Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00198/06.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC, CORRECÇÕES TÉCNICAS, CUSTOS ELEGÍVEIS, DESPESAS CONFIDENCIAIS,
INDISPENSABILIDADE
Sumário:I – A tributação autónoma das despesas confidenciais, prevista na redacção do artigo 81º do CIRC vigente em 2001 era e é englobada no IRC de determinado exercício. Assim sendo, o dies a quo do prazo de caducidade do direito a liquidar IRC proveniente da tributação autónoma de determinada despesa tida por confidencial, incorrida em determinado exercício, só pode ser o mesmo do prazo de caducidade de liquidação do IRC, em geral, de cada exercício, decorrente da conjugação dos artigos 18º nº 1 e 45º nº 4 da LGT (último dia do exercício em que foi incorrida).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:I., SA
Votação:Unanimidade
Objecto:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório

A Fazenda Pública interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 29 de Fevereiro de 2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, relativamente à parte do dispositivo que julgou procedente, por caducidade do direito a liquidar tributo, a impugnação judicial movida pela Impugnante I., S.A. NIF (…), com sede em Vale (…), contra a liquidação oficiosa do IRC de 2001, consequente a correcções técnicas da matéria tributável, no valor, apagar, de 84 721,66 €.

As alegações de recurso terminam com as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que considerou procedente a impugnação judicial deduzida contra a adicional de IRC referente ao exercício de 2001, no que concerne à invocada caducidade da liquidação quanto à tributação autónoma.
B. A Autoridade Tributária alicerçou as suas correcções no facto de a Autora ter colocado à disposição da sociedade “E.”, sediada no Reino Unido, o montante de € 132.184,44, sem que tivesse sido possível identificar quer a natureza daquele pagamento, quer o respectivo beneficiário, considerando-a como despesa confidencial e sujeitando-a a tributação autónoma.
C. A impugnante alegou a caducidade do direito à liquidação, por entender que, tratando-se de uma factura do ano de 2000, o facto tributário ocorreu nesse mesmo exercício e não no exercício subsequente.
D. A matéria de facto dada por provada é insuficiente para fundamentar uma boa decisão da causa, mesmo atendendo a que o tribunal recorrido procedeu à anulação da liquidação unicamente tendo por base a invocada caducidade do direito à liquidação.
E. Pelo que deveria ter sido incluído no facto 5., para além do que já nele consta, a transcrição do seguinte excerto do RIT:
“Aquando da chegada da factura original, que deu entrada na empresa em 2001/07/25, a mesma foi contabilizada através do lançamento n.º 407081, de 2001/07/01, a débito da conta “273428 – Acréscimos de Custo” (saldando esta) por crédito da conta “22120661 – Fornecedores c/c – E.”.
F. O douto Tribunal a quo entendeu que, como a factura n.º 00/15, emitida pela “E.” tem a data de 21/12/2000, a Autoridade Tributária deveria ter tributado tal despesa confidencial no ano de 2000 e não no de 2001.
G. Porém, os impostos em causa não podem merecer idêntico tratamento nem ser submetidos às mesmas regras, como resulta do excerto da pág. 30 do RIT, supratranscrito no ponto 15. da motivação.
H. Não podemos manifestar concordância com o douto Tribunal a quo quando sustenta que IRC e tributações autónomas se reconduzem à mesma figura e não merecem tratamento diferenciado.
I. No caso das tributações autónomas não estamos perante um imposto sobre o rendimento, visto que as mesmas tributam despesa e não rendimento, ou seja, os factos sujeitos a tributação autónoma são natural e consequentemente diferentes dos que se encontram sujeitos a IRC stricto sensu, porquanto – tratando-se de impostos indirectos (e não directos, como o IRC) – visam penalizar determinados encargos incorridos por uma empresa, sendo apuradas de modo totalmente independente do IRC e derrama, não estando sequer relacionadas com a obtenção de um resultado positivo por parte daquela mesma empresa.
J. Ao passo que o lucro tributável sujeito a IRC é de formação sucessiva, as despesas sobre as quais incidem as tributações autónomas constituem factos tributários instantâneos ou de obrigação única.
K. Assim, o facto tributário se verifica no momento em que a empresa incorre na despesa sujeita a tributação autónoma, contrariamente ao que sucede no caso do IRC (no qual se considera que o facto tributário se considera verificado no último dia do período de tributação).
L. Por força da tributação autónoma, o imposto é transferido de um terceiro – que se desconhece – para a entidade pagadora, sendo que o que releva é a data do pagamento daquela despesa e não a sua contabilização.
M. A contabilização é relevante para efeitos de tributação em sede de IRC, como custo do exercício, mas não para efeitos de tributação autónoma, pela qual se tributa a ocorrência de uma despesa, de um pagamento cujo destinatário se desconhece.
N. O que releva para efeitos de contagem de prazo de caducidade é a saída de caixa num determinado momento (no caso dos autos, a emissão do cheque em 26/12/2001 – cfr. facto 5. dado como provado).
O. Assim, tendo a liquidação sido efectuada em 24-08-2005 (facto 8. dado como provado), cremos ser manifesta a inexistência da invocada caducidade do direito à liquidação.
V. Consequentemente, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão judicial, por padecer a mesma de um erro de julgamento de facto e de direito, por violação do n.º 1 do artigo 81.º do CIRC [redacção e numeração à data] e dos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT.

Notificada, a Impugnante respondeu à alegação
Concluiu nos seguintes termos:

DAS CONCLUSÕES
A) As alegações de recurso apresentadas pela Fazenda Pública, constituem uma ficção, uma tese que não tem suporte no presente processo.
B) Essa tese consiste no facto, de o pagamento efectuado pela impugnante/recorrida á sociedade "E.", no montante de C 132.184,44, ter sido considerado pelo senhor Inspector que elaborou o relatório de inspecção, como uma despesa de natureza confidencial, sujeitando-a a uma tributação autónoma à taxa de 50%, de onde resultaria imposto a pagar no montante de € 66.090,72.
C) E que tal despesa deveria ser tributada no ano de 2001.
D) Por sua vez, a Recorrida considera tal pagamento, não como despesa confidencial, mas como um custo de exercício referente ao ano de 2000, que consequentemente, foi relevada como custo na contabilidade neste ano.
E) Tal, foi defendido, alegado e provado pela Recorrida na sua impugnação, que aliás não teve qualquer contestação por parte da Fazenda Pública.
F) Consequentemente a Inspecção Fiscal, na data da inspecção em 2005 já não poderia ter promovido qualquer liquidação adicional sobre esta despesa, ou seja, correcção de custos, dado se verificar a caducidade para liquidação de impostos no ano de 2000, conforme reconhece o senhor Inspector na página 30, 5º parágrafo, do Relatório de Inspecção.
G) Logo, nesta matéria, bem andou a douta sentença recorrida, em reconhecer tal caducidade, com as devidas consequências legais. (Arte 45º da LGT e arte 93º do CIRC).
H) No entanto, a Recorrente Fazenda Pública, no desenvolvimento das suas alegações, cria uma tese, de que tal pagamento constituiria uma despesa confidencial, e que devia ser tributada autonomamente com referência ao ano de 2001, ultrapassando deste modo, o problema da caducidade.
1) Tal tese não tem qualquer suporte no processo, constituindo o conteúdo das alegações da recorrente uma novidade apoiada em considerações técnicas, que a Fazenda Pública nunca alegou, e como tal, nunca provou, no presente processo.
J) Desde logo, o senhor inspector que elaborou o relatório, explica porque elege a despesa da Recorrida como despesa confidencial referente ao ano de 2001 a páginas 30, 5º parágrafo, do Relatório de Inspecção, e citando "A correcção ao lucro tributável de tal despesa que havia sido considerada custo do exercício de 2000, não se efectuará, como determina o disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 42º do CIRC, dado já se ter verificado a caducidade para a liquidação de impostos naquele exercício” pelo que ele próprio entende que a referida despesa, influencia a matéria colectável de 2000, e como tal, não procede à correcção do custo desse exercício, na medida em que entende verificar-se a caducidade para a liquidação de impostos naquele exercício.
K) Logo, a tributação autónoma da despesa em causa, só é concretizada pelo senhor inspector com o fim de contornar a caducidade por si próprio reconhecida, facto que a douta sentença recorrida não deixou de valorar.
L) Por outro lado, também a despesa incorrida pela Recorrida, de modo nenhum pode ser considerada como despesa confidencial.
M) 0 presente processo contém elementos, nomeadamente prova documental junto á impugnação, que demonstra que o pagamento feito pela Recorrida á "E." no montante de € 132.181,44, não pode ser legalmente considerado uma despesa confidencial.
N) Tal pagamento, é feito pela Recorrida à "E." no cumprimento de um contrato de prestação de serviços, conforme documento 6 da Impugnação, tendo a empresa "E.", na execução de tal contrato, promovido no ano de 2000, vendas da Recorrida á empresa "C., S.A.".
O) Serviços pagos pela Recorrida conforme doc. 7 da impugnação, sendo tal montante retirado da conta da impugnante.
P) E que foi contabilizado como custo da Recorrida no ano de 2000, conforme doc. 5 da Impugnação.
Q) Á data dos factos a lei tributária não continha uma noção legal de despesa confidencial, pelo que a jurisprudência interpretava a noção de despesa confidencial como a despesa em que não é especificada ou identificada a sua natureza, origem e finalidade. (Ac. Do ST A de 23/03/1994, rec. 17.812
R) Ora, no presente caso, a Recorrida possuía, exibiu e juntou ao processo os comprovativos da referida despesa, afastando a sua classificação como confidencial, tendo sido sempre patente a identidade de quem recebeu o pagamento, a "E.".
S) Foi sempre conhecido o motivo da despesa, a angariação de clientes para a Recorrida, originando comissão de vendas, potenciando vendas desta, conforme aconteceu.
T) A Inspecção Tributária ficciona a confidencialidade da despesa e sua tributação autónoma no ano de 2001, tendo por única fundamentação de tal ilação o problema da caducidade, e somente este.
U) Nunca posteriormente, perante a impugnação Judicial da Recorrida, a Fazenda Pública contestou o que quer que fosse, nem sequer apresentou testemunhas em audiência, que provasse aquela tese.
V) Só agora, em sede de Recurso, é que vem com uma tese meramente técnica que nunca alegou, fundamentou e provou no processo conforme lhe competia.
W) O Exmo. Senhor Juiz que proferiu a douta sentença ora recorrida, bem andou, ao constatar a ilegalidade que logo de início inquinou o presente processo - a questão da caducidade - questão levantada pela Impugnante, ora Recorrida, e que até é reconhecida no Relatório de inspecção, conforme atrás se referiu.
X) Não podendo proceder o alegado erro de julgamento que vem invocado, pois ao contrário do que alega a Fazenda Pública, o Tribunal "a quo" centra e delimita correctamente os factos relativos à questão da caducidade.
V) Não tendo qualquer relevância para a decisão, o alegado excerto do relatório, salientado pela Fazenda Pública nas suas alegações.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado improcedente o recurso apresentado pela Recorrente, e assim confirmada na totalidade a sentença recorrida

A Digna Magistrada do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Âmbito do recurso e questões a decidir

Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.

Assim, as questões submetidas à apreciação deste tribunal de recurso as seguintes:

1ª: Questão
Deveria, o Mº Juiz a quo, ter mencionado como provado, enquanto facto relevante para a discussão ou a decisão da causa, o seguinte facto, constante do seguinte excerto do RIT:
«Aquando da chegada da factura original, que deu entrada na empresa em 2001/07/25, a mesma foi contabilizada através do lançamento n.º 407081, de 2001/07/01, a débito da conta “273428 – Acréscimos de Custo” (saldando esta) por crédito da conta “22120661 – Fornecedores c/c – E.”»?

2ª questão
Errou no julgamento em matéria de direito, a sentença recorrida, ao julgar extinto por caducidade o direito da AT a tributar autonomamente em IRC, como confidencial, a despesa de 132 184,44 € objecto da factura 00/15 de 21/12/2000, da empresa inglesa “E.”, contabilizada e contemplada na declaração relativa a 2000, recebida na empresa em 25/7/2001 e paga por cheque com a data de 26/12/2001?

III – Apreciação do Recurso

Da decisão recorrida convém transcrever, antes de mais, a enunciação dos factos provados e não provados:

III – Dos factos.
Factos Provados
1. A Impugnante “I., S.A.” foi objecto de uma acção de fiscalização que se iniciou a 03 de Março de 2005 e terminou a 15 de Julho de 2005;
2. A Impugnante foi constituída em 1988 e tem como objecto social o fabrico e comercialização de equipamentos em aço inoxidável para a indústria química, alimentar e farmacêutica, todavia a sua actividade caracterizava-se pela produção de equipamentos e estruturas em aço inox;
3. A Impugnante encontra-se colectada em sede de IRC, no regime geral e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal;
4. A Impugnante dispõe de contabilidade formalmente organizada e processada por sistema informático;
5. Finda a acção referida em 1), foi elaborado Relatório de Inspecção Tributário a 5 de Agosto de 2005, o qual se considera aqui integralmente reproduzido e no qual consta:
“Da auditoria efectuada à contabilidade da firma I., verificamos que esta tinha contabilizado no ano de 2000, a débito da conta de custos “6222812 – Comissões” por crédito da conta “273428 – Acréscimos de Custos”, através do lançamento nº 513007, a factura nº 00/15, de 2000/12/21 timbrada em nome da empresa “E.” no valor de 132.181,44 € (…)
No entanto, o pagamento daquela factura foi efectuado através da emissão pela “I.” a favor da “E.”, na data de 2001/12/26, do cheque nº 1525271903, sobre o “Banco (...)”, no valor de 132.181,44 €.
(…)
Pelo exposto, cero será dizer que o beneficiário da quantia que a “I.” efectivamente pagou no valor de 132.181,44 €, não foi nem a “E.” nem a “C. S.A.”, ficando a dúvida de quem terá usufruído daquela importância sem que fosse tributado em sede de Imposto sobre o Rendimento.
(…)
Propomos, nos termos do nº 1 do artigo 81 do CIRC e em obediência ao Ofício-Circulado nº 20087/2003 de 15 de Setembro, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, que tal pagamento seja considerado como despesa confidencial e, consequentemente, seja efectuada a respectiva tributação autónoma no exercício de 2001, à taxa de 50% (…)
(…)
Nestes termos, dado que se trata de uma despesa relacionada com grandes reparações e beneficiações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, o seu custo não é imputável para efeitos do apuramento do lucro tributável a um só ano (…).”
6. No ano de 2000, a Impugnante procedeu a obras de reparação nas suas instalações, que consistiram em pintura das paredes e reparação do chão.
7. A Impugnante foi notificada do Relatório Final a 17 de Agosto de 2005;
8. A 24 de Agosto de 2005 foi emitida a liquidação 2005 8310116320 aqui impugnada cuja data limite de pagamento ocorreu a 21 de Novembro de 2005;
9. A liquidação resultou da fixação através de recurso a métodos directos ao lucro tributável no ano de 2001 no valor de € 21.884,76 (vinte e um mil e oitocentos e oitenta e quatro euros e setenta e seis euros) e da tributação autónoma de despesas confidenciais no valor de € 66.090,72 (sessenta e seis mil e noventa euros e setenta e dois cêntimos).
10. A presente acção deu entrada a 10 de Fevereiro de 2006.

Factos não provados:

Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, nada mais se provou, nomeadamente que as obras realizadas na sede da Impugnante tivessem constituído grandes reparações.

Posto isto, quid júris sobre as questões acima enunciadas e quais as consequências da sua solução para a pretensão recursiva?

1ª Questão:
Deveria, o Mº Juiz a quo, ter mencionado, como facto provado e relevante para a discussão ou a decisão da causa, o seguinte facto, constante do seguinte excerto do RIT:
«“Aquando da chegada da factura original, que deu entrada na empresa em 2001/07/25, a mesma foi contabilizada através do lançamento n.º 407081, de 2001/07/01, a débito da conta “273428 – Acréscimos de Custo” (saldando esta) por crédito da conta “22120661 – Fornecedores c/c – E.”»?

Nos termos do artigo 123º nº 2 do CPC, na sentença tributaria o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões”.

Matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada pelas partes, releva para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes.

Não se diga que basta a menção dos provados se estes são suficientes para a decisão preconizada pelo tribunal.

Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que acaba por se filiar num direito liberdade e garantia constitucional (artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se fundamentadamente sobre a prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só do ponto de vista de uma parte, de modo a que esta possa exercer o contraditório também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio.

Esta afirmação carece, contudo, de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.

No presente caso, o facto alegadamente ignorado interessava, alegadamente, à tese da AT, segundo a qual a despesa tributada, porque era objecto de tributação autónoma e tinha sido paga apenas em 2001, estava ainda em tempo de ser tributada quando o foi pelo acto impugnado.

Porém, a verdade é que o facto em causa nem foi omitido como provado nem sequer relevava para a sobredita tese, pois os factos dados como provados já bastavam para a sustentação da mesma.

Com efeito, revista a descrição dos factos provados, acima transcrita, verificamos que no artigo 5º se diz expressamente que o relatório da inspecção é dado como integramente reproduzido. Assim, nem por não estar integrado na parte transcrita do RIT o facto acima enunciado deixa de fazer parte integrante dos factos dados como provados.

Depois, vista a parte transcrita do RIT, verificamos que se transcreveu o trecho em que se diz que “no entanto, o pagamento daquela factura foi efectuado através da emissão pela “I.” a favor da “E.”, na data de 2001/12/26, do cheque nº 1525271903, sobre o “Banco (...)”, no valor de 132.181,44 €”. Quer dizer, foi dado como provado esse facto em que a AT recorrente arrima toda sua sustentação de que não estava extinto por caducidade o direito a liquidar tributação autónoma sobra aquela despesa.

Como assim, improcede a alegação de que o Tribunal a quo devia ter dado como provado o sobredito facto.

2ª questão
Errou no julgamento em matéria de direito, a sentença recorrida, ao julgar extinto por caducidade o direito da AT a tributar autonomamente em IRC, como confidencial, a despesa de 132 184,44 € objecto da factura 00/15 de 21/12/2000, da empresa inglesa “E.”, contabilizada e contemplada na declaração relativa a 2000, recebida na empresa em 25/7/2001 e paga por cheque com a data de 26/12/2001?

Cumpre, antes de mais, deixar dito o que se não vai apreciar aqui. Assim, não se vai discutir aqui se a despesa em causa era qualificável e efectivamente tributável como despesa autónoma, por confidencial, nos termos e para os efeitos do artigo 81º nº 1 do CIRC na redacção vigente em 2001.

O que está em causa no recurso é o erro de julgamento da sentença por ter julgado extinto por caducidade o direito à tributação autónoma da sobredita despesa, considerada confidencial, mal ou bem, com esse fundamento.

A questão da caducidade coloca-se a montante da discussão da legalidade, em abstracto, de uma liquidação quejanda, quando por mais não seja porque é essa liquidação que está na ordem jurídica, eficaz e, de momento, executória.

Vejamos:
Segundo a recorrente, porque não se trata de tributação em IRC stricto sensu mas da tributação de uma despesa, tributação que, por autónoma, nada tem a ver com a periodicidade do IRC, o dies a quo do prazo de caducidade não é o constante ou resultante do nº 4 do artigo 45º da LGT, mas sim o termo do ano do pagamento da despesa, verdadeiramente o ano em que ela, porque autonomamente tributada, se deve considerar incorrida.

Esta tese não é sustentável, salvo o devido respeito.

Não é que não possam ser imputadas a cada exercício despesas de exercícios anteriores, nas condições do nº 2 do artigo 18º do CIRC ou quando isso for imperativo do princípio da justiça.
Mas no caso a impugnante contabilizou a factura e a correspondente despesa no exercício de 2000.

Ora, a tributação autónoma de despesas confidenciais, o que quer que estas se devessem considerar, estava prevista no artigo 81º nº 1 do CIRC, na redacção vigente em 2001, enquanto modo de mitigar e dissuadir abusos dos contribuintes na consideração de despesas na autoliquidação do IRC, tendo em conto o disposto no artigo 23º 1 do CIRC (comprovada indispensabilidade das despesas para a manutenção da fonte produtora).

Na continuidade daquela situação sistemática e desta teleologia, a tributação autónoma destas e outras despesas autonomamente tributáveis não resultava nem resulta num acto administrativo de liquidação em separado, antes o seu valor é integrado muna só liquidação final referida a todo um exercício, nos termos indiscriminados do artigo 18º do mesmo CIRC.

Assim sendo, não vemos como pode a Recorrente pretender que o dies a quo do prazo de caducidade do direito a liquidar IRC proveniente da tributação autónoma de determinadas despesas, incorridas em determinado exercício, não seja o mesmo do prazo de caducidade de liquidação do IRC, em geral, de cada exercício.

Atento o artigo 45º nº 4 da LGT, o prazo de caducidade do IRC, de quatro anos, conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Facto tributário, para este efeito, é o exercício anual em que se gerou o rendimento objecto do Imposto.

Tal como ficou provado e é indiscutido, a emissão e a contabilização da factura em causa ocorreram no exercício de 2000. A despesa, assim, embora paga em 2001, foi incorrida em 2000, faz parte do exercício de 2000. Logo, o prazo de caducidade do direito a efectuar a liquidação adicional impugnada terminava, também no que respeita à matéria tributável objecto de tributação autónoma, em 31 de Dezembro de 2004, antes, portanto, de 24 de Agosto de 2005, data da liquidação aqui impugnada.

Bem andou, portanto, o Mª Juiz a quo, ao julgar procedente a impugnação, também na parte objecto do presente recurso, pelo que o mesmo improcede.

IV – Custas
As custas do recurso ficarão a cargo da Recorrente, atento o decaimento nesta instância, considerando o disposto no artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC.

V- Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente, nos sobreditos termos.
*
Custas do recurso pela Recorrente.
*
Porto, 13 Maio de 2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento