Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:1591/20.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/18/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO; INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL; DOCUMENTO ADMINISTRATIVO;
DOCUMENTO NOMINATIVO; ORDEM DOS ADVOGADOS; APOIO JUDICIÁRIO; DADOS PESSOAIS; TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
Sumário:1 - Um cidadão é titular do direito à informação procedimental quando é directamente interessado num procedimento administrativo.

2 - Tendo subjacente o princípio da administração aberta, dispõe o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto [LADA], sob a epígrafe “Direito de acesso”, que qualquer pessoa [o legislador refere “Todos”] tem direito de acesso aos documentos administrativos, compreendendo designadamente a sua consulta e a sua reprodução, sem que para tanto lhe esteja assacado qualquer dever de fundamentar esse seu interesse.

3 - Sendo o Requerente interessado em procedimentos administrativos por si iniciados, no âmbito do quais peticiona a concessão de apoio judiciário e de entre as modalidades legalmente previstas, a atribuição de patrono [que cabe à Requerida Ordem dos Advogados indicar], e estando o mesmo a aguardar a apreciação dessa sua pretensão, ou a aguardar decisão em que foi requerida escusa no seu patrocínio pelo patrono já nomeado, tem nessa medida interesse directo e legítimo em consultar os respectivos processos administrativos, assim como o de obter certidão dos documentos que aí constem, nos termos dos artigos 82.º e 83.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPA.

4 - Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) da LADA, é “Documento administrativo”, qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo 4.º do mesmo diploma [designadamente das Associações públicas, e de entre estas, a Ordem dos Advogados], e “Documento nominativo”, o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais.

5 - Não sendo o direito de acesso um direito absoluto, disciplinou o legislador as situações em que pode ocorrer a sua restrição [Cfr. artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], sendo que em torno do acesso a documentos administrativos nominativos por parte de terceiro, o mesmo só tem direito de acesso se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados a que quer aceder, ou se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.

6 - Para efeitos do disposto no artigo 83.º, n.º 2 do CPA, quando esteja em causa o acesso a “dados pessoais” que constem desses processos administrativos, o Tribunal deve prosseguir pela avaliação em torno de saber se se verificam os termos e os pressupostos determinantes da limitação de acesso, a fim de ser judicialmente aquilatado sobre se aí existem documentos que evidenciem concretas razões que sejam/possam ser justificadoras de uma restrição de acesso por parte do cidadão interessado.

7 – Tendo o Tribunal chamado a si os processos administrativos e analisado a sua integralidade, a fim de constatar dessa concreta existência [ou não], se verificar a existência de documento nominativo portador de “dados pessoais”, estes deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade, envolvendo os direitos fundamentais em presença e o princípio da administração aberta, o que permite assim ao Tribunal formar convicção firme e segura sobre se se justifica a limitação/condicionamento do Requerente ao conhecimento da integralidade dos elementos documentais constantes dos referidos processos administrativos.

8 - Se o Tribunal exclui do acesso à consulta de processos e emissão de certidão os processos em que estão em causa dados de saúde e/ou relativos à reserva da intimidade da vida privada, com fundamento no artigo 83.º, n.º 2 do CPA, por ter constatado ele próprio dessa natureza, está viabilizado o direito do Requerente a uma tutela jurisdicional efectiva, porque o coloca já num patamar de certeza quanto à concreta existência de dados dessa natureza.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Ordem dos Advogados
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - RELATÓRIO

J., veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 08 de abril de 2021, pela qual, em suma, tendo sido julgado verificado o direito do ora Recorrente a consultar ou a que lhe sejam emitidas certidões dos onze processos administrativos por si identificados [atinentes a pedidos de concessão de apoio judiciário e onde os Patronos nomeados deduziram pedido de escusa de patrocínio], mais decidiu que deve a Recorrida Ordem dos Advogados expurgar desse direito de consulta e reprodução, os elementos por si identificados em 3 desses processos relativos à reserva da intimidade da vida privada, onde se inserem os dados nominativos por motivos de saúde dos Senhores Advogados e/ou de seus familiares, bem como, os registos ou as transcrições de mensagens de texto emitidas a partir do dispositivo telefónico dos Senhores Advogados que contenham informações privadas, designadamente, sobre consultas médicas dos próprios ou/e de seus familiares [data ou/e hora da consulta médica].
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No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

B – Conclusões:
1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, através do qual se decidiu que o ora Recorrente tem direito a “Em cumprimento do douto acórdão do TCAN proferido antecedentemente nestes autos, de 08/01/2021, que procedeu à revogação da decisão anteriormente proferida, e depois de analisados todos os dossiers físicos relativos aos procedimentos administrativos de nomeação de patrono [processos n.ºs 34859/2020; 85143/2019; 70332/2020; 105355/2017; 70340/2020; 70351/2020; 70342/2020; 70347/2020; 207026/2019; 110710/2019/também numerado como 141770/2018; 82593/2020/também numerado como 206449/2019] e o seu conteúdo documental, determino, nos termos dos artigos 107.º, n.º 2, e 108.º, n.º 1, do CPTA, que a Ordem dos Advogados faculte ao Requerente a consulta dos procedimentos administrativos em causa ou/e a emissão de certidão dos mesmos, conforme as fls. a indicar pelo ora Impetrante.”
2. Para o efeito o tribunal a quo, considerou que deveria ser expurgada da consulta: Assim sendo, por conterem elementos informativos atinentes à reserva da intimidade da vida privada dos Srs. Advogados e/ou de seus familiares, o Tribunal enuncia os documentos cuja consulta ou certidão não podem ser facultados ao ora Impetrante:
1 – Processo n.º 34859/2020 – fls. 15 e 16 (certificados de incapacidade temporária para o trabalho);
2 – Processo n.º 105355/2017– fls. 21 a 23, 49, 51 (dados sobre viagens aéreas privadas do respectivo Advogado) e 76 (lista e chamadas telefónicas);
3 – Processo n.º 141770/2018/também numerado como 110710/2019 – fls. 211 (factura de pagamento de taxa moderadora em centro hospitalar), 232, 233 e 262 (transcrições de mensagens em texto emitidas a partir do telemóvel do Advogado)
3. Ora, salvo o devido respeito não pode, o ora recorrente, conformar-se com tal decisão, uma vez que, salvo melhor entendimento, o pedido formulado pelo Recorrente subsume-se ao direito de acesso à informação procedimental, na medida em que a documentação em causa integra um procedimento em que o mesmo é diretamente interessado.
4. Pode ler-se na fundamentação de direito que o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 01-02-2017, no âmbito do processo 0991/16 decidiu “Titulares do direito à informação procedimental são os cidadãos directamente interessados num procedimento administrativo, e titulares do direito À informação não procedimental são todos os cidadãos, enquanto membros da comunidade, e interessados na res publicados, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo”.
5. Dissecada a factualidade dada como provada nos autos, o acórdão já proferido, não restam dúvidas que o Recorrente assume um interesse direto nos procedimentos administrativos cuja consulta requereu, afigurando-se manifestamente ilegal a restrição de acesso à integralidade do processo.
6. O recorrente, beneficiário de apoio judiciário, é interessado na informação trocada entre a Ordem dos Advogados e o Advogado, nomeadamente quanto aos motivos que determinam o pedido de escusa que poderão, em abstrato, impedir que a Ordem proceda à nomeação de novo Advogado. Pelo que de modo algum se pode considerar que o aqui, recorrente, é terceiro sem interesse direto nesta relação.
7. Já quanto ao invocado sigilo profissional, é sabido que este visa a proteção do cliente e da relação que se estabelece entre este e o seu advogado. Ora, no que toca aos pedidos de escusa é evidente que não em causa a relação de confiança entre Beneficiário de apoio judiciário e o patrono que pediu escusa, pelo que o Recorrente tem direito a aceder a estes documentos.
8. Devia o tribunal a quo ter observado a jurisprudência dos tribunais superiores e por aplicação do disposto nos art.ºs 268 da CRP, 83 e 85 do CPTA, deferir a consulta integral do processo, sem as limitações impostas e a emissão de cópias e/ou certidões.
9. Ao Decidir o Tribunal que, os certificados de incapacidade para o trabalho não deveriam ser fornecidos, bem como dados sobre viagens lista de chamadas pagamento de taxas e mensagens transcritas do telefone, está a retirar os documentos juntos, que são meios de prova de um pedido de escusa e que podem ser relevantes para a não nomeação de novo patrono.
10. Ora o Advogado ao juntar esse meio de prova, permite o acesso a terceiros sobre esses documentos, e se o mesmo é utilizado para justificar uma escusa, tem o A. direito a saber e verificar a razão de ser da escusa.
11. Aliás, o direito fundamental à «reserva da intimidade da vida privada», e por aplicação direta do artigo 26º, nº1, da CRP, sempre teria de ser conjugado, de acordo com o princípio da proporcionalidade, com o referido direito fundamental à informação [ver artigo 18º da CRP].”
12. Ora quaisquer dados pessoais concretos que devam ser protegidos nos termos da lei, conforme o previsto no artigo 83º nº 2 do CPA novo, deve ser franqueado o pretendido acesso ao processo respeitante aos pedidos de escusa, com emissão e entrega ao requerente, aqui recorrente, das respetivas certidões, pelo que deve proceder a pretensão recursiva dirigida a este Tribunal.
13. Face ao exposto, de facto e direito, entendemos que não existe qualquer obstáculo de ordem legal para a recusa à consulta integral do processo pelo recorrente.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim Justiça!”
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A Recorrida Ordem dos Advogados não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que nas situações em que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteada nas conclusões das suas Alegações resume-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em torno da interpretação dos factos e aplicação do direito, mormente, no que toca à solução jurídica aportada ao pedido formulado pelo Requerente ora Recorrente, na medida em que este entende que não existe nenhum obstáculo de ordem legal para a recusa da consulta integral dos processos, e que deveria o Tribunal a quo ter deferido essa consulta e a emissão de cópias e/ou certidões, sem as limitações impostas à Recorrida Ordem dos Advogados.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Pese embora o Tribunal a quo não tenha fixado na Sentença qual a factualidade que teve como provada, para efeitos da apreciação do presente recurso jurisdicional, e em face do que resulta do seu processado, é possível com toda a segurança jurídica fixar a que segue:

A - A Sentença proferida pelo Tribunal a quo foi prolatada nos termos e para efeitos de cumprimento do Acórdão deste TCA Norte, datado de 08 de janeiro de 2021, já proferido nestes autos – Cfr. fls. dos autos;

B - Naquele Acórdão, foi por nós fixada a factualidade que segue:

1 - O Requerente dirigiu ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados vários pedidos de consulta de processo administrativo, e possível passagem de certidão dos referidos processos [cfr. doc.s n.ºs 1 e 5 juntos com o Requerimento inicial que motiva os autos], a saber:

- Em 02 de Julho de 2020 a consulta do processo com o NP110710/2019;
- Em 01 de Julho de 2020 a consulta do processo com o NP82593/2020;
- Em 23 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP34859/2020;
- Em 23 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP85143/2019
- Em 18 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70332/2020;
- Em 18 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP105355/2017
- Em 16 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70340/2020;
- Em 16 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70351/2020;
- Em 15 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70342/2020;
- Em 09 de Junho de 2020 a consulta do processo com o NP70347/2020;
- Em 26 de Março de 2020 a consulta ao processo com o NP207026/2019.

2 - Esses processos são relativos a pedidos de concessão de apoio judiciário que havia sido requerido pelo ora Recorrente.

3 - A consulta dos processos foi apenas permitida em alguns processos, com a expurgação dos pedidos de escusa de patrocínio apresentados pelos Advogados, e noutros ainda nem obteve resposta [Cfr. docs. n.ºs 2 e 6 juntos com o Requerimento inicial que motiva os presentes autos].

4 - A final da Petição inicial que motivou os autos, o Requerente formulou pedido do seguinte teor: “Nestes termos, deve a presente ação de intimação ser julgada procedente, por provada, e em consequência, ser o requerido intimado a facultar a consulta da integralidade dos processos com o NP110710/2019; NP82593/2020; NP34859/2020; NP85143/2019; NP70332/2020; NP105355/2017; NP70340/2020; NP70351/2020; NP70342/2020; NP70347/2020;NP207026/2019 e passagem de certidão dos documentos que vierem a ser selecionados para esse fim, bem como, a emissão de cópia ou certidão da notificação referida no oficio nr 1252/2020-AS, bem como a consulta integral do processo.”

5 – Tendo sido regularmente citada para os termos dos autos, a Ordem dos Advogados neles nada disse.

C – Precedendo despachos do Tribunal a quo, datados de 17 de fevereiro de 2021 e 12 de março de 2021, foi determinado que a Recorrida Ordem dos Advogados remetesse ao Tribunal, em formato físico, impressos de forma legível e ordenados cronologicamente com caracter de confidencialidade (lacrados), os processos administrativos identificados no artigo 1.º do Requerimento inicial – Cfr. fls. dos autos;

D - Por ofício datado de 24 de março de 2021, a Recorrida remeteu ao Tribunal recorrido, em duas caixas lacradas, 11 [onze] processos administrativos em formato físico e devidamente numerados – Cfr. fls. dos autos;

E – O Tribunal a quo consultou esses 11 [onze] processos administrativos, tendo apreciado e decidido pela Sentença recorrida que em 3 [três] deles, a Recorrida não podia facultar a consulta e/ou a reprodução ao ora Recorrente, de concretas folhas por si identificadas, por conterem elementos informativos atinentes à reserva da intimidade da vida privada dos Senhores Advogados e /ou dos seus familiares – Cfr. fls. dos autos.
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 08 de abril de 2021, pela qual, em suma, tendo sido julgado verificado o direito do ora Recorrente a consultar ou a que lhe sejam emitidas certidões dos onze processos administrativos por si identificados [atinentes a pedidos de concessão de apoio judiciário e onde os Patronos nomeados deduziram pedido de escusa de patrocínio], mais decidiu que deve a Recorrida Ordem dos Advogados expurgar desse direito de consulta e reprodução, os elementos documentais por si identificados em 3 desses processos, que são relativos à reserva da intimidade da vida privada dos Senhores Advogados e/ou de seus familiares, bem como, os registos ou as transcrições de mensagens de texto emitidas a partir do dispositivo telefónico dos Senhores Advogados que contenham informações privadas, designadamente, sobre consultas médicas dos próprios ou/e de seus familiares [data ou/e hora da consulta médica].

Com o assim decidido não concorda o Recorrente, o qual explanou no âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso, em suma, que é “… manifestamente ilegal a restrição de acesso à integralidade do processo.” – Cfr. conclusão 5 -, e que “Devia o tribunal a quo ter observado a jurisprudência dos tribunais superiores e por aplicação do disposto nos art.ºs 268 da CRP, 83 e 85 do CPTA [leia-se CPA] deferir a consulta integral do processo, sem as limitações impostas e a emissão de cópias e/ou certidões.“ – Cfr. conclusão 8 -, e bem assim, que “Ao Decidir o Tribunal que, os certificados de incapacidade para o trabalho não deveria ser fornecidos, bem como dados sobre viagens lista de chamadas pagamento de taxas e mensagens transcritas do telefone, está a retirar os documentos juntos, que são meios de prova de um pedido de escusa e que podem ser relevantes para a não nomeação de novo patrono.“ – Cfr. conclusão 9 -, rematando a final no sentido de que “… quaisquer dados pessoais concretos que devam ser protegidos nos termos da lei, conforme o previsto no artigo 83º nº 2 do CPA novo, deve ser franqueado o pretendido acesso ao processo respeitante aos pedidos de escusa, com emissão e entrega ao requerente, aqui recorrente, das respetivas certidões, pelo que deve proceder a pretensão recursiva dirigida a este Tribunal.“, por considerar [o Recorrente] que “…não existe qualquer obstáculo de ordem legal para a recusa à consulta integral do processo…” – Cfr. conclusões 12 e 13.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Como extraído supra, o Recorrente sustentou a sua pretensão recursiva que sintetizou a final das suas conclusões, na ocorrência de erro de julgamento em torno da solução jurídica decorrente da aplicação do direito, e que por essa razão deve assim ser concedido provimento ao recurso e consequentemente, proferido acórdão revogando a decisão recorrida, e no fundo e a final, dando provimento à sua pretensão no sentido de ter acesso à integralidade dos processos em causa.

Neste patamar, cumpre para aqui extractar a essência da Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Em cumprimento do douto acórdão do TCAN proferido antecedentemente nestes autos, de 08/01/2021, que procedeu à revogação da decisão anteriormente proferida, e depois de analisados todos os dossiers físicos relativos aos procedimentos administrativos de nomeação de patrono [processos n.ºs 34859/2020; 85143/2019; 70332/2020; 105355/2017; 70340/2020; 70351/2020; 70342/2020; 70347/2020; 207026/2019; 110710/2019/também numerado como 141770/2018; 82593/2020/também numerado como 206449/2019] e o seu conteúdo documental, determino, nos termos dos artigos 107.º, n.º 2, e 108.º, n.º 1, do CPTA, que a Ordem dos Advogados faculte ao Requerente a consulta dos procedimentos administrativos em causa ou/e a emissão de certidão dos mesmos, conforme as fls. a indicar pelo ora Impetrante.
Contudo, a consulta ou a emissão de certidão não pode abranger a totalidade dos documentos insertos nos indicados procedimentos administrativos, devendo a Ordem dos Advogados expurgar desse direito de informação os elementos relativos à reserva da intimidade da vida privada dos causídicos, onde se inserem os dados nominativos por motivos de saúde dos Srs. Advogados e/ou de seus familiares, bem como, os registos ou as transcrições de mensagens de texto emitidas a partir do dispositivo telefónico dos Srs. Advogados que contenham informações privadas, designadamente, sobre consultas médicas dos próprios ou/e de seus familiares [data ou/e hora da consulta médica].
No que toca aos restantes elementos documentais, em particular, à correspondência trocada entre os Advogados nomeados e a Ordem dos Advogados, a propósito dos pedidos de escusa, acolhe-se nestes autos o entendimento já sufragado no douto acórdão do TCAN, de 29/05/2020, proferido no processo sob o n.º 03341/19.0BEPRT, “in” www.dgsi.pt, destacando-se o seu sumário, como segue: “I -O pedido de escusa apresentado por advogado nomeado no âmbito do patrocínio judiciário, constitui um incidente enxertado no procedimento de proteção jurídica, a cuja documentação trocada entre o advogado nomeado e a Ordem dos Advogados (OA), o beneficiário do apoio judiciário tem direito a aceder, não se tratando de matérias abrangidas por segredo profissional, podendo quanto muito tais documentos conterem «dados pessoais», situação em que se impõe que tais dados sejam expurgados de acordo com um juízo de proporcionalidade.
II -O beneficiário do apoio judiciário não pode ser visto como alguém à margem do processo de apoio judiciário, quer na fase em que o processo corre na Segurança Social, quer na fase em que corre pela Ordem Advogados, pelo que qualquer incidente que venha a ser deduzido, como é o caso de pedido de escusa, diz-lhe respeito, tratando-se de um processo que tem como partes quem nomeia, o nomeado e o beneficiário.
III - O segredo profissional é fixado essencialmente como correlativo deontológico da relação de confiança que se estabelece entre o advogado e respetivo cliente pelo que os pedidos de escusa, dirigidos à OA, não caiem sob a alçada do sigilo profissional”

Assim sendo, por conterem elementos informativos atinentes à reserva da intimidade da vida privada dos Srs. Advogados e/ou de seus familiares, o Tribunal enuncia os documentos cuja consulta ou certidão não podem ser facultados ao ora Impetrante:
1 – Processo n.º 34859/2020 – fls. 15 e 16 (certificados de incapacidade temporária para o trabalho);
2 – Processo n.º 105355/2017– fls. 21 a 23, 49, 51 (dados sobre viagens aéreas privadas do respectivo Advogado) e 76 (lista e chamadas telefónicas);
3 – Processo n.º 141770/2018/também numerado como 110710/2019 – fls. 211 (factura de pagamento de taxa moderadora em centro hospitalar), 232, 233 e 262 (transcrições de mensagens em texto emitidas a partir do telemóvel do Advogado).
A Ordem dos Advogados tem agora o prazo de 10 (dez) dias para cumprir com o atrás determinado, após o trânsito em julgado da presente decisão, atendendo ao previsto no artigo 108.º, n.º 1, do CPTA, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória, conforme o estipulado no n.º 2 do citado comando legal. Deve a secretaria, de imediato, voltar a lacrar as caixas que contêm os processos administrativos em causa, guardando-as em local fechado e seguro, devolvendo-as, após o trânsito, à Ordem dos Advogados para que se cumpra o determinado nesta decisão.
[...]“
Fim da transcrição

Esta Sentença do Tribunal recorrido foi prolatada na sequência do Acórdão deste TCA Norte, datado de 08 de janeiro de 2021, no qual foi decidido, entre o mais, o que para aqui se extracta como segue:
Início da transcrição
“[...]
Como assim julgamos, o que o Tribunal a quo apreciou foi que, na eventualidade de constarem nesses processos administrativos documentos atinentes a dados de saúde ou a segredo profissional de advogado/patrono, que esse conhecimento estava vedado ao Requerente, ou seja, que a Ordem dos Advogados, com esse fundamento, podia limitar o acesso a partes dos processos, sem que, todavia, o Requerente possa saber, por qualquer forma, se tal lhe for oposto pela entidade requerida [a AO], se na verdade assim se verifica, pois que efectivamente nunca terá acesso a esses elementos, pois que estão/estarão sempre vedados ao seu conhecimento.
[…]
Não tendo a Recorrida Ordem dos Advogados deduzido pronúncia [Resposta, nos termos do artigo 107.º, n.º 1 do CPTA] quanto à pretensão do Requerente, ora Recorrente, isto é, que em face da pretensão por si deduzida nos autos junto do Tribunal recorrido, a Recorrente a tanto não deduziu oposição, nem nada disse nos autos quanto ao pedido formulado pelo Requerente, fica este TCAN sem saber se nos processos administrativos constam, efectivamente, documentos atinentes a dados de saúde e/ou de segredo profissional do/s Advogado/s Patrono/s que lhe foram nomeados, incluindo pedidos de escusa.
É que esse conhecimento tem de ser efectivo, pois que não pode ser a Ordem dos Advogados a delimitar e qualificar a existência nesses documentos [que existam] de dados que devam ser protegidos, por serem relativos a terceiro e que só a este dizem respeito e a que o Requerente não deva ter acesso.
Na tese sustentada pelo Requerente, ora Recorrente, o mesmo deve ter acesso quer à consulta quer à emissão de certidão da documentação em causa, patenteada nos identificados processos administrativos, porque esses processos lhe dizem especialmente respeito e de que é por isso parte interessada, para além de que neles não consta documentação abrangida por dados pessoais de terceiro, de saúde ou segredo profissional [Cfr. conclusões 3 e 4 das Alegações].
[…]
Assim é que, para efeitos de tomar a decisão sob recurso [na parte em que, a final, vem a limitar o direito de acesso do Requerente a informação/documentos que reputa ser-lhe devidos, quando, na realidade, não se sabe se nesses documentos estão ou não respaldados dados pessoais, mormente, dados de saúde e/ou de segredo profissional], tornava-se necessário que o Tribunal a quo, para decidir com a ambiência restritiva com que decidiu, tivesse chamado a si esses processos e analisado a sua integralidade, a fim de constatar dessa concreta existência [ou não], sendo que, verificada a existência de documento portador de “dados pessoais”, sempre os mesmos deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade, entre o que é o interesse público e o interesse particular, o que permitiria ao Tribunal a quo ter formado convicção firme e segura sobre se se justificava o acesso, condicionado/limitado, do Requerente aos referidos processos administrativos.
[...]“
Fim da transcrição

Na Sentença recorrida sobre que se debruçou o Acórdão antecedente, do que para aqui se extracta parte dela, o Tribunal recorrido sentenciou como segue:

Início da transcrição
“[…]
O Requerente, porque na qualidade de interessado, tem o direito de consultar os indicados processos e o direito de obter certidão dos documentos que constem desses mesmos processos, conforme o previsto no artigo 83.º, n.ºs 1 e 3, do CPA, enquanto expressões máximas do direito à informação preconizado no artigo 82.º do mesmo diploma legal.
[…]
Ainda assim, o direito de informação em causa deve ser equilibrado com a salvaguarda de outros direitos conflituantes, como seja, o direito à protecção de dados pessoais de terceiros, conforme preceitua o artigo 83.º, n.º 2, do CPA, mormente, dados relativos à saúde (incluindo dos advogados ou patronos nomeados ou com pedido de escusa).
Mas não só. Entende-se que do direito à informação devem ser também excluídos os documentos que revelem elementos adstritos ao segredo profissional dos advogados envolvidos, tendo em vista o cumprimento do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Ante o exposto, dando provimento parcial ao processo, intimo a Ordem dos Advogados para permitir ao ora Requerente a consulta dos processos administrativos identificados no requerimento inicial, bem como, a extracção de certidão dos documentos que o mesmo venha a indicar, excluindo dessa consulta e emissão de certidão, todavia, os documentos em que constem dados de saúde ou/e que revelem segredo profissional de advogado/patrono.
[…]”
Fim da transcrição

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, é “Documento administrativo”, qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo 4.º do mesmo diploma [designadamente das Associações de direito público, e de entre estas, a Ordem dos Advogados], e “Documento nominativo”, o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais.

Por seu turno, e tendo subjacente o princípio da administração aberta, dispõe o artigo 5.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Direito de acesso”, que qualquer pessoa [o legislador refere “Todos”] tem direito de acesso aos documentos administrativos, compreendendo designadamente a sua consulta e a sua reprodução, sem que para tanto lhe esteja assacado qualquer dever de fundamentar esse seu interesse.

De todo o modo, porque esse direito de acesso não é um direito absoluto, disciplinou o legislador as situações em que pode ocorrer a restrição desse direito [Cfr. artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], sendo que em torno do acesso a documentos administrativos nominativos, dispôs que um terceiro só tem direito de acesso a eles se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados a que quer aceder, ou se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação [Cfr. n.º 5 do referido artigo 6.º].

Aquele artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto foi alterado pelo artigo 65.º da Lei n.º 58/2019 de 8 de agosto [que assegura a execução, na ordem jurídica interna, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, designado abreviadamente por Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD)], que lhe introduziu um novo normativo, o n.º 9, que para aqui extraímos como segue:

“9 - Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos.

Aqui chegados.

Como então apreciamos por aquele nosso Acórdão, o Tribunal a quo julgou que o direito à informação por parte do Requerente, na sua relação com a Ordem dos Advogados, não podia ser concebido em termos de o mesmo poder conhecer todo o teor do constante nos identificados processos administrativos, pois que tinha de ser preservado o direito à protecção de dados pessoais de terceiros [segundo a perspectiva de que são intervenientes na relação jurídica administrativa, a Ordem dos Advogados enquanto Associação de direito público, e os Advogados visados nela inscritos] como assim dispõe o artigo 83.º, n.º 2, do CPA, e nessa medida, que o Requerente não podia ter acesso integral aos teor dos processos, ou seja, que podendo o Requerente aceder a esses processos [pela sua consulta e passagem de certidão] que de todo o modo, se neles se encontrarem documentos atinentes a dados de saúde ou segredo profissional de advogado/patrono que lhe foi nomeado, que o Requerente não pode a eles aceder, logo aquando da sua consulta.

Como assim veio a apreciar o Tribunal a quo pela sua Sentença datada de 30 de setembro de 2020, o impedimento de acesso integral aos documentos constantes dos processos administrativos devia ocorrer se estivéssemos perante situações de facto que estão legalmente previstas como justificativas da restrição no acesso à informação em causa, como disposto no artigo 6.º da LADA, que a Requerida Ordem dos Advogados devia identificar, sendo que, por via do nosso Acórdão datado de 08 de janeiro de 2021, esses documentos que cairiam no regime de salvaguarda do seu conhecimento, foram objecto da apreciação e conhecimento do próprio Tribunal a quo, tendo por si sido enquadrados numa das categorias previstas no artigo 6.º da LADA, mormente, como decorrência do disposto no seu artigo 5.º, ex vi artigo 3.º, n.º 1, alínea b), também da LADA.

Conforme assim dispõe o artigo 5.º, n.º 1 da LADA, “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.

De todo o modo, há situações em que o legislador entendeu que o direito de acesso deve ser restringido, situações essas que foram por si elencadas no artigo 6.º da LADA, sendo o caso dos documentos elencados nos n.ºs 1 a 6 deste mesmo normativo, designadamente, os “documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco interesses fundamentais do Estado”, os “documentos protegidos por direitos de autor ou direitos conexos designadamente os que se encontrem na posse de museus, bibliotecas e arquivos, bem como os documentos que revelem segredo relativo à propriedade literária, artística, industrial ou científica”, os “documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos”, os “documentos nominativos”, e os “documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa”.

Nos termos do n.º 7 do referido artigo, para além das demais restrições previstas, a interdição de acesso aos documentos administrativos, ou o seu acesso restrito por decisão do órgão competente, apenas poderá manter-se durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses relevantes.

Atentos os pedidos de consulta e emissão de certidão que haviam sido formulados pelo Requerente, a sua pretensão tem enquadramento no âmbito do direito à informação procedimental, na medida em que aqueles se enquadram em procedimentos administrativos em curso na Recorrida, em cujo processado o Requerente é visado.

Dada a natureza jurídica da Recorrida, os documentos contidos nos processos administrativos são documentos administrativos, que assim são definidos como “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a: i) procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos; ii) procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados; iii) gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades; iv) gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas” [Cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea a) da LADA].

Sendo certo que navegamos no domínio do acesso a informação procedimental, pois que estamos em presença de procedimentos em que os requerentes [dos pedidos de escusa] visam obstar a que sejam nomeados e/ou que continuem como Patronos do Requerente ora Recorrente, de todo o modo a informação que deles [processos] conste não pode, à partida, ter-se toda ela como de acesso generalizado tendo subjacente o disposto nos artigos 5.º e 12,º, ambos da LADA.


Ora, na Sentença prolatada pelo Tribunal a quo, que constitui o objecto do presente recurso jurisdicional, e em cumprimento do Acórdão prolatado, o julgador procedeu à consulta de cada um dos 11 processos administrativos, tendo vindo a constatar da existência em 3 deles de documentos nominativos contendo dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais [cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea b) da LADA], que não eram passíveis de ser conhecidos pelo Requerente ora Recorrente.

No processo n.º 34859/2020, o Tribunal identificou as suas folhas 15 e 16, como sendo relativas a certificados de incapacidade temporária para o trabalho; no processo n.º 105355/2017, identificou as folhas 21 a 23, 49 e 51, no sentido de que eram relativas a dados sobre viagens aéreas privadas do respectivo Advogado, assim como a folha 76, como sendo relativa a uma lista e chamadas telefónicas; no processo n.º 141770/2018 [também numerado como 110710/2019], identificou a folha 211, como sendo relativa a factura de pagamento de taxa moderadora em centro hospitalar, e as folhas 232, 233 e 262, como sendo relativas a transcrições de mensagens em texto emitidas a partir do telemóvel do Advogado.

Neste patamar.

Despois de também este Tribunal Superior ter compulsado esses três processos, constatou uma realidade factual um pouco diferente.

Efectivamente, no processo n.º 34859/2020, as folhas 15 e 16, são atinentes a certificados de incapacidade temporária para o trabalho relativamente à Senhora Advogada R., no mês de junho de 2020.

Porém, no processo n.º 105355/2017, as folhas 21 a 23 são relativas ao requerimento atinente ao pedido de escusa que a Senhora Advogada C. dirigiu à Recorrida, e as folhas 49 e 51 são relativas a dados sobre um plano de viagem intercontinental do Senhor Advogado C. no mês de novembro de 2017, e que a folha 76 é uma fotocópia de um “print screen” envolvendo um número de telefone fixo de onde foi feita/tentada uma chamada telefónica, ou aí recebida, fotocópia essa que está anexa a um requerimento do Requerente, ora Recorrente, que foi por si enviado por correio electrónio em 16 de novembro de 2017, e essa fotocópia é referida no ponto 5 desse seu mail.

Por sua vez, no processo n.º 141770/2018 [também numerado como 110710/2019], constatamos que as folhas 211 e 262 se tratam do mesmo documento, e que é relativo a uma factura de pagamento de taxa moderadora relativa a um episódio de urgência em centro hospitalar no dia 01 de julho de 2019, e que as folhas 232 e 233 são relativas a impressões [“print screen”] de SMS trocadas entre o Requerente, ora Recorrente, e a Senhora Advogada A., que o ora Recorrente tinha anexado a um requerimento que enviou à Recorrida Ordem dos Advogados.

Está subjacente à lide a formulação de pedidos de escusa por parte de patronos nomeados ao ora Recorrente por parte da Recorrida Ordem dos Advogados no âmbito de pedidos de apoio judiciário que aquele formulou junto da Segurança Social.

Como resulta do probatório, dos 11 processos administrativos em que o ora Recorrente foi visado/interveniente, 8 deles foram apreciados e decididos pelo Tribunal a quo como sendo de acesso integral, ou seja, que a Recorrida não podia colocar qualquer entrave ao conhecimento do teor de quaisquer folhas que os integrem, por estar em causa mera informação procedimental. Já quanto a 3 desses processos, identificou o Tribunal a quo por que termos e pressupostos é que o Requerente ora Recorrente não podia aceder aos concretos elementos documentais.

E é inquestionável que, sejam os certificados de incapacidade temporária para o trabalho, constantes das folhas 15 e 16 do processo n.º 34859/2020, sejam os dados sobre a realização de viagens aéreas privadas, constantes das folhas 49 e 51 do processo n.º 105355/2017, seja ainda a factura de pagamento de taxa moderadora relativa a um episódio de urgência em centro hospitalar no dia 01 de julho de 2019, constante das folhas 211 e 262 do processo n.º 141770/2018 [também numerado como 110710/2019], são documentos administrativos nominativos contendo dados pessoais, que no balanceamento entre o que é a pretensão intimatória do Requerente ora Recorrente [e o seu direito fundamental à consulta e reprodução] e a esfera de direitos do/da Advogado/a [direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada], não se interpõe nenhuma razão digna de ponderação para que o Requerente ora Recorrente possa ter um acesso incondicional a esses dados.

Quanto aos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, porque assim estão denominados, e sendo certo que foram emitidos por médico integrado no Serviço Nacional de Saúde em impresso próprio, e também, quanto aos dados sobre viagens e aos dados sobre pagamento de taxa moderada em centro hospitalar, se esses documentos foram em si [ou se vêm a ser] o documento de base [directa ou indirecta] para a consideração por parte da Recorrida Ordem dos Advogados, de que deve ser deferido o pedido de escusa do patrono, tal há-de vir a ser respaldado na fundamentação do acto que o venha a considerar.

Já quanto às folhas 21 a 23, e 76, constantes do processo n.º 105355/2017, não dilucidamos fundamento para que possam ser considerados como contendo dados pessoais, e cujo conhecimento deva por isso estar arredado do aceso do Requerente ora Recorrente.

Efectivamente, as folhas 21 a 23 são relativas ao requerimento em que a Senhora Advogada alega e fundamenta o pedido de escusa, sendo a final, um documento de trâmite procedimental, cujo conhecimento, no quadro do princípio da proporcionalidade, não pode ser afastado do conhecimento do Requerente ora Recorrente. E por sua vez, a folha 76, sendo uma fotocópia de um “print screen” envolvendo um número de telefone fixo de onde foi feita/tentada uma chamada telefónica, ou aí recebida, e estando anexa a um requerimento do próprio Requerente, ora Recorrente, que foi por si enviado por correio electrónio em 16 de novembro de 2017, e essa fotocópia é referida no ponto 5 desse seu mail, trata-se a final, de um documento que é da sua autoria.

Outro tanto quanto às transcrições de mensagens em texto emitidas a partir do telemóvel do/a Senhor/a Advogado/a, a que se reportam as folhas 232 e 233 do processo n.º 141770/2018 [também numerado como 110710/2019], pois são relativas a impressões [“print screen”] de SMS trocadas entre o Requerente, ora Recorrente, e a Senhora Advogada A., e que o ora Recorrente anexou a uma requerimento que enviou a Recorrida Ordem dos Advogados, trata-se também, a final, de um documento que é da sua autoria.

Assim, no balanceamento entre o que é o direito fundamental do Requerente no acesso à informação procedimental e o direito fundamental da reserva da vida privada do cidadão [ou dos seus familiares, como assim sinalizou o Tribunal a quo] a que se reportam esses dados pessoais, o facto de o Recorrente alegar que esses dados [os constante das fls. 15 e 16 do processo n.º 34859/2020, das folhas 49 e 51 do processo n.º 105355/20176, e das folhas 211 e 262 do processo n.º 141770/2018] foram indicados como prova, só por si, não é facto/questão essencial para que esse seu direito se sobreponha ao direito do cidadão a quem se reportam esses dados constantes dos documentos nominativos.

É certo que o Requerente tem direito a aceder à informação procedimental.

Porém, tendo sido identificados naqueles 3 processos administrativos, documentos que contêm dados pessoais de terceiro [no entendimento por nós prosseguido, de que não são dados do Requerente, nem da entidade Requerida] que estão a coberto do regime legal de proteção de dados pessoais, face ao expendido supra, fica na disponibilidade do conhecimento do Requerente informação mais do que adequada, pois passa a saber qual a natureza e o âmbito desses dados, podendo dessa forma exercer um melhor controlo da decisão que a Recorrida venha a proferir sobre os pedidos de escusa formulados pelos patronos em causa.

Daí que, e em suma, constituindo as folhas por nós identificadas dos processos em causa, documentos administrativos nominativos, que contêm dados pessoais, assim entendidos por conterem juízos de valor ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada, não pode o Requerente a eles aceder, ou melhor, está-lhe vedada a consulta e reprodução desses documentos a coberto do disposto nos artigos 6.º, n.º 5 [ex vi artigo 3.º, n.º 1, alínea b)] da LADA.

Com efeito, julgamos justificada a negação do acesso à informação [consulta e reprodução], pois no quadro do princípio da proporcionalidade, o interesse relevante que o Requerente invoca para o conhecimento desses documentos não pode sobrepor-se ao direito dos cidadãos visados pelos documentos administrativos em causa, já que está em causa a reserva da intimidade da vida privada destes.

De maneira que, a pretensão recursiva merece parcial provimento.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Intimação para passagem de certidão; Informação procedimental; Documento administrativo; Documento nominativo; Ordem dos Advogados; Apoio judiciário; Dados pessoais; Tutela jurisdicional efectiva.

1 - Um cidadão é titular do direito à informação procedimental quando é directamente interessado num procedimento administrativo.

2 - Tendo subjacente o princípio da administração aberta, dispõe o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto [LADA], sob a epígrafe “Direito de acesso”, que qualquer pessoa [o legislador refere “Todos”] tem direito de acesso aos documentos administrativos, compreendendo designadamente a sua consulta e a sua reprodução, sem que para tanto lhe esteja assacado qualquer dever de fundamentar esse seu interesse.

3 - Sendo o Requerente interessado em procedimentos administrativos por si iniciados, no âmbito do quais peticiona a concessão de apoio judiciário e de entre as modalidades legalmente previstas, a atribuição de patrono [que cabe à Requerida Ordem dos Advogados indicar], e estando o mesmo a aguardar a apreciação dessa sua pretensão, ou a aguardar decisão em que foi requerida escusa no seu patrocínio pelo patrono já nomeado, tem nessa medida interesse directo e legítimo em consultar os respectivos processos administrativos, assim como o de obter certidão dos documentos que aí constem, nos termos dos artigos 82.º e 83.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPA.

4 - Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) da LADA, é “Documento administrativo”, qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo 4.º do mesmo diploma [designadamente das Associações públicas, e de entre estas, a Ordem dos Advogados], e “Documento nominativo”, o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais.

5 - Não sendo o direito de acesso um direito absoluto, disciplinou o legislador as situações em que pode ocorrer a sua restrição [Cfr. artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], sendo que em torno do acesso a documentos administrativos nominativos por parte de terceiro, o mesmo só tem direito de acesso se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados a que quer aceder, ou se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.

6 - Para efeitos do disposto no artigo 83.º, n.º 2 do CPA, quando esteja em causa o acesso a “dados pessoais” que constem desses processos administrativos, o Tribunal deve prosseguir pela avaliação em torno de saber se se verificam os termos e os pressupostos determinantes da limitação de acesso, a fim de ser judicialmente aquilatado sobre se aí existem documentos que evidenciem concretas razões que sejam/possam ser justificadoras de uma restrição de acesso por parte do cidadão interessado.

7 – Tendo o Tribunal chamado a si os processos administrativos e analisado a sua integralidade, a fim de constatar dessa concreta existência [ou não], se verificar a existência de documento nominativo portador de “dados pessoais”, estes deverão ser protegidos numa linha de proporcionalidade, envolvendo os direitos fundamentais em presença e o princípio da administração aberta, o que permite assim ao Tribunal formar convicção firme e segura sobre se se justifica a limitação/condicionamento do Requerente ao conhecimento da integralidade dos elementos documentais constantes dos referidos processos administrativos.

8 - Se o Tribunal exclui do acesso à consulta de processos e emissão de certidão os processos em que estão em causa dados de saúde e/ou relativos à reserva da intimidade da vida privada, com fundamento no artigo 83.º, n.º 2 do CPA, por ter constatado ele próprio dessa natureza, está viabilizado o direito do Requerente a uma tutela jurisdicional efectiva, porque o coloca já num patamar de certeza quanto à concreta existência de dados dessa natureza.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em conceder parcial provimento ao recurso, revogando parte do segmento decisório da Sentença recorrida, apenas no que é atinente à enunciação dos documentos cuja consulta ou certidão não podem ser facultados ao Requerente ora Recorrente, e que por facilidade a seguir se enunciam:

1 – Processo n.º 34859/2020 – fls. 15 e 16 (certificados de incapacidade temporária para o trabalho);
2 – Processo n.º 105355/2017– fls. 49 e 51 (dados sobre viagens aéreas privadas do respectivo Advogado);
3 – Processo n.º 141770/2018/também numerado como 110710/2019 – fls. 211 e 262 (factura de pagamento de taxa moderadora em centro hospitalar).
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Custas a cargo do Recorrente e da Recorrida, que fixamos em partes iguais – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e artigos 6.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1, alínea b), ambos do RCP, que nesta instância não são devidas pela Recorrida, por não ter contra alegado.
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Notifique.
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Mais volte a lacrar as caixas que contêm os processos administrativos remetidos aos autos pela Recorrida Ordem dos Advogados, guardando-as em local fechado e seguro, para que, após o trânsito em julgado, sejam as mesmas devolvidas à Ordem dos Advogados, para que se cumpra o determinado.
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Porto, 18 de junho de 2021.

Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira