Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01104/11.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/18/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Álvaro Dantas
Descritores:IRS
FIXAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
PRESSUPOSTOS DA ACTUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
PROVA
Sumário:1. Da norma do artigo 89º-A, nº 1 da LGT resulta constituírem pressupostos legais vinculativos da actuação da administração tributária e que esta, portanto, está obrigada a provar, a existência de uma das manifestações de fortuna legalmente tipificadas e bem assim a desproporção entre os rendimentos declarados pelo sujeito passivo que evidencia tal manifestação e o rendimento padrão resultante da tabela do nº 4 do artigo 89º - A da LGT.
2. A manifestação de fortuna necessita de ser comprovada de modo directo, pois não são de admitir presunções sobre presunções.
3. Não é possível fundar exclusivamente na contabilidade da sociedade comercial a favor da qual terão sido efectuados os suprimentos que constituem a alegada manifestação de fortuna a presunção, baseada no artigo 75º da LGT, de que tais suprimentos foram efectivamente realizados pelo Recorrente.
4. Se é certo que as declarações apresentadas pelos contribuintes nos termos legais se presumem verdadeiras, essa presunção apenas se refere ao próprio declarante nas suas relações com a administração tributária, não sendo extensível às relações da administração tributária com terceiros.
5. Não provando a administração tributária os pressupostos legais vinculativos da sua actuação é de concluir pela ilegalidade do acto de fixação de matéria tributável.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
J…, NIF … … …, com domicílio na Rua …, (Recorrente), não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente o recurso que apresentou ao abrigo da norma do artigo 89º-A, nº 7, da Lei Geral Tributária (LGT) contra a decisão do Director de Finanças do Porto (Recorrido) de fixação da matéria tributável em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), nos termos do disposto naquele artigo, no montante de 212.000,00 euros, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.
As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:
Quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos previstos no artigo 89º-A da LGT, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de IRS”(() Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Maio de 2009, proferido no âmbito do processo nº 0403/99, e tendo como relator o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.).
Pelo contrário quando se não prova a existência daquelas manifestações de fortuna, não opera qualquer inversão ou excepção à regra geral do ónus da prova prevista no nº 1 do artigo 74º da LGT.
De facto, nos termos do nº 3 daquele artigo, nos casos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, apenas cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, não se dispensando a administração tributária do ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação.
Do mesmo modo, quando se não prova a existência daquelas manifestações de fortuna, não opera qualquer inversão ou excepção à regra geral de presunção de veracidade da declaração de rendimentos do contribuinte, prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT.
De facto, a alínea f) do nº 2 daquele artigo apenas excepciona o respectivo nº 1 quando se verifique uma manifestação de fortuna evidenciada pelo sujeito passivo.
Na situação vertente, a administração tributária não provou, como lhe competia, a verificação dos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável por métodos indirectos, pois que o mais importante pressuposto da aplicação de tal método no presente processo – a realização de suprimentos, por parte do sujeito passivo, por valor superior a € 50.000 -, não se verifica.
De facto, os movimentos imputados ao Recorrente como suprimentos à MCO, mais não são do que a regularização de empréstimos da PMV àquela sociedade, ainda que incorrectamente contabilizados.
Uma vez alegada a ocorrência de um lapso na contabilização daqueles movimentos, os respectivos lançamentos contabilísticos não constituem, para a administração tributária, presunção da verificação da manifestação de fortuna que lhes subjaz, nem a dispensam da prova da respectiva verdade material.
De facto, uma vez posta em causa a veracidade das pretensas manifestações de fortuna em crise, era à administração tributária que está cometido o ónus de provar a sua verificação.
10ª O facto de o não ter feito torna-se tanto mais grave quanto o ora Recorrente alegou e demonstrou que as operações em crise não tinham a natureza de suprimentos, e que nem sequer tinham qualquer conexão com a sua esfera pessoal.
11ª Muito embora esse ónus lhe não estivesse cometido, na eventualidade, que não se concede, de se não considerar que o Recorrente logrou efectuar a prova negativa dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria colectável, sempre se consideraria, como o próprio tribunal recorrido indicou, terem sido geradas dúvidas fundadas sobre essa matéria.
12ª Perante tais dúvidas, não operaria, face às regras de distribuição do ónus da prova neste âmbito aplicáveis, e acima desenvolvidas, qualquer presunção a favor da administração tributária, mas sim o princípio in dubio pro contribuinte, ínsito na primeira parte do nº 3 do artigo 74º da LGT, e no nº 1 do artigo 100º (verificada que foi a inaplicabilidade, no caso a quo, do nº 2 deste último artigo, e ainda da alínea f) do nº 2 do artigo 75º da LGT).
TERMOS EM QUE deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, e determinando-se a anulação da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, por falta de verificação dos pressupostos da respectiva aplicação.
O Recorrido apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção da sentença recorrida e, consequentemente, pela improcedência do recurso.
Neste Tribunal Central Administrativo, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer com o seguinte teor integral: “acompanhando o entendimento vertido na sentença recorrida e pelas razões e fundamentos aí desenvolvidos a que se adere, sou de parecer que deverá ser mantida a decisão impugnada e negado provimento ao recurso”.
Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre agora apreciar e decidir já que a tal nada obsta.
Questão a decidir:
Analisadas as conclusões das alegações do recurso interposto pela Recorrente que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto, verifica-se que a questão que vem colocada pelo Recorrente e que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por nela se ter considerado que estavam verificados os pressupostos da determinação da matéria tributável por parte da administração tributária ao abrigo do regime previsto na norma do artigo 89º-A da LGT.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância e que aqui deixamos reproduzida ipsis verbis:
A). Em 15/03/2008, o recorrente apresentou a declaração de IRS, Modelo 3, referente ao ano de 2007, declarando como rendimento global o valor de 24.800,00 € - cfr. fls. 339 e seguintes dos autos.
B). O recorrente foi objecto de uma acção de inspecção, relativa ao exercício de 2007, que decorreu entre 30/06/2010 e 06/12/2010, com base na Ordem de Serviço nº OI 2009 01207- cfr. Relatório de Inspecção de fls. 66/89 dos autos.
C). Na sequência da acção de inspecção, supra referida, os Serviços de Inspecção Tributária elaboraram um relatório, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, designadamente, o seguinte:
(…) IV) Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
A) Diligências e controlos efectuados às sociedades PMV Policlínica, S.A., NIPC 503851698, Moreira Costa & Oliveira, SA., NIPC 505836513 e J.R. Teixeira, Unipessoal, Lda., NICP 506451313:
No dia 16/04/10, foram efectuados às sociedades PMV… S.A. e J R….,, Lda., das quais o sujeito passivo é sócio gerente, através dos ofícios nºs 24217/0507, 24220/0507 e 24221/0507, no sentido de nos ser remetido, no prazo de 15 dias, os seguintes elementos:
Extractos dos balancetes analíticos relativos às contas 255 - Accionistas (sócios) - (Restantes accionistas (sócios) e 26 v- Outros devedores e credores (apenas no que respeita ao referido sócio gerente), respeitante aos anos de 2007 e 2008;
- Extractos de conta corrente das referidas contas onde se encontram registadas, nos referidos anos, entradas e/ou saídas de dinheiro ou de valores eventualmente efectuadas pelo/tendo como beneficiário o sócio gerente acima identificado;
- Fotocópias dos documentos de suporte dos respectivos movimentos e do(s) extractos(s) bancários relativos aos referidos anos.”
Nota: Todas as sociedades notificadas responderam ao solicitado, sendo relevante para a acção, unicamente a análise que se segue.
1.1. M…, SA.
Em resposta ao pedido de elementos efectuado, foi-nos entregue extracto de conta da conta 2551 - Accionistas (sócios) - (Restantes) accionistas (sócios) Empréstimo J…, relativo ao ano de 2007, na qual foram efectuados os seguintes movimentos:
DataDoc n.°DescriçãoSuprimentos
(entradas)
Restituições (saídas)Saldo
Saldo inicial131.969,90
2007-01-0202-000003Aviso lançamento – entradas para suprimentos12.000,00131,969,90
2007-01-3102-000002Aviso lançamento - entradas
para suprimentos
230.000,0036t96990
2007-12-0102-000009Aviso lançamento - entradas
para suprimentos
182.000,00543.969,90
2007-12-2405-001160Aviso de lançamento -
Transferência da conta 531
121.000,00664.969,90
2007-12-3102-000014Aviso de lançamento -
Transferência
83.969,2558100065
Total 2007545.000,0083.969,25461.030,75

a) Os suprimentos do sujeito passivo registados em 2007 encontram-se suportados em documentos internos, sem suporte financeiro, e tiveram por contrapartida a conta 11 - Caixa;
b) O suprimento do sujeito passivo registado em 2007, pelo lançamento n.° 05-001160, corresponde a:
Nota de lançamento nº10134483051
Data2007-12-24
Montante€121.000,00
SacadoMillenium BCP
OrdenantePMV Policlínica, S,A.
Nota de lançamento nº10134483052
Data2007-12-24
Montante€121.000,00
Entidade bancáriaMillenium BCP
BeneficiárioMoreira, Costa & Oliveira, S.A.
MotivoReembolso parcial do empréstimo anteriormente realizado pela Moreira Costa & Oliveira, S.A. à PVM Policlínica, S.A.
Conforme notas de lançamento bancárias, constantes do Anexo 1 (folhas 16 e 17/21);

b.1) Lançamento contabilístico efectuado na empresa M…, S.A.
A referida transferência foi contabilizada na sociedade M…, SA, através do lançamento nº 05-001160, tendo sido registada nesta empresa da seguinte forma:
12 - Depósitos à ordem – 121.000,00€
2551 - Suprimentos – J… - 121.000,00 €
Este lançamento foi alterado na referida empresa, tendo passado a constar como:
12 - Depósitos à ordem - 121.000,00€
2682999 - Devedores e credores diversos - PMV …,, S.A. – 121.000,00 €
b.2) Lançamento contabilístico efectuado na empresa PMV …, SA., através do lançamento n.° 0515-89, tendo sido registada nesta empresa, desde logo, da seguinte forma:
12 - Depósitos à ordem - 121,000,00 €
2682999 Devedores e Credores Diversos – M…, SA. - 121,000,00
c) a transferência para a conta 531 - Prestações suplementares – J… da conta de suprimentos do sujeito passivo no valor de € 83.969,25, também se encontra suportada em documento interno, Juntam-se, em Anexo 1, o duplicado do referido pedido de elementos, bem como os elementos fornecidos em resposta ao pedido de elementos efectuado.
B) Conclusão
1) Manifestações de fortuna
a) Confirmou-se que o sujeito passivo efectuou suprimentos no ano de 2007, na sociedade M…, S.A., nos seguintes montantes:

DataDoc. nºDescriçãoSuprimentos (entradas)Restituições (saídas)Saldo
2007-01-0202-
000003
Aviso lançamento - entradas para suprimentos12.000,0012.000,00
2007-01-3102-
000002
Aviso lançamento – entradas para suprimentos230.000,00242,000,00
2007-12-0102-
000009
Aviso lançamento – entradas para suprimentos162.000,00424.000,00
Total 2007424.000,000,00424.000,00

totalizando € 424.000,00, uma vez que expurgados os € 121.000,00, entretanto regularizados pela sociedade por não corresponderem a entrada do sócio.
e) No caso em apreço, o valor dos suprimentos e empréstimos feitos no ano de 2007 é de 424.000,00 €, verificando-se, portanto, o referido pressuposto, pelo que o respectivo rendimento padrão corresponde a 50% de 424.000,00, ou seja 212,000,00, porquanto superior ao Rendimento líquido global declarado de €21.318,08.
f) Assim, a avaliação indirecta é passível de se efectuar visto que o sujeito passivo declarou, em 2007, um rendimento líquido global inferior a 50% de € 212.000,00, ou seja, inferior a €106.000,00,
g) Conforme se verifica pelo rendimento líquido global referido na alínea b), o valor declarado em 2007, é inferior a 50 % do rendimento padrão calculado, pelo que se encontram reunidas as condições para se proceder à avaliação indirecta prevista nos referidos artigos.
(…)
i) Face ao exposto, e do nº 3 do artigo 89°-A da LGT fixar que “... cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou de despesas efectuadas”, o sujeito passivo foi notificado, em 2010/11/21, para, no prazo de 10 dias, efectuar a referida comprovação.
j) Em resposta à notificação efectuada, o sujeito passivo informou-nos de que:
“1- Não houve efectivamente da minha parte qualquer entrega para suprimentos à empresa M…, S.A., no exercício de 2007;
2- O facto de ter sido contabilizado como suprimentos em meu nome resultou nomeadamente de uma deficiente informação da administração da empresa à contabilidade da mesma, no que respeita à omissão de uma factura emitida no exercício de 2006:
3- Essa deficiente informação resultou numa incorrecta contabilização da referida factura o que deu origem a saldos de caixa não correspondentes à realidade, tendo por isso obrigado a que a contabilidade tivesse que recorrera este mecanismo para a correcção dos saldos;
4- Devemos referir também toda esta situação se encontra já sanada com a correcta contabilização desses elementos,
Junta-se, em Anexo 2 o duplicado da referida notificação, bem como a respectiva resposta.
(…)
VIII - Direito de audição - fundamentação
O contribuinte foi notificado pessoa/mente para exercer o direito de audição, no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 60º da LGT e do artigo 60º do RCPIT, em 07/12/10. O direito de audição foi exercido, por escrito, em 22/12/10, tendo o sujeito passivo apresentado os seguintes argumentos:
1. Relativamente à argumentação sobre a existência ou não de suprimentos
1.1. “Conforme já referi anteriormente nunca existiu a realização de qualquer suprimento da minha parte à sociedade M…, S.A., NIPC 505 836 513,
1.2. O que existiu foi uma contabilização indevida de “suprimento” para regularizar saldos credores de caixa, e para os quais não havia aparentemente explicação, pelo que a forma como os serviços supriram a situação foi efectuar essa revelação;
Quanto a tais argumentos somos de parecer:
2. Conforme exposto no Capítulo IV, verificou-se que os montantes constantes do Quadro 9, totalizando € 424.000,00, passaram a constar da contabilidade e das declarações da sociedade M…, 3.4, no ano de 2007, como suprimentos efectuados pelo sujeito passivo, tal como foi declarado pela empresa na declaração anual de informação contabilística e fiscal, do mesmo ano, o que significa que este passou a ter um direito sobre a sociedade,
3. No mesmo sentido, de acordo com a noção de direito de contrato de suprimento, apresentada de forma desenvolvida na alínea B) do capítulo IV do presente relatório de inspecção tributária, foram realizados suprimentos pelo sujeito passivo no ano de 2007, consubstanciados no direito que o sócio passou a deter sobre a sociedade, no montante global de €424.000,00 e cuja origem dos respectivos capitais nos é desconhecida.
“- Conforme se pode constatar pela vossa análise, durante o ano de 2007, o saldo líquido entre entradas e saídas na conta “2551 Accionistas” foi de €461.030,75, o que retirando os € 121.000,00 regularizados por contrapartida da conta 22682999 - ODC PVM …”, obtemos um valor líquido de €330.030,75;”
Relativamente a esta argumentação, somos de parecer:
Verifica-se um pequeno erro de contas. Seguindo o raciocínio do sujeito passivo, o valor líquido dos suprimentos seria de € 340,030,75, Contudo, de acordo com o exposto na alínea c) do ponto 1.1. da alínea A) do capitulo IV, € 83.969,25 dizem respeito à transferência da conta de suprimentos para a conta de suprimentos para a conta 531 - Prestações suplementares – J…. Desta forma, o montante global dos suprimentos realizados no ano de 2007 atingiu os €424.000,00.
5. Da explicação do contribuinte de “Vendas não contabilizadas em 31/12/2006”
5.1. “Hoje sabe-se, que à data de 31 de Dezembro de 2006, por lapso não tinham sido contabilizadas 2 Vendas, as quais totalizam o montante de €317.020,00;
5.2. Este lapso já foi entretanto corrigido, tendo as Vendas sido regularizadas contabilisticamente na M…, S.A., e efectuou-se as respectivas alterações, na declaração periódica do IVA, no Mod. 22 e IES de 2006:”
Quanto a estes argumentos podemos referir
6. O montante dos suprimentos de €424.000,00 foi apurado depois de expurgadas as regularizações efectuadas pelo sujeito passivo na conta “2551 - Accionistas”, e mencionadas por este no exercício do direito de audição, nada tendo a ver com a omissão das duas vendas em 2006, uma vez que:
6.1. No início de 2007 foi omitido às vendas da “M…, S.A:” e aos recebimentos destas, um cheque no valor de €317.020,00, com os seguintes elementos:
Cheque n.°4124730219
Data200 7-02-22
Montante€317.020,00
SacadoCaixa Geral de Depósitos
SacadorCaixa Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, S.A
BeneficiárioMoreira Costa & Oliveira, S.A.
MotivoPagamento das vendas a dinheiro n. 1200620083 e 1200620084, ambas de 2006/12/04
EndossanteM…, S.A.
MotivoFazer face às necessidades de tesouraria provocadas pelas prestações de leasing, resultantes da construção do hospital e da

instalação de equipamentos no mesmo que ocorreu em 2005 e 2006

DepositantePMV …, S.A.

6.2. Este cheque foi depositado à ordem da PVM …, S.A. e o seu valor foi contabilizado como suprimentos do sócio “J…” (lançamento nº 05-000309).
(…)
6.3 Durante a inspecção e face ao detectado erro de contabilização, ambas as sociedades procederam à regularização voluntária dos respectivos movimentos contabilísticos, resultando:
6.4. A sociedade “M…, S.A.” ficou a deter um crédito daquele montante sobre a “PMV - …, SA” e
6.5. A M…, S.A.” regularizou voluntariamente a omissão de vendas com a entrega de uma declaração Mod. 22 e DP de IVA, relevando contabilisticamente tal acréscimo e assumindo o endosso do cheque em causa que deu origem ao crédito de uma sociedade sobre a outra.
6.6. Na PVM …, S.A., este lançamento foi alterado por transferência do valor da conta 2551 (suprimentos) para a conta 2682999 (Credores Diversos – M…, S.A.) tendo passado a constar como:
(…)
6.7. Deste modo, fica demonstrado que, mesmo após a regularização das vendas a dinheiro e do endosso do cheque que serviu do meio de pagamento às mesmas e do lançamento nº 05-001160, verificou-se que mantém o valor de € 424.000,00 de suprimentos, consubstanciado no direito (crédito) sobre a empresa M…, S.A.
De facto, o valor recebido pelas vendas omitidas (inicialmente considerado suprimentos do sujeito passivo na firma PMV - …, S.A.) não foi utilizado nos cálculos efectuados pela inspecção tributária.
(…)
10. Em jeito de conclusão, o contribuinte remata:
10.1 não existe razões para efectuar a presunção de rendimentos, na medida em que,
10.2. existe razão válida para a existência desses saldos,
10.3 embora contabilisticamente exista uma deficiência de classificação.”
Quanto a tais alegações finais somos de parecer:
11. Ao contrário do que o sujeito passivo tenta defender, não foi comprovado por este que correspondam à realidade os rendimentos declarados por si na Mod. 3 de IRS do ano de 2007, nem qual a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, porquanto:
11.1. Da contabilidade da sociedade “M…, S.A. “, constam os suprimentos efectuados pelo sujeito passivo no ano de 2007, no valor global de € 424.000,00, tal como consta na declaração anual de informação contabilística e fiscal do mesmo ano.
11.2. A declaração anual de informação contabilística e fiscal foi entregue após terem sido efectuadas todas as regularizações nas várias sociedades de que o sujeito passivo é sócio. 11.3. Contabilisticamente, todas as deficiências de classificação foram sanadas, (conforme foi invocado pelo sujeito passivo no próprio exercício do direito de audição) mantendo-se o crédito do sócio sobre a M…, S.A., no montante de €424.000,00.
11.4. Por último, refira-se que, tanto é real e verdadeiro o crédito sob a forma de suprimentos detido pelo sócio J… que, em 31/12/2007, é transformada uma parcela de tal crédito - € 83.969,25 - em Prestações Suplementares de Capital do mesmo sócio, como consta da contabilidade da sociedade e da respectiva declaração anual de informação contabilística e fiscal, relativas ao ano de 2007.
11.5. Ora, esta transferência para contas do Capital Próprio, contraria, por fim, a alegada existência de qualquer deficiência de classificação contabilística, Concluindo, face ao exposto, somos de parecer que devem ser mantidas as correcções propostas.
C). Da notificação efectuada em 21/11/2010, consta, para além do mais, o seguinte:
(...) Assim, nos termos do nº 3 do artigo 89º - A da LGT, para obstar ao procedimento de fixação, deve fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciada, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, mediante apresentação, nomeadamente, de cópia dos extractos bancários que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros utilizados na realização dos suprimentos. (...)
D). Sobre o Relatório de acção de Inspecção referido na alínea B), foi proferido pelo Director de Finanças do Porto, em 11/03/2011, o seguinte despacho: “Concordo”- cfr. fls. 4 do processo administrativo.
E). Por ofício nº 17771/0507, expedido por carta registada com aviso de recepção, recepcionado em 24/03/2011, o recorrente foi notificado da correcção à matéria colectável referente ao ano de 2007, nos termos constantes de fls. 1/2 do processo administrativo.
F). Dá-se por reproduzido o teor dos extractos bancários emitidos pelo Banco Millenium BCP, referentes às contas bancárias nºs 253103071 e 45207081637, respeitantes a Janeiro, Março, Junho, Julho, Setembro, Novembro e Dezembro de 2007 - cfr. fls. 90 a 121 dos autos.
G). A conta bancária nº 253103071, referida na alínea antecedente é titulada pela sociedade PVM …, S.A. - cfr. fls. 350 dos autos.
H). A conta bancária nº 45207081637, aludida na alínea G) é titulada pela sociedade M…, S.A. - cfr. fls. 352 dos autos.
I). Em 07/0712006, por escritura pública exarada no Cartório Notarial de Valongo, o recorrente celebrou com o Banco Comercial Português, SA., um contrato de mútuo com hipoteca no montante de 247.128,61 € - cfr. fls. 109/121 dos autos.
J). Dá-se por reproduzido o teor dos extractos bancários combinados, da conta bancária n,° 003300000005249921405, de que o recorrente é titular, no Banco Millenium BCP, respeitantes aos meses de Janeiro a Abril, Junho a Setembro e Novembro e Dezembro de 2006, e Janeiro a Abril, Junho e de Agosto a Dezembro de 2007- cfr. fls. 132/1 37 dos autos.
K). Dá-se por reproduzido o teor dos extractos bancários emitidos pela Caixa Geral de Depósitos, respeitantes à conta nº 0285066432600, e ao período decorrido entre 01/01/2006 e 28/04/2011, juntos a fls. 230/294 dos autos.
L). A conta bancária referida na alínea antecedente é da titularidade do recorrente - cfr. fls. 353 dos autos.
M). Do extracto de conta nº 2551 - Empréstimos - da sociedade “M…, S.A.”, consta registado como movimento contabilístico, em 31.03.2008, uma transferência para prestações suplementares no montante de 424.000,00 € - cfr. fls. 355 dos autos.
N). Do extracto de conta nº 53 - outros instrumentos de capital próprio - da sociedade Mo…, S.A., consta como movimento contabilístico, em 30.06.2011, uma transferência no montante de 424.000,00 € - cfr. fls. 356 dos autos.
O). No extracto de conta nº 2782002 - PMV - …, S.A - da sociedade M…, S.A., consta registado o lançamento de uma transferência, a crédito, no montante de 424.000,00 € - cfr. fls. 357 dos autos.
P). No balancete acumulado em Junho de 2011, na conta Outros instrumentos de capital consta um débito acumulado de 424.000,00 € - cfr. fls. 358/368 dos autos.
O). O presente recurso foi apresentado em 04/04/2011 - cfr. fls. 3 e seguintes dos autos.
2.2. De direito
Como já tivemos oportunidade de deixar enunciado, a questão que vem colocada pelo Recorrente e que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por nela se ter considerado estarem verificados os pressupostos legais dos quais depende a determinação da matéria tributável por parte da administração tributária nos termos previstos na norma do artigo 89º-A da LGT.
Alegou que a Recorrente que, neste processo, ao contrário daquilo que entendeu a sentença recorrida, não procurou provar que “houve excesso na quantificação da matéria tributável, designadamente indicando que correspondem à realidade os rendimentos declarados ou de que era outra a fonte das manifestações de fortuna. Procurou, isso sim, (i) demonstrar que não houve, na situação vertente, qualquer manifestação de fortuna e que (ii) a administração tributária não logrou demonstrar cabalmente, como lhe competia, os pressupostos para recorrer à avaliação indirecta da matéria tributável com esse fundamento” e alegou também que, “o tribunal recorrido limitou-se a pressupor a existência da manifestação de fortuna, para daí partir para a análise de uma questão que apenas se colocava a jusante, que para este efeito não relevava, e que deveria ter ficado prejudicada pelo conhecimento daqueloutra”.
A propósito desta questão, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto exarou na sentença recorrida as seguintes considerações: “[d]e facto, verificando-se uma das manifestações de fortuna tipificadas na lei, não consentânea com os rendimentos declarados, cessa a presunção da veracidade das declarações do contribuinte, operando-se uma inversão do ónus da prova (cfr. artigo 89º, nº 3 da LGT). Aqui, a Administração Tributária não tem de demonstrar a falta de veracidade da declaração e/ou escrita ou documentação de suporte, bastando-lhe demonstrar a verificação do facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna. [Ora] no caso vertente a Administração Tributária procedeu à determinação da matéria colectável segundo o método indirecto previsto no nº 4 do artigo 89º-A, por ter constatado que, não obstante ter apresentado, em 2007, declaração de rendimentos no montante de 24.800,00 €, efectuou suprimentos à sociedade M…, S.A., no valor global de 424.000,00€, evidenciando uma capacidade económica incompatível com os rendimentos declarados. De facto, comparando o rendimento padrão (212.000,00€) com o rendimento declarado (24.800,00€), é patente a existência de uma desproporção superior a 50% para menos deste face àquele, visto que declarou um rendimento global líquido inferior a 106.000,00€. A Administração tributária estava, assim, legitimada a proceder à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, a menos que o recorrente demonstrasse que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna, afastando a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados pelo contribuinte no ano em causa”. Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 89º-A, nº 1, da LGT, “há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela”.
Decorre, pois, da norma acabada de transcrever, que constituem pressupostos legais vinculativos da actuação da administração tributária no sentido da determinação da matéria tributável nos termos ali previstos e que esta está, portanto, obrigada a provar (cf. artigo 74º, nº 1 da LGT e artigo 342º, nº 1 do Código Civil): (i) a existência de uma das manifestações de fortuna legalmente tipificadas e bem assim (ii) a desproporção entre os rendimentos declarados pelo sujeito passivo que evidencia tal manifestação e o rendimento padrão resultante da tabela do nº 4 do artigo 89º - A da LGT.
Como assinala a melhor doutrina, “a tributação dos rendimentos inferidos das manifestações de fortuna tem como fundamento o dever fundamental de pagar impostos e a necessidade, daí decorrente, de combater a evasão fiscal [que] visa evitar que certo tipo de rendimentos, actuais ou passados, que tenham escapado ao controlo legal, deixem de ser tributados” - nestes termos, João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, 2010, pág. 273.
Por outro lado, relativamente à natureza jurídica da tributação baseada nas manifestações de fortuna, a mesma doutrina aponta, a nosso ver com razão, que essa natureza é presuntiva e por isso, as aquisições onerosas de bens ou o consumo que se configurem como manifestações de fortuna, o que acontece quando se revelem desproporcionadas em relação ao rendimento declarado na medida legalmente prevista, “representam um facto base ou indício a partir do qual se infere um facto consequência ou facto presumido”, sendo que, em relação ao facto base da presunção e que corresponde à detenção, declaração ou aquisição de bens, direitos, consumo ou dívidas de valores desfasados relativamente aos elementos declarados, o mesmo necessita de ser comprovado e de modo directo, pois não são de admitir presunções sobre presunções – assim, João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, cit., págs. 278 e 279.
Na situação em apreço, como já dissemos, o Recorrente ataca a sentença recorrida por considerar que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto se limitou a pressupor a existência da manifestação de fortuna para, daí, partir para a análise de uma questão que apenas se colocava a jusante (a de saber se a Recorrente logrou provar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte das manifestações de fortuna). Dito de outra forma, entende o Recorrente que a sentença recorrida errou ao considerar que a administração tributária provou os pressupostos legais da sua actuação, uma vez que, segundo alega, não se provou o facto base da presunção em que assenta a determinação da matéria tributável a efectuar ao abrigo do regime previsto no artigo 89º-A da LGT, isto é, a manifestação de fortuna. Concretamente, o Recorrente alega que não efectuou quaisquer suprimentos à sociedade comercial M…, S.A.
É certo o que afirma o Recorrente. Na verdade, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, na sentença que agora se encontra sob recurso, limitou-se a afirmar que a administração tributária estava legitimada a proceder à determinação indirecta da matéria tributável uma vez que esta constatou que o Recorrente, no ano de 2007, efectuou suprimentos à sociedade comercial M…, S.A., no valor global de 424.000,00 euros e que os rendimentos que declarou nesse ano foram de 24.800,00 euros. Mesmo quando, a dado passo da sentença (cf. respectivas fls. 16, parte final) a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto coloca a necessidade de se indagar se o Recorrente realizou ou não os suprimentos que se encontram contabilizados na escrita da sociedade M…, S.A., acaba por, acriticamente, aceitar o juízo que, a esse propósito, foi formulado pela administração tributária e nos seus exactos termos e colocou sobre o Recorrente o peso da prova no concernente à demonstração de que os valores contabilizados como suprimentos efectuados por aquele, na realidade, não o são (cf. fls. 17, parágrafo 4º, da sentença recorrida).
Ora, para que o Tribunal recorrido pudesse afirmar, como afirmou na sentença, que a administração tributária estava legitimada a proceder à determinação da matéria tributável da forma que o veio a fazer, importava que tivesse concluído pela demonstração da manifestação de fortuna relevante e assim, na perspectiva da decisão do presente recurso, tudo estará, portanto, em saber se a sentença recorrida errou quando considerou que administração tributária provou a realização dos suprimentos por parte do Recorrente.
Retomando o que anteriormente referimos quando abordámos a questão da natureza presuntiva da tributação com base nas manifestações de fortuna, o que importa aferir é se a administração tributária provou de modo directo e não apenas indiciário, o facto base da presunção, ou seja, a manifestação de fortuna.
A resposta a essa questão não pode deixar de ser negativa. Vejamos porquê.
A única prova carreada pela administração tributária no sentido de demonstrar a existência de suprimentos e que suportou a determinação da matéria tributável aqui em causa foi a resultante da contabilidade da sociedade comercial M…, S.A., nomeadamente, o extracto da conta 2551 – accionistas (sócios) – (restantes) accionistas (sócios), na qual foram efectuados movimentos ali inscritos como suprimentos de J… e os respectivos documentos de suporte desses lançamentos contabilísticos que são documentos internos, sem suporte financeiro, que tiveram como contrapartida a conta 11 – Caixa.
No entanto, como bem se compreende, esta prova é, de todo, insuficiente para que se possa dizer que o Recorrente efectuou os suprimentos aqui em causa e que, portanto, se verifica uma manifestação de fortuna relevante e legitimadora do recurso à avaliação indirecta por parte da administração tributária. Na verdade, através daqueles elementos, apenas resulta provado que na contabilidade da sociedade comercial M…, S.A. foram efectuados determinados lançamentos e que, para os suportar, foram elaborados documentos internos. Nada mais. Nomeadamente, não se prova que o Recorrente emprestou à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível ou que o Recorrente, enquanto accionista, convencionou com a sociedade o deferimento do vencimento de créditos seus sobre ela (cf. artigo 243º do Código das Sociedades Comerciais).
Nem se invoque, em contrário disto que acabámos de dizer, a norma do artigo 75º da LGT e a presunção aí contida. É certo que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Contudo, mesmo dando de barato que, com base nessa presunção, se pode fundar a prova da manifestação de fortuna, o que está longe de ser líquido dada a por nós referida inviabilidade da existência de uma presunção fundada numa presunção, sempre será de considerar que tal presunção apenas vale em relação ao contribuinte ao qual concernem as declarações ou os dados e apuramentos inscritos na contabilidade e não já em relação a terceiros. Como se disse no acórdão TCAN de 27 de Maio de 2010, processo 97/03-PORTO, disponível na sua versão integral em www.dgsi.pt, “se é certo que as declarações apresentadas pelos contribuintes nos termos legais se presumem verdadeiras (art. 75.º, n. 1, da LGT), essa presunção apenas se refere ao próprio declarante nas suas relações com a AT, não sendo extensível às relações da AT com terceiros.”
Ora, o Recorrente, não obstante ser accionista da sociedade comercial M… S.A. não se confunde com ela e por isso não é possível fundar exclusivamente na contabilidade e em documentos internos desta sociedade a presunção, baseada no artigo 75º da LGT, de que os suprimentos ali inscritos foram efectivamente realizados pelo Recorrente.
Também não se pode contrapor o argumento, que foi utilizado pela administração tributária no Relatório de Inspecção que esteve na base da fixação da matéria tributável aqui em causa, segundo o qual, constando determinados montantes pecuniários da contabilidade daquela sociedade comercial M…, S.A. como suprimentos efectuados pelo sujeito passivo, este passou a ter um direito de crédito sobre essa sociedade. Na verdade, não é da mera inscrição contabilística que surge um crédito na esfera jurídica do Recorrente mas antes do contrato que tivesse sido realizado pois é este que é fonte de obrigações. Ademais, a inscrição meramente unilateral na contabilidade daquela sociedade de suprimentos alegadamente efectuados pelo Recorrente, ainda que fosse geradora de um crédito na esfera deste (e não é…), não consubstanciaria, por si, qualquer manifestação de fortuna.
Verdadeiramente, o que sucedeu, em nosso entender, foi que a administração tributária andou mal ao ter-se bastado com os elementos existentes na contabilidade da sociedade comercial M…, S.A. e estranhos ao Recorrente para, com base neles, ter partido para a fixação da matéria tributável deste. É para nós evidente que a constatação baseada naqueles elementos contabilísticos deveria ter constituído o ponto de partida e não o ponto de chegada da actividade instrutória a desenvolver pela administração tributária que, assim, deveria ter levado mais longe a sua actividade (no âmbito da qual está sujeita ao princípio da verdade material - cf. art. 55.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro) e desenvolvido diligências tendentes a provar que àqueles lançamentos contabilísticos na escrita da sociedade M…, S.A., estão subjacentes efectivos suprimentos realizados pelo Recorrente, nomeadamente, através do recurso ao levantamento do sigilo bancário.
Do que vimos de dizer se conclui que a administração tributária não provou os pressupostos legais vinculativos da sua actuação, nomeadamente, não provou o facto base da presunção (no caso a efectivação de suprimentos por parte do Recorrente desfasados para menos dos rendimentos declarados na proporção legalmente prevista) que justificaria a fixação da matéria tributável de acordo com o estabelecido no artigo 89º-A da LGT e por isso é ilegal o acto de fixação de matéria tributável que foi impugnado pelo Recorrente.
Assim, ao ter decidido em contrário da conclusão que antecede, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento que implica a respectiva revogação e justifica a procedência do presente recurso.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Julgar o recurso judicial procedente e, em consequência, anular o acto de fixação da matéria tributável impugnado.
Custas pelo Recorrido.
Porto, 18 de Janeiro de 2012
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa