do momento em que a A.F. recolhe indicadores suficientemente seguros de que tais elementos da escrita não reflectem a verdade fiscal do contribuinte ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo [n.º 2, alínea a), do mesmo dispositivo], ou que o contribuinte não cumpriu os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, não devendo a sua recusa considerar-se legítima [n.º 2, alínea b), do mesmo dispositivo] haverá «uma verdadeira inversão do ónus da prova relativamente aos factos a que se refere a omissão» (2). Caberá então ao contribuinte «demonstrar os factos relevantes para a fixação da matéria colectável, nos pontos em que há deficiências nas declarações, contabilidade ou escrita» (3), justificar o incumprimento dos seus deveres ou os indicadores obtidos de que a contabilidade não reflecte a sua verdade fiscal, alegar e provar outros factos que ponham em dúvida a existência do facto tributário – artigo 100.º do C.P.P.T.
Vejamos, então, o que alegou a Impugnante:

a) que as vendas estão documentadas em facturas e extracto de conta corrente;

b) que o crédito tem todas as condições para ser considerado de cobrança duvidosa, visto que foi reconhecido em acção judicial já transitada e observa os demais requisitos da lei;

c) que nada tem a ver com o facto de a A.F. não ter conseguido efectuar uma inspecção à “S...”;

d) que a situação em análise põe em causa o princípio da substância sobre a forma.

Análise.
A partir do momento em que a A.F. conseguiu reunir indicadores objectivos suficientes de que os documentos constantes da escrita não permitiam justificar a subsistência do respectivo crédito e concilia-lo com a actividade normal da empresa, já não serviria à Impugnante remeter-se sem mais para esses elementos da escrita. Importaria que viesse reforça-los com outros dados concretos e objectivamente confirmáveis que permitissem confirmar a materialidade das operações; infirmar a relação de domínio supra descrita; ou justificar como, apesar de tal relação existir, não lhe foi possível acautelar a boa cobrança; e dizer concretamente quando é que essa relação de domínio deixou de existir, quando é que abriu mão da contabilidade da “S...”, a quem a entregou.

É, por isso, inconcebível e inexplicável a ausência, na douta P.I., de referências concretas aos contornos dos negócios titulados nas facturas e à natureza das relações comerciais e de domínio entre a Impugnante e a “S...”. A Impugnante pura e simplesmente ignorou a questão. Não dedicou uma linha a abordar estes indicadores que o Tribunal retirou do relatório e acima alinhou.

E não se diga que tal relação de domínio não existia em 1998 por causa da venda das acções à “M...” em 1995 (alegada noutro capítulo). Não apenas porque a venda das acções não importa sem mais a transferência da relação de domínio, mas também porque (de acordo com o que também consta do relatório e que não foi jamais infirmado) a Impugnante também exercia o controlo desta. Não apenas porque a própria Impugnante infirma nos autos a concretização de tal negócio até 2000, mas também porque afirmou noutra impugnação judicial que tal relação existia e subsistia. E porque, ainda em 1998, que assinava o aviso de pagamento em nome da direcção da “S...” era o mesmo que subscrevia o recibo em nome da gerência da Impugnante (anexo LXXXIII ao relatório.

À face do que acima foi dito, nenhum relevo pode ser atribuído aos argumentos que a Impugnante esgrime e a que se reportam as alíneas b) e c) supra. Quanto à alínea b), porque não é a observância dos requisitos formais da dedutibilidade do custo com a provisão que aqui está em causa, mas a do seu requisito substancial, já acima referido. Não se trata aqui de saber se o crédito foi reconhecido em acção judicial nem tal foi questionado. Trata-se de saber se o crédito resulta da actividade normal da Impugnante. E isso, foi ampla e fundadamente infirmado, como se viu. E ainda que em acção judicial tal viesse reconhecido, teria sido a “S...” a condenada a reconhece-lo, e não a F.P., que não é parte naquele processo.

Quanto à alínea c) porque, ao declinar rebater a relação de domínio que a A.F. evidenciou ancorada em dados concretos, nomeadamente a anterior confirmação de que a contabilidade da “S...” se encontrava em seu poder, a Impugnante declinou também a demonstração de que nada teve a ver com o facto de a A.F. não ter conseguido efectuar uma inspecção à “S...”.

Finalmente, e quanto ao princípio da substância sobre a forma, há que dizer que a Impugnante inverte os papeis. A Impugnante é que procura reconduzir-se à observância formal dos requisitos da dedutibilidade das provisões para efeitos fiscais. Escusando-se a explicar de uma vez por todas qual a natureza das relações entre as referidas empresas e a sua evolução entre 1995 e 2000. Declinando enfrentar os principais indicadores que a A.F. colheu na fiscalização, ignorando-os até. E a A.F. é que procurou aceder à verdadeira natureza das relações subsistentes entre as referidas sociedade para demonstrar que o crédito provisionado não podia resultar da normal actividade da empresa e a provisão constituída nada tem a ver com os riscos de cobrança.

E mal se compreende que a Impugnante coloque na balança a sobrevivência e a continuidade da empresa (artigo 52.º da douta P.I.) sem explicar de forma minimamente consistente como deixou avolumar a dívida que agora pretende provisionar numa altura em que exercia uma relação de domínio sobre a outra.

A factualidade que alegou, de qualquer modo, não ficou provada, como se alcança do ponto 3.2. supra para que agora remeto.

Pelo que a douta impugnação também improcede nesta parte.”


A Impugnante/Recorrente defende, entre o mais, que “Não se compreende a razão pela qual a argumentação da Administração Fiscal para a não aceitação da provisão como custo fiscal, se centre, apenas e totalmente, na alegada impossibilidade de aceder à contabilidade da S..., descurando, em absoluto, os requisitos previstos na lei para efeitos de consideração de custo fiscal.
No entendimento da Administração Fiscal, a existência de relações especiais entre estas empresas, e não tendo sido possível o acesso à contabilidade da S..., não lhe permitiu confirmar todas as transacções, quer de mercadorias, quer de fluxos financeiros, nem a veracidade das operações justificativas da constituição da provisão.”

Só que a verdade não tem os contornos factuais que a Impugnante/Recorrente lhe dá. Regista-se a impessoalidade da frase (“...não tendo sido possível o acesso à contabilidade da S......” por parte da AT) quando o certo é que a “S...” foi adquirida pela Impugnante em 1989, “funciona” nas instalações da impugnante, e o presidente do conselho de administração da “S...” foi até finais de 2000 o Dr. M…, também gerente da Impugnante. E o gerente da “M...” Dr. J… é membro do conselho de administração da “S...” e responsável comercial da Impugnante.

Neste contexto, quando a fiscalização pretendeu confirmar junto da “S...” os registos das vendas e dos fluxos financeiros da Impugnante que serviram de suporte à provisão, o Dr. M… (recordemos, gerente da Recorrente e presidente do CA da “S...”) disse desconhecer a localização da “S...” e da sua contabilidade. E que não seria permitido à A.T. entrar nas instalações da Impugnante para tratar de quaisquer assuntos daquela.

A sentença julgou improcedente a constituição de provisão para créditos de cobrança duvidosa (Esc. 325.892.887$) por haver indícios suficientes de que os créditos provisionados não resultavam de actividade económica. Esses indícios estão bem enunciados na douta sentença, na parte acima transcrita, e não vale a pena repeti-los embora devam ser registados para se concluir que os mesmos não se centram “...apenas e totalmente na alegada impossibilidade de aceder à contabilidade da S..., descurando em absoluto, os requisitos previstos na lei para efeitos de consideração de custo fiscal”, como refere a Recorrente.

Ora, a contabilização das provisões não foi aceite por haver indícios de que os créditos provisionados não resultam de qualquer actividade económica.

Pois sendo a devedora totalmente dominada e controlada pela credora (órgãos de representação, contabilidade, meios de produção, estratégia comercial e determinação dos preços aos clientes da devedora) a credora estava nas melhores condições para saber se antes da formação do crédito a devedora tinha condições de o satisfazer e tomar as providências necessárias para garantir que tal acontecesse.
Mas não o fez. Preferiu “facturar” e constituir o crédito sobre a S... que sabia não ter solvabilidade.

Sendo assim, é fácil compreender que a constituição de provisão indicia claramente tratar-se de um método para aumentar os custos da Impugnante.
E até o facto de ter sido intentada ação judicial pela Impugnante para obter a condenação da “S...” a pagar-lhe o crédito indicia inserir-se naquele artifício. Com efeito, bem sabendo a Autora que a ação não iria ser contestada, fosse qual fosse o fundamento invocado, da respetiva sentença de condenação (por falta de contestação consideraram-se confessados os factos articulados) nenhum argumento a seu favor pode reclamar, havendo até razões sérias a indiciar um uso anormal do processo (art, 665º do CPC atual art. 612º).

Assim, embora a Impugnante/Recorrente tenha cumprido “formalmente” o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 33º do CIRC, na parte respeitante à existência de créditos e sua cobrança duvidosa, não provou que tais créditos resultassem da sua actividade normal.

Por conseguinte, bem andou a sentença ao julgar improcedente a impugnação, nesta parte, devendo por isso ser confirmada.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 8 de março de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) VITOR ANTÓNIO DUARTE FAVEIRO, «Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português», II volume, Coimbra Editora, pág. 640.
(2) DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, «Lei Geral Tributária Comentada e Anotada», 2.ª edição, rev. e aum. 2000, Vislis, pág. 309.
(3) Idem, pág. 310.