Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00371/12.6BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACTO CONFIRMATIVO; ACTO IMPUGNÁVEL;
ARTIGO 51º, N.º1 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:Não é confirmativo de outro um acto que não tenha os fundamentos de facto e de direito totalmente coincidentes, pelo que tal acto é impugnável, face ao disposto no artigo 51º, n.º1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Recorrente:CB – Centro Técnico de Pneus, L.da
Recorrido 1:IAPMEI, I.P. – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
CB – Centro Técnico de Pneus, Ldª, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 27.03.2013, que julgou procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, absolvendo o recorrido da instância, nos termos do art. 89º nº 1 alª h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, então em vigor, em acção administrativa especial intentada pela recorrente contra o IAPMEI, I.P. – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P..

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão administrativa do Conselho Directivo do IAPMEI, I.P., notificada à autora em 16.04.2012 e de que esta tomou conhecimento em 17.04.2012, é impugnável, já que não configura acto meramente confirmativo da decisão proferida pela mesma entidade em 22.09.2011, no sentido de rescindir o contrato de concessão de incentivos nº 2009/102710, celebrado com a autora, tendo esta decisão sido notificada à mesma em 30.11.2011, e recebida por esta em 02.12.2011, tendo a presente acção administrativa especial sido intentada em 13.07.2012, e, tendo a Autora vindo, em 2 de Fevereiro de 2012 requerer a reversão da referida rescisão, alegando que se relativamente à primeira decisão do recorrido se verificou caducidade do direito de acção, já se mostra tempestivo o exercício do direito de acção relativamente à segunda decisão.

O recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público não emitiu parecer.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) O artigo 53.º do CPTA dispõe que “Uma impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto impugnado quando o acto anterior:
a) Tenha sido impugnado pelo autor;
b) Tenha sido objecto de notificação ao autor;
c) Tenha sido objecto de publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor.”

B) O acórdão do TCA Norte de 04/05/2012, Processo 00386/07.6BEMDL, decidiu do seguinte modo:

Na interpretação deste preceito, diz-nos Mário Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, Volume I, 1980, p.411:
“Para que o acto confirmativo se considere contenciosamente inimpugnável necessário se torna que estejam preenchidos diversos requisitos, de que a nossa jurisprudência e doutrina se têm feito eco.
Em primeiro lugar é necessário que o acto confirmado e o acto confirmativo hajam sido praticados ao abrigo da mesma disciplina jurídica: se, entre a prática de um e de outro, se verifica uma alteração legal ou regulamentar dessa disciplina, o acto posterior não se considera confirmativo e é susceptível de impugnação contenciosa. O mesmo se diga para a modificação das condições fácticas que rodeiam a prática do acto. Em segundo lugar, o acto confirmativo só não pode ser impugnado se o particular já tivesse conhecimento (por qualquer dos modos referidos no art.º 52º do RSTA) do acto confirmado antes da interpretação do recurso contra o acto confirmativo. O terceiro requisito para que o acto confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de direito (art. 140º nº 2 do Projecto do CPAG) – e os do acto confirmado; se assim não acontecer, o acto só será de considerar como parcialmente confirmativo e então torna-se susceptível de impugnação contenciosa, podendo arguir-se contra ele todas as ilegalidades concretas (não vícios em abstracto) que não pudessem ser deduzidas contra o acto parcialmente confirmado.”

C) Estes requisitos, não são, no entanto, de aplicação cumulativa mas alternativa, sendo que, cada alínea, por si só, contém uma previsão autónoma das restantes.

D) Na disciplina defendida por Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição revista e actualizada, p. 163: “…o acto meramente confirmativo também não pode ser impugnado por quem, estando constituído no ónus de impugnar o acto anterior dentro dos prazos legais, não o tenha feito, na medida em que, de outro modo, se estaria a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais. Neste sentido, as alíneas b) e c) do artigo 53.° estabelecem que o acto meramente confirmativo não pode ser impugnado se o acto anterior tiver sido notificado ao interessado ou, em alternativa, se o acto anterior tiver sido publicado, nos casos em que o interessado não tivesse de ser notificado e, por isso, bastasse a publicação para que ele se lhe tornasse automaticamente oponível (cfr., a propósito, artigo 59.°)” .

E) O preceito em análise manteve o que dispunha o artigo 55º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos:
“O recurso só pode ser rejeitado com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto recorrido quando o acto anterior tiver sido objecto de notificação ao recorrente, de publicação imposta por lei ou de impugnação deduzida por aquele.”

F) Daí que se mantenha válida a doutrina (e a jurisprudência) emanada na vigência da legislação anterior.

G) Neste sentido, um acto confirmativo não é um acto administrativo uma vez que nada inova na esfera jurídica do destinatário que não vê alterado o “status quo ante”, limitam-se a manter uma situação (lesiva) anteriormente criada, sem produzir qualquer efeito — cfr. Rogério Soares, in “Direito Administrativo (Lições)”, pág. 346; Sérvulo Correia, in “Noções de Direito Administrativo”, página 347.

H) O acto confirmativo é aquele que se limita a repetir um acto administrativo anterior, «sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo» — Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo,” Volume I, página 452.

I)Para que um acto administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois actos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico (cfr. neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, tirado no Proc. 0614/06, em www.dgsi.pt).

J) Dito de outro modo, um acto é confirmativo quando emana da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objecto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa decisão, perante pressupostos de facto e de direitos idênticos — acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2007, processo n.º 0997/06.

K) No caso em concreto e no campo de intenções do Réu foram praticados dois actos administrativos distintos, susceptíveis de gerarem desvalores e consequências jurídicas distintas.

L) O primeiro acto administrativo foi de facto praticado pelo Réu em 30 de Novembro de 2011 e consistia na intenção do Réu resolver o contrato MODCOM Acção A – Tipologia B nº 2009/102710 – Doc. 1 junto com a contestação.

M) Resulta do primeiro acto como fundamento para a rescisão: “não foi cumprido o disposto na alínea l) da cláusula oitava do contrato de concessão de incentivos, nomeadamente, em sede de execução, devem ser mantidos os pressupostos de avaliação que deram origem à selecção do projecto. Nos termos das alíneas a), d) e l), da cláusula oitava, o promotor obriga-se a «executar o projecto de investimentos termos e prazos aprovados» a «comunicar ao IAPMEI qualquer alteração ou ocorrência que possa pôr em causa os pressupostos relativos à aprovação do projecto, bem como a sua realização pontual» e deve «manter em sede de execução os pressupostos de avaliação que deram origem à selecção do projecto».

N) A comunicação a que supra nos referimos foi objecto de reclamação por parte da Autora através de carta datada de 31 de Janeiro de 2012.

O) A essa reclamação, respondeu o Réu, através de carta com data de saída a 16 de Abril de 2012 – Doc. 3 junto com a contestação.

P) Nesse acto e para fundamentação da intenção de rescisão do contrato MODCOM Acção nº 2009/102710 invocou o Réu o seguinte:
“Embora o IAPMEI não desconheça a realidade económica em que as empresas concretizam os seus projectos, não estamos propriamente perante uma situação em que se verifica alteração das circunstâncias (artigo 437º do Código Civil), nem em situações semelhantes (no MODCOM), o Instituto considerou como justificação para este tipo de incumprimentos a realidade económica e financeira actual do país”.

Q) Do teor dos dois actos administrativos supra transcritos resulta que se tratam de dois actos distintos, isto porque no acto notificado à Autora em 17 de Abril de 2012 o Réu invoca factos ou fundamentos inovatórios em relação à primeira decisão que corresponde ao acto praticado em 30 de Novembro de 2011, não se limitando, como não fez, a referir que se mantinham os fundamentos constantes desse primeiro acto.

R) Assim sendo, a decisão correspondente ao segundo acto impugnado resulta de elementos ou fundamentos novos em relação à primitiva decisão que permitem concluir não ser aquele um mero acto confirmativo da decisão de rescindir o contrato MODCOM Acção nº 2009/102710.

S) Porquanto, do segundo acto resulta ao contrário do primeiro acto que o Réu reconheceu a realidade económica em que as empresas concretizam os seus projectos.

T) Reconheceu a existência de situações em que se verificam alteração das circunstâncias previstas no artigo 437º do Código Civil.

U) Reconheceu existirem casos em que a conjuntura económica do país é considerada para efeitos de concretização dos projectos contratados.

V) Não obstante, no caso particular da Recorrente entendeu que apesar de reconhecer a realidade económica em que a mesma se insere e desenvolveu os seus projectos não considerava verificar-se uma alteração de circunstâncias que permitiria a manutenção do contrato MODCOM nº 102710, pese embora, ter ponderado este factor em situações semelhantes de outras empresas.

W) Do que resulta uma alteração fáctica de fundamentação do primeiro para o segundo acto, assente em pressupostos distintos para fundamentação de decisão de rescisão contratual.

X) Tanto assim que, desde logo, em matéria de impugnação os dois actos administrativos eram susceptíveis de imputação distinta no seu fundamento impugnatório.

Y) No acto administrativo em crise a Autora/Recorrente reagiu por meio de acção administrativa especial visando a anulabilidade do acto por vício de violação de lei com base na violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5º do C.P.A.

Z) Já quanto ao primeiro acto administrativo o fundamento de reacção teria de ser necessariamente a declaração de nulidade do acto com base na falta de fundamentação do mesmo por não preenchimento dos requisitos constantes dos artigos 123 a 125º do CPA.

AA) Isto apenas para realçar que estamos perante dois actos distintos com objectos distintos, susceptíveis de impugnação autónoma com base em fundamento diverso.

BB) Os actos meramente confirmativos limitam-se a confirmar actos anteriores que já eram contenciosamente impugnáveis – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado, ob. Cit. pág. 357.

CC) E por via disso insusceptíveis de impugnação autónoma, o que não se verifica no presente caso conforme já supra explanado.

DD) Inclusivamente ao nível da própria contagem dos prazos que a lei prevê diferentes considerando os fundamentos invocados e que possam consubstanciar uma nulidade ou anulabilidade.

EE) O artigo 51º do CPTA estabelece que “ainda que inseridos num procedimento administrativo são judicialmente impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa e em especial aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros”.

FF) Nesta medida, são objecto de impugnação os actos administrativos praticados por órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta- cfr. Artigo 120º do CPA.

GG) Excluindo-se do referido conceito os actos meramente preparatórios, actos complementares, operações materiais ou jurídicas de execução de actos administrativos, os actos meramente confirmativos e actos sujeitos a recurso hierárquico necessário ou outra impugnação administrativa.

HH) No caso concreto, e como resulta do teor do próprio acto objecto da presente impugnação o Réu invocou factos novos para fundamentar a rescisão do contrato celebrado com a Autora ao abrigo do programa de incentivos, nomeadamente, ao reconhecer a existência de situações similares às da Autora nos quais foram consideradas verificar-se uma alteração de circunstâncias que permitiria a manutenção do contrato MODCOM, ao contrário da fundamentação inserta no primeiro acto emanado onde essa questão tão pouco é abordada.

II) Verifica-se, desta forma, uma diferença ao nível dos pressupostos de facto constantes num e noutro acto administrativo.

JJ) Nesta medida, conforme instituído na alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA dispunha a Autora do prazo legal de 90 dias para impugnação do acto administrativo, após a notificação do mesmo o que ocorreu a 17 de Abril.

KK) A acção deu entrada em juízo a 13 de Julho de 2012, dentro do prazo legalmente estabelecido, pelo que, não se verifica a caducidade do direito de presente acção.
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II – Matéria de facto.

Ficaram provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. A comunicação efectuada pelo IAPMEI à empresa em 30 de Novembro de 2011 e recebida pela empresa em 2 de Dezembro de 2011 constitui a comunicação da decisão do Conselho Directivo deste Instituto, tomada em 22 de Setembro de 2011, que procede à rescisão do contrato de concessão de incentivos n.º 2009/102710, celebrado com a autora – cfr. documento nº 1 junto com a contestação.

2. Da notificação efectuada à autora em 30 de Novembro de 2011, consta o seguinte:

“ Comunicamos que por decisão do Conselho Directivo do IAPMEI, em 22 de Setembro de 2011, foi rescindido o contrato celebrado entre a vossa empresa e o IAPMEI ao abrigo do Sistema de Incentivos a Projectos de Modernização do Comércio – Despacho n.º 2676-A/2009, de 20 de Janeiro.

Tal rescisão tem como fundamento o seguinte: “não foi cumprido o disposto na alínea l) da cláusula oitava do contrato de concessão de incentivos, nomeadamente em sede de execução, devem ser mantidos os pressupostos de avaliação que deram origem à selecção do projecto”.

Nos termos das alíneas a), d) e l), da cláusula Oitava, o promotor obriga-se a “executar o projecto de investimento nos termos e prazos aprovados” a “comunicar ao IAPMEI qualquer alteração ou ocorrência que possa pôr em causa os pressupostos relativos à aprovação do projecto, bem como a sua realização pontual” e deve “manter em sede de execução os pressupostos de avaliação que deram origem à selecção do projecto”.

Assim, o não cumprimento destas obrigações contratuais por parte do promotor indicado e consequentemente, a violação da sua estatuição, implica a reunião dos requisitos, contratualmente exigidos, para rescisão do contrato celebrado, nos termos da alínea a), do n.º 1 da Cláusula Décima Segunda.

O disposto no n.º 1 da Cláusula Décima Segunda do contrato celebrado, confere ao IAPMEI, neste sistema de incentivos, a faculdade de resolver unilateralmente estes contratos.

A rescisão do presente contrato implica a restituição do incentivo pago à empresa, no montante de 21.924,62€, acrescido dos juros contratualmente devidos, no valor de 1.235,25€, o que perfaz a quantia total de 23.159,87€”. – cfr .doc. 1 junto com a contestação.

3. A empresa autora veio, em 2 de Fevereiro de 2012, "requerer a V. Exas. a reversão da decisão de Rescisão do Contrato MODCOM outorgado entre o IAPMEI e esta empresa" – cfr. documento n° 2 junto com a contestação.

4. Em 16 de Abril de 2012, o IAPMEI notificou a empresa da decisão tomada relativa à reclamação apresentada, tendo a autora tomado conhecimento desta comunicação em 17 de Abril de 2012, com o seguinte teor:

“ Na reclamação apresentada a empresa admite todos os incumprimentos que lhe são atribuídos – execução do projecto nas componentes previstas no critério B e C – mas justifica estes desvios com o “ambiente económico em que se desenvolve a implementação e o período de comprovação das metas deste projecto”.

Embora o IAPMEI não desconheça a realidade económica em que as empresas concretizam os seus projectos, não estamos propriamente perante uma situação em que se verifica alteração das circunstâncias (artigo 437.º do Código Civil), nem em situações semelhantes (no MODCOM), o Instituto considerou como justificação para este tipo de incumprimentos, a realidade económica e financeira actual do país.

Por estas razões – não existe nenhum argumento válido que permita justificar a não concretização dos postos de trabalho previstos, a redução da rendibilidade bruta das vendas e a conjuntura económica não é, neste caso concreto, um facto justificativo para a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar - este Instituto decidiu manter a rescisão do contrato, já comunicada à empresa, em 30/11/2011 e, a consequente reposição do incentivo recebido (23.159,87 €)." – cfr. documento n° 3 junto com a contestação.

5- A autora foi notificada a 10 de Janeiro de 2011 da intenção de resolução do contrato – cfr. documento 4 junto com a contestação.

6 - A presente acção administrativa especial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal Viseu em 13.07.2012 – cfr. fls. 2 dos autos.


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III - Enquadramento jurídico.

1. A inimpugnabilidade da decisão administrativa do IAPMEI, IP, notificada à autora em 17.04.2012, que decidiu reclamação – apresentada em 02.02.2012 da decisão de 22.09.2011, a rescindir o contrato MODCOM outorgado entre o IAPMEI e a autora.

O recorrente discorda da decisão do Tribunal “a quo” que julgou inimpugnável a segunda decisão do recorrido, por se tratar de acto meramente confirmativo da primeira decisão do mesmo, datada de 22.09.2011, e que indeferiu a reclamação apresentada em 02.02.2012 dessa primeira decisão.

A inimpugnabilidade do acto administrativo é excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo para conhecimento do mérito, conforme previsto no art. 89º nº 1 alª c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A decisão notificada à recorrente em 17.04.2012 será um acto inimpugnável se se tratar de um acto confirmativo.

Sustentou-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.10.2010, processo 0390/10:

Acto confirmativo é aquele que, emanado da mesma entidade, e dirigindo-se ao mesmo destinatário, repete o conteúdo de um acto anterior, perante pressupostos de facto e de direito idênticos, e sem que o reexame desses pressupostos decorra de revisão imposta por lei.”

E no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30.11.2012, no processo nº 00198/10.0 BECBR:

1- Constituem requisitos dos actos meramente confirmativos:

a) Que o acto confirmado se configure como lesivo;

b) Que o acto confirmado fosse do conhecimento do interessado, em ordem à sua recorribilidade; e

c) Que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão.

2. Para que um acto administrativo possa ser considerado confirmativo de outro, é necessário não só que tenham como pressupostos a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico, mas também que em ambos seja utilizada a mesma fundamentação.

3. Sendo diferente a fundamentação dos dois actos – confirmado e confirmativo -, temos que não existem todos os requisitos para que possamos concluir pela sua confirmatividade.”

A questão controvertida nos presentes autos consiste em determinar se no caso concreto existe identidade de fundamentação, já que tudo mais não é posto em causa.

Reproduzindo o que neste último acórdão se entende como identidade de decisão:

“…entendendo-se como identidade de decisão a existência de identidade da resolução dada ao caso concreto, mas também identidade de fundamentação da decisão e identidade das circunstâncias ou pressupostos da decisão.

Nesta consonância, os actos confirmativos (bem como os actos de mera execução de acto administrativo anterior), na medida em que nada inovam na esfera jurídica, não alterando o “status quo ante”, limitando-se a descrever uma situação anteriormente criada, por forma a confirmar (ou a dar execução a acto anterior), sem produzir qualquer efeito, são inimpugnáveis contenciosamente.

E é precisamente a falta desta eficácia externa que faz com que o acto meramente confirmativo seja contenciosamente inimpugnável, pois que, limitando-se ele a confirmar um acto administrativo anterior, a eficácia externa é deste e não dele próprio; ou seja, nada inova, apenas confirma acto administrativo já consolidado.

Podemos, assim, resumir que o acto meramente confirmativo é proferido na sequência de acto administrativo contenciosamente impugnável, em idêntico sentido, pela mesma entidade, e subsistindo os sujeitos e as circunstâncias legais, e factuais, do acto confirmado. Configura, pois, acto contenciosamente inimpugnável, porque não tem eficácia externa própria, e nem possui, autonomamente, natureza de acto lesivo de direitos ou de interesses protegidos - ver arts. 268.º da CRP e 53.º do CPTA.

Neste sentido, cf., entre muitos outros, A. do Pleno do STA, de 27/2796, REC. 23486; de 25/5/2001, REC. 43440; de 7/1/2002, Rec. 45909; de 29/4/2003, Rec. 0363/03; de 11/10/2006, Rec. 614/06; de 21/5/2008, Rec. 70/06; de 11/3/2009, Rec. 01084/08 e ainda, de 28/10/2010, Rec. 0390/10.

Concretamente, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.03.2009, no processo 01084/08, consignou-se:

"Não é meramente confirmativo o acto proferido na sequência de uma reclamação facultativa que, com fundamentação diferente, decide no mesmo sentido do acto objecto de reclamação".

Assim --- e porque tem interesse para os presentes autos ---, temos que não bastará uma identidade de assunto, porque mesmo sendo idêntico o assunto, mesmo levando a idêntica decisão, pode fazer-se mediante diferentes fundamentos, sendo que esta diferente fundamentação será suficiente para alterar e modificar os pressupostos da decisão - cf. neste sentido, os A do STA (Pleno) de 27/2/1996, Rec. 3486; também do STA, de 23/5/2001, Rec. 47137; de 25/5/2001, Rec. 43440 e, por fim, 7/1/2002, Rec. 45909.

Quer isto significar que a posição jurisprudencial e doutrinal (v.g., Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição actualizada, pág. 129) considera que, para que um acto administrativo possa ser considerado confirmativo de outro, é necessário não só que tenham por pressupostos a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico, mas também que em ambos seja utilizada a mesma fundamentação.

Em síntese, o acto confirmativo “não tira nem põe nas situações criadas pelo acto confirmado" - cf. M. Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, vol. I, 10ª edição, pág. 452 e Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, vol. III, pág. 230 e segs. - pelo que o acto confirmativo, para o ser, exige identidade de resolução dada a um caso concreto entre os mesmos sujeitos, identidade de fundamentação da decisão, identidade das circunstâncias ou pressupostos de facto da decisão, identidade da disciplina jurídica vigente à data da prática de ambos os actos, de tal forma que o segundo acto se limite a reiterar o primeiro, sem nada acrescentar ao seu conteúdo”.

No acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04.05.2012, processo nº 00386/07.6 BEMDL:

1- Um acto é confirmativo quando emana da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objecto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa decisão, perante pressupostos de facto e de direito idênticos.”

E, finalmente, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08.02.2013, no processo nº 01103/06.3BEPRT:

“1. Qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, isto é, tenha eficácia externa, independentemente de ser lesivo ou não, face ao disposto no art. 51º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2. Para que um acto administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois actos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico.

3. Em relação aos actos de execução admite-se a impugnabilidade na medida em que padeçam de vícios próprios ou não respeitem os limites impostos pelo acto que visam executar.

Analisada a matéria factual dela extraímos que o acto administrativo notificado à autora em 17.04.2012 não tem fundamentos factuais e regime jurídico totalmente coincidentes com os do acto administrativo praticado em 22.09.2011.

Com efeito o acto notificado à autora em 17.04.2012 - 4º facto dado como provado - decide o requerimento recebido pelo réu em 02.02.2012 – 3º facto dado como provado – onde se alega fundamentos factuais diversos dos considerados no acto administrativo de 22.09.2011, de que se cita, a título de exemplo, a diferença de ambiente económico considerado na data da celebração do contrato de concessão de incentivos financeiros celebrado entre o réu e a autora (04.09.2009) e o experienciado no decurso da execução desse contrato – ponto 8 do requerimento, datado de 31.01.2012 e a que se reporta o 3º facto dado como provado.

O requerimento recebido pelo réu em 02.02.2011, não é uma reclamação, não é um recurso hierárquico, mas um requerimento autónomo, com fundamentos factuais autónomos, que foi objecto de uma decisão autónoma, não constituindo esta um acto confirmativo do acto administrativo datado de 22.09.2011, porque acrescenta fundamentos factuais (os já referidos) e jurídicos (artigo 437º do Código Civil), aos constantes do primeiro acto administrativo.

Não lhe é, por isso, aplicável o disposto no artigo 53º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (artigo 15º, nº 2, do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro).

O segundo acto administrativo é, pois, um acto administrativo impugnável nos termos do artigo 51º, nº 1, do referido Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002.

2. Da caducidade do direito da acção.

Tendo a decisão deste requerimento autónomo sido notificada à autora em 17.04.2012, conforme resulta do 4º facto dado como provado, é a partir desta data que se conta o prazo de três meses para deduzir a presente acção previsto, nos termos dos artigos 58º, nº 2, alª b), e 59º, nº 1, do aludido Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002.

Como a acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 13.07.2012 – 6º facto dado como provado -, dúvidas não subsistem de que deu entrada dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, não se verificando a caducidade do direito da autora de intentar a presente acção.

Merece, pois, provimento o presente recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida e julgar-se tempestiva a interposição da presente acção, com a consequente baixa dos autos à primeira instância para, se nada mais a tal obstar, a acção prosseguir os seus ulteriores termos.


IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, pelo que:

1. Revogam o saneador-sentença recorrido.

2. Julgam improcedente a excepção dilatória da caducidade do direito da autora intentar a presente acção.

3. Determinam a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para aí prosseguirem os seus termos com vista ao conhecimento de mérito, se nada mais a tal obstar.

Custas pelo recorrido.


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Porto, 21 de Abril de 2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha