Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00667/07.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/28/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS
Sumário:I- Nos termos do artigo 123º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o juiz tem o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada.
II - O exame crítico da prova deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida.
III – Remetendo-se, na sentença, indistinta e genericamente para a prova documental e testemunhal todos os factos provados, não se mostra observado, pelo tribunal recorrido, tal dever de fundamentação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública e Ministério Público
Recorrido 1:Construções..., Lda.
Decisão:Concedido provimento ao recurso do M.P.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório

O Ministério Público e a Fazenda Pública vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a presente impugnação judicial, deduzida por “Construções N…, Lda .” contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo aos anos de 2003 e 2004 nos valores respectivamente de €40.009,04 e €80.480,26 e respectivos juros compensatórios.

O Recorrente Ministério Público terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1- A sentença recorrida especificou os factos que considerou provados, mas omitiu a indicação dos factos não provados com interesse para a decisão da causa, o que integra a nulidade prevista nos artigos 123.° n.° 2 e 125.° n.° 1 do CPPT.
2- A sentença impugnada limitou-se a especificar os factos que considerou provados e a dizer que não se tinham provado outros factos com interesse para a decisão.
3- A sentença recorrida, relativamente ao sócio gerente da D..., deu como provado que ele disse à I. T. que os serviços facturados não tinham sido prestados e deu como provado que ele não manteve essa declaração em audiência
4- Ficou por saber aquilo que se entendeu como provado, se aquilo que ele disse ou aquilo que ele disse que não disse
5- A sentença recorrida não identificou os meios de prova que serviram para formar a sua convicção e omitiu o exame crítico das provas que lhe cumpria conhecer
6- É nula nos termos dos artigos 659.° n.° 3 668.° n.° 1 b) do CPC e do art.° 125.° n.° 1 do CPPT
7- A matéria de facto provada é insuficiente para a decisão que foi tomada
8- Na verdade, a administração tributária fundamentou as liquidações num conjunto de indícios de que as facturas emitidas pela D... não se traduziam em negócios reais
9- Para tal, a administração tributária apreciou a situação tributária da D..., a falta de capacidade humana e financeira para efectuar os serviços que tinham sido contabilizados, a forma de emissão das facturas, o seu modo e meios de pagamento, a inexistência de contratos, de orçamentos e de autos de medição dos trabalhos, o elevado valor dos serviços emitidos e contabilizados por terceiros e a declaração do seu sócio gerente de que os trabalhos não tinham sido realizados
10- Assim, devia a sociedade impugnante provar que os trabalhos contabilizados tinham sido efectivamente prestados, mas tal não ficou especificado como provado
11- A prova testemunhal, por si só, seria sempre insuficiente para prova da realidade das operações contabilizadas
12- A sentença recorrida desprezou como factos indiciantes da simulação dos negócios:
- o facto de terem sido emitidas facturas com datas anteriores à da sua impressão na Tipografia
- a circunstância do sócio da D... receber uma certa quantia em dinheiro por cada factura que emitia
- a forma de pagamento em dinheiro ou em cheque levantado ao balcão das instituições bancárias
- a inexistência de contratos, orçamentos e autos de medição dos trabalhos
- a comprovação de que os valores levantados em dinheiro não eram creditados nas contas da D..., do seu sócio e respectivo cônjuge
13- Estes factos, que são relevantes e com interesse para a decisão da causa, suportam a conclusão de que as operações comerciais contabilizadas pela impugnante eram simuladas
14- Pelo que deviam ter sido devidamente apreciados pelo Tribunal e especificados como factos provados ou como factos não provados
15- A sentença recorrida deve como tal ser anulada nos termos citados e dos previstos no art.° 712.° n.° 4 do CPC porque a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão e porque se considera indispensável a sua ampliação para a boa decisão da causa
16- Deve pois ser dado provimento ao Recurso fazendo-se dessa forma a habitual
JUSTIÇA

A Recorrente Fazenda Pública terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. A douta decisão recorrida, considerou procedente a oposição deduzida por dívidas de IRC referentes aos nos de 2003 e 2004, nos montantes de € 40 009,04 e 80 480,26,
B. por ter concluído pela “evidente falta de fundamentação da eventual pretensão da Administração Tributária, por não ter logrado a produção de prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, e pela “efectiva demonstração da materialidade das operações que a impugnante tinha contabilizado, porque os serviços facturados foram efectivamente prestados”.
C. A Impugnante invocou, em síntese, preterição de formalidades essenciais, assacando aos despachos exarados sobre o relatório de inspecção, os vícios de falta de fundamentação e violação de lei por desconformidade com o artº 18º nº 3, al. b) do CIRC, e artºs 75º, 90º e 92º da LGT,
D. No douto decisório, a Mmª Juiz «a quo» anulou as liquidações visadas, alicerçando a sua convicção na análise da prova documental junta aos autos e nos depoimentos das testemunhas em sede de audiência contraditória de inquirição, fixando como factos provados relevantes para a decisão da causa os elencados nos artigos 1 a 46 do ponto III- A) do probatório (sintetizados no ponto 4 supra).
E. Assente na factualidade supra, a Mma. Juiz motivou a decisão considerando que fundamentação de acto tributário, a qual se exige seja expressa, referindo com objectividade, as razões de facto e de direito que justificarão a prática do acto: razões que sejam suficientes para perceber o percurso cognitivo que levou a Administração a decidir de certa forma e não de qualquer outra, há aqui uma evidente fundamentação insuficiente e equivoca
P. E concluiu existirem ex abundanti razões de facto e de direito para criticar o iter cognitivo e valorativo adoptado pela inspecção tributária que desembocou na correcção técnica de IRC, impondo-se a implementação de testes cruzados de coerência e conformidade entre os documentos e peças contabilísticas na posse da impugnante e os que servem de suporte escritural aos factos patrimoniais por si revelados, atento o princípio da verdade material.
G. A Mmª juiz considerou que a prova documental e pessoal que foi produzida mostrou-se sólida e consistente quanto à materialidade das operações comerciais que tinham sido contabilizadas e sobreviveu ao contraditório exercido pela Fazenda Pública que pretendia ver mantida a tese de que as facturas contabilizadas eram falsas.
H. Em consequ4ncia de cuja premissa entendeu não se justificarem as correcções efectuadas em sede de IRC não devendo manter-se as liquidações impugnadas.
I. Discorda a Fazenda Pública do doutamente decidido, e entende que a Administração logrou provar os pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitiram concluir que as operações tituladas pelas facturas postas em causa, são fictícias.
J. As liquidações impugnadas tiveram origem numa acção de inspecção conduzida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, em cumprimento da ordem de serviço identificada sob o nº OI 200600865, pelo facto de a Impugnante ter declarado, no nexo “P” da declaração contabilística e fiscal, aquisições de bens e serviços no valor de € 311 717,00 e 360 421,00 (IVA incluído), à “D... - Sociedade de Construções Unipessoal, Lda”, reconhecida emitente de facturação falsa.
K. através de uma análise atenta dos autos, resulta do probatório que a sentença sob recurso comete erros de julgamento e encontra-se, essa sim, eivada de contradições, equívocos e pré-juízos, que procuraremos demonstrar.
L.. A declaração do contribuinte no apuramento da matéria colectável, só goza da presunção da veracidade desde que esteja apresentada nos termos previstos na lei, e sejam fornecidos à Administração fiscal os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária,
M. Recaindo então sobre a AT o ónus de demonstrar que, apesar de se encontrar nos termos da lei, c conteúdo dessa declaração não é verdadeiro (cfr artº 74º da LGT).
N. a sentença recorrida cometeu o erro flagrante de extrair as suas conclusões numa situação que, como a presente, assenta na incontornável possibilidade de a impugnante ter suportado registos, na sua contabilidade, com base em documentos ilegais, concretamente chamadas “facturas falsas”.
O. Aliás, a própria sentença convoca essa singularidade, ao dar como provado que o F..., sócio-gerente da “D..., Unipessoal”, não tem trabalhadores registados na Segurança Social, que a empresa não tem qualquer suporte ou estrutura, que existem contradições ao nível da prova testemunhal produzida, e das declarações prestadas pelo próprio em “auto de declarações”, (sintetizados nos pontos 29/30).
P. Da prova testemunhal salienta-se o depoimento prestado em Tribunal pelo emitente
F..., negando as declarações prestadas em sede de procedimento
Inspectivo, e que constam do “auto de declarações” susceptível de integrar crime de
falsidade de depoimento, facto que deu origem a duas “promoções” por parte do Digno
Procurador do Ministério Público junto do TAF de Penafiel, para participação ao DIAP.

Q. À AT cabe ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, passando a caber ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, solução que corresponde à regra geral do art. 342º do Código Civil, (solução que se mostra acolhida pelos artºs 100º nº 1 do CPPT e 74º da LGT).
R. na situação subjudice, não fossem os indícios recolhidos no terreno da emitente das facturas desconsideradas, a factualidade apurada confronta-nos, com indícios, típicos dos procedimentos de utilização de “facturas falsas” quais sejam o dos movimentos bancários através da conta caixa, (i.e., pagamentos em numerário), seja através de registos contabilísticos em conta de suprimentos, seja pela emissão de cheques ao portador, levantados ao balcão e (re)depositados em contas pessoais dos utilizadores.
S. Em suma, a impugnante não conseguiu efectuar a prova, como lhe competia, de que os facturas em causa nestes autos correspondem à efectiva prestação de serviços que titulam,
T. pelo que, não poderão ser considerados custos do exercício, ao abrigo do artº 23º do CIRC, as quantias contabilizadas como subempreitadas suportadas pelas facturas emitidas pela «D...» sendo de manter as liquidações impugnadas.
U. Ao decidir no sentido que decidiu, a Mma. Juiz a quo errou na análise da matéria de facto e na aplicação do Direito, violando em consequência, os normativos supra.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.


A Recorrida não apresentou contra - alegações.


Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os autos com vista à Exma Procuradora-Geral Adjunta.


Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.


Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelos recorrentes nas alegações de recurso e delimitadas pelas respectivas conclusões - artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nº s 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) - são as de saber: (i) se a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação da matéria de facto e por total ausência de indicação dos factos não provados; (ii) se a sentença é nula por oposição dos fundamentos com a decisão; (iii) se a sentença recorrida é nula por omissão de pronuncia; iv)se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.

Desde logo, resulta do exposto que foram deduzidos dois recursos. Não existindo entre eles qualquer relação de subsidariedade, será apreciado em primeiro lugar o recurso apresentado pelo Ministério Público, dado imputar à sentença nulidades e após o da Fazenda Pública, que apenas imputa à sentença recorrida erro de julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:

A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental juntos aos autos e da prova que resultou da audição das testemunhas em sede de audiência contraditória de inquirição das testemunhas
1.º - As liquidações impugnadas resultaram de uma acção inspectiva efectuada á sociedade Impugnante no seguimento da qual a administração tributária (A.T.) não aceitou como custo de exercício os serviços facturados pela sociedade “D... - Sociedade de Construções, Ld.a”, por ter entendido que essas operações não correspondiam a negócios reais.
2.° - Em relação à sociedade “D...” e ao seu sócio F..., os Serviços de Inspecção Tributária apuraram os seguintes factos:
a) A Sociedade “D...” nunca entregou qualquer Declaração de IVA em 2002, nem qualquer Declaração de IRC Modelo 22.
b) A mesma sociedade nunca teve qualquer trabalhador inscrito na Segurança Social no exercício de 2002.
c) A sede da empresa situava-se numa morada em Ermesinde, que se encontrava desocupada há bastante tempo.
d) A renda das instalações deixou de ser paga a partir de Junho de 2002.
e) Desde então deixou de se verificar qualquer movimento no escritório.
f) O sócio gerente da empresa foi realojado pela Câmara Municipal de Valongo em Abril de 2004 pelo facto de a sua esposa beneficiar do rendimento mínimo garantido.
g) A “D...” não estava matriculada nas competentes Conservatórias de Registo Comercial de Gondomar e Valongo.
h) A mesma firma já estava indiciada pelo Serviço de Finanças de Aveiro como sociedade emitente de facturas falsas.
i) Era seu sócio gerente F....
j) Este declarou aos técnicos de inspecção tributária que os serviços mencionados nas facturas não tinham sido efectivamente realizados, nem por ele, nem pela firma de que era sócio gerente.
l) A “D...” emitiu facturas no valor de 345.818,53 euros em 2003 e de 416.824,13 em 2004, que foram contabilizadas pela sociedade impugnante.
m) O pagamento dessas facturas era efectuado em dinheiro.
n) Quando o pagamento das facturas era feito em cheque, ia ao Banco com o Sr. M…, sócio gerente da Impugnante, levantava os cheques ao balcão e dava logo o dinheiro ao Sr. M....
o) O sócio da Impugnante dava ao L...entre 80.000$00 e 120.000S00 por cada factura que ele preenchia, assinava e entregava.
p) Nos anexos P de outros utilizadores constam valores declarados de 2.297.040,00 em 2001.
q) Nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 a sociedade “D...”, liquidou IA que não foi entregue nos valores de 1.441.522,03 euros era 2002, 864.455,51 euros em 2003 e 541.186,46 euros em 2004.
r) A “D...” consta dos anexos P de outros contribuintes com os valores de facturação de 14.509.502,00 euros em 2002, 4.263.032,00 euros em 2003 e de 3.113.290,00 euros em 2004.
s) O F... , com excepção do ano de 2001, nunca enviou qualquer declaração de IVA ou de rendimentos.
t) O F... já tinha sido fiscalizado outras vezes e nelas se concluiu que se dedicava à emissão de facturas falsas.
u) No IMOPPI não existia qualquer registo de Alvará em nome da empresa “D...”.
v) O titular do Alvará exibido com o n.°33298-ICC, que já não tinha validade, era o empresário em nome individual F....
3.º - A ora Impugnante foi submetida a acção de inspecção através da Ordem de Serviço Externa OI 200600865, iniciada em 09.08.2006 com a assinatura do sócio gerente.
4.º - Com ampliação do prazo de procedimento inspectivo por dois períodos de três meses, nos termos da alínea b) do n.°3 do art. 36° do RCPIT.
5.º - Concluída em 13.07.2007 com a assinatura da nota de diligência.
6.º - Proposta pelos Serviços de Inspecção Tributária, por ter declarado no anexo “P”, aquisições de bens e ou serviços no valor de 311.717,00 euros e 360.421,00 euros (IVA incluído) nos anos de 2003 e 2004, respectivamente, à “D...”, para a qual existem indícios seguros de tratar-se de um mero emitente de facturas falsas.
7.º - A acção de inspecção foi de âmbito parcial respeitante a IVA e IRC, nos termos da alínea b) do n.°1 do art. 14º do RCPIT.
8.º - Com incidência temporal nos exercícios de 2003 e 2004.
9.º - A sociedade Impugnante encontra-se enquadrada para efeitos de IVA, no regime normal trimestral, mensal até 31.12.2005, pela actividade de “Instalações, N.E.”- CAE 45.340 e para efeitos de IRC, no regime geral de tributação, pelo Serviço de Finanças do Marco de Canaveses.
10.º - Tem sede no Lugar da… - Alpendorada e Matos, Marco de Canaveses.
11.º - Trata-se de uma sociedade por quotas, cujo capital social se encontra repartido em duas quotas de 3.000,00 euros e 2.000,00 euros, pelos sócios e gerentes J…, NIF: 1…e sua esposa M…, possuidora do NIF:1...
12.º - O Técnico Oficial de Contas é A…, NIF 1…, tendo sido designado como representante do sujeito passivo no procedimento de inspecção, nos termos do artigo 52° do RCPIT,
13.º - A sociedade Impugnante está obrigada a possuir contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, conforme dispõe o n.°1 do artigo 115° do Código do IRC.
14.° - Procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA, bem como das declarações Modelo 22 para os exercícios de 2003 e 2004, bem como das respectivas declarações anuais
15.º - Os Serviços de Inspecção Tributária verificaram que os valores contabilizados correspondem aos valores declarados para efeitos de IRC, valores dos quais resultam para os anos em causa:
Rentabilidade fiscal baixa;
Reduzido valor do rácio: Produção do período/Mão-de-obra;
Elevado valor do rácio: Mão-de-obra/Custo Matéria-Prima Consumida - cfr. quadro de pág 8 do Relatório de Inspecção Tributária a fls. 22 do PA apenso aos autos.
16.º - O que revela o empolamento dos subcontratos.
17.° - Existências Finais de Obras Em Curso Não Comprovadas
Não foi dado cumprimento à notificação para discriminação dos valores contabilizados e declarados, bem como os critérios utilizados na valorização dos valores contabilizados e declarados de “Obras Em Curso”
18.º - Custos Com o Pessoal.
Os custos registados na rubrica “Custos Com o Pessoal”, respeitam aos sócios - gerentes e três trabalhadores,
19.º - As facturas emitidas pela “D...”, que se encontram elencadas no Relatório de Inspecção Tributária, constam como tendo sido impressas pela Tipografia L…; as facturas n.°2003 e 2106 encontram-se datadas de 28.02.2004 e 30.06.2004, com datas anteriores ás datas que foram impressas pela gráfica, ou seja em 4.01.2004 e 23.07.2004, respectivamente. As facturas foram emitidas sem obedecer à ordem sequencial e nos períodos em que foram emitidas as facturas em causa, foram utilizados simultaneamente vários livros de facturas, conforme se comprova das relações de facturas que se junta como documento 2.
Nas facturas, encontram-se descritos trabalhos de construção civil praticamente de todas as artes (pedreiro, trolha e pintura) e fazem referência a que foram executados nas moradias da Quinta da Paradela.
20.º - Não se encontram rubricadas, assinadas nem carimbadas, encontram-se preenchidas á mão, segundo declarações de F..., não fez os trabalhos nelas descritos, as facturas foram entregues e preenchidas por si, copiando o seu descritivo por um papel feito pelo Sr. M..., com excepção da factura n.°2116 que não reconhece a caligrafia como sendo sua. Declarou ainda que, pela emissão das facturas, recebia entre 80 a 120 contos entregues pelo Sr. M..., sócio-gerente das Construções….
21.º - Inexistência de Autos de Medição, Orçamentos e Contratos.
Apesar de solicitados, não procedeu à exibição de autos de medição nem contratos, apenas exibiu 4 folhas designadas por orçamentos, de que se extraíram fotocópias, arquivadas no processo da empresa, que não se encontram datadas e que possuem um dos vários carimbos conhecidos da “D...”, com rubricas ilegíveis e distintas entre si, e que não correspondem à nossa conhecida do sócio único e gerente da “D...”, F..., o qual, em auto de declarações, declarou que as 4 folhas exibidas como orçamentos, não foram elaboradas nem preenchidas por si.
22.° - As folhas exibidas, apesar de designadas por orçamentos, não são mais do que listas de vários serviços com preços por m2, não possuindo a quantidade e o valor dos trabalhos a realizar, pelo que não se tratam de orçamentos, nem são documentos credíveis - cfr. Relatório de Inspecção Tributária.
23.° - Meios de Pagamento no Comprovados.
Ano de 2003
Encontram-se registados como meios de pagamento à “D...”, por meras saídas de caixa, nos meses de Junho, Setembro e Dezembro, no valor global de 179.856,89 euros, tendo como documento de suporte, os recibos n°s 798 de 02/06/2003, 799 de 27/06/2003, 1054 de 23/10/2003 e 1068 de 22/12/2003, datados com a mesma data das facturas respectivamente, 891, 892, 1054 e 1068, encontrando-se rasurada a data do recibo nº1054.
Encontra-se ainda registado como meio de pagamento, em Julho, o valor de 71.498,02 euros, por contrapartida de Suprimentos, tendo como documento de suporte, o recibo n.º 800 datado de 25/07/2003, com o mesmo valor e com a mesma data da factura n.°893.
Foi ainda registado por mera saída de caixa, em Agosto, o valor de 34.101,17 euros, relativo á factura n .01022, tendo como documento suporte, o recibo n°1022 datado de 25/08/2003, com a mesma data e valor da factura.
Ano de 2004.
No ano de 2004, transitou um saldo credor no valor de 181.392,80 euros, valor que foi saldado por meras saídas de caixa, em Janeiro de 2005, tendo como documento de suporte, os recibos n°2119 (sem data), 2122 de 13/10/2004 e 2145 de 29/10/2004.
Verificou-se ainda que todos os recibos não estão preenchidos, na totalidade com a mesma caligrafia, encontrando-se todos carimbados, com excepção do recibo n.°2003, que não e encontra com carimbo nem rubricado ou assinado, tendo sido utilizados dois carimbos diferentes, com rubricas ilegíveis e distintas entre si e diferentes das que constam dos documentos exibidos como orçamentos, e nenhuma delas corresponde à conhecida de F…, o qual declarou que apenas preencheu nos recibos, a parte da identificação da empresa, excepto o recibo 2119 que não reconhece a caligrafia como sua.
Declarou ainda que não assinou os recibos.
Relativamente á utilização dos diversos carimbos, declarou que só possuía um carimbo - cfr. Relatório de Inspecção Tributária.
24.º - O sócio gerente J… é, ainda, o único sócio-gerente da sociedade de “Construções C… Unipessoal” e nos exercícios de 2003 e 2004, procedeu a Impugnante à respectiva facturação, nas percentagens de 99% e 96%, como serviços prestados, a esta última, que procede à venda das moradias na Quinta…, construídas pela “Construções…” - cfr. ponto III.7 do relatório de inspecção.
25.º - Os cheques para pagamento ao Sr. L... eram passados na “C…” e condiziam com a factura - cfr. depoimento de A…, TOC da impugnante.
26.º - As margens de lucro com que as empresas trabalham é de 2% a 3% - cfr. depoimento de A…, TOC da Impugnante.
27.° - Não mantêm as declarações prestadas em sede de procedimento inspectivo e que constam como “auto de declarações” - cfr. depoimento de F….
28.° - O Sr. F… prestou declarações nos Serviços da Administração Fiscal (Santa Catarina) e negou os orçamentos com que foi confrontado relativamente às obras da “Quinta da…” porque estava cansado de ter problemas com as Finanças e de ser chamado a ir lá e porque lhe foi dito que ele tinha muitos processos e eles (Impugnante) tinham muito dinheiro e dessa forma podiam resolver os seus problemas - cfr. depoimento de F….
29.º - Lê mal, pois tem apenas a 2ª classe - cfr. depoimento de F...,
30.º - Preenchia as facturas, copiando o que o Sr. M... escrevia - cfr. depoimento de F....
31.° - Trabalhou para a N... a partir de 2003, tendo deixado de lá trabalhar há mais de um ano - cfr. depoimento de F....
32.° - Foi contratado para fazer trabalhos de tijolo, cofragem, reboco, azulejo, pinturas - cfr. depoimento de F....
33.º0 - Obtinha pessoal que contratava nos bairros, por intermédio de uns e outros - cfr. depoimento de F....
34.º - Não tinha os trabalhadores na “Caixa”, porque eles não queriam, pois ganhavam menos - cfr. depoimento de F....
35.º - Pagava ao seu pessoal em dinheiro – cfr. depoimento de F....
36.º - Estava inibido do uso de cheques - cfr. depoimento de F....
37.º - Os cheques recebidos do Sr. M... não eram para ele - cfr. depoimento de F....
38.º - Ia ao Banco com o Sr. M..., porque não podia levantar os cheques - cfr. depoimento de F....
39.° - Conhecia o Sr. L…s porque andou a trabalhar nas obras da Quinta da .., e, na altura em que ele lá andava era gerente de um restaurante que se sitiava na urbanização onde muitas vezes iam almoçar os seus trabalhadores - cfr. depoimento de C….
40.º - Sabia que os trabalhadores eram do Sr. L… pois muitas vezes esses não pagavam e anotavam por conta do Sr. L… que no final do mês procedia ao pagamento - cfr. depoimento de C....
41.º - Quando este não ia pagar no final do mês, deslocava-me junto á obra à procura do Sr. F... para receber - cfr. depoimento de C....
42.° - Vende material para a ora Impugnante em regime de comissão como trabalhador da “P…” há vários anos - cfr. depoimento de M...
43.º - Faz com regularidade deslocações às obras dos seus clientes para verificar das necessidades de material e, viu o Sr. F... na urbanização da Quinta da … – cfr. depoimento de M….
44.º - Foi o Sr. F... que prestou espontaneamente as declarações vertidas em “auto de declarações” - cfr. depoimento das Técnicas de Inspecção Tributária.
45.º - Foi o mesmo que veio propor aos Serviços de Inspecção, ser ouvido no âmbito dessa acção; o que Fez livremente e sem qualquer coacção ou promessa do que quer que fosse - cfr. depoimento das Técnicas de inspecção Tributária.
46.º - O Sr. F... apesar de já ter sido por várias vezes notificado no âmbito dos processos crime, pela respectiva Divisão, no estava notificado para comparecer nos presentes autos, tendo sido por vontade própria e através do telefone, que se propôs vir depor em sede de procedimento inspectivo - cfr. depoimento das Técnicos de Inspecção Tributária.
B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa


De Direito

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, suscitada nas conclusões de recurso interposto pelo Ministério Público, é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto e da total ausência de indicação dos factos não provados com relevância para a decisão da causa (conclusões 1 – 5 das alegações de recurso), porquanto os vícios de que decorre a validade formal da sentença têm prioridade sobre os demais.
A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, agora recorrida, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela agora recorrida contra as liquidações de IRC relativas aos anos de 2003 e 2004, emitidas na sequência de correcções aritméticas resultantes de uma acção inspectiva realizada à contabilidade da Impugnante na sequência da qual não foram aceites como custos do respectivo exercício facturas emitidas pela sociedade D..., que a Recorrida tinha contabilizado respectivamente nos valores de 345.818,53 € no exercício de 2003 e de 416.824,13 € no exercício de 2004 uma vez que atentos os indícios recolhidos pelos Serviços Inspectivos não correspondiam a negócios reais.
O recorrente Ministério Público iniciou as suas alegações e conclusões de recurso considerando que se verifica a nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 125º, nº 1 do CPPT, por a sentença recorrida ter estabelecido a matéria de facto que entendeu provada sem, contudo, fundamentar as decisões que tomou para a determinar e sem proceder ao seu exame crítico nos termos previstos no artigo 123º, nº 2 do CPPT e ainda devido à total ausência de indicação dos factos não provados.
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7508/14).

Como é sabido a exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de forma diversa, a fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razões no momento do julgamento.

Logo, o julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT.

Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.

O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida. O tribunal deve justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.

Não basta, pois, apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.

Em suma, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cogniscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 321.

Também neste preciso sentido, entre outros, vide o Acordão do TCAN, desta Sessão de 27 de Fevereiro de 2014, no processo 409/06.6BEPNF.

Relativamente à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, fazemos ainda apelo aos doutos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa vertidos in CPPT anotado e comentado, 2006, volume I, págs. 906 e 907, segundo o qual :”(…) Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo nº2 do artigo 123º desde Código, como a falta de exame crítico das provas , previsto no nº3 do art.659º do CPC .
Com efeito, esta falta não pode deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código e nele, ao contrário do que sucede com o CPC (…), exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados. Trata-se, de uma exigência suplementar de fundamento de facto, não prevista no Código Civil, que é a discriminação da matéria de facto não provada, cumulativamente com a provada. Na previsão desta norma , a indicação da matéria de facto não provada deve ser feita indissociavelmente da indicação da matéria de facto provada , como se depreende da expressão «o juiz discriminará também a matéria provada da não provada », o que supõe que essa discriminação seja feita concomitantemente. Sendo assim, a falta de discriminação da matéria de facto não provada, no domínio do contencioso tributário, será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada para efeitos de nulidade prevista no art.° 125.° n.° 1
No entanto, a falta de discriminação dos factos não provados, como a dos factos provados, só será necessária relativamente a factos que possam relevar para a apreciação da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito (…) .
Por isso, só existirá nulidade da sentença por falta de indicação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não tenham sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.
Porém , mesmo que assim não se entenda , tal falta poderá em certos casos , implicar insuficiência de fundamentação de facto da sentença, susceptível de conduzir à necessidade de uma ampliação da matéria de facto, com consequente anulação da decisão »
Sobre esta matéria, vide, ainda, o douto Acórdão do STA de 10/03/2011, lavrado no recurso 0716/10) , onde se escreve que «O Tribunal de 1ª instância deve determinar a matéria de facto que considera provada e não provada em ordem à solução de direito que considera aplicável, e se o não fizer, justifica-se a anulação oficiosa da sentença…»
Perscrutado o probatório, é manifesto que o dever de fundamentação que vimos analisando não foi observado pelo tribunal a quo, designadamente no que concerne à análise crítica das provas,.
Como resulta do exposto em sede de julgamento de facto, a Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel limitou-se apenas a remeter indistinta e genericamente para a prova documental e testemunhal os factos provados (quanto os primeiros 21) , tanto assim que como é referido na sentença recorrida: “A - Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental juntos aos autos e da prova que resultou da audição das testemunhas em sede de audiência contraditória de inquirição das testemunhas”.
Não foram, assim, relativamente aos factos elencados de 1 a 21 especificados quais os factos que foram dados como provados com base na prova documental e quais os documentos em que se alicerçou tal convicção, bem como aqueles que resultaram da audiência contraditória das testemunhas arroladas especificando quais a(s) testemunha(s), sendo certo que foram ouvidas cinco testemunhas (Resulta assim a incógnita, relativamente aos 21 primeiros factos julgados provados, que concretos depoimentos (e de que testemunhas) é que foram atendidos pelo tribunal para formar a sua convicção e as eventuais razões porque foram atendidos uns e não outros, tanto mais que conforme resulta da acta de inquirição de testemunhas lavrada nos autos a fls. 63, “ Atento as declarações antagónicas da testemunha da impugnante , F... , e das testemunhas da Impugnada, M… e R…” procedeu – se à respectiva acareação, sendo que estas “ mantiveram as posições vertidas nos respectivos depoimentos”.
A título de exemplo e como alega o Recorrente, no que concerne ao depoimento prestado pela testemunha indicada pela Recorrida, Fernando…“ Pouco interessa saber o que a testemunha F… disse nos Serviços de Inspecção Tributária e o que disse em audiência de discussão e julgamento, declarações essas que, por sinal, são contraditórias. Ou o que a inspecção tributária entendeu ou deixou de entender no juízo sobre a inspecção que efectuou à sociedade impugnante.
O Tribunal devia tão só dar como assente o que de facto se provou, ou uma coisa, ou outra.
Assim, por um lado deu como provado que a testemunha F... declarou na inspecção tributária que os serviços mencionados nas facturas não tinham sido realizados por ele e pela firma de que era sócio e deu como provado que ele não manteve essas declarações.
Ou seja, deu como provado que ele disse e que não disse.»
Ora, o cotejo da matéria de facto julgada provada não se afigura possível a este tribunal descortinar qual das versões da realidade expressa pela testemunha F... relativamente à materialidade das operações relevadas como custos foi julgada provada e aquela que se considerou não provada bem como a razão que sustenta a convicção do julgador, uma vez, in casu, nenhum exame crítico foi feito quanto aos depoimentos prestados por aquele quer em sede inspectiva, quer em sede judicial.
No caso vertente, a destrinça entre o depoimento julgado credível e o depoimento desconsiderado revela-se fulcral para se aferir do alegado erro de julgamento, uma vez que o Tribunal a quo atenta a oralidade, a imediação e o contraditório, encontra-se numa situação de privilégio para apreender as emoções, a sinceridade, a isenção, as contradições, as solidariedades e as cumplicidades que escapam em sede de recurso por forma a, numa situação de ambivalência de testemunhos, descortinar aquele sentido que se julga consentâneo com a verdade material, e porquê, uma vez que apreciação da prova há-de ser em concreto reconduzível a critérios objectivos e susceptível de motivação e de controle.
Sobre esta questão já se pronunciou este Tribunal, no douto acórdão de 17/6/2010, que parcialmente transcrevemos:“(…) como facilmente se compreenderá, num processo em que foram ouvidas (…) testemunhas, não basta para se considerar preenchida, por qualquer forma, a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas uma mera remissão genérica para a “prova testemunhal” pois que dessa forma resulta de todo inviabilizada a percepção dos motivos da decisão ou, dito de outra forma, das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.
Acresce notar que, como é doutrina e jurisprudência maioritária, a nulidade em apreço só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada .
Como ensina Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”
E, ainda, Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. 48 e 49, “Como atrás vimos, as decisões judicias devem ser fundamentadas, face ao determinado no n.º 1 do art. 205.º da CRP e no art. 158
A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.
A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso- cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
Todavia, como alerta o Cons. Jorge Lopes de Sousa In Código de Procedimento e de Processo Tributário 6ª edição 2011, Anotado e Comentado, Vol II, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Ora, como se afirmou no acórdão deste Tribunal, de 27.02.2014, já acima referenciado” (…) a inobservância do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova que a terão suportado e a falta da análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente. Tal decisão de facto é, assim, ininteligível, o que é equivalente à falta absoluta de fundamentação.”
No caso sub judice, a ausência de fundamentação e o exame crítico da matéria de facto impede efectivamente que este Tribunal de recurso possa sindicar o alegado erro de julgamento sobre a matéria de facto. ( neste sentido vide o Ac. deste Tribunal , ainda inédito, lavrado no Rec. 735/09.BEPNF).
Padece, deste modo, a sentença recorrida da invocada nulidade, pelo que procedendo as conclusões de recurso do Ministério Público, referentes à questão analisada, impõe-se que a sentença seja anulada com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância, para prolação de nova decisão sem o apontado vício.
Destarte, o recurso merece provimento, resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos dois recursos.

DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em;

a) Conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida, e consequentemente,

b) ordenar a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício.

Sem custas.

Porto, 28 de Maio de 2015

Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Ana Patrocínio