Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00379-A/00-Coimbra
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO.
DECISÃO TRANSITADA.
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ.
Sumário:I) Considerando o exposto pelo Recorrente neste domínio, tem de entender-se que o Recorrente não ataca verdadeiramente o despacho em crise - que, neste âmbito, se limitou a verificar o incumprimento da sentença proferida em 22-10­2010 -, mas, ao invés, a própria sentença, questionando, de novo, nesta sede, o seu acerto ou bondade, sendo que o Recorrente acaba por reconhecer que incumpriu o julgado, porquanto, na sua versão, à data da prolação da sentença, o mesmo já estaria cumprido, mostrando-se inequivocamente infundada, além do mais, por extemporânea, a reacção do ora Recorrente contra a citada douta sentença, dado o seu oportuno trânsito em julgado.
II) Assim sendo, como é, pese embora a notória discordância com o julgado, incumbia ao Serviço de Finanças dar-lhe integral cumprimento, nos precisos e exactos termos determinados na aludida sentença, o que não foi efectuado, vindo tal incumprimento a ser constatado e declarado pelo tribunal a quo, no despacho ora em crise, o que significa que não importa, nesta sede, escalpelizar as razões e dissecar os argumentos carreados pelo Recorrente para a motivação do recurso sub judice, pois que a questão fulcral a atentar aqui é a força do caso julgado de que goza a decisão em crise, quanto a este segmento recursivo e daí que o tribunal ad quem não possa sequer emitir pronúncia sobre uma questão coberta pela sua chancela, sob pena de grave e flagrante violação da legalidade.
III) Quanto à possibilidade de a AT no pagamento de uma sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras da litigância de má-fé, deve levar-se em consideração o citado art. 104º nº 1 da LGT, normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas de patente violação, por banda da Fazenda Pública dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé. O comportamento sancionado no preceito é apenas o da actuação da Administração no processo judicial e não também o tido no processo administrativo gracioso.
IV) Ora, abstraindo da questão de saber se a imputação subjectiva da conduta da AT, para o efeito da sua subsunção ao mencionado preceito da LGT, poderá e/ou deverá ser efectuada por referência ao dolo e não já situar-se a nível da culpa ou mera negligência, como ressalta da decisão recorrida, certo é que não se vislumbra fundamento bastante para a condenação da AT como litigante de má fé, pois que, se a AT agiu com negligência, o juízo de censura que lhe deve ser assacado não se situa no domínio da negligência grosseira, mas antes no âmbito da denominada “faute de service”, como juízo genérico de uma administração burocratizada que, em função dos constrangimentos inerentes a esta realidade, não actua de modo expedito hábil na resolução dos problemas quotidianos dos cidadãos, de modo que, nesta parte, tem de se conceder abrigo à pretensão do Recorrente, com a revogação do despacho recorrido na parte em que condenou a AT como litigante de má fé.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Diretor Geral dos Impostos
Recorrido 1:Sociedade Hoteleira..., Lda.
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O DIRETOR-GERAL DOS IMPOSTOS, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 07-03-2011, que ordenou que a Repartição de Finanças cumprisse integralmente o Julgado, providenciando pelo pagamento da sanção pecuniária já em dívida, e condenou a entidade administrativa em duas UC’s por litigância de má-fé, na presente instância de EXECUÇÃO DE JULGADO, em que é exequente a SOCIEDADE HOTELEIRA..., LDA.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 332-347), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I. Vem o Director-Geral dos Impostos recorrer do despacho sancionatório proferido nos presentes autos, em fase de execução da sentença de execução de julgados, o qual manda que a Repartição de Finanças cumpra integralmente o Julgado, e que providencie o pagamento da sanção pecuniária já em dívida, e condena a entidade administrativa em duas UC’s pelo incidente.
II. Na segunda parte do despacho, conhece do incidente e condena a Administração Tributária como litigante de má fé, numa multa que contabilizou em 2 UC’s.
III. Importa destacar que no que se refere à decisão de que o julgado não foi cumprido, e à aplicação das cominações expressas na sentença, e apesar da interposição do presente Recurso, a AT decidiu por cautela, proceder antecipadamente ao pagamento de € 923,60 e respectivos juros, para suster a contagem de dias de incumprimento, nos termos decretados na douta sentença de 22/11/2011. Pois que, tal contagem avultava já a um valor superior ao do imposto acrescido dos juros legais.
IV. Em 07/03/2011 a Meritíssima Juiz proferiu despacho sancionatório, no qual junta a sentença proferida no mesmo dia 07/03/2011 no processo de Execução de Julgados Nº 166-A/2001, juntamente com a respectiva contestação e doc. de fls 147 dos mesmos autos.
V. Apesar da Mma Juiz a quo afirmar no douto despacho recorrido, que o julgamento dos dois processos é autónomo; salvo o devido respeito, parece que a sentença proferida no dia 07/03/2011 no Proc 166-A/2001 (e que só foi notificada à jurista designada naqueles autos, por ofício de 09/03/2011), foi decidida em conjugação com a decisão sancionatória proferida nos presentes autos.
VI. Antes de mais, esclarecendo-se a questão da autonomia dos processos, referida pela Mma Juiz a quo, sempre se dirá que, se a nível judicial tal decisão pode ser tomada autonomamente, no que respeita à execução do julgado pela AT tal não é possível.
VII. Ou seja, apesar dos processos de execução correrem os seus termos paralelamente no tribunal, a nível de operações de execução da AT, estas têm de ser feitas, dentro do possível, em conjunto, pois trata-se do mesmo exercício (1994) e do mesmo imposto.
VIII. Além do mais, tais operações são complexas e, tal como se retira do ofício junto aos autos em 15/02/2011, referente ao Proc. de Execução Julg n.º 166-A/2001 com o n.º 5413 de 19/10/2001, foram feitas várias restituições ao contribuinte, umas delas a título de imposto, outras a título de juros, num total só referente a imposto de € 35.405,21.
IX. A devolução em concreto do montante de € 30.625,97 ocorreu em 17/09/2010 no decurso dos presentes autos, antes de ter sido proferida a sentença de 22/11/2010. E a AT, ao detectar esse pagamento, comunicou aos presentes autos que a devolução de imposto no valor de € 923,46 havia sido concretizada, por estar englobada naquele valor.
X. A AT calculou os juros em falta e emitiu o seu pagamento no valor de €299,24, tendo em conta o valor de € 1.317,63 já pago, tal como mandava a sentença em execução.
XI. Ou seja, a AT acabou por tratar as duas execuções (os dois processos de execução de julgados n.º 166-A/2001 e n.º 379-A/2000) conjugadamente. Tal como o fez o próprio despacho recorrido, pelo que, é forçoso concluir que era essa a solução a dar à anulação (execução) das liquidações em causa.
XII. A AT seguiu o princípio legal de imputação do cumprimento dos montantes a pagar, que como se referiu é diferente da ordem de imputação constante do código civil, nos seus artigos 783º a 785º, por estas não terem aplicação à AT.
XIII. Donde, a AT deve imputar o pagamento, em primeiro lugar, a imposto e só depois, sobre esse valor pode calcular e pagar os juros.
XIV. Foi, portanto, com base neste fundamento legal que a AT, executou a sentença no presente processo, considerando pago o montante em causa nos presentes autos na data de 17/09/2010, pois foi pago indubitavelmente a título de imposto.
XV. E a AT nunca se desviou deste princípio, no âmbito do processo Nº 166-A/2001 como parece fazer crer a Mma Juiz, ao juntar a sentença que profere nesses autos e o Requerimento de fls. 147.
XVI. De facto, quando foi detectado no âmbito do processo Nº 166-A/2001, que também estava em curso a presente execução, e que ainda haviam montantes a restituir, foi entregue pela AT, naqueles autos, um requerimento, referindo que se disponibilizava a fazer os acertos a titulo de juros ainda devidos naquele processo (n.º 166-A/2001), uma vez que no âmbito do Processo n.º 379-A/2000, já estava tudo pago. (cfr. documento que se junta)
XVII. Sucede que a Meritíssima Juiz a quo desconsiderou em absoluto esse requerimento e extinguiu a instância em parte naqueles autos e condenou a AT no presente processo por não ter cumprido o Julgado e por litigância de má fé.
XVIII. O despacho recorrido também não tem razão quando afirma que a AT pretende restituir os montantes de imposto em singelo, montantes pagos pelo contribuinte há mais de 8 anos, sem contabilizar os juros indemnizatórios e moratórios devidos.
XIX. Tal conclusão não encontra fundamento nos factos constantes dos presentes autos, pois parte já havia sido pago na pendência dos autos de execução, e na parte restante a AT deu também cumprimento integral à sentença exequenda, conforme demonstração constante do ofício 419 de 11/01/2011 que a AT juntou aos autos em 15/02/2011.
XX. Pode portanto concluir-se que, em face das datas, tanto da restituição (17/09/2010), como da emissão do cheque de pagamento dos juros (24/01/2011), a sentença foi cumprida dentro do prazo determinado.
XXI. O despacho recorrido carece de fundamento também nesta parte, não se podendo atribuir qualquer intenção de não cumprimento do julgado, pois não esteve em tempo algum subjacente à actuação da AT.
XXII. Pelo supra exposto, se considera que o despacho sancionatório na parte em que decidiu pelo não cumprimento do julgado não tem fundamento legal nem factual, razão pela qual deve ser revogado, assim como, pelas mesmas razões deve ser revogada a ordem de pagamento da sanção pecuniária compulsória, e a condenação pelo incidente.
XXIII. No que respeita à condenação da AT como litigante de má fé, porque se encontra fundamentada nos mesmos factos que sustentam a condenação supra descrita, também nesta parte se considera que a decisão carece de fundamento factual, por a AT já ter demonstrado que cumpriu cabalmente o julgado.
XXIV. Ora, mais uma vez ressalta da análise do despacho recorrido, que a Meritíssima Juiz a quo decidiu os dois processos em conjunto, no entanto, tal conjugação de decisões apenas se reflectiu na vertente condenatória do presente despacho.
XXV. De facto, a sentença proferida nos autos de Exec. 166-A/2001, e os restantes articulados juntos, foram utilizados para comprovar a existência de má fé na actuação da AT no Processo de Exec. 379-A12000, apesar da Mma Juiz a quo sustentar o julgamento autónomo dos processos.
XXVI. Cumpre no entanto, referir que, ainda no decurso dos autos de Exec. 166-A/2001, a AT entregou um requerimento, onde se disponibilizava a fazer acertos a título de juros naquele processo, donde nunca teve qualquer intenção de induzir o Tribunal em erro.
XXVII. A Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou sobre esse requerimento entregue pela AT, não dando a possibilidade de a AT em sede daquele processo corrigir o pagamento dos juros conforme requerido e proferiu sentença imediatamente, decidindo pela inutilidade superveniente parcial do julgado.
XXVIII. Do exposto se pode concluir, que não estão verificados os pressupostos de responsabilidade subjectiva, quer a culpa ou negligência grave para se poder concluir que as condutas da AT consubstanciam comportamentos susceptíveis de condenação como litigante de má fé.
XXIX. E nem o despacho recorrido, em parte alguma, invoca, que a AT tenha com a sua actuação adoptado qualquer dos comportamentos descritos no artigo 456º do CPC.
XXX. Também não se percebe a que se refere a decisão recorrida, ao enquadrar a litigância de má-fé nos termos do artigo 104º nº 1 da LGT, uma vez que a conduta da AT sempre foi a mesma, e consistente no sentido de que nunca se recusou a cumprir qualquer julgado, apenas tem o direito de impugnar quanto à forma como cumpre, isto é, invocando que primeiro paga imposto e só depois os juros.
XXXI. Diga-se ainda, que da parte da AT não existiu qualquer conduta que divida do habitualmente adoptado em situações idênticas, nem ficou demonstrado qualquer intenção de induzir o tribunal em erro, pelo que, quer por falta de matéria factual que o suporte, quer por falta de verificação dos pressupostos legais, deve o despacho recorrido ser revogado na parte da condenação da AT como litigante de má fé, assim como também na condenação pelo incidente.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, com as legais consequências.”

A recorrida “Sociedade Hoteleira..., Lda.” apresentou contra-alegações (cfr. fls. 383-394), tendo concluído da seguinte forma:
“(…)
A - O presente recurso do despacho de 7/3/2011 tem dois objectos que são: o primeiro é a condenação da Administração Fiscal no cumprimento integral da sentença exequenda com o pagamento dos montantes em falta e a determinação de uma sanção pecuniária de 40€ por cada dia de atraso até ao cumprimento integral e efectivo da obrigação (conclusões I a XXII) e o segundo objecto é a condenação da Administração fiscal como litigante de má-fé numa multa de 2 UCs e respectiva condenação em custas (conclusões XXIII a XXXI).
B - O primeiro objecto não pode ser já objecto de recurso por tais decisões terem sido proferidas em sentença que já transitou em julgado e o segundo não pode proceder devido à conduta da Administração Fiscal ao longo deste processo de execução, como se demonstrará.
C - Por sentença proferida em 22-11-2010 foi julgado procedente a devolução da quantia de € 923,46, procedente o pedido de juros indemnizatórios e moratórios calculados nos termos que indica e ordena o cumprimento do ordenado em 6.1. no prazo de 30 dias (artigo 179.º, n.º 4 do CPTA) e condena-se o titular do cargo de Director Geral de Impostos numa sanção pecuniária de 40 euros diários, por cada dia de atraso no cumprimento da presente sentença, para além dos 30 dias fixados
D) Esta sentença foi notificada às partes em 29-11-2010, transitou em julgado em 9-12-2010, pois dela não se recorreu nos termos do artº. 280.º, nº. 1 do CPPT, foi enviada ao serviço de finanças em 22-12-2011 e o prazo dos 30 dias para cumprimento terminou em 03-02-2011.
E) - Em 7 de Fevereiro de 2011 foi a exequente notificada do ofício enviado pelo serviço de finanças dizendo que, depois de voltar a invocar o Proc. 166/2011 - o que foi uma constante ao logo do processo - só vai pagar 299,24€ porque é só isso que está em falta, contrariando a ordem da sentença e não cumprindo integralmente o ordenado, o que dá motivo para que a sanção pecuniária continue a ter lugar.
F) É isto que é referido no despacho de 7/3/2011 de que a Administração Fiscal ora recorre: ali é dito que a decisão está por cumprir, mandando devolver o processo ao serviço de finanças novamente, e que já há lugar ao pagamento da sanção pecuniária porque a sentença não está cumprida. Isto é apenas uma constatação de mero expediente e não uma decisão recorrível.
G) Começa por dizer-se que a exequente ora recorrida recebeu em 4-4-2011 um cheque no valor de 923,46€ e em 20-4-2011 outro cheque no valor de 19,84€, pagamentos feitos já depois da interposição do presente recurso e com os quais fica cumprida a sentença de 22-11-2010 no que toca ao reembolso das quantias em dívida pela anulação da Liquidação referente a IRC de 1994, ficando por cumprir o pagamento da sanção pecuniária imposta na mesma sentença de 22-11-2010.
H) Se a Administração fiscal não concordava com a condenação no pagamento de dinheiro em falta, nem com a determinação de uma sanção pecuniária devia ter recorrido da sentença de 22-11-2011 e não o fez, pelo que esta transitou em julgado.
I) Não é porque - já no período dos 30 dias para cumprimento - o chefe do Serviço de Finanças apresentou um oficio, cujos termos eram exactamente os mesmos que a Administração Fiscal já tinha apresentado ao longo de todo o processo, mas sem nada pagar à exequente que a situação se altera porque toda essa argumentação o oficio do chefe de finanças de 11-1-2011 (já depois do trânsito em julgado da sentença) foi já considerada na sentença de 22-11-2010, entretanto transitada em julgado, nada trazendo de novo.
J) Deste modo, não pode agora a Administração Fiscal, em sede de recurso ordinário, pôr em causa a própria sentença de condenação, usando como pretexto um despacho que constata em mero expediente o incumprimento da condenação, tentando “tomá-lo recorrível”.
K) E não pode vir levantar uma questão nova que é a da imputação dos pagamentos feitos nos termos do artigo 785° do Código Civil, questão que nem sequer foi levantada ao longo de todo o processo demonstrando o desnorte com que a Administração Fiscal actuou neste processo.
L) - Assim, toda a matéria vertida nas conclusões I a XXII das alegações da recorrente, que pretendem pôr em causa o determinado na sentença de 22-11-2010, já transitada em julgado, não pode ser objecto deste recurso sob pena de haver uma violação de caso julgado grave e desrespeitadora da lei, pelo que deve ser negado provimento ao recurso nesta parte.
M) No entanto e por cautela sempre se dirá que o problema sempre residiu no facto de se querer convencer o tribunal que os pagamentos feitos pelas Finanças já tinham pago primeiro o valor de imposto a reembolsar e depois os juros devidos, que sempre foram manifestamente insuficientes e mal calculados, tendo a exequente impugnado sempre os respectivos cálculos nos dois processos, situação que ainda agora se mantém com a junção de mais um documento do outro Processo 166-A/2001 que - para além de não trazer nada de novo aos presentes autos - por se tratar de execução de julgado diferente dos presentes autos não deve sequer ser considerado neste recurso, devendo por isso ser desentranhado este documento junto com as alegações da recorrente.
N) A exequente manteve sempre as contas dos dois processos separadas, tendo por requerimento que apresentou nestes autos em 7 de Fevereiro de 2011, apresentado a lista de todos os valores que tinha a receber e que tinha já recebido, coincidindo o saldo final com o que tinha sido constatado na sentença de 22-11-2010, salvo a actualização de juros que entretanto foi feita e por isso se deve respeitar a sentença de 22-11-2010 que foi justa e já transitou e que não foi cumprida conforme se constatou no despacho recorrido.
O) Quanto à litigância de má fé, desde o início dos presentes autos de execução que a Administração Fiscal tentou várias estratégias: primeiro dizer que ia pagar 6.038,33€ e pedir o perdão do remanescente em falta; depois tentar várias compensações com liquidações ainda em fase de impugnação e por último dizer que o remanescente em falta tinha sido pago num cheque que também pagara a Execução de Julgado 166-A/2001.
P) A exequente sempre se defendeu desta estratégia do executado e alertou que a Administração estava a induzir em erro o Tribunal, pois os argumentos que usava num e noutro processo não estavam a ser coerentes e, por isso, o Tribunal entendeu pedir informações sobre os outros processos em que a exequente era impugnante para verificar as explicações da executada.
Q) E verificou o Tribunal que a Administração Fiscal no Proc. de Execução de Julgados n.º 166-A/2001 referiu nos autos que havia pago as quantias de € 30.625,97 a 17/09/2010 e de € 2.231,21 a 15/12/2010 que se destinaram a pagar única e exclusivamente a quantia exequenda, em sede daqueles autos e que nos presentes auto, informou o Tribunal que, na quantia de € 30.625,97 cujo pagamento foi efectuado em 17/09/2010 se encontrava englobada a quantia de € 923,46 (referente a dívida destes autos de Exec. 379-A/2000) tentando assim induzir em erro o Tribunal no sentido de demonstrar que nos presentes autos já estava paga a quantia de € 923,46.
R) Entendendo que “este comportamento da Administração Fiscal, diverge do habitualmente adoptado em situações idênticas, em que agindo de acordo com o princípio da legalidade, a que os serviços públicos se encontram submetidos, jamais prestaria informações incorrectas ou afirmaria ter procedido a pagamentos que não ocorreram ou ocorreram para fazer face a outras dívidas.” (sic. do despacho de que a Administração Fiscal ora recorre)
S) Ora se é verdade que a Administração Fiscal tem por hábito pedir o perdão das suas dívidas ao contribuinte e fazer compensações com títulos que ainda não podem ser compensados (embora contra o disposto no artigo 89º do Cód. Procedimento e Processo Tributário) já não é verdade que tenha por hábito - o que seria muito grave - “usar” o mesmo cheque para justificar pagamentos diferentes e alegar tal ilegalidade em juízo, conduta que é de manifesta litigância de má fé, quer nos termos apontados no Cód. Procedimento e Processo Tributário (artigo 104º), quer nos do Código de Processo Civil (artigo 456º).
T) Nestes termos deve ser negado provimento ao recurso interposto da matéria constante na conclusões I a XXII por ter já sido decidida em sentença que já transitou em julgado, consubstanciando o eventual provimento uma violação de caso julgado, bem como deve também ser negado provimento ao recurso sobre a matéria das conclusões XXIII a XXXI por bem ter decidido o despacho ao condenar a Administração Fiscal como litigante de má fé, nos termos acima expostos, assim se cumprindo a lei e se fazendo, JUSTICA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 405 a 407 dos autos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da bondade do despacho proferido nos autos em 07-03-20011, que, por um lado, (i) determinou à Repartição de Finanças de Figueira da Foz o cumprimento integral do Julgado e, ainda, que providenciasse pelo pagamento da sanção pecuniária já em dívida, condenando a entidade administrativa nas custas do incidente, que fixou em duas UC e, por outro lado, que (ii) condenou a Administração Tributaria (adiante, AT) como litigante de má fé, numa multa que contabilizou em 2 UC.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
1. No âmbito do presente processo de execução de julgados, foi proferida decisão em 22-11-2010, tendo sido decidido que:
“…
6.1
Em consequência do exposto, julga-se:
1 – procedente o pedido de devolução da quantia de € 923,46
2 – procedente o pedido de juros indemnizatórios que deverão ser corrigidos e contabilizados desde o dia 27/12/2002 (data do pagamento) até ao termo do prazo de execução espontânea da sentença (02/08/2008) considerando-se a totalidade da quantia paga pela exequente, isto é, a quantia de € 5.702,60.
3 – procedente o pedido de juros moratórios, contabilizados desde o dia 03/08/2008 até ao dia 21/08/2009, sobre a quantia de € 5.702,60 e contabilizados desde o dia 22/08/2009 até à data em que ocorra o efectivo e integral pagamento sobre a quantia, que ainda não foi devolvida à exequente de € 923,46.
4 – Às quantias referidas em 6.1.2. e 6.1.3. haverá que descontar a quantia de € 1.317,63 de juros já pagos à exequente. …”
2. A sentença em apreço foi notificada às partes em 25-11-2010, não tendo sido objecto de recurso.
3. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“…
Pela sua complexidade, determino o cumprimento do presente despacho pela senhora escrivã-adjunta desta secção: N….
*
Extraia certidão da douta contestação de fls. 44 e segs. dos autos de Execução de Julgado n.º 166-A/2001, do doc. de fls. 147 daqueles autos, bem como da sentença aí proferida e junte aos presentes autos.
Após notifique as partes:
do despacho ora proferido, com cópia da sentença proferida em sede dos autos de Execução de Julgado n.º 166-A12001 e da contestação constante daqueles autos de Execução de Julgado n.º 166-A/200, bem como do doc. de fls. 147 daqueles autos
*
Proceda a notificação do Exmo Senhor titular do cargo de Director- Geral de Impostos nos mesmos termos.
*
Após remeta, de imediato e a título devolutivo, os autos à Repartição de Finanças, para cumprimento integral do Julgado, bem como para providenciar pelo pagamento da sanção pecuniária, já em dívida.
*
Expediente de fls. 214 e seguintes:
Conforme decorre da contestação junta aos autos de Exec. de Julgado n.º 166-A/2001, de outras peças processuais daqueles autos (doc. de fls. 147) e da sentença proferida em sede daqueles autos, foi declarada a inutilidade superveniente parcial daquela lide, por as partes terem expressamente admitido que os pagamentos efectuados naqueles autos nos montantes de € 30.625,97 a 17/09/2010 e de € 2.231,21 a 15/12/2010 se destinaram a pagar apenas e exclusivamente a quantia exequenda, em sede daqueles autos, a qual ascendia ao montante global de 32.879,03 (aqueles autos prosseguiram apenas para se apreciar da remanescente quantia exequenda, no montante de € 44,32).
Pelo exposto, não pode agora o serviço de finanças da Figueira da Foz vir imputar a estes autos de Exec. n.º 379-A/2000 os pagamentos efectuados por conta daqueles autos de Exec. n.º 166-A/2001 nem pode pretender ora devolver (volvidos 8 anos !!!) os pagamentos, em singelo, efectuados pela exequente, em 27/12/2002, sem contabilizar os juros indemnizatórios e moratórios a que esta tem direito.
Por outro lado, não cabendo ao Tribunal “continuar a executar a Execução de Julgados” nem aos serviços de finanças emitir pareceres, mas apenas e tão só, cumprir com o Julgado, atento o trânsito dos presentes autos e a condenação do Sr. Director de Impostos em sanção pecuniária compulsória, em virtude da inépcia do serviço de finanças, determino a remessa imediata ao serviço de finanças, para cumprimento integral do Julgado, com as cominações expressas na sentença.
*
Custas do incidente, a cargo da entidade administrativa, que fixo em 2 Ucs.
*
Da litigância de má fé:
Estabelece o artigo 104.º, n.º 1 do CPPT:
“Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé, em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas”.
Para conhecimento do incidente relevam os seguintes factos:
- A Direcção Geral de Impostos, em sede do Proc. de Execução de Julgados n. ° 166-A/2001 e após recolha de informação no serviço de finanças, referiu nos autos que havia pago as quantias de € 30.625,97 a 17/09/2010 e de € 2.231,21 a 15/12/2010 que se destinaram a pagar única e exclusivamente a quantia exequenda, em sede daqueles autos, a qual ascendia ao montante global de € 32.879,03 (vide docs. supra ids.)
- Em sede dos presentes autos, a fls. 249 e seguintes e após recolha de informação no serviço de finanças, a Direcção Geral de Impostos vem informar o Tribunal que, na quantia de € 30.625,97 cujo pagamento foi efectuado em 17/09/2010 se encontrava englobada a quantia de € 923,46 (referente a dívida destes autos de Exec. 379-A/2000).
Ao agir, conforme descrito, a Administração Fiscal tentou induzir em erro o Tribunal, querendo demonstrar o indemonstrável, isto é, que em sede dos presentes autos o Julgado se encontrava já cumprido naquela parte, isto é no pagamento da quantia de €923,46.
Contudo, da consulta de ambos os autos de Execução de Julgados (o presente e os autos n.º 166-A/2001 que não estão apensados nem poderiam estar, pois que o seu julgamento é autónomo, limitando-se cada um destes processos a executar a sentença respectiva, não obstante a persistência das partes em querer juntá-los e que, apenas por mera coincidência, foram distribuídos à ora signatária) resulta evidente que o Julgado em sede dos presentes autos não se encontra cumprido, pois que, as dívidas em causa nunca poderiam ser pagas, devolvendo em singelo, as quantias ilegalmente liquidadas e pagas pelos contribuintes há mais de 8 anos, conforme parece decorrer da informação prestada a fls. 205 dos autos.
Ora, este comportamento da Administração Fiscal, diverge do habitualmente adoptado em situações idênticas, em que agindo de acordo com o princípio da legalidade, a que os serviços públicos se encontram submetidos, jamais prestaria informações incorrectas ou afirmaria ter procedido a pagamentos que não ocorreram ou ocorreram para fazer face a outras dívidas.
Admitindo-se ainda que o seu comportamento não seja doloso é pelo menos negligente, atingindo as proporções da negligência grosseira e levando a que o Tribunal, que deveria estar a decidir verdadeiros litígios fiscais, necessários à recuperação do deficit orçamental, se encontre a verificar lançamentos contabilísticos incorrectos por parte da referida AT.
Pelo exposto e, sem necessidade de quaisquer outras considerações, condeno a Administração Tributária como litigante de má fé, numa multa que contabilizo em 2 Ucs.
*
Texto elaborado em computador e revisto pela signatária
Coimbra, 07/03/2011
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida a tarefa de indagar da bondade do despacho proferido nos autos em 07-03-20011, que, por um lado, (i) determinou à Repartição de Finanças de Figueira da Foz o cumprimento integral do Julgado e, ainda, que providenciasse pelo pagamento da sanção pecuniária já em dívida, condenando a entidade administrativa nas custas do incidente, que fixou em duas UC e, por outro lado, que (ii) condenou a Administração Tributaria (adiante, AT) como litigante de má fé, numa multa que contabilizou em 2 UC.
Quanto ao primeiro elemento, o Recorrente questiona a decisão recorrida, referindo que o despacho sancionatório, na parte em que decidiu pelo não cumprimento do julgado não tem fundamento legal nem factual, razão pela qual deve ser revogado, assim corno, pelas mesmas razões deve ser revogada a ordem de pagamento da sanção pecuniária compulsória, e a condenação pelo incidente.
Para o efeito, aponta que em 07/03/2011 a Meritíssima Juiz proferiu despacho sancionatório, no qual junta a sentença proferida no mesmo dia 07/03/2011 no processo de Execução de Julgados Nº 166-A/2001, juntamente com a respectiva contestação e doc. de fls 147 dos mesmos autos e apesar da Mma Juiz a quo afirmar no douto despacho recorrido, que o julgamento dos dois processos é autónomo; salvo o devido respeito, parece que a sentença proferida no dia 07/03/2011 no Proc 166-A/2001 (e que só foi notificada à jurista designada naqueles autos, por ofício de 09/03/2011), foi decidida em conjugação com a decisão sancionatória proferida nos presentes autos.
Antes de mais, esclarecendo-se a questão da autonomia dos processos, referida pela Mma Juiz a quo, sempre se dirá que, se a nível judicial tal decisão pode ser tomada autonomamente, no que respeita à execução do julgado pela AT tal não é possível, ou seja, apesar dos processos de execução correrem os seus termos paralelamente no tribunal, a nível de operações de execução da AT, estas têm de ser feitas, dentro do possível, em conjunto, pois trata-se do mesmo exercício (1994) e do mesmo imposto.
Além do mais, tais operações são complexas e, tal como se retira do ofício junto aos autos em 15/02/2011, referente ao Proc. de Execução Julgado n.º 166-A/2001 com o n.º 5413 de 19/10/2001, foram feitas várias restituições ao contribuinte, umas delas a título de imposto, outras a título de juros, num total só referente a imposto de € 35.405,21, sendo que a devolução em concreto do montante de € 30.625,97 ocorreu em 17/09/2010 no decurso dos presentes autos, antes de ter sido proferida a sentença de 22/11/2010. E a AT, ao detectar esse pagamento, comunicou aos presentes autos que a devolução de imposto no valor de € 923,46 havia sido concretizada, por estar englobada naquele valor.
Assim, a AT calculou os juros em falta e emitiu o seu pagamento no valor de €299,24, tendo em conta o valor de € 1.317,63 já pago, tal como mandava a sentença em execução, ou seja, a AT acabou por tratar as duas execuções (os dois processos de execução de julgados n.º 166-A/2001 e n.º 379-A/2000) conjugadamente. Tal como o fez o próprio despacho recorrido, pelo que, é forçoso concluir que era essa a solução a dar à anulação (execução) das liquidações em causa.
A AT seguiu o princípio legal de imputação do cumprimento dos montantes a pagar, que como se referiu é diferente da ordem de imputação constante do código civil, nos seus artigos 783º a 785º, por estas não terem aplicação à AT, donde, a AT deve imputar o pagamento, em primeiro lugar, a imposto e só depois, sobre esse valor pode calcular e pagar os juros e foi, portanto, com base neste fundamento legal que a AT, executou a sentença no presente processo, considerando pago o montante em causa nos presentes autos na data de 17/09/2010, pois foi pago indubitavelmente a título de imposto e a AT nunca se desviou deste princípio, no âmbito do processo Nº 166-A/2001 como parece fazer crer a Mma Juiz, ao juntar a sentença que profere nesses autos e o Requerimento de fls. 147.
De facto, quando foi detectado no âmbito do processo Nº 166-A/2001, que também estava em curso a presente execução, e que ainda haviam montantes a restituir, foi entregue pela AT, naqueles autos, um requerimento, referindo que se disponibilizava a fazer os acertos a titulo de juros ainda devidos naquele processo (n.º 166-A/2001), uma vez que no âmbito do Processo n.º 379-A/2000, já estava tudo pago. (cfr. documento que se junta)
Sucede que a Meritíssima Juiz a quo desconsiderou em absoluto esse requerimento e extinguiu a instância em parte naqueles autos e condenou a AT no presente processo por não ter cumprido o Julgado e por litigância de má fé, verificando-se que o despacho recorrido também não tem razão quando afirma que a AT pretende restituir os montantes de imposto em singelo, montantes pagos pelo contribuinte há mais de 8 anos, sem contabilizar os juros indemnizatórios e moratórios devidos, pois que tal conclusão não encontra fundamento nos factos constantes dos presentes autos, pois parte já havia sido pago na pendência dos autos de execução, e na parte restante a AT deu também cumprimento integral à sentença exequenda, conforme demonstração constante do ofício 419 de 11/01/2011 que a AT juntou aos autos em 15/02/2011, pelo que, pode concluir-se que, em face das datas, tanto da restituição (17/09/2010), como da emissão do cheque de pagamento dos juros (24/01/2011), a sentença foi cumprida dentro do prazo determinado.
Pois bem, considerando o exposto pelo Recorrente neste domínio, tem de entender-se que o Recorrente não ataca verdadeiramente o despacho em crise - que, neste âmbito, se limitou a verificar o incumprimento da sentença proferida em 22-10­2010 -, mas, ao invés, a própria sentença, questionando, de novo, nesta sede, o seu acerto ou bondade.
Efectivamente, o Recorrente acaba por reconhecer que incumpriu o julgado, porquanto, na sua versão, à data da prolação da sentença, o mesmo já estaria cumprido.
Todavia, revela-se inequivocamente infundada, além do mais, por extemporânea, a reacção do ora Recorrente contra a citada douta sentença, dado o seu oportuno trânsito em julgado.
Assim sendo, como é, como bem nota a Ex.ma Magistrada do Ministério Público, pese embora a notória discordância com o julgado, incumbia ao Serviço de Finanças dar-lhe integral cumprimento, nos precisos e exactos termos determinados na aludida sentença, o que não foi efectuado.
Deste modo, e por via disso, tal incumprimento veio a ser constatado e declarado pelo tribunal a quo, no despacho ora em crise, o que significa que não importa, nesta sede, escalpelizar as razões e dissecar os argumentos carreados pelo Recorrente para a motivação do recurso sub judice.
Na realidade, a questão fulcral a atentar aqui é a força do caso julgado de que goza a decisão em crise, quanto a este segmento recursivo e daí que o tribunal ad quem não possa sequer emitir pronúncia sobre uma questão coberta pela sua chancela, sob pena de grave e flagrante violação da legalidade, de modo que, nesta sede, o presente recurso está irremediavelmente condenado ao insucesso.

O Recorrente discute depois a sua condenação como litigante de má fé, apontando que, mais uma vez ressalta da análise do despacho recorrido, que a Meritíssima Juiz a quo decidiu os dois processos em conjunto, no entanto, tal conjugação de decisões apenas se reflectiu na vertente condenatória do presente despacho.
De facto, a sentença proferida nos autos de Exec. 166-A/2001, e os restantes articulados juntos, foram utilizados para comprovar a existência de má fé na actuação da AT no Processo de Exec. 379-A/2000, apesar da Mma Juiz a quo sustentar o julgamento autónomo dos processos, além de que no decurso dos autos de Exec. 166-A/2001, a AT entregou um requerimento, onde se disponibilizava a fazer acertos a título de juros naquele processo, donde nunca teve qualquer intenção de induzir o Tribunal em erro, sendo que a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou sobre esse requerimento entregue pela AT, não dando a possibilidade de a AT em sede daquele processo corrigir o pagamento dos juros conforme requerido e proferiu sentença imediatamente, decidindo pela inutilidade superveniente parcial do julgado, o que significa que não estão verificados os pressupostos de responsabilidade subjectiva, quer a culpa ou negligência grave para se poder concluir que as condutas da AT consubstanciam comportamentos susceptíveis de condenação como litigante de má fé e nem o despacho recorrido, em parte alguma, invoca, que a AT tenha com a sua actuação adoptado qualquer dos comportamentos descritos no artigo 456° do CPC e também não se percebe a que se refere a decisão recorrida, ao enquadrar a litigância de má-fé nos termos do artigo 104º nº 1 da LGT, uma vez que a conduta da AT sempre foi a mesma, e consistente no sentido de que nunca se recusou a cumprir qualquer julgado, apenas tem o direito de impugnar quanto à forma como cumpre, isto é, invocando que primeiro paga imposto e só depois os juros, além de que, da parte da AT não existiu qualquer conduta que divirja do habitualmente adoptado em situações idênticas, nem ficou demonstrado qualquer intenção de induzir o tribunal em erro, pelo que, quer por falta de matéria factual que o suporte, quer por falta de verificação dos pressupostos legais, deve o despacho recorrido ser revogado na parte da condenação da AT como litigante de má fé, assim como também na condenação pelo incidente.

Neste domínio, o artigo 104º nº 2 da LGT, prevê que o sujeito passivo possa ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral, sendo que o artigo 122º nº 2 do CPPT, prevê a condenação em custas e também em sanção como litigante de má fé.

Estabelece o art. 456.º do CPC que tendo "… litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir …” (n.º 1), dizendo-se “… litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão …” (n.º 2).
Para não caírem no âmbito de aplicação do normativo ora acabado de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correcção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos arts. 08.º do CPTA, 266.º e 266.º-A do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do Direito e da Justiça no caso concreto que constitui objecto do litígio.
Daí que no caso de alguma das partes num litígio actuar com malícia e quiser levar o Tribunal a formar uma convicção distorcida da realidade por si conhecida no tocante a facto ou pretensão cuja ilegitimidade ou vício conhece, não observando o dever de cooperação a que por lei está vinculada ou se voluntariamente usar o processo de modo reprovável, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e entorpecer a acção da justiça protelando, sem fundamento sério, o trânsito da decisão, estará a agir de má fé e impor-se-á então a sua condenação como litigante de má fé.
Para que possa falar-se de litigância de má fé e se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação deverá ter-se como assente que essa aplicação só é de pôr quando se concluir que a actuação de alguma das partes desrespeita o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo.
Decorre do exposto que a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange, assim, situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.

A propósito escreveu J. Alberto dos Reis que “... não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada...” e, ainda, que a “... simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a iniciativa da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir …”(“Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 263).
Neste sentido tem decidido o STJ, sendo que entre a jurisprudência daquele Venerando Tribunal, temos o acórdão de 11-04-2000 - Revista nº 212/00, 1ª, onde se escreveu que “... a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo, não bastando uma lide temerária ou ousada ou uma conduta meramente culposa …”.

Também o S.T.A. no seu Acórdão de 18-10-2000, Proc. nº 046505, www.dgsi.pt, sustentou que a “… multa por litigância de má fé destina-se a sancionar aqueles casos em que as partes, tendo agido com dolo ou negligência grosseira, tenham incorrido nalguma das interacções tipificadas na alínea a) a d) do n.º 2 do art. 456.º do CPC …”, sendo no seu sumário se pode ler ainda que a “… liberdade que orienta as partes ao nível da defesa dos seus direitos tem como pressuposto o necessário conhecimento da justiça das suas pretensões; (…) A sustentação de teses controvertidas na doutrina ou a defesa de interpretações, sem grande solidez ou consistência, das normas jurídicas, não se subscreve no conceito de lide dolosa ...”.
Assim, se formos colocados ante situação pouco definida na lide (entre dolosa ou temerária), por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos para que possa concluir-se com segurança, pela existência de dolo, a condenação por litigância de má fé não deve decretar-se.
É que o manifesto gravame jurídico-social que se lhe associa impõe que não haja dúvidas ao qualificar-se a conduta da parte como dolosa ou gravemente negligente.
Extrai-se ainda da lição daquele ilustre Professor que a “… ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição dos titulares de direitos; que no caso concreto o litigante tenha ou não razão, é indiferente; num e noutro caso goza dos mesmos poderes processuais. Mas ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica impõe uma limitação: que o exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão.
Quando falta este requisito, o acto passa a ter o carácter de ilícito. Estamos então perante um ilícito processual, a que corresponde ou uma sanção meramente civil (responsabilidade pelas perdas e danos causados à parte contrária) ou uma sanção civil e uma sanção penal (multa).

Por outras palavras, uma coisa é o direito abstracto de acção ou de defesa, outra o direito concreto de exercer actividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à pessoa humana. O segundo sofre limitações impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral; é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão. Portanto, revelada a má fé, torna-se patente que ele exerceu actividade ilícita...” ( ob. cit., pág. 261).

Ora é certo que a improcedência da acção ou da defesa movida na mesma, por si só, não é condição suficiente para que se dê por verificada a má fé, pois, se tal acontecesse então qualquer parte vencida numa produção de prova, na acção ou defesa haveria de ser automaticamente julgada como litigante de má fé, uma vez que, em rigor, acabara por deduzir ou sustentar pretensão não fundamentada.

Daí que a ausência de fundamentos da acção ou da defesa não determina, pois, necessariamente, a má fé já que esta terá se estribar naquela imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um (cfr. Ac. do S.T.J. de 20-03-2001, Proc. nº 01A3692), ou se traduz num uso reprovável do processo com ostensiva violação dos deveres de cooperação e boa fé processuais (cfr. Ac. do S.T.J. de 02-06-2003, Proc. n.º 04S004).

Diga-se ainda que, especificamente, quanto à possibilidade de a AT no pagamento de uma sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras da litigância de má-fé, deve levar-se em consideração o citado art. 104º nº 1 da LGT, normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas de patente violação, por banda da Fazenda Pública dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé. O comportamento sancionado no preceito é apenas o da actuação da Administração no processo judicial e não também o tido no processo administrativo gracioso.

Pois bem, na situação dos autos, não vislumbra este Tribunal que se verifiquem os necessários pressupostos legais, que, para efeitos da sua condenação, a tal título, no âmbito em que nos movemos, se encontram, expressa e taxativamente, elencados no citado art. 104º nº 1 da LGT.

Com efeito, e concretizando, a conduta da AT no âmbito do presente processo não se mostra patentemente violadora dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé.

Na verdade, ponderadas quer a decisão judicial em crise quer a tramitação processual que a antecedeu e analisada a posição assumida pelo Recorrente, na motivação em análise, de inequívoco e veemente repúdio da condenação, suscitam-se-nos pertinentes e justificadas dúvidas sobre se a AT litigou de má fé, perspectivada esta à luz do citado n.º 1 do artigo 104º da LGT, na medida em que, como o reconhece o tribunal recorrido e é corroborado pelas partes em litígio, ocorreu sempre, ao longo do processado, uma confusão entre a tramitação destes autos e a do Processo de Execução de Julgado que, sob o n.º 166-A/2001, correu termos pelo mesmo TAF e a cargo da mesma Sra. Juíza.

Assim, em função dessa ligação, a contagem das quantias em dívida, no âmbito de cada um desses processos, sempre se revelou problemática e litigiosa e, como refere a Ex.ma Magistrada do Ministério Público, se bem se compreende que a exequente tenha separado rigorosamente os processos, em termos de apurar quais os valores efectivamente em dívida, já se concebe e aceita que essa fronteira estanque não se verifique, no caso do AT.

Neste ponto, não pode deixar de notar que apesar dos processos de execução correrem ao seus termos paralelamente no tribunal, a nível de operações de execução da AT, não se revela despropositada a afirmação por parte da Recorrente que estas têm de ser feitas, dentro do possível, em conjunto, pois trata-se do mesmo exercício (1994) e do mesmo imposto, o que significa que, aparentemente, a AT norteou-se pelas mesmas regras jurídicas e seguiu escrupulosamente os procedimentos e praxis habituais.

Ora, abstraindo da questão de saber se a imputação subjectiva da conduta da AT, para o efeito da sua subsunção ao mencionado preceito da LGT, poderá e/ou deverá ser efectuada por referência ao dolo e não já situar-se a nível da culpa ou mera negligência, como ressalta da decisão recorrida, certo é que não se vislumbra fundamento bastante para a condenação da AT como litigante de má fé, pois que, se a AT agiu com negligência, o juízo de censura que lhe deve ser assacado não se situa no domínio da negligência grosseira, mas antes no âmbito da denominada “faute de service”, como juízo genérico de uma administração burocratizada que, em função dos constrangimentos inerentes a esta realidade, não actua de modo expedito hábil na resolução dos problemas quotidianos dos cidadãos, de modo que, nesta parte, tem de se conceder abrigo à pretensão do Recorrente, com a revogação do despacho recorrido na parte em que condenou a AT como litigante de má fé.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogando-se o despacho recorrido na parte em que condenou a AT como litigante de má fé, mantendo-se, no mais, a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente e Recorrida, na proporção de 2/3 para o primeiro e 1/3 para o segundo.
Notifique-se. D.N..
Porto, 27 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves