Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00989/09.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/29/2012
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ARTIGO 24º, Nº 1, ALÍNEA B) DA LGT
CULPA PELO NÃO PAGAMENTO DE IMPOSTO
Sumário:I. Nos termos do artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT, o que releva para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração é a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores da sociedade a falta de pagamento ou de entrega do imposto.
II. Assim, o gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto tem que demonstrar, em sede de oposição à execução fiscal, que a falta desse pagamento não lhe é imputável.
III. A prova de que a falta de do pagamento do imposto não lhe é imputável passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gerente.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
António…, com domicílio no Lugar…, Tarouca, contribuinte fiscal n.º 2…, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a oposição que deduziu contra a execução fiscal n.º 2690200701000233 do Serviço de Finanças de Tarouca, instaurada contra a sociedade “M... - Construções, Lda” para cobrança coerciva de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2004 e 2006, e contra si revertida, interpôs o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, concluindo da seguinte forma as suas alegações:
«1. - O oponente não tem culpa de a devedora originária não ter bens para cumprir com as dívidas tributárias, cf. Art.° 24° da LGT.».
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer o recurso e declarou competente para esse efeito este Tribunal Central Administrativo Norte.
Remetidos os autos a este Tribunal, o Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir:
A questão a decidir, delimitada pelas conclusões de recurso, é a seguinte:
- Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que o executado ora recorrente não logrou afastar a presunção legal de que a falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas lhe é imputável.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II-1. DE FACTO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu deu como provada a seguinte factualidade (que se transcreve):
Compulsados os autos, analisada a prova testemunhal e documental, dão-se como provados os seguintes factos:
«A) A Fazenda Pública instaurou, em 23-01-2007, n.º 2690200701000233, a que se apensou outro processo, instaurados para cobrança coerciva de dívidas de IVA de 2004 e 2006, tendo a executada “M... Construções Lda.”, sido citada em 26-02-2007, conforme ponto 4 da informação de fls. 18 e docs. De fls. 10 e 11 aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais documentos e folhas do processo que doravante se referirão;
B) O Órgão de Execução fiscal, em 19-03-2009 lavrou projecto de decisão (de reversão), onde se consignou:
“A executada constitui-se por Contrato de Sociedade Comercial por Quotas … lavrado em 16-04-2001 …
Iniciou actividade para efeitos fiscais em 18-04-2001 …
não são conhecidos quaisquer bens penhoráveis em nome da firma
Os sócios gerentes, de direito e de facto, da executada são:
António …”.
Aludindo ao provecto de decisão vindo de referir, apreciando o alegado pelo Oponente em sede de audiência prévia, e consequentes diligências realizadas, em 23.04.2009 foi proferido o seguinte despacho:
“…tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153º, nº2 a. a) do Código de Procedimento e de processo tributário ordeno a reversão da execução contra o João Manuel da Silva Pinto Correia … nos termos dos artigos 23º e 24º da Lei Geral Tributária e artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias …”, cfr. doc. de fls. 19 a 39;
C) O Oponente foi citado do despacho vindo de aludir, em 05-05-2009 e apresentou, em 04-06-2009, a Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, vide fls. 40, 41, destes autos;
D) As dívidas exequendas foram originadas, no essencial, em inspecção à originária devedora “M... Construções Lda” realizada em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI 200500018, cfr. informação de fls. 19, mormente o ponto 1;
E) O Oponente, juntamente com os dois outros sócios da originária devedora, era pessoa trabalhadora, preocupada com os seus trabalhadores, controlando o trabalho que estes faziam, vide depoimento das primeiras cinco testemunhas as quais nesta parte demonstraram conhecer o Oponente e demais sócios pois que ou foram TOC ou empregado deste; trabalhadores da originária devedora ou empresa de que todos eram também sócios, a M….
II II Factos não provados
Não se provaram os factos vertidos sob os artigos 10º a 13º da petição inicial. Os demais artigos constituem meras asserções e considerações pessoais do Oponente ou conclusões de facto e/ou direito.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal no teor dos documentos e depoimentos das testemunhas referidos em cada uma das alíneas dos factos provados e nos referidos no antecedente parágrafo.
Sobre os factos provados e não provados cumpre referir que na petição inicial se alega no artigo 2º a “crise financeira da sociedade” mas não é minimamente explicada; nada sabemos da sua origem. Por exemplo se ela se deveu ao facto de os seus clientes não liquidarem os débitos para com a originária devedora. Contrariando um pouco o que se veio de dizer podemos referir que dos artigos 10º a 12º da petição inicial a crise financeira se deveu ao facto “de o Oponente não poder adivinhar que a sociedade, devedora principal viesse a ter liquidações adicionais para pagamento. Pelo que como era de todo impossível a sociedade manter-se operacional com as dívidas fiscais resultantes das liquidações adicionais, veio-se a parar a actividade empresarial.”
Sobre a crise financeira da sociedade ao nível dos documentos nada foi junto e as duas primeiras testemunhas ou referiram-se a factos não alegados ou produziram depoimento abonatório sem incisão factual concreta. Por exemplo, a 2ª testemunha, a contabilista da originária devedora disse que se limitava a contabilizar, lançar as facturas nada sabendo sobre os salários dos trabalhadores desconhecendo inclusive o extracto de contas.
As duas testemunhas seguintes também emitiram opinião abonatória sobre os gerentes mas não especificaram, concretamente, as razões porque a originária devedora e outra empresa em que havia identidade de sócios com aquela, fecharam.».
II.2. DE DIREITO
A questão que se coloca no presente recurso é saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que o executado, ora recorrente, não logrou afastar a presunção legal de que a falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas lhe é imputável.
Vejamos.
A dívida exequenda reporta-se a IVA dos anos de 2004 e 2006.
O regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o da Lei Geral Tributária (LGT) - a determinação da responsabilidade subsidiária afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas, uma vez que as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo – cfr. entre outros, Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 07-07-2010 e de 24-03-2010, nos recursos n.ºs 945/09 e 58/09, respectivamente, e da Secção do Contencioso Tributário de 29-06-2011 e de 11-05-2011, nos recursos n.ºs 368/11, 175/11, respectivamente.
O artigo 24.º da LGT, na redacção aplicável, preceitua o seguinte:
«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b ) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…)».
A norma estabelece, desde logo, como pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício efectivo de funções. Extrai-se esta conclusão da utilização do verbo “exercer”, que implica fazer, usar, praticar as funções de administração ou gestão. Não basta, assim, ter tais funções atribuídas. Para haver responsabilidade subsidiária as funções terão de ter sido exercidas. Nesta perspectiva contrapõe-se a gerência de direito à gerência de facto. Gerência de facto que pode dar lugar a responsabilidade subsidiária ainda que desacompanhada da gerência de direito, o que se retira da expressão da lei “ainda que somente de facto”.
E verificado este pressuposto, o do exercício da gerência, o regime da responsabilidade subsidiária é diferente consoante o momento da vida do imposto em que aquele aconteceu.
Esta diferenciação do regime faz-se em cada uma das alíneas do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
Assim, aplica-se o disposto na alínea a) quando o facto constitutivo do imposto ocorre no exercício de funções dos gestores ou quando o prazo do respectivo pagamento ou entrega tenha terminado já depois desse exercício.
Aplica-se a alínea b) quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.
Para se determinar se há ou não responsabilidade subsidiária, o primeiro passo a dar é, pois, saber se houve ou não exercício efectivo de funções.
Se a resposta for negativa, fica desde logo afastada a responsabilidade.
Se a resposta é positiva, haverá então que determinar, de acordo com o momento em que exercício de funções aconteceu, se a situação se enquadra na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
Seguindo estas etapas no caso dos autos, constata-se que o oponente não põe em causa na petição inicial que exerceu de facto a gerência. Pelo que o exercício de facto da gerência pelo oponente não está nos autos, e em particular neste recurso, em discussão. A gerência de facto tem-se como assente.
Havendo gerência de facto haverá que situá-la no tempo. Como o oponente não invocou que alguma vez tenha deixado de exercer as funções de gerente, a situação enquadra-se na alínea b), - o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.
Impõe-se, de seguida, analisar o regime da responsabilidade subsidiária que resulta do disposto nesta alínea b) do n.º 1 do artigo 24º da LGT.
E, nos termos dela, os gerentes serão responsáveis subsidiários «quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».
A lei estabelece aqui uma presunção de culpa do gerente pelo não pagamento do imposto.
Para ilidir esta culpa o oponente terá que fazer prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento do tributo. Terá de alegar e provar factos dos quais resultem que a impossibilidade do pagamento – porque não está em causa o acto do não pagamento mas a impossibilidade de efectuar tal pagamento, impossibilidade que fica patente pela falta ou insuficiência de bens da originária devedora para pagamento da quantia exequenda e que determina a reversão da execução - resultou de causa(s) alheia(s).
Quais sejam essas causas em concreto, apenas cada gerente o poderá saber pois dependem das particularidades de cada sociedade, da actividade desenvolvida, da conjuntura em que laboraram.
E logrou o oponente ilidir tal presunção? Na sentença recorrida foi entendido que não. E tal juízo não nos merece censura.
Na verdade, a matéria de facto que resultou provada é manifestamente insuficiente para se saber porque é que se tornou impossível à originária devedora efectuar o pagamento dos impostos exequendos.
E se não está demonstrado porque é que tal aconteceu, fácil é concluir que o oponente não provou que o não pagamento não lhe é imputável, pois só sabendo quais foram as causas que originaram a incapacidade da sociedade para efectuar os pagamentos se poderia avaliar a adequação da actuação do recorrente enquanto gerente para as atacar.
Mas se as causas determinantes da incapacidade da sociedade para efectuar os pagamentos não estão apuradas, também, é verdade, que não ficou provada qualquer actuação do recorrente que pudesse ter como objectivo evitar uma situação de incumprimento da sociedade, como veio a acontecer.
É certo que ficou provado que o ora recorrente era pessoa trabalhadora, preocupada com os seus trabalhadores, controlando o trabalho que estes faziam (alínea F) do probatório). Mas este facto é irrelevante para a prova que se impunha «pois que essa factualidade nada ou pouco nos diz sobre o concreto modo como foi efectuada a gestão da executada originária» – cfr. Acórdão deste Tribunal de 17-11-2011, processo n.º 972/09.0BEVIS.
Acresce que na sentença recorrida, em sede de julgamento sobre a matéria de facto, os factos alegados pelo ora recorrente na petição inicial com vista à ilisão da presunção de culpa, os factos dos artigos 10.º a 12.º, foram considerados não provados sem que, nesse ponto, a decisão tenha sido objecto de impugnação relevante – cfr. artigo 685.º/B do Código de Processo Civil.
Em suma, tal como foi decidido na sentença recorrida, o oponente não logrou ilidir a presunção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, pelo que o recurso não merece provimento.
III – DECISÃO
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Porto, 29 de Março de 2012
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas