Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00812/08.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:RECURSO SUBORDINADO VERSUS AMPLIAÇÃO DE RECURSO; ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL; REQUERIMENTO DE PROVA DO PREÇO EFECTIVO NA TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS;
ART. 139º, Nº 6 (ANTERIOR 129º, Nº 6)) DO CIRC.
Sumário:I - O recurso subordinado serve apenas para a parte recorrer numa determinada decisão, na parte que lhe é desfavorável. Ou seja na parte em que foi vencida quanto ao resultado da acção, No presente caso, a acção foi julgada totalmente improcedente, logo quem ficou vencido na acção, e por isso interpôs recurso da decisão, foi a Autora e não a Autoridade Tributária e Aduaneira.

II – A ampliação de recurso efectuada nas contra-alegações do recurso interposto pela parte vencida serve para que a parte vencedora questione a não aceitação de algum dos fundamentos de facto ou de direito que sustentavam a pretensão ou a defesa, ou a verificação de alguma nulidade decisória que não tenha interferido no resultado final.

III - O recurso subordinado que foi interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é admissível porquanto não se enquadra no previsto no artigo 633º do CPC, ex vi artigo 142º do CPTA.

IV - O nº 6 do art. 129º do CIRC, na redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efectivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respectivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da tributação pelo lucro real (art. 104º, nº 1, da CRP, 3º, nº 1, al. a), e 17º, nº 1, do CIRC); do princípio da proporcionalidade (art. 18º, nº 1 da CRP), do direito à reserva da intimidade da vida privada (art. 26º, nº 1 da CRP) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º, nº 1 e 4 e 104º, nº 1 da CRP.*
* Sumário elaborado pela relatora)
Recorrente:A., SA e AT
Recorrido 1:AT e A., SA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso da A., SA, nãp conher o recurso da AT.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. Relatório

A., SA, com o NIPC (…), melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial por si deduzida, onde havia pugnado pela anulação de acto administrativo e cumulativamente à prática de acto devido que indeferiu o requerimento de prova do preço efectivo na transmissão das fracções autónomas melhor identificadas nos autos.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1.ª A douta decisão recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pela ora Recorrente contra o despacho do Subdiretor-Geral para a Área da Justiça Tributária de 23.10.2007 o qual indeferiu o recurso hierárquico da interposto pela Autora da decisão do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, Exmo. Senhor, C., datado de 13.08.2007, exarado na Informação n.º 19/2007 daquele Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto, notificado através do Ofício n.º 6192/0208, de 03.03.2010, o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Recorrente em maio de 2007, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), com referência à alienação das frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal inscritas na matriz predial urbana sob os artigos P11945 AB e P 11945 AC ambas da freguesia de (...), concelho de Coimbra.

2.ª Desde logo considera a Recorrente que o Tribunal não procedeu a uma análise crítica da prova produzida, o que inquina a sentença recorrida de nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 607.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA;

3.ª Com efeito, foram juntos aos presentes autos vários documentos, designadamente:

a. O acordo celebrado entre a Autora, ora Recorrente, e a C., SA com vista à transmissão de futuras frações de um imóvel nas quais deveria ser instalado um hipermercado datado de 10.12.2003 (cf. Documento n.º 1 junto à p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, documento de fls 38 a 68 dos autos);

b. O auto de entrega e receção da obra datado de 09.11.2004 que titula a transmissão para efeitos fiscais dos imóveis em causa (cf. documento n.º 2 junto à p.i., documento de fls 69/70 dos autos);

c. A escritura pública de compra e venda das frações em causa datada de 30.06.2005 (cf. documento n.º 3 junto à p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, documento de fls 71 a 75 dos autos); e
d. A notificação da avaliação patrimonial tributária das frações transmitidas realizada em outubro de 2006 (cf. documento n.º 4 junto à p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, documento de fls 78, 79 e 80 dos autos).

4.ª No entender da Recorrente, o teor de tais documentos não foi plenamente valorado pelo Tribunal a quo, já que aquele Ilustre Tribunal não extrai qualquer conclusão quanto ao objeto da prova do preço efetivo de transmissão sobre a qual incidiu a decisão impugnada nos presentes autos. Efetivamente, no entender da Recorrente, tivesse, o Tribunal a quo valorado de forma crítica tais documentos chegaria à conclusão de que o objeto sobre o qual incidiu a avaliação tributária que se pretende sirva de referência à definição da matéria coletável do IRC de 2005 da Recorrente não traduz o ativo efetivamente por si transmitido.

5.ª Como demonstrado, os imóveis objeto de transmissão onerosa foram alienados antes de estarem acabados e foram entregues em tosco, com vista à instalação de um hipermercado, e os imóveis avaliados foram os mesmos imóveis mas no estado de concluídos, após a abertura ao público do referido hipermercado (a 26 de abril de 2006, facto que é do conhecimento público). Os imóveis aqui em causa foram efetivamente transmitidos pela Recorrente (para efeitos tributários) em 09.11.2004, a escritura de compra e venda dos mesmos realizou-se posteriormente (em 30.06.2005) e a avaliação num momento subsequente (entre junho e outubro de 2006, i.e. mais um ano após a sua efetiva transmissão).

6.ª Acresce que, tão-pouco elucida o Tribunal a quo por que motivo tais factos não foram objeto de valoração para efeitos de prova;

7.ª Por esta razão, conclui-se que a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto, decorrente da falta de apreciação crítica das provas;

8.ª Sem prejuízo do exposto, sempre seria de anular a sentença recorrida por insuficiência da matéria de facto;

9.ª Em face da prova produzida nos autos, em concreto os documentos supra elencados, outros factos deveriam, para todos os efeitos, ter sido relevados como factos provados na decisão sub judice, atenta a manifesta relevância dos mesmos para a boa decisão da causa. Não o tendo sido, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto, devendo, por conseguinte, ser anulada.

10.ª Deste modo, e para os devidos efeitos, não pode a Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:

a. Os imóveis objeto da transmissão onerosa aqui em análise foram alienados em 09.11.2004 antes de estarem acabados e, a essa data, entregues em tosco à adquirente com vista à instalação de um hipermercado (cf. documento n.º 2 junto à p.i., documento de fls 69/70 dos autos), e

b. Esses imóveis foram objeto de avaliação patrimonial tributária volvidos quase 2 anos após a sua transmissão onerosa (cf. documento n.º 4 junto à p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, documento de fls 78, 79 e 80 dos autos), logo num estado distinto daquele em que foram alienados, i.e., no estado de concluídos e após a abertura ao público do referido hipermercado (ocorrida a 26 de abril de 2006, facto que é do conhecimento público).

c. O objeto sobre o qual incidiu a avaliação patrimonial tributária que se pretende sirva de referência à definição da matéria coletável do IRC de 2005 da Recorrente não traduz o ativo efetivamente transmitido pela Recorrente.

11.ª Acresce que, admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto.

12.ª Alternativamente, face ao disposto no artigo 662.º do CPC (anterior artigo 712.º do CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, o Tribunal ad quem, para reapreciar a matéria de facto provinda da 1.ª instância, caso entenda que dispõe dos elementos de prova necessários, deve conhecer no mesmo acórdão que revoga a decisão recorrida a questão objeto de recurso.

13.ª Sem prejuízo do exposto, importa referir que a sentença recorrida enferma de vício de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC), face ao preceituado no artigo 95.º, n.os 1 e 2, do CPTA.

14.ª De facto, o Tribunal recorrido negou provimento às alegadas inconstitucionalidades do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC invocadas pela Autora, ora Recorrente, considerando que as mesmas não se verificam. No entanto, e em bom rigor, o Tribunal a quo não chega a apreciar e a pronunciar-se sobre a circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 129.º do Código do IRC traduzir uma violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, corolário do princípio da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP.

15.ª Com efeito, no que concerne à avaliação da constitucionalidade da norma do n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, o Tribunal a quo remeteu para a jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão n.º 145/2014 (por lapso identificado com o n.º do processo: 521/2013) (cf. p. 19 da sentença recorrida). No entanto, tal jurisprudência não aprecia a constitucionalidade daquele preceito por referência a estes princípios mas antes por referência ao direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, ao direito à tutela jurisdicional efetiva, bem como ao princípio da proporcionalidade, e, bem assim, às disposições constantes dos artigos 2º, 18º, 20º, n.ºs 1 e 4, 266º e 268º, n.º 4, da Constituição.

16.ª Acresce que, no juízo que o Tribunal a quo posteriormente efetua quanto às inconstitucionalidades invocadas também não se pronuncia sobre a violação daqueles princípios circunscrevendo a sua análise ao âmbito da jurisprudência do Tribunal Constitucional seguida.

17.ª Como tal, deverá esse douto Tribunal apreciar a ilegalidade do acto em crise por violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, corolário do princípio da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP.

18.ª Ao nível da violação dos princípios constitucionais, considera a Recorrente que a interpretação que do artigo 129.º, n.º 6 do Código do IRC no caso vertente ofende, entre outros, dois princípios, quais sejam, o da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e o da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP.

19.ª Para se atingir tal conclusão, importa ter presente que o artigo 58.º-A do Código do IRC consagra uma presunção de rendimento relativamente à qual foi previsto, com vista à sua elisão, o mecanismo legal consagrado no aludido artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC. Efetivamente, a ratio legis daquele artigo 58.º-A do Código do IRC, enquanto norma anti-abuso, é a de corrigir o rendimento declarado pelo sujeito passivo, quando ocorra um eventual afastamento de um padrão de normalidade – dos designados “valores normais de mercado” – mediante o recurso a um rendimento presumido, obtido em função e na sequência do valor patrimonial tributário definitivo determinado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, com referência aos imóveis em causa.

20.ª Esta presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja e in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, o que acontecerá por via da utilização do mecanismo legal consagrado no artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC. Não o sendo, ocorre uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 3, da CRP.

21.ª Com efeito, o procedimento previsto no artigo 129.º do Código do IRC constitui, como se referiu, um procedimento de que o sujeito passivo dispõe para elidir a presunção constante do artigo 58.º-A do Código do IRC, constituindo condição prévia e necessária para a contestação da legalidade da liquidação de imposto que resultar da aplicação da aludida norma anti-abuso. Isto porque, a consagração de uma norma como a do artigo 58.º-A do Código do IRC, se desacompanhada de outra que permitisse a demonstração de que o preço praticado na transmissão de bem imóvel havia sido efetivamente inferior ao valor tido como “valor normal de mercado” consubstanciaria a relevação de um rendimento normal, não necessariamente coincidente com o rendimento real, para efeitos da tributação em IRC.
22.ª Daí que o legislador tributário tenha sentido a necessidade de introduzir um procedimento destinado à realização da prova do preço efetivo na transmissão de imóveis – consagrado no artigo 129.º do Código do IRC – ao mesmo tempo que procedeu à consagração do artigo 58.º-A. E, nessa medida e no que ora releva, determinou aquele legislador, na versão inicial do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, que “Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior”. Embora esta redação legal já suscitasse eventuais violações de princípios constitucionais – ao consagrar a derrogação genérica do sigilo bancário à margem do consentimento dos visados –, não era, pelo menos, afrontado o princípio da tributação pelo rendimento real, na medida em que ao sujeito passivo assistia ainda a efetiva possibilidade de demonstração do preço efetivo de venda.

23.ª Sucede que, à luz da redação do mencionado anterior artigo 129.º, n.º 6, atual 139.º, do Código do IRC, dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e ora aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 58.º-A do Código do IRC, enfermando aquela norma, no entendimento da Recorrente, da inconstitucionalidade que originariamente lhe havia sido apontada. Efetivamente, a mencionada Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao proceder ao aditamento ao artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, da menção “ (…) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”, veio, na prática, converter o preço efetivo de alienação numa demonstração potencialmente impossível e, nessa medida, suscetível de violar, desde logo, não só o princípio da tributação pelo rendimento real, mas também, o princípio da igualdade contributiva.

24.ª A anexação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos gerentes ou administradores não se encontra dependente da mera vontade do sujeito passivo, na medida em que este último não pode obrigar terceiros a concederem aquela autorização, ficando, dessa forma, à mercê daquela que for a decisão daqueloutros. Assim, configura-se esta como uma prova que, em abstrato, pode revelar-se impossível.

25.ª Caso o artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC seja interpretado no sentido de se entender que os mencionados documentos de autorização constituem um requisito indispensável à própria apreciação do requerimento de demonstração do preço efetivo, então tal exigência traduzir-se-á numa prova impossível e, por conseguinte, na inilidibilidade da presunção de rendimento.

26.ª Pelo que, em suma, o artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 58.º-A do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, designadamente nos termos e para os efeitos dos artigos 69.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, daí resultando, também com esse fundamento, a ilegalidade do ato em crise, razão pela qual se requer a sua imediata anulação.

27.ª Sem prejuízo do que antecede, a sentença recorrida padece de novo erro de julgamento da matéria de direito.

28.ª A Recorrente invocou a inconstitucionalidade do n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC por violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada – artigo 26.º, n.º 1, da CRP. Tal violação consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 129.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário.

29.ª Ora, é evidente que a violação, em concreto, daquele direito, terá sempre de ser avaliada em função, desde logo, do facto de com esse direito concorrer um outro, de igual valor, qual seja, o direito do Estado a cobrar impostos, o qual pressupõe a possibilidade de controlo por parte da administração tributária dos elementos relativos ao património e aos rendimentos do sujeito passivo, sem que o mesmo possa ser limitado, em termos absolutos, pelo sigilo bancário e pelo direito à reserva da intimidade da vida privada, sobretudo quando estejam em causa os especiais objetivos de combate à fraude e à evasão fiscal.

30.ª Sucede, no entanto, que estamos na presença de uma possibilidade que, a concretizar-se, deixará a descoberto, de uma forma irreversível, o modus vivendi do sujeito passivo, seja ele um particular ou uma pessoa coletiva, bem como, as suas rotinas diárias e as suas opções em determinado momento da sua vida, ou seja, o seu dia-a-dia. E, mais grave do que isso e como adiante melhor se referirá, que poderá deixar a descoberto o modo de vida de terceiros, os quais, em alguns casos, poderão, no momento em que a sua informação bancária é inspecionada, nem ter já sequer qualquer ligação ao sujeito passivo. Pelo que, aquele direito do Estado de cobrar impostos também não poderá, em absoluto, restringir o direito à intimidade da vida privada, devendo, ao invés, coexistir com outros direitos que se visaram proteger através de consagração constitucional.

31.ª Ora, em face da aplicação prática do expediente previsto no n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, é evidente que os referidos objetivos de combate à evasão e à fraude fiscal e o próprio direito do Estado de cobrar impostos não justificam, de forma alguma, o atropelo dos direitos do sujeito passivo e dos terceiros envolvidos à reserva à intimidade da sua vida privada, tal como o mesmo foi concretizado naquela norma. Efetivamente, o legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de um terceiro, seu administrador à data da transmissão, não tendo o legislador, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada. Na verdade, não só não foi previsto qualquer mecanismo de controlo do acesso à informação bancária do sujeito passivo e fundamentalmente de terceiros – nomeadamente o dever de fundamentação por parte da administração tributária, mediante a justificação dos motivos concretos em que se apoia aquele acesso – como qualquer outro que fosse compatível com os interesses que se pretenderam acautelar com a consagração constitucional do direito à reserva da intimidade privada.

32.ª Acresce que, com a “imposição” daquela renúncia voluntária ao sigilo bancário pretendeu-se contornar a obrigação, que a lei e os princípios gerais previstos nesta matéria impõem, de garantir ao sujeito passivo e administradores não só a pronúncia prévia sobre os fundamentos de eventual levantamento do sigilo bancário mas, também, a possibilidade de aqueles sujeitarem a sindicância judicial o acesso à informação bancária.

33.ª Assim, é por demais evidente que o n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, quando determina expressamente que apenas e só com a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – ou seja, que apenas através da violação do direito do sujeito passivo e de terceiros à reserva da intimidade da vida privada – será possível afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do Código do IRC, incorre aquele em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, razão pela qual a referida correção deve ser anulada, por aplicação de norma inconstitucional.

34.ª No caso sub judice, o Tribunal julga como não verificada esta inconstitucionalidade, atenta a circunstância de se estar perante uma norma anti-abuso e de esta ser a única via que a administração tributária tem para permitir um controlo mais rigoroso das situações em presença.

35.ª Estes argumentos não podem proceder pois sem o procedimento previsto no artigo 129.º do Código do IRC, o artigo 58.º-A do Código do IRC estaria a prever, em violação das disposições constitucionais e legais aplicáveis, uma presunção inilidível de rendimento. Sendo este o propósito da referida norma, é certo que se perante uma condição de legalidade e constitucionalidade do artigo 58.º-A do Código do IRC. Deste modo, fazer depender a procedibilidade do procedimento de prova do preço efetivo da apresentação das declarações de acesso ao sigilo bancário do contribuinte deve ser especialmente ponderada à luz desta finalidade.

36.ª O acesso ao sigilo bancário não é a única forma de controlo da situação em apreço, nem, como referido na douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 09.03.2016, proferido no processo n.º 0820/15. A própria administração tributária acede nas suas circulares administrativas, que o acesso ao sigilo bancário pode não se afigurar essencial. Outros meios de prova podem revelar-se, de facto, igualmente aptos para a prova que se pretende produzir.

37.ª Assim, e em face de todo o exposto, resultam improcedentes os argumentos invocados na sentença recorrida para julgar por não verificada a referida inconstitucionalidade, incorrendo a mesma em erro de julgamento.

38.ª Acresce que, o efeito imediato da consagração do regime legal previsto na norma contida no n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC é o de que o sujeito passivo, ainda que absolutamente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada. Na verdade, o sujeito passivo depara-se, perante aquele n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do Código do IRC.

39.ª Verifica-se, pois, um efetivo condicionamento do exercício daquele direito e das legítimas expectativas do sujeito passivo de comprovar, perante a administração tributária, ao abrigo do expediente previsto no artigo 129.º do Código do IRC, tendo em vista a sua tributação pelo lucro real, que o preço efetivamente praticado na alienação de um determinado imóvel foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) entretanto liquidado. Mas, mais do que isso, o referido n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, faz igualmente precludir, se atendermos ao que determina o n.º 7 da mesma norma, a própria possibilidade de impugnar judicialmente a liquidação de imposto, ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, uma vez que a utilização do meio de reação correspondente à impugnação judicial está dependente da utilização prévia do pedido de prova de preço efetivo. Com efeito, caso o sujeito passivo não recorra ao mecanismo previsto naquele artigo 129.º do Código do IRC, já não poderá impugnar a liquidação de imposto ou as correções ao lucro tributável realizadas pela administração tributária como consequência da aplicação da regra vertida no n.º 2 do artigo 58.º-A do Código do IRC.

40.ª Pelo que, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo TC, que o disposto no n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “ (…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…) ”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o que se invoca para os devidos efeitos e se materializa no ato sub judice, que, por isso, deverá ser anulado com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP.

41.ª Neste segmento, invoca-se na sentença recorrida que estes princípios não se encontram comprometidos porque a Autora, ora Recorrente, não se viu impedida de recorrer aos Tribunais para ver defendidos os seus direitos. Também este argumento deve ser julgado improcedente. É que, o que está em causa não é saber se à Autora, ora Recorrente, ou a qualquer contribuinte, fica vedada a possibilidade de acesso aos tribunais. O referido princípio constitucional tem de ser interpretado no sentido de que, para além do acesso ao Direito, existem condicionamentos que não devem verificar-se sob pena de esvaziarem os referidos direitos de conteúdo. Ora, verifica-se desta forma um cerceamento do exercício do direito para o qual não são apresentados quaisquer valores suficientemente preponderantes que justificassem tal restrição.

42.ª Assim, e em face de todo o exposto, resultam improcedentes os argumentos invocados na sentença recorrida para julgar por não verificada a referida inconstitucionalidade, incorrendo a mesma em erro de julgamento.

43.ª Para além das violações acima aludidas, a norma prevista no n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC incorre, igualmente e ainda tendo por referência o direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, na violação do princípio da proporcionalidade. Efetivamente e conforme resulta de todo o acima exposto, o n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC consagrou a possibilidade de acesso por parte da administração tributária à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, no âmbito de um procedimento que, por se destinar apenas à confirmação da correspondência entre o montante declarado pelo sujeito passivo com respeito à alienação de um determinado imóvel e o preço efetivamente praticado, pretende-se que seja breve e simples.

44.ª Assim, constituindo essa a natureza do procedimento em causa e tendo presente a ratio legis que presidiu à norma consagrada no n.º 6 do artigo 129.º, a que acima se aludiu, bem como as consequências que a concretização da mesma acarreta em termos de diminuição das garantias de defesa do contribuinte, é manifesta a violação daquele princípio da proporcionalidade tal como se encontra constitucionalmente consagrado. Para se atingir tal conclusão, importa fazer referência aos vários subprincípios em que o mesmo, quando dotado de cobertura constitucional, assume e que se concretizam na adequação, na necessidade e na justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito.( )

45.ª No caso sub judice, ainda que a administração tributária não tenha tido, em momento anterior à apresentação do requerimento nos termos do artigo 129.º do Código do IRC, a oportunidade de lançar mão de diligências instrutórias com vista à confirmação da veracidade dos factos invocados pelo sujeito passivo, a verdade é que a aplicação, na prática, do n.º 6 daquela norma colide frontalmente com o princípio da proporcionalidade. No entanto, a partir do momento em que se dá a apresentação do aludido requerimento, pode a administração tributária lançar mão dessas diligências instrutórias, ao que acresce que os elementos disponibilizados pela Recorrente (e que integram o processo administrativo instrutor) afiguram-se suficientes para demonstrar o real e efetivo preço praticado nas transmissões em causa.

46.ª Ora, verifica-se, desde logo, uma colisão com o princípio da proporcionalidade, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 129.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito.

47.ª Não é aceitável que o exercício do direito consignado no artigo 129.º tenha como decorrência imediata o acesso à informação bancária do sujeito passivo e, fundamentalmente, de terceiros. Isto porque, a derrogação do sigilo bancário prevista naquele n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC pressupõe que o sujeito passivo voluntariamente renuncie ao carácter sigiloso da sua informação bancária e que providencie por essa renúncia de um terceiro, sob pena de não poder lançar mão do expediente legal que lhe permite afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do Código do IRC. E tal renúncia ocorrerá, nos termos previstos no citado preceito, sem que expressamente se preveja, tal como se impunha, o dever da administração tributária de justificar e fundamentar as razões do acesso à informação bancária. Pelo contrário, repete-se, exige-se ao contribuinte a apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário, sob pena de o requerimento de prova do preço efetivo apresentado nos termos dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 129.º do Código do IRC ser liminarmente indeferido. Ora, é este atropelo desregrado das garantias de confidencialidade das informações bancárias do contribuinte, não sujeito a qualquer controlo de legalidade, que, em face do direito do Estado à cobrança de impostos, se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional.

48.ª E nem sequer se invoque que o acesso à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores é essencial ou imprescindível ou constitui o único meio de prova possível ou adequado para demonstrar qual foi o preço efetivo, pois, com efeito, é a própria administração tributária que vem referir, no Ofício-Circulado n.º 20.136, de 11 de março de 2009, da Direção de Serviços do IRC, que o acesso às informações bancárias do requerente e administradores não constitui “(…) uma prova absoluta de que o preço efetivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato”, donde decorre que, efetivamente, a aludida derrogação não é imprescindível para a prova do preço efetivo. Assim, se a prova documental que resulta do acesso à informação bancária não se reputa suficiente, sendo necessário, em qualquer caso, uma reunião de peritos por forma a acordar no preço real da transmissão, não se compreende então a exigibilidade da norma sub judice.

49.ª Mais, a adotar-se a interpretação que tem vindo a ser sufragada pela administração tributária, no sentido supra mencionado, abre-se ainda mais caminho para a desproporcionalidade daquela exigência legal, uma vez que se admitiria a exigência ao contribuinte da apresentação de autorização de derrogação do seu sigilo bancário, bem como de terceiros, com vista ao cumprimento de um requisito que, segundo consta, mais não é do que uma mera formalidade de cujo cumprimento não se retira a finalidade que lhe é devida, qual seja, a efetiva demonstração do preço efetivo. Pelo que, também por esta razão, se constata que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional.

50.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre ainda, por fim, numa sua outra vertente, mais estrita. Com efeito, também a circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 129.º do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, é, a todos os títulos, inaceitável. Desde logo, porquanto não está sequer na sua esfera de decisão e de poderes o de autorizar o acesso à informação bancária daqueles administradores. Aliás, essa prova pode revelar-se de ainda mais difícil obtenção nas situações, muito frequentes, em que os administradores à data da transmissão dos imóveis já não são os mesmos que à data presente, tendo deixado de manter qualquer vínculo com a sociedade. Donde se conclui ser evidente que a exigência de acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, prevista pelo legislador no n.º 6 do artigo 129.º, não configura, tal como impõe, por seu lado, o n.º 2 do artigo 18.º da CRP, uma medida necessária para “(…) salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (…).”.

51.ª Assim, o direito de cobrar impostos e os especiais objetivos de combate à fraude e à evasão fiscal que a consagração de uma norma do tipo da prevista naquele n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC pretendem assegurar não podem, em circunstância alguma, sobrepor-se aos direitos acima referidos, congregados no direito à confidencialidade das suas informações bancárias, pelo menos da forma como essa sobreposição vem consagrada na referida norma, sob pena de manifesta violação do princípio da proporcionalidade, constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, devendo anular-se o ato sub judice, por aplicação de norma inconstitucional.

52.ª Sendo inegável que a informação bancária é relevante para a demonstração da veracidade das declarações e registos contabilísticos, o que não se afigura razoável, nem adequado, é que esta seja imposta como condição essencial de procedibilidade de um pedido. De facto, se o contribuinte apresenta uma série de elementos de prova que permitem concluir sem margem para dúvidas que o preço efetivo foi inferior ao valor patrimonial tributário, por que motivo se há-de impor o acesso à informação bancária? Se a documentação não suscita, nem é suscetível de poder fazer suscitar, qualquer dúvida quanto à sua veracidade, por que razão se há-de exigir ainda assim o acesso à informação bancária? É neste contexto, pois, que se considera que ocorre violação do princípio da proporcionalidade.

53.ª Assim, e em face de todo o exposto, resultam improcedentes os argumentos invocados na sentença recorrida para julgar por não verificada a referida inconstitucionalidade, incorrendo a mesma em erro de julgamento.

54.ª Sem prejuízo de todo o acima exposto a única exegese possível do no n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC só seria a de se aceitar a eventual exigibilidade da autorização para levantamento do sigilo bancário após a verificação, por parte da administração tributária, da existência de fundamentos concretos que justificassem a análise da informação bancária. É, aliás, neste sentido que se poderia interpretar a expressão “pode” constante do n.º 6 daquele artigo 129.º do Código do IRC, quando dispõe que em “ (…) caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores (…).”.

55.ª Efetivamente (com as maiores reservas quanto à conformidade de tal interpretação com os princípios espelhados na lei constitucional e na lei ordinária em matéria de derrogação de sigilo bancário) a admitir-se a exigibilidade das autorizações de derrogação do sigilo bancário, a mesma apenas se poderia aceitar, no máximo, no caso de a administração tributária efetivamente considerar, em concreto, imprescindível e justificado o acesso às informações bancárias dos sujeitos passivos e, sobretudo, dos seus administradores. Mas nunca quando, como no caso vertente, aquele acesso seja concretizado através de uma exigência “cega” e não justificada, consubstanciada na obrigatoriedade de apresentação das autorizações de levantamento do sigilo bancário em qualquer circunstância.

56.ª Sendo certo que, no caso dos terceiros, uma interpretação do artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, consentânea com os princípios espelhados na lei constitucional e na lei ordinária em matéria de derrogação de sigilo bancário, a mesma teria sempre de conduzir, em primeira linha e em qualquer circunstância, à exigibilidade da prática prévia de um ato decisório, devidamente fundamentado, na sequência de um recusa por parte dos próprios administradores da Recorrente e da sua audição prévia. Seria esta, pois, e com todas as reservas que este entendimento merece, a única interpretação do regime vertido no n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC que se perfila ter o mínimo de conformidade com os princípios vertidos na CRP e no próprio artigo 63.º-B, da LGT. Nem mesmo os objetivos de combate à fraude e evasão fiscal que presidiram à consagração de uma norma como o n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC justificam que seja de outra forma.

57.ª Pelo que a administração tributária, ao exigir a apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário de terceiros noutros termos que não os expostos – e que consubstanciam, insista-se, a única interpretação daquele n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, suscetível de não violar os princípios consignados na CRP e no artigo 63.º-B da LGT – faz inquinar de manifesta ilegalidade o ato sub judice.

58.ª Assim, também quanto a esta questão a sentença recorrida incorre em erro de julgamento.

59.ª Sendo anulada, nos termos acima peticionados, a decisão em crise, importa, agora, demonstrar que o requerimento de prova de preço efetivo apresentado pela Recorrente deverá ser, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do IRC, imediatamente deferido.

60.ª Com efeito, verificam-se no caso vertente todos os pressupostos de que depende o deferimento da pretensão deste último. Efetivamente e tal como acima se constatou, a Recorrente procedeu à alienação dos prédios acima identificados, de que era proprietária, por preço inferior ao valor patrimonial tributário tomado como referência, desde logo porque, como amplamente demonstrado, este valor considerou os imóveis em causa no estado de acabados e a transmissão dos mesmos ocorreu em momento anterior e quando tais imóveis se encontravam “em tosco”.

61.ª Do que antecede decorre que o valor patrimonial tributário por incorporar alterações ocorridas nos imóveis após a sua efetiva transmissão, terá de ser necessariamente superior ao praticado na transmissão.

62.ª A Recorrente procedeu, em cumprimento do prazo previsto no atual artigo 129.º, n.º 3, do Código do IRC, à apresentação do requerimento com vista à prova do preço efetivo da transmissão em causa. Para esse efeito, a Recorrente juntou, como acima se mencionou, toda a documentação necessária para o efeito (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

63.ª Daqueles documentos resulta inequivocamente demonstrado e sem ser necessária a produção de qualquer prova adicional que aquele foi o preço pelo qual a Recorrente transmitiu os imóveis em questão.

64.ª Razão pela qual deve o requerimento de prova de preço efetivo em questão ser deferido para efeitos da validação dos montantes declarados pela Recorrente.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida e, nessa medida, a anulação do ato em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
Sendo o valor da ação superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja a Recorrente dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.”
*

A Recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou contra-alegações, que encerrou com as seguintes conclusões:

“1ª) A sentença, a fls…, ao ter julgado totalmente improcedente a acção administrativa especial e ao ter absolvido o R. e ora recorrido de todos os pedidos formulados pela Autora, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, deve ser mantida.

(i) Quanto à invocada nulidade por falta de fundamentação e quanto ao invocado erro no julgamento da matéria de facto:

2ª) Ora, como é evidente, “a obrigação de análise crítica de toda a prova produzida nos autos“ bem como, a falta de especificação de determinados factos que a recorrente considera como provados, não acarreta qualquer nulidade da sentença, por falta de fundamentação, mas apenas determina, eventualmente, uma deficiente fundamentação da mesma o que é motivo, por hipótese, para determinar a anulabilidade da sentença.

3ª) Donde, a sentença recorrida não enferma, claramente, de falta de fundamentação de facto, uma vez que enunciou de forma exaustiva, até, no ponto 1 sob a epígrafe “factos provados”, todos aqueles que considera como provados e que são relevantes para se entender o conteúdo da decisão tomada constituindo esta uma decorrência clara e congruente dos referidos factos que foram dados como provados.

4ª) Por outro lado, a sentença recorrida também não efectuou um errado julgamento da matéria de facto.

5ª) De facto, se atentarmos na especificação dos factos dados como provados pela sentença recorrida, constata-se que foram especificados todos os factos que interessavam para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentava o pedido formulado pela então A.

6ª) E, quanto aos factos que a recorrente pretendia que fossem igualmente especificados verifica-se que os mesmos só interessavam para a análise de fundo do pedido cumulado efectuado pela então A.: que a AT fosse condenada a praticar o acto que a mesma considera como devido, isto é, o deferimento do pedido da prova de preço efectivo da transmissão dos imóveis, tal como por si apresentado.

7ª) Ora, tendo em conta que a sentença recorrida decidiu, e bem, que não podia conhecer e decidir tal pedido, não deviam constar, da matéria de facto dada como provada, os factos invocados pela recorrente: (i) de que os imóveis objecto da transmissão onerosa aqui em análise foram alienados em 09.11.04; (ii) de esses imóveis terem sido objecto de avaliação patrimonial volvidos quase dois anos após a sua transmissão onerosa; (iii) e de o objecto sobre o qual incidiu a avaliação patrimonial tributária que se pretende sirva de referência à definição da matéria colectável do IRC de 2005 da recorrente não traduzir o activo efectivamente transmitido pela Recorrente

(ii) Quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia:

8ª) Inexiste qualquer omissão de pronúncia, dado que a sentença recorrida se pronunciou sobre todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir invocadas pela então A.

9ª) Efectivamente, refere a sentença recorrida, pronunciando-se sobre a violação dos princípios constitucionais, da reserva da intimidade da vida privada, do direito de reclamação, dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real, da proporcionalidade e da boa fé da AT, que não assiste razão á então A., cfr. último parágrafo pág. 17 e 1º da pág. 18, da sentença ora recorrida.

10ª) Deste modo, dúvidas não restam de que a sentença recorrida analisou a questão de uma eventual inconstitucionalidade do nº 6 do art. 129º do CIRC, decidindo, a final e invocando até jurisprudência do TC e do TCA Sul, pela não inconstitucionalidade de tal normativo.

11ª) Sendo certo que nessa jurisprudência, veja-se o Ac. do TCA Sul de 21.05.13, Proc. nº 06309/13, deliberou-se, inclusivamente, quanto à questão da tributação pelo rendimento real.

12ª) Donde, é completamente infundada a imputada, à sentença recorrida, omissão de pronúncia.

(iii)Do invocado errado julgamento de direito, por violação de princípios constitucionais:

13ª) Continua a ora recorrente, em sede de recurso jurisdicional, a invocar que a sentença recorrida decidiu mal quanto à imputada violação, pelo nº 6 do art. 129º do CIRC, dos princípios constitucionais do direito à reserva da intimidade da vida privada, do direito de reclamação decorrência do princípio do Estado de Direito e do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e do princípio da proporcionalidade.

14ª) Ora, quanto ao direito à reserva da intimidade da vida privada, do direito de reclamação decorrência do princípio do Estado de Direito e do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, como bem se referiu na sentença recorrida, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 145/14, Proc. nº 521/2013 já deliberou pela não inconstitucionalidade do nº 6 do art. 129º do CIRC, invocando-se aqui os argumentos para tanto invocados por aquele Alto Tribunal.

15ª) Efectivamente, o legislador conferia no então art. 129º do CIRC, a possibilidade de o contribuinte poder ilidir uma presunção legal, facto que a recorrente não contesta, uma vez que lhe é permitido contrapor, face ao que se encontra previamente estabelecido na lei, uma outra forma de determinação do lucro tributável.

16ª) Pelo que, está-se perante um procedimento destinado a apurar a realidade dos factos e atenta a natureza do mesmo (o preço da transacção) que se pretende provar, só os documentos bancários constituem o meio adequado e a prova real e fidedigna da veracidade do preço pelo qual o imóvel foi vendido.

17ª) Donde, o estabelecimento de tal meio de prova, num procedimento destinado a ilidir uma presunção legal e inserido na busca da verdade material, da justiça fiscal e do princípio da capacidade contributiva, não constitui qualquer restrição ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

18ª) O contribuinte pode perfeitamente aceder ao procedimento em causa, apenas o seu exercício, com êxito, fica dependente ou condicionado ao cumprimento prévio de uma condição que é perfeitamente justificada por direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que se pretendem acautelar com o seu estabelecimento, como seja, mais uma vez se diga, o dever fundamental de pagar impostos, da capacidade contributiva e da igualdade entre todos os contribuintes.

19ª) Por outro lado, também não ocorre qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

20ª) Estando directamente consagrada na lei a possibilidade de acesso, que é feita na prossecução das atribuições da AT, de verificação da real capacidade contributiva do sujeito passivo, da igualdade e da justiça fiscal e, tendo em conta os interesses em confronto, da AT e dos contribuintes, há também que concluir que o acesso ao segredo bancário, aos documentos bancários dos administradores da A., consagrado na lei, é adequado, proporcional e não excessivo, o que salvaguarda, ainda, o conteúdo constitucional do direito à reserva da intimidade da sua vida privada.

21ª) Para concretizar a justiça fiscal e a igualdade contributiva constitucionalmente exigida, o acesso à informação bancária da recorrente e à dos seus administradores ou gerentes é um instrumento único e uma diligência manifestamente indispensável ao apuramento dessa mesma real situação tributária.

22ª) Não se vislumbrando, por outro lado, que outros meios alternativos existam que possam colmatar a falta de acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores ou gerentes, uma vez que é indispensável conferir as contas de todos para saber, com total rigor e isenção, se houve desvio para qualquer uma das contas e, designadamente, para a dos administradores, de montantes que devem ser reportados à venda dos imóveis.

(iv) Da interpretação do nº 6 do art. 129º do CIRC:

23ª) Também no que toca a uma eventual ilegalidade da interpretação e aplicação do nº 6 do art. 129º do CIRC, a sentença recorrida decidiu, e bem, que a AT “ aplicou correctamente a lei, ao exigir como requisito do pedido a junção das autorizações de acesso a informação bancária, pois tal é exigido pelo nº 6 do art.º 129º do CIRC.”

24ª) Na verdade, não colhe uma alegada violação do art. 63º-B da LGT, nos termos invocados pela recorrente.

25ª) É que, o art. 63º-B da LGT e as garantias dos contribuintes aí consagradas, face à quebra do segredo bancário, não são aplicáveis ao presente caso, por se estar perante situações distintas.

26ª) Na verdade, enquanto no art. 63º-B da LGT, por o procedimento ser desencadeado pela AT deve a mesma dar a conhecer ao contribuinte e fundamentar e comprovar os motivos pelos quais pretende aceder à informação bancária e daí a necessidade legal de limitação, designadamente através do dever de fundamentação, do acto administrativo praticado pela AT, tendo em vista controlar a verificação dos pressupostos de acesso à informação bancária, no art. 129º do CIRC, por o procedimento ser da iniciativa do contribuinte e já se encontrar delimitado o motivo e o pressuposto que justifica o acesso à informação, não há a necessidade de controlar a verificação do mesmo, até porque não há, por parte da AT, a prática de qualquer acto administrativo, desconhecido do contribuinte, que pretenda aceder a informação bancária.

27ª) Não há, pois, qualquer obrigatoriedade legal de serem usadas, no procedimento previsto no art. 129º do CIRC, as garantias estabelecidas no art. 63º-B da LGT, caso contrário, o legislador tê-lo-ia expressamente previsto.

28ª) E nem se justifica que, no caso, essas garantias sejam subsidiariamente aplicadas, dado que estamos perante um mero procedimento de produção de prova da própria iniciativa e responsabilidade do contribuinte, com o motivo e pressuposto de acesso à informação já previamente delimitado e conhecido pelo próprio contribuinte.

(v) Quanto ao pedido cumulado: deferimento da pretensão da recorrente

29ª) O deferimento da pretensão formulada pela então A. relativamente à prova do preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel, envolve produção de prova e juízos de valor técnicos inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT.

30ª) Deste modo, porque o acto que a então A., ora recorrente, pretende que o Tribunal condene a AT a emitir envolve valorações próprias do exercício da actividade administrativa, não sendo identificável uma única solução como legalmente possível, não poderia, salvo o devido respeito, o Tribunal substituir-se à AT e determinar o conteúdo do acto a praticar pela mesma, cfr. art. 71º nº 2 e 95º nº 5 do CPTA.

31ª) Decidiu pois, bem, o Tribunal “ a quo” quando considerou que não podia proceder o pedido da ora recorrente de condenação da AT à prática de um acto de deferimento da sua pretensão material, uma vez que tal condenação implicaria o reconhecimento, por parte do Tribunal, que não da AT, de que aquele demonstrou que o valor praticado na operação realizada corresponde ao valor efectivo do bem.

32ª) Depois, contrariamente ao que o recorrente alega, os documentos apresentados no seu requerimento e com vista à prova do preço efectivo da transmissão, não acompanhados dos necessários elementos de informação bancária, são manifestamente insuficientes, até porque são eles que atestam a divergência entre o preço de venda e o VPT, para provar que o preço que consta da escritura pública de compra e venda é o que tem correspondência com os montantes que foram efectivamente recebidos pela ora recorrente, não tendo sido pago
mais qualquer montante aos administradores da mesma.

33ª) Pelo que, improcede o recurso jurisdicional interposto pela recorrente.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas.:
a) deve ser concedido provimento ao recurso subordinado interposto pelo R., quanto à fixação do valor da causa, devendo a sentença
recorrida ser revogada nesta parte e atribuído à acção o valor de €30.000,01;
b) deve ser negado provimento ao recurso interposto pela A. e, em consequência, deve ser mantida a sentença, a fls…, na parte em que
absolveu o R. e ora recorrido de todos os pedidos formulados pela mesma A.”
*

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso subordinado, tendo finalizado as alegações do mesmo com as seguintes conclusões:

1ª) A sentença a fls…, fixou como valor da causa o montante €10.025.846,00, nas suas palavras correspondente “ à diferença entre o valor patrimonial tributário das frações fixado pela AT e o valor da transmissão que a Autora pretende considerar e que, desse modo, é o que representa o conteúdo económico dos atos impugnados.”

2ª) Ora, o R. e ora recorrente, não pode concordar com a fixação de tal valor, pelo que, interpõe recurso subordinado, nos termos do art. 633º nº 1 e 2 do CPC, da mesma sentença e, unicamente, na parte em que esta atribuiu à causa aquele valor.

3ª) Na verdade, atendendo aos artigos 31° a 34° do CPTA, o montante ora fixado pelo Mmº Juiz “ a quo” é inadequado, uma vez que o acto impugnado não apreciou o mérito da pretensão da então A., tendo-a indeferido liminarmente por falta de requisitos legais.

4ª) E foi isto mesmo que a decisão recorrida considerou tendo concluído pela não possibilidade de conhecimento do pedido cumulado formulado pela então A., pelo que, decidiu que o acto devido nunca seria o deferimento da pretensão, mas sim, a condenação da AT na apreciação do mérito da mesma.

5ª) Donde, não está em causa processo em que o seu valor seja determinável, logo, nos termos do art. 34° do mesmo CPTA, o valor da acção deve ser considerado superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, pelo que, atendendo à data da interposição da acção, deve ser corrigido para 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo).

6ª) Caso se entenda não ser de proceder o recurso subordinado do Recorrido quanto ao valor da causa, desde já e à cautela, requer-se que o Tribunal se pronuncie e decida pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que não foi realizada audiência destinada à produção de prova testemunhal, que ao Tribunal se pede que analise e decida sobre uma questão que não se afigura revestir grande complexidade, face ao bem fundado da posição da AT patente nos autos, cfr. art. 6º nº 7 do RCP.”
*
A Recorrida “A. – Investimento Imobiliário, S.A.” não apresentou contra– alegações.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto notificado nos termos do artigo 146º, nº 1 do CPTA.
*
Dispensados os vistos legais, com a concordância das Exmas. Juízes Desembargadoras Adjuntas, nos termos do artigo 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), vem o processo à Conferência, para julgamento.
*
I.2 Do Objecto do Recurso - Questões a apreciar e decidir

As questões que cumpre apreciar, suscitadas pela Recorrente “A., SA”, nos termos do artigos 635º, nº4 e 639º CPC, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT - é saber a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto e omissão de pronúncia; bem como de erro de julgamento, face à invocada inconstitucionalidade do art. 139º, nº 6 (anterior 129º, nº 6) do CIRC) por violação dos princípios: (i) do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva; (ii) da tributação das empresas pelo rendimento real; (iii) proporcionalidade(iv) da igualdade tributária (vi) da reserva da intimidade da vida privada. E ainda erro de julgamento quanto à interpretação do normativo aplicável.

A questão suscitada pela Recorrente Administração Tributária e Aduaneira, em recurso subordinado, é saber se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à fixação do valor, e previamente aquilatar da possibilidade de conhecimento do recurso subordinado interposto

II - Fundamentação

II.1 – Dos Factos

II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
1 – Factos Provados
Com relevo para a decisão a proferir, está provado que:
1. Em 10.12.2003, entre a Autora e a sociedade que gira sob a firma “C., S. A.”, NIPC (…), foi celebrado um acordo escrito de cujo teor, na parte que aos autos releva, se retira:
(…)
Cláusula Primeira
1.Pelo presente, a A. e a CPH declaram as respectivas posições de princípio, no sentido de que a primeira venda à segunda, que comprará, as FRACÇÕES, destinadas à instalação e à exploração de um hipermercado (e na qual será ainda instalada, a expensas da CPH, uma loja “box” destinada à venda em regime de auto-serviço de produtos alimentares, nas áreas de electrodomésticos, equipamentos de som, audiovisuais, telecomunicações, informática e novas tecnologias).
2.A descrição genérica das FRACÇÕES é a que consta do anexo I.
3.Adicionalmente, a A. comprometer-se-á a, a suas expensas, construir um “entre-piso”, conforme consta também do Anexo 1.
(…)
Anexo Técnico (...)
2 Cais de Cargas e Descargas
Fica localizado no nível 03, o acesso é a partir da Rua (...).
Ficam destinados ao uso exclusivo da A. os quatro lugares de estacionamento identificados no desenho referido em 1.1.
É autorizada a A. a executar a vedação nos contornos definidos no mesmo desenho. O Fecho será fornecido e executado pela AUVI, conforme mapa de vãos a fornecer por A..
3 Infraestruturas Definitivas
(…)
3.2 Telefones
A. garante, no limite da loja alimentar, alimentação para RGE até 40 pares, a instalar pela A..
(…)
3.4 Abastecimento de Água
O abastecimento de água ao depósito é da responsabilidade da A..
O depósito com capacidade para 50 + 50 m3 localiza-se no nível 03 em zona comum de uso exclusivo, conforme desenho referido em 1.1.
O depósito será executado pela A..
A rede de abastecimento até ao limite da loja será executada pela AUVI. A instalação de Bombagem será executada pela A..
(…)
3.6 Rede de Esgotos e Caixas de Gorduras
As redes e caixas sob as lajes térreas dos níveis 03 e 02 serão executadas pela A. a encargo da A..
(…)
5 Condições Técnicas
5.1 A A. garante:
5.1.1 As sobrecargas uniformemente distribuídas são as que constam do desenho referido em 1.7.
5.1.2 Os pavimentos interiores serão entregues em betão.
5.1.3 As cotas de tosco e limpo dos pavimentos são as constantes dos desenhos referidos em 1.1, 1.2, 1.3 e 1.4, devendo as peças de arquitectura referenciar no piso 03 (por baixo do mezanino), a cota de limpo de 3,00 m, para efeitos de licenciamento.
5.1.4 Os pés direitos são os constantes dos desenhos referidos em 1.1, 1.2, 1.3 e 1.4. Carece de definição ao nível de projecto de estruturas, o pé direito (variável) sob a rampa de acesso ao cais de cargas e descargas, entre os eixos Y1.1 e B (ver desenho referido em 1.3).
5.1.5 As fachadas serão executadas dando cumprimento ao DL 118/98 e 40/90.
5.1.6 Vãos e Fachadas – Todos os vãos serão fornecidos e executados pela A., desde que situados no perímetro dos espaços, pertença da loja alimentar (excepto os vãos de fecho loja/mall do Centro Comercial).
5.1.7 Os tectos na zona de betão, serão entregues com descofrados e prontos a receber pintura.
5.1.8 A A. executará, em bloco com junta limpa à face do bloco, uma parede e respectivos vãos na alvenaria, por forma a dividir o armazém da zona comercial piso 02, e o armazém do cais de cargas e descargas piso 03, conforme lay-out a apresentar pela A..
5.1.9 A possibilidade de saída e entrada de ar pela fachada será assegurado pela AUVI, de acordo com o dimensionamento de necessidades apresentadas pela A. (faltam 5m2 nas couretes do lado do híper).
5.1.10 Os negativos em lajes assinalados nos desenhos referidos em 1.1 e 1.2, acrescidos das áreas, conforme necessidades apresentadas pela A..
5.1.11 As áreas técnicas constantes no desenho referido em 1.4., a A. é autorizada a utilizar os entre-pisos que venha a necessitar para a instalação de equipamentos no interior do seu espaço.
5.1.12 Os pontos de ligação à rede de terras constantes do desenho referido em 1.6.
5.2 A A. EXECUTA
5.2.1 Todas as impermeabilizações interiores, serão da responsabilidade da A..
5.2.2 Todos os vãos interiores incluindo os gradões no limite da loja alimentar com o mall, serão fechados e executados pela A..
5.2.3 Todos os trabalhos de desenfumagem, redes, infra-estruturas e respectivas ligações serão executados pela A..
5.2.4 Todos os trabalhos para além dos aqui referidos serão executados pela A., desde que situados no interior do perímetro do seu espaço.
6 Reclamos luminosos
Deverão ser definidos em conjunto, terão de ser aprovados pelo Promotor e serão executados pela A..
Caso haja totem a A. terá destaque no mesmo, comparticipando nos seus custos de execução e manutenção.
(…)
8 Lixos
A ser fornecido e executado pela A..
(…)
9 PT
A ser fornecido e executado pela A..
(…)
10 Áreas Técnicas
A A., poderá executar os entre-pisos que venha a necessitar.
(…)”;
Cf. documento de fls. 38 a 68 dos autos em suporte físico;

2. A ora Autora entregou os trabalhos referidos no acordo identificado no número anterior em 09.11.2004 – cf. documento de fls. 69/70 dos autos em suporte físico;

3. Em 30.06.2005, foi outorgada escritura pública intitulada de compra e venda, em que intervieram a aqui Autora e a referida “C., S. A.”, na qual aquela declarou vender a esta:
(…)
a)Por doze milhões cento e vinte mil duzentos e treze euros a fracção autónoma designada pelas letras “AB”, correspondente ao Espaço destinado a actividade do sector terciário, nos pisos zero três, zero três mezanino e zero dois, identificado com as letras da fracção, com entrada pela Rua (…), nºs 207 e 211 e pela Rua (…), nº 101;
b)Por dois milhões seiscentos e vinte e seis mil quatrocentos e noventa e um euros a fracção autónoma designada pelas letras “AC”, correspondente ao Espaço amplo destinado a actividade do sector terciário, nos pisos menos dois, identificado com as letras da fracção, com entrada pela Rua (...), n.ºs 207 e 211 e pela Rua (...), nº 101;
Que estas fracções fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Praça Heróis do Ultramar, nºs 1 e 2, Rua (...), nºs 191, 207, 211 e 220, Rua (...), nºs 101, 115, 117 e 119 e Rua (...), nºs 120, 122, 126, 128 e 130, da freguesia de (...), do concelho de Coimbra, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número seis mil setecentos e onze da freguesia de (...), com o título constitutivo da propriedade horizontal registado pelas inscrições F – Apresentação número trinta e um, e vinte e quatro de Novembro de dois mil e quatro, F – Apresentação número trinta e nove, de dois de Maio de dois mil e cinco e F – Apresentação número quarenta de dois de Maio de dois mil e cinco e inscrito no artigo provisório 11945 da respectiva matriz predial, tendo sido apresentada a declaração para a sua inscrição no Primeiro Serviço de Finanças de Coimbra em vinte e cinco de Abril último, estando registado o direito de superfície a favor da sociedade vendedora pela inscrição F – apresentação número quinze, de vinte e dois de Junho de dois mil e quatro.
Declararam, ainda, os outorgantes, nas respectivas qualidades em que outorgam e sob sua inteira responsabilidade:
Que, nos preliminares do presente contrato, não houve intervenção de qualquer mediador imobiliário.
Ficam, ainda, arquivados: o documento nº 160 905 009 727 303, passado em 20.05.2005 pelo Sexto Serviço de Finanças de Lisboa, para pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis; a declaração para a respectiva liquidação; e duas certidões passadas pelo Segundo Serviço de Finanças da Feira, comprovativas de que a sociedade vendedora renunciou à sobredita isenção do IVA, em relação à alienação ora titulada.
Cf. documento de fls. 71 a 75 dos autos em suporte físico;

4. Em Outubro de 2006, foi a aqui autora notificada da avaliação das frações referidas na escritura a que vem de aludir-se, tendo sido fixado como valor da fração identificada pelas letras “AC” o valor de € 5.094.000,00, e à fração identificada pelas letras “AB” o valor de € 19.678.550,00 – cf. documentos de fls. 76 e 77 dos autos em suporte físico;

5. Em 10.11.2006, a aqui Autora apresentou junto do serviço de finanças de Coimbra – 1 requerimento destinado à realização de segunda avaliação das frações em causa – cf. documentos de fls. 78, 79 e 80 dos autos em suporte físico;

6. Em 12.04.2007, foi a Autora notificada do resultado da segunda avaliação, tendo sido mantidos os valores fixados na primeira avaliação – cf. documentos de fls. 92 e 93 dos autos em suporte físico;

7. Em 16.05.2007, a Autora remeteu ao serviço de finanças de Coimbra – 1 requerimento do seguinte teor:
(…)
Tendo sido notificada dos resultados da segunda avaliação, por si requerida, às fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal, inscritas na matriz predial urbana sob os artigos P 11945 AB e P 11945 AC, ambas da freguesia 060318 (...) (doravante simplesmente designadas “Fracções” ou “Imóveis”),
Vem, quantos aos mesmos apresentar requerimento de prova do preço efectivo da transmissão, nos termos do artigo 129º do Código do IRC, dirigido ao Ex.mo Senhor Director Distrital dos Impostos de Coimbra e com os fundamentos constantes do documento em anexo.
Junta: requerimento de prova do preço efectivo.”;
Cf. documento de fls. 94 a 105 dos autos em suporte físico;

8. Pelo ofício de datado de 18.06.2007, de referência 51499, o serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto notificaram a aqui Autora nos seguintes termos:
(…)
Em 17.05.2007 deu entrada no Serviço de Finanças de Coimbra – 1 um pedido de prova efectivo de transmissão de Imóveis, apresentado por V. Ex.ªas, nos termos do art.º 129.º do Código de IRC.
O procedimento vai correr termos nesta Direcção de Finanças, dado que a firma tem a sua sede em Vila Nova de Gaia.
Em conformidade com o o n.º 5 do referido art.º 129.º do CIRC o procedimento rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, pelo que o pedido apresenta omissões que terão de ser corrigidas sob pena do processo ser liminarmente rejeitado.
Assim sendo, ficam desta notificados para no prazo de dez dias nomear perito da parte, com indicação do nome e morada, que vos irá representar no debate contraditório a que se refere o n.º 1 do art.º 92.º da Lei Geral Tributária.
No mesmo prazo, deverão apresentar, de harmonia com o determinado no n.º 6 do referido art.º 129.º do Código do IRC os documentos de autorização para a Administração Fiscal aceder à informação bancária da requerente e dos respectivos administradores e gerentes referentes ao exercício em que ocorreu a transmissão das fracções e ao exercício anterior.”;
Cf. documento de fls. 106 dos autos em suporte físico;

9. Em resposta ao ofício referido no número que antecede, a Autora remeteu ao serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto, em 29.06.2007, requerimento do qual consta o seguinte:
(…)
1 - A A., veio apresentar pedido de prova de preço efectivo de transmissão de imóveis, nos termos do artigo 129º do CIRC, com base no facto (detalhadamente descrito no requerimento apresentado e provado por documentos aí juntos) de a fracção autónoma em questão ter sido transmitida em data muito anterior à da constituição da propriedade horizontal respectiva, quando ainda se encontrava a sua construção em tosco.
2 – Tal significa que à data da avaliação efectuada, para efeitos de determinação do VPT do imóvel – data esta correspondente á da mencionada constituição da propriedade horizontal – a fracção em causa tinha um valor venal em muito superior ao da data em que foi efectiva e comprovadamente transmitida.
3 – Assim sendo, provado resulta dos documentos juntos ao requerimento da Empresa que o valor da transmissão da fracção em causa não foi nem poderia ser nunca o correspondente ao VPT apurado após a conclusão da construção.
Em face de todo o exposto,
4 – Verifica-se como efectivamente desproporcionada e injusta a imposição que pretende fazer-se de obrigar à expressa autorização do levantamento do sigilo bancário de pessoas externas à Empresa, face aos reais contornos da situação para a qual se pretende ver provado o preço efectivo da venda de imóvel.
5 – Os contornos da operação, as razões da inaplicabilidade do VPT apurado após conclusão da construção à transmissão do imóvel feita em tosco e as condições em que foi acordada e concretizada esta transmissão, resultam inequivocamente provadas dos documentos que foram juntos ao requerimento apresentado.
6 – Mostra-se, pois, irrelevante, para apuramento da situação em concreto apresentada, a análise de informações bancárias referentes à Empresa ou aos seus administradores à data, pois que esta situação se revela patente e inequívoca da análise dos documentos juntos.
7 – Em tal situação fazer depender a análise do mérito do pedido da disponibilidade de 3 pessoas autónomas e independentes da Empresa, para abdicarem de um direito análogo aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados como é o direito ao sigilo bancário, mostrar-se-ia senão mais, ao menos como claramente violador dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça que regem o direito tributário.
8 – Assim em face do exposto, reitera a A. o pedido de prova do preço efectivo entrado a 17 de Maio de 2007.
9 – Nomeia como seu perito para a representar no debate contraditório subsequente o Senhor (…)”;
Cf. documento de fls. 107 a 109 dos autos em suporte físico;

10. Em 05.07.2007, o serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto elaborou a informação n.º 15/2007, tendo por base o pedido feito pela Autora, e da qual consta, para o que aos autos releva, o seguinte:
(…)
4 – Na petição refere resumidamente, que não apresenta os documentos de autorização porque se mostra desproporcionada e injusta a imposição para o levantamento do sigilo bancário, face aos contornos da situação para que pretende ver provado o preço efectivo da venda e que fazer depender a análise do mérito do pedido desta disposição seria violador dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da justiça que regem o direito tributário.
5 – Com efeito, o procedimento de prova de preço efectivo na transmissão de imóveis rege-se pelas disposições contidas no art.º 129.º do Código de IRC e pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária.
6 -Assim sendo, o n.º 6 do referido art.º 129.º do CIRC determina que a Administração Tributária pode aceder à informação bancária da requerente e dos respectivos administradores referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados ao pedido os documentos de autorização.
7 – Ora sendo esta uma norma peremtória, mostrado está que a não ser cumprida o pedido não poderá prosseguir, motivo pelo qual deverá ser indeferido e mandado arquivar.
(…)”;
Cf. documento de fls. 111 e 112 dos autos em suporte físico;

11. Sobre a informação que se acaba de referir recaiu despacho de concordância do chefe do serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto em 05.07.2007 – cf. documento de fls. 111 dos autos em suporte físico;

12. A Autora foi notificada da mesma informação por ofício de 05.07.2007, bem como para, querendo, se pronunciar sobre o teor da mesma – cf. documento de fls. 110 dos autos em suporte físico;

13. Em 13.08.2007, foi elaborada a informação n.º 19/2007 pelo serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto, de cujo teor se retira:
(…)
1 – Em complemento da informação n.º 15/2007 de 2007.07.05, cumpre informar que a reclamante identificada em epígrafe foi notificada, em 2007.07.09 do projecto de decisão exarado na referida informação, para exercer o direito de audição previsto no n.º 1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária, não o tendo feito dentro do prazo fixado e até à presente data.
2 – Assim sendo, mantemos o parecer que o pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis apresentado pelo sujeito passivo, nos termos do art.º 129.º do Código do IRC deverá ser indeferido e mandado arquivar, dado que não reúne todos os requisitos estabelecidos no referido artigo, nomeadamente o previsto no n.º 6.”;
Cf. documento de fls. 114 e 115 dos autos em suporte físico;

14. Sobre esta informação recaiu despacho de concordância do chefe do serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto, em 13.08.2007 – cf. documento de fls. 114 dos autos em suporte físico;

15. Sendo que o despacho e a informação que acabam de referir-se foram notificados à Autora pelo ofício de referência 6192/0208, de 13.08.2007 – cf. documento de fls. 113 dos autos em suporte físico;

16. Em 12.09.2007, a Autora remeteu ao serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto requerimento dirigido ao Sr. Ministro das Finanças, com a intenção de recorrer hierarquicamente do despacho de 13.08.2007 referido no ponto 14 – cf. documento de fls. 116 a 126 dos autos em suporte físico;

17. Em 02.11.2007, foi a Autora notificada do ofício de referência 83828/0208, datado de 31.10.2007, do seguinte teor:
“(…)
Ficam desta forma notificados, que por despacho do Sr. Subdirector-Geral para a área da Justiça Tributária, de 2007.10.23, proferido por subdelegação foi indeferido o recurso hierárquico com entrada nesta Direcção de Finanças em 2007.09.13, respeitante ao pedido de prova de preço efectivo, com o fundamento de não reunir todos os quesitos legais que deve obedecer, nomeadamente da falta de apresentação dos documentos referidos na parte final do n.º 6 do art.º 129.º do Código do IRC.
(…)”;
Cf. documento de fls. 127 dos autos em suporte físico;

18. Em 08.11.2007, foi apresentada pela Autora junto do serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto requerimento do seguinte teor
(…)
Tendo sido notificada, por ofício de V. Exa. n.º 83828/0208 de 31 de Outubro de 2007, da decisão de indeferimento que recaiu sobre o Recurso Hierárquico, interposto da decisão que havia indeferido o pedido de prova de preço efectivo, por si apresentado nos termos do artigo 129.º do CIRC, E verificando que aquela não contém todos os requisitos impostos por lei, Vem, quanto a esta, nos termos do artigo 37º do CPPT, requerer notificação dos requisitos omitidos, nomeadamente a fundamentação legalmente exigida – nomeadamente por via do cópia do Despacho de indeferimento proferido pelo Senhor Subdirector Geral para a área da Justiça Tributária – e a identificação do acto de delegação e subdelegação de competência referido, bem como, por fim, os meios e prazos de reacção contra o acto notificado.
(…)”;
Cf. documento de fls. 128 dos autos em suporte físico;

19. Em resposta ao requerimento que acaba de referir-se, por ofício assinado pelo chefe do serviço de apoio às comissões de revisão da Direção de Finanças do Porto, datado de 04.01.2008, e de referência 1026/0208, foi comunicado à Autora o seguinte:
(…)
Reportando-me à vossa petição com entrada nesta Direcção de Finanças, em 2007.11.08 relativamente ao assunto em epígrafe, ficam desta forma notificados de que por despacho do Sr. Subdirector-Geral da área da Justiça Tributária, de 2007.12.10, proferido por subdelegação, foi decidido que a fundamentação do indeferimento do recurso hierárquico foi a que foi transmitida no nosso ofício n.º 83 828/0208, de 2007.10.31.
A decisão foi proferida por despacho do Sr. Subdirector-Geral para a área da Justiça Tributária, de 2007.10.23, por subdelegação de competências, conforme despachos n.º(s) 24 391/2007, de 2007.10.04, de S. Ex.ª o S.E.A.F., publicado no DR, 2.ª Séria – n.º 205, de 24 de Outubro de 2007 e n.º 27 463/2007, de 2007.10.31, do Sr. Director-Geral, publicado no DR, 2.ª Série – n.º 236, de 7 de Dezembro de 2007.
Do referido acto cabe recurso contencioso, actualmente designado de “acção administrativa especial” a apresentar nos termos e prazos estabelecidos nos art.ºs 46.º e 58.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”;
Cf. documento de fls. 129 dos autos em suporte físico;

20. A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi remetida por correio registado expedido em 08.04.2008 – cf. documento de fls. 139 dos autos em suporte físico.
*
2 – Factos Não Provados
Com relevo para a decisão a proferir, inexistem.
*
3 – Motivação

Na determinação do elenco dos factos considerados provados o tribunal valorou e analisou o acervo documental que se encontra junto aos autos e ao processo administrativo apenso, o qual não foi objeto de impugnação ou mero reparo por qualquer das partes, inexistindo motivo para duvidar da sua autenticidade ou da fidedignidade do seu conteúdo, razão pela qual foi merecedor de crédito para efeitos probatórios.
Para melhor elucidação ficou indicado, a propósito de cada facto, o documento que, em concreto, alicerçou a convicção do tribunal.
Além da análise da prova documental, também mereceu consideração a posição assumida expressamente pela impugnante na petição inicial, designadamente no que diz respeito à notificação dos vários ofícios remetidos pelos serviços da Administração tributária (cf. itens 38, 41, 44, 51, 52, 56 e 60 da referida petição).”



II.2. O Direito

II.2.1 Do recurso jurisdicional interposto por “A., SA”

II.2.1.1 Das nulidades da sentença

A Recorrente “A. , SA”, doravante “A.” insurge-se contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a acção administrativa especial por si deduzida que, como supra referido, teve por objecto o despacho da entidade competente que determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de duas fracções autónomas, apresentado por si, nos termos do artigo 139º, nº 6 do Código sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) [anterior artigo 129º, nº 6 que, por efeito da renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, passou a ser o artigo 139º], com referência à alienação daquelas fracções autónomas, melhor identificadas nos autos.

II.2.1.1.a Inicia a sua divergência, com a sentença recorrida, invocando a nulidade da mesma falta de fundamentação de facto, por considerar que naquela não se procedeu a uma análise crítica da prova. Que, tendo junto determinados documentos, (acordo celebrado entre a Autora , ora Recorrente e a C., SA com vista à transmissão das duas fracções autónomas aqui em causa; auto de entrega e recepção da obra; escritura de compra e venda das fracções em caus e notificação da avaliação patrimonial das fracções transmitidas) o seu teor não foi plenamente valorado pelo Tribunal a quo, tão pouco foi enunciado porque motivo tais factos não foram objecto de valoração para efeitos de prova. [Conclusões 2ª a 7ª]

A demarcação do âmbito e alcance do dever de fundamentação das decisões judiciais está directamente relacionada com as funções por eles desempenhados, já que sendo uma das garantias fundamentais dos cidadãos num Estado Social de Direito contra o arbítrio do poder judiciário, a motivação das decisões judiciais desempenha uma dupla função: por um lado, impõe ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, por forma a persuadir os destinatários e a comunidade jurídica em geral; por outro, pela via do recurso, permite o reexame do processo lógico ou racional que lhe está subjacente. A eficácia da sentença e, em última análise, a legitimação do próprio poder jurisdicional dependem, pois, da forma como se mostra cumprido o princípio da motivação das decisões judiciais. Conforme é doutrina e jurisprudência pacíficas, só perante a absoluta falta de fundamentação estaremos perante uma causa de nulidade da sentença, nos termos do artigo 125º do CPPT e actual artigo 615 do CPC - cfr. Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-01-2014, processo nº 1182/12. No mesmo sentido ainda o acórdão do Pleno do STA de 16.11.2011, processo nº 0802/10, entre outros.
Como referia o Prof. Alberto dos Reis In Código de Processo Civil Anotado, volume V, pag 140., “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Todavia, como alerta o Cons. Jorge Lopes de Sousa In Código de Procedimento e de Processo Tributário 6ª edição 2011, Anotado e Comentado, Vol II, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.

Tendo presente o agora exposto, adiantamos desde já que no presente caso, não se verifica falta absoluta de fundamentação da sentença, que seja geradora da apontada nulidade, porquanto naquela, referiu-se na motivação da matéria de facto dada como não provada que: “Na determinação do elenco dos factos considerados provados o tribunal valorou e analisou o acervo documental que se encontra junto aos autos e ao processo administrativo apenso, o qual não foi objeto de impugnação ou mero reparo por qualquer das partes, inexistindo motivo para duvidar da sua autenticidade ou da fidedignidade do seu conteúdo, razão pela qual foi merecedor de crédito para efeitos probatórios.
Para melhor elucidação ficou indicado, a propósito de cada facto, o documento que, em concreto, alicerçou a convicção do tribunal.
Além da análise da prova documental, também mereceu consideração a posição assumida expressamente pela impugnante na petição inicial, designadamente no que diz respeito à notificação dos vários ofícios remetidos pelos serviços da Administração tributária (cf. itens 38, 41, 44, 51, 52, 56 e 60 da referida petição).”

Decorre do transcrito que a sentença fundamentou a fixação da matéria de facto dada como provada, ao contrário do alegado pelo Recorrente, constatando-se ainda que os factos suportados pelos documentos acima referidos constam do probatório – cfr. pontos 1, 2, 3 e 6 dos factos dados como provados.
Saber se decidiu bem ou não, não se incluiu na nulidade da sentença, mas sim num possível erro de julgamento.

Soçobram, assim, as presentes conclusões de recurso.

II.2.1.1.b A Recorrente, “A.” imputa, também nulidade à sentença, por omissão de pronúncia, no que tange à apreciação das inconstitucionalidades invocadas pelo impugnante na p.i., nomeadamente pela violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e o da igualdade contributiva, vertidos nos artigos 104º, nºs 1 e 2, e 13º, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP). [Conclusões 13 a 16ª]

Relembremos, para o que nesta sede se aprecia, que a omissão de pronúncia é uma das nulidades que podem ser imputadas à sentença, de acordo com o disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT: “Constituem causas de nulidade da sentença (…) a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (…)”
Comando legal idêntico encontra-se na alínea d) do artigo 615º, do Código de Processo Civil (CPC), em obediência ao fixado nº 2 do artigo 608º, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”
Existirá, pois, de acordo com o ínsito nos artigos agora referidos, omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas).
Sobre esta questão, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” - cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12). ( destacado nosso)

Iniciemos a nossa apreciação sublinhando que perscrutada a petição inicial, nela não foi invocada a violação pela norma 129º do CIRC do princípio da igualdade contributiva. Como vertido no artigo 167º da p.i., onde a agora Recorrente sumariou os princípios constitucionais violados, ali se referiu: “Tal imposição, acarretaria, desde logo, a inconstitucionaldiade da própria norma, por violadora de todos os parâmetros constitucionais (…)nomeadamente por ser violadora do direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26º CRP), do direito de reclamação (artigo 52º CRP) e dos princípios da tributação do rendimento real das empresas(artigo 104º, nº 2 CRP), da proporcionalidade (artigos 18º nº 2 e 266º da CRP) e da boa fé da administração (artigo 266º da CRP)”

Não existindo assim qualquer omissão de pronúncia por parte da sentença recorrida.

Quanto à omissão de pronúncia que a Recorrente imputa à sentença por falta de apreciação da inconstitucionalidade relativamente à violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real , corolário daquele princípio da igualdade, diremos que na sentença recorrida, nomeadamente, no seu Relatório (págs. 1, in fine, e 2), elenca os fundamentos aduzidos pela impetrante, iniciando-os, como a seguir se transcreve
“(…)
Para tanto, e em síntese, alega que:
(…)
- A exigência dos documentos de autorização de acesso a informação bancária a que se refere o n.º 6 do art.º 129.º do CIRC não pode ser considerada um requisito do pedido de prova do preço efetivo da transmissão, mas apenas da previsão de um meio acessório de prova a utilizar apenas em caso de imperiosa necessidade, sendo que um entendimento mais extensivo do preceito implica a sua inconstitucionalidade por violação do direito ao sigilo bancário enquanto dimensão do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, bem como do princípio da tributação das empresas pelo seu rendimento real;
- No caso concreto, o preço efetivo da transmissão está suficientemente provado, pelo que a exigência da autorização de acesso a informação bancária é inconstitucional por violadora do direito à reserva da intimidade da vida privada, do direito de reclamação, e dos princípios da tributação real das empresas, da proporcionalidade e da boa-fé da administração.(…)
Para, na “Fundamentação de Direito” (pág. 17, in fine a 19) se debruçar sobre a questão suscitada das inconstitucionalidades , como de imediato se reproduz:
“(…)Mas será tal preceito inconstitucional, [leia-se, artigo 129º do CIRC]como preconiza a Autora? Nomeadamente, por atentar contra o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, o direito de reclamação e os princípios da tributação das empresas pelo rendimento real, da proporcionalidade e da boa-fé da administração?
Também não lhe assiste razão.
Na verdade, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se debruçar sobre o assunto em questão, nomeadamente no seu acórdão n.º 521/2013. Nesse aresto, decidiu pela não inconstitucionalidade do disposto no n.º 6 do art.º 129.º do CIRC em mérito, aí se concluindo nos seguintes termos:
“O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio.
Sendo essa a finalidade do procedimento tributário, seria inteiramente inconsequente que a prova do contrário fosse efetuada, por simples iniciativa do interessado, e – como preconiza a recorrente -, através dos próprios documentos que titulam o contrato, dos meios de pagamento utilizados e dos elementos de contabilidade, quando o documento contratual é o mesmo que evidenciou a existência de uma possível simulação do preço e justificou a correção do valor da transmissão, e os outros meios de prova, em caso de ter havido a intenção de praticar fraude fiscal, deverão revelar uma aparente conformidade com o que consta do contrato.
Para além disso, o consentimento do interessado para permitir à Administração Fiscal confrontar esses elementos probatórios com outros dados cobertos pelo sigilo bancário é uma medida que se mostra consentânea com o dever de cooperação que incumbe ao contribuinte, tanto mais que o procedimento foi instaurado, no seu interesse, para repor a verdade material. A derrogação do sigilo bancário constitui, por outro lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios que o interessado estivesse na disposição de divulgar; e não é um meio desproporcionado ou excessivo se se considerar que a quebra de privacidade é inerente ao exercício do direito e ajusta-se aos objetivos do procedimento tributário utilizado (cfr. artigo 350º, n.º 2, do Código Civil).
Não se afigura, por conseguinte, que a disposição legal imponha uma restrição ilegítima do direito à reserva da vida privada e do direito ao processo equitativo em violação do disposto no artigo 18º, n.º 2, da Constituição.”
Entendimento do qual partilhamos na íntegra (e que, de resto, consta ainda dos acórdãos do TCA Sul de 10.01.2014, proferido no processo n.º 06090/12, e de 21.05.2013, proferido no processo n.º 06309/13, sendo que este último viria a dar origem ao acórdão do Tribunal Constitucional acima transcrito).
Na verdade, o art.º 58.º-A, n.º 2, do CIRC vigente à data dos factos pode ser entendido como uma norma anti-abuso especial, na medida em que permite obviar a situações de fraude ou evasão fiscal que possam estar relacionadas com a simulação de preço, ou seja, a casos em que o valor declarado é inferior ao valor real do negócio.
Assim, são dois valores que se defrontam: de um lado, a transparência fiscal e o combate à fraude e à evasão fiscais; de outro, o direito ao sigilo bancário.
O direito ao sigilo bancário, entendido como dimensão do direito à reserva da intimidade da vida privada (consagrado no art.º 26.º, n.º 1, da CRP) não é absoluto, e terá de ceder perante interesses igualmente relevantes. E é o que in casu sucede, tendo de ceder perante o interesse público do combate à fraude e evasão fiscais.
Mas essa cedência não é absoluta, porque apenas se permite, através da autorização concedida ao abrigo desta norma, que as informações consultadas e obtidas se cinjam exclusivamente à comprovação do preço efetivo de venda, não podendo ser utilizadas para qualquer outra finalidade. Foi nesse sentido que se pronunciou o STA em acórdão de 05.09.2012, proferido no processo n.º 0837/12.
Perante o confronto desses interesses, o acesso à informação em causa mostra-se constitucionalmente admissível, ficando limitado aos efeitos previstos na norma que o autoriza, com exclusão de qualquer outra finalidade. E é também por isso que se revela proporcional e adequado, enquanto meio de conciliar os interesses em presença, justificando-se desse modo a compressão parcial de um direito como forma de salvaguardar outro interesse relevante – tudo como foi igualmente entendido pelo Tribunal Constitucional.
A alusão à boa-fé da Administração (princípio previsto no art.º 266.º da CRP) enquanto fundamento de inconstitucionalidade do preceito também não merece acolhimento. Desde logo, porque estamos perante uma imposição legislativa, e a Administração está inelutavelmente sujeita ao cumprimento da lei, não lhe podendo ser assacada a violação da boa-fé exigida no seu relacionamento com os administrados quando se limita a dar execução aos ditames legislativos (aliás, o respeito pela legalidade surge como a primeira referência feita no n.º 2 do art.º 266.º da CRP, desenvolvido ao nível da legislação ordinária no art.º 8.º da LGT). Depois, porque a presunção de boa-fé das atuações dos contribuintes e da Administração tributária (vertido no n.º 2 do art.º 59.º da LGT) não funciona como mecanismo de impedimento à consagração de soluções que visem confirmar a realidade dos factos tributários. Pelo que fica arredada qualquer violação da lei fundamental por esta via.
E o mesmo se diga, finalmente, do direito de reclamação (e também aqui se poderia falar do direito à tutela jurisdicional efetiva). A circunstância de o legislador exigir, neste caso específico do art.º 129.º do CIRC, autorizações para acesso a informação bancária não impede, de per si, o acesso aos meios de impugnação, administrativa ou contenciosa, da atuação administrativa. Esse controlo fica, simplesmente, limitado ao cumprimento de um ónus prévio, conforme aos ditames da proporcionalidade (nos termos já analisados) que em nada colide com o direito de reclamação ou de impugnação contenciosa.
Assim, e pelo exposto, verifica-se que a atuação da Administração tributária não violou o disposto no art.º 129.º, n.º 6, do CIRC, nem esta norma atenta contra os princípios constitucionais invocados pela Autora.(…)”

Decorre do agora transcrito que a sentença apreciou a questão das inconstitucionalidades invocadas pela impugnante, agora Recorrente. Saber se se concorda com o raciocínio nela efectuado não se encontra no âmbito da apreciação da nulidade de sentença, mas sim, na existência de um possível erro de julgamento.

Não tendo a sentença incorrido em nulidade por omissão de pronúncia, sucumbem as conclusões de recurso, quanto ao presente segmento.


II.2.1.2 Do erro de julgamento

A Recorrente continua a insurgir-se contra a sentença, imputando-lhe erro de julgamento de facto por não terem sido relevados como factos provados os documentos a que a Recorrente alude na conclusão 3ª do seu recurso, atenta a manifesta relevância dos mesmos para uma boa decisão da causa. E que deveriam ter sido dados como provados os factos vertidos na conclusão 10ª das conclusões de recurso.[Conclusões 8ª a 13ª]
Mas sem razão.
Tendo presente os factos a que a Recorrente alude, que nos abstemos aqui de reproduzir, suportados nos documentos elencados na conclusão 3ª do recurso, sempre se diga que constam do probatório os factos que se encontram suportados em tais documentos. Assim, pontos 1., 2., 3. e 6 da matéria de facto dada como provada.
Não se vislumbra assim qualquer insuficiência no julgamento de facto. Acresce referir que, como a Recorrente afirma na conclusão 10ª, pretendia impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, impunha-se que identificasse esses mesmos pontos, o que não ocorreu, pois só assim, estaria cumprido o ónus que o artigo 640º, antigo 685ºB do CPC faz recair sobre o/a Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto.
O que, como vimos, não se verificou, por não terem sido identificados os pontos do probatório que a Recorrente considerava incorrectamente julgados.

Destarte, rejeita-se o recurso, neste segmento,
Avancemos.

A Recorrente invectiva, ainda, contra a sentença assacando-lhe erro no julgamento de direito relativamente à invocada inconstitucionalidade do artigo 129º, nº 6 do CIRC, por violação dos seguintes princípios: da reserva à intimidade da vida privada, do princípio da proporcionalidade, do Estado de Direito, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade tributária.[Conclusões 18ª a 33ª]
Apreciemos.
O artigo 129ºdo CIRC, sob a epígrafe “Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis” determinava que:
“1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.”.
Por sua vez o artigo 58º-A do CIRC sob a epígrafe “Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, dispunha, ao tempo que:
“ 1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
(…)”.
Como se afirmou no recentíssimo acórdão deste TCAN, de 28.01.2021, proferido no processo 3022/10BEPRT, em que a questão tratada foi idêntica: “(…)Tal não será assim considerado se for apresentado pelo sujeito passivo um pedido de demonstração de preço efectivo praticado nas transmissões.
Tal prova deve ser efectuada em procedimento próprio desencadeado pelo próprio sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao Director de Finanças competente, o qual se rege pelo disposto nos artigos 91º e 92º da LGT.
Face à apresentação do pedido de demonstração do preço efectivo a Administração Fiscal (AF) pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização (negrito e sublinhado nosso), ou seja, a AT tem o poder de aceder às informações bancárias dos sujeitos passivos e/ou dos seus administradores, gerentes ou representantes legais com vista a dissipar as dúvidas sobre o preço em discussão. Assim, a autorização de acesso às contas bancárias do sujeito passivo e dos seus administradores, gerentes ou representantes legais é condição necessária da instauração do procedimento de prova dos preços efectivos.
(…)
Ora, a finalidade deste regime de prova é, outrossim, permitir ao sujeito passivo a apresentação de elementos probatórios aptos a demonstrar que não existe qualquer diferença entre o preço declarado no título de transmissão e o preço efectivamente praticado (embora este último seja inferior ao VPT) que justifique a aplicação da norma anti-abuso constante do artigo 64.º [artigo 58º-A] do Código do IRC. Por outras palavras, aquilo que incumbe ao sujeito passivo é demonstrar que não existiu qualquer simulação de preço que justifique a consideração de um valor de realização (na perspectiva do vendedor) superior ao preço de venda efectivamente praticado – cfr. artigo 139.º [artigo 129º]do Código do IRC.
Esta presunção é ilidível, i.e., admite prova em contrário, embora essa prova não seja livre, devendo seguir um procedimento.
Com efeito, a lei desenhou um regime próprio de ilisão. Esse regime encontra-se vertido no art. 129º, nºs 3 a 6 do CIRC (…), traçando-se nestas normas e, complementarmente, na regulamentação constante dos art. 86º, nº 4, 91º e 92º, todos da LGT, a disciplina respectiva. Parece, assim, claro que a lei não se basta com os meios gerais de prova para que o contribuinte demonstre que o preço efectivo foi menor que o VPT apurado.
Mais do que isso, a lei optou por criar um procedimento regulamentado para afastar a presunção, cuja tramitação está devidamente prevista na LGT e que passa pelo requerimento da sua abertura, indicação de perito pelo contribuinte, designação de perito pela AT, nomeação de perito independente, reunião de peritos e decisão por acordo ou pelo órgão competente (neste sentido cfr. art.s 91º e 92º da LGT).
Trata-se de um procedimento formal, iniciado através da apresentação de requerimento dirigido ao Director de Finanças competente (art. 129º, nº 3 do CIRC) e seguindo a tramitação estabelecida nos artigos 91º, 92º e 84º, nº 3, todos da LGT, com as necessárias adaptações (vd. art. 129º, nº 6 do CIRC).
Neste sentido, já teve oportunidade de se pronunciar o Tribunal Central Administrativo Sul cfr. Acórdão do TCA Sul, de 21 de maio de 2013, proferido no processo n.º 06309/13, tendo decidido que o procedimento de prova do preço efectivo: “[…] tem como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe, assim, obviar à aplicação do disposto no artº.58-A, nº.2, do mesmo diploma legal (correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).” – e, bem assim, que o acesso da AT às contas bancárias deve limitar-se: “[…] ao estritamente necessário aos fins de demonstração do preço efectivo da transacção em causa.” - cfr. Acórdão do TCA Sul, de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 06090/12.
A propósito da relevância do acesso às contas bancárias para dissipar eventuais dúvidas quanto ao preço efectivo de um imóvel, decidiu o Tribunal Constitucional: “A lei permite […] que o interessado faça prova […] do preço efectivamente praticado, mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da requerente e dos seus administradores ou gerentes. O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio. […] A derrogação do sigilo bancário constitui, por outro lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios.” - cf. Acórdão do Tribunal Constitucional de 14 de Fevereiro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 521/2013, disponível in.www.dgsi.pt..(…)”
Sobre as inconstitucionalidades alegadas pela Recorrente, continuamos a seguir o aresto que vimos citando”(…)acerca da constitucionalidade do art. 139º, nº 6 do CIRC (anterior 129º, nº 6), já se pronunciaram quer o Tribunal Constitucional cfr. acórdão nº 442/2007, de 14/08/2007 e 521/2013, de 14/02/2014., quer o Supremo Tribunal Administrativo cfr. acórdão 01639/10.1BELRA O30/18., quer os Tribunais Centrais Cfr. por todos acds. TCAS de 31/05/2013, processo 0639/13 e de 19/02/2013, processo 6091/12., todos de modo uniforme e reiterado. A título de mero exemplo, e porque reúne a apreciação dos princípios que o Recorrente considera aqui violados, fazendo apelo aos vários Acórdãos que já foram proferidos pelo Tribunal Constitucional, quer no âmbito da apreciação da constitucionalidade do art. 129º, nº 6 do CIRC, quer no âmbito da redacção posterior a que corresponde ao art. 139º, nº 6 do CIRC, visando uma interpretação e aplicação uniforme do direito (art. 8º, nº 3 do Código Civil), iremos aderir ao Acórdão do STA proferido em 20/04/2020, no âmbito do processo nº 01639/10.1BELRA 030/18 disponível in: www.dgsi.pt., que apresenta o seguinte sumário: “O nº 6 do art. 129º do CIRC, na redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efectivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respectivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da tributação pelo lucro real (art. 104º, nº 1, da CRP, 3º, nº 1, al. a), e 17º, nº 1, do CIRC); do princípio da proporcionalidade (art. 18º, nº 1 da CRP), do direito à reserva da intimidade da vida privada (art. 26º, nº 1 da CRP) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º, nº 1 e 4 e 104º, nº 1 da CRP) ”.
Assim, refere aquele douto Aresto que:
Ao princípio da tributação pelo lucro real se refere o artigo 104.º n.º1 da C.R.P., com expressão nos artigos 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º1, do C.I.R.C..
Tal princípio, sendo de contextualizar com o dever de pagar impostos corresponde a um dever fundamental dos cidadãos, plasmado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, traduz-se no poder-dever de criar impostos e determinar a forma da sua coleta, com vista a uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, conforme o Tribunal Constitucional refere no acórdão n.º 517/2015, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
De acordo com o que neste acórdão se refere:“10. No âmbito da tributação das pessoas coletivas, a Constituição optou claramente pela tributação dos lucros reais, ou seja, os lucros efetivamente auferidos pelas empresas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 104.º, em detrimento de um outro modelo possível, assente na tributação dos lucros normais, que, partindo de uma pressuposição dos lucros auferíveis em determinadas condições normais, poderia corresponder a um cálculo por excesso ou por defeito dos lucros realmente obtidos em cada ano (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1100).
Tal opção, porém, é assumida, pela Constituição, de uma forma tendencial, o que impressivamente resulta da utilização do advérbio fundamentalmente. Compreende-se esta consagração mitigada do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que a prevalência absoluta deste princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informação sobre os resultados das empresas. Pelo que, em alguns sectores, “acabam por ser tributados não os lucros efetivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados” (cfr. idem, ibidem, p. 1100).
Ainda assim, a prevalência do princípio da tributação das empresas segundo o seu lucro real acarreta um aumento da intensidade da cooperação exigida ao contribuinte, que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos. Esta exigência poderá, porém, determinar a restrição ou condicionamento de direitos, imposta pela necessidade de fiscalizar o cumprimento de tais deveres.”
Ou seja, a previsão legal constante do referido art. 104.º, n.º 2, da C.R.P., comporta que, em alguns sectores possam ser presumidos lucros e, que, resultando tributação por excesso ou por defeito, sejam previstos deveres declarativos acrescidos para fiscalização por parte da administração.
Tal o que ocorre no caso de transmissão de imóveis, em que de acordo com o art. 129.º (actual 139.º) do C.I.R.C., os preços efectivamente praticados podem ser demonstrados pelo contribuinte, em detrimento dos valores patrimoniais tributários, apurados de acordo com o previsto no artigo 58.º-A (actual 64.º) do C.I.R.C. e assim deixem de ser presumidos lucros.
Ao se prever no n.º 6 do dito 129.º, o dever de anexação, para acesso a contas bancárias, de declarações por parte de administradores e gerentes, não só se insere em tais deveres, como ainda no dever geral “de lealdade, no interesse da sociedade”, previsto no art. 64.º do C.S.C., na redacção dada pelo art. 4.º do Dec-Lei n.º 76-A/2006, de 29/3, por parte de administradores e gerentes.
Aliás, segundo as invocadas normas do IRC em que alegadamente o dito princípio obteve expressão, no caso das pessoas colectivas e das outras entidades nas mesmas mencionadas, resulta que o lucro se apura pela soma de variações patrimoniais positivas e negativas, determinadas com base em contabilidade, eventualmente corrigidas, o que só vem confirmar que o constante da contabilidade não é absoluto.
Assim sendo, não resulta a violação do dito princípio da tributação pelo rendimento real.

O previsto no art. 129.º n.º 6 do C.I.R.C. obedece ao princípio da proporcionalidade, a que se refere o art. 18.º, n.º 2 da C.P.R., e nas suas várias vertentes, de adequação, necessidade e, especificamente, da justa medida.
Tal o que resulta dos fins em vista, de proporcionar ainda desse modo um controle por parte da A.T. da elisão de presunção de rendimento do imóvel transmitido, mediante a prova do preço real, bem como é necessário, a se alcançar a verdade fiscal, pois aquele controle não pode ficar dependente apenas da prova oferecida.
Nesse mesmo sentido se pronunciou o referido acórdão do T.C. n.º 517/2015, reiterando o já decidido anteriormente pelo acórdão n.º 145/2014, citado na sentença recorrida, bem como no referido parecer da magistrada do Ministério Público, e que se encontra também acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
A esse propósito, foi aí ainda apreciado o seguinte, a que se adere:
“(…) a situação versada no acórdão nº 442/2007 Invocado pela recorrente. não é inteiramente coincidente com a do presente processo. Ali discutia-se, na situação de reclamação graciosa ou de impugnação judicial de atos tributários, a possibilidade de a Administração Fiscal aceder diretamente e, por isso, sem o consentimento prévio do interessado e sem necessidade de autorização judicial, a informação coberta pelo sigilo bancário, desde que esse acesso se mostre justificado perante os factos alegados pelo reclamante ou impugnante e desde que a informação bancária esteja relacionada com a situação tributária objeto da reclamação ou impugnação.
No caso vertente, ainda que esteja em causa um procedimento tributário que é também da iniciativa do sujeito passivo – e que constitui uma faculdade garantística dos contribuintes -, ele destina-se especificamente a efetuar a prova relevante para a fixação da matéria tributável relativamente à liquidação do imposto, e não implica o acesso direto à informação bancária, antes pressupondo um consentimento expresso do interessado mediante a concessão de autorização, a qual deve ser junta ao requerimento.”
Assim sendo, a justa medida não é também afetada.
III.2.3. Quanto à inconstitucionalidade por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada se referem os ditos acórdãos 145/2014 e 517/2015, essa inconstitucionalidade não ocorre, numa análise decorrente do bem protegido pelo sigilo bancário, a que também se adere:
“Como se considerou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007 (…) na linha de anterior jurisprudência, o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República.
(…)
Para além disso, reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes.
Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (acórdão n.º 42/2007) e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (acórdão n.º 278/95).
Por outro lado – como ainda se anotou no acórdão n.º 442/2007 - quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro).
Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado – ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos – “o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária” (CASALTA NABAIS, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, pág. 619).

Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente suscetível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração Tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido.
Em contrapartida, em ordem à necessidade de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e à realização dos fins inerentes ao sistema fiscal - incluindo a tributação segundo a capacidade contributiva e a distribuição equitativa da carga fiscal -, a Administração Fiscal está sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, pelo qual deve, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Princípio esse que é completado por um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração e os contribuintes (artigos 58º e 59º da LGT). O que torna por si justificável que ao dever de averiguação oficiosa da Administração se não possa opor, em termos absolutos, o direito à privacidade relativa a elementos de informação bancária.”

No que respeita à violação do direito à tutela judicial efectiva, e ainda de acordo com o que consta no referido acórdão n.º 517/2015, do T.C., por referência ao anteriormente decidido no n.º 145/2014, salienta-se agora o seguinte:
“No tocante à referência à violação do artigo 266.º da Constituição, igualmente não assiste razão à recorrente, porquanto, como se refere no citado acórdão, este preceito condensa vários princípios que consubstanciam “as medidas materiais da juridicidade administrativa que, como tal respeitam à própria atividade jurídica ou material da Administração.”

Veio também a Recorrente invocar a inconstitucionalidade do artigo 129º, nº 6 do CIRC, por violação do princípio da igualdade tributária, ínsito nos artigos 13º e 104º, nº 2 da CRP, dado o aditamento efectuado ao nº 6 do CIRC, pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao mencionar “(…)devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”, porquanto no seu entendimento veio converter o preço efectivo de alienação numa demonstração potencialmente impossível. [Conclusão 23ª]
Como plasmado no Acórdão n.º 695/2014, do Tribunal Constitucional “(…)o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional(…)”.
Em face do exposto, não vislumbramos como o aditamento efectuado pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao prolongar o dever de anexar os documentos de autorização aos administradores e gerentes possa violar o princípio da igualdade tributária, uma vez que como referido no acórdão do STA, acabado de citar, tal dever insere-se no dever geral de “lealdade, no interesse da sociedade” previsto no artigo 64º do CSC. Acresce ainda referir que a violação desta norma, pode originar, nos termos do artigo 72º do CSC responsabilidade dos administradores para com a sociedade. Nas situações a que se reporta o artigo 139º do CIRC, nomeadamente o seu nº 6, não estamos perante prova inilidível, pois todo o procedimento ali previsto, como se afirmou ainda no acórdão do STA, supra transcrito, constitui uma faculdade garantística dos contribuintes destina-se especificamente a efetuar a prova relevante para a fixação da matéria tributável relativamente à liquidação do imposto, e não implica o acesso direto à informação bancária, antes pressupondo um consentimento expresso do interessado mediante a concessão de autorização, a qual deve ser junta ao requerimento. Decorre, assim, que a existência do procedimento vertido no artigo 129º do CIRC, nomeadamente o seu nº 6, visa, ao contrário do afirmado nas conclusões de recurso, possibilitar ao impetrante afastar a presunção plasmada no nº 2 do artigo 58º-Aº.
Soçobram, assim, as conclusões de recurso, quanto ao presente segmento.

Por último, a Recorrente imputa erro de julgamento de direito à sentença recorrida porquanto, ao contrário do decidido, entende que só se justifica que o acesso às informações bancárias do sujeito passivo e de terceiros (os administradores) se processe no âmbito do artigo 129º, se a AT considerar, em concreto, imprescindível e justificado o acesso às informações bancárias dos sujeitos passivos e, sobretudo dos seus administradores. Mas nunca quando aquele acesso seja concretizado, como no presente caso, através de uma exigência “cega” e não justificada, consubstanciada na obrigatoriedade da apresentação das autorizações de levantamento do sigilo bancário em qualquer circunstância. Será a única interpretação daquele nº 6 do artigo 129º susceptível de não violar os princípios consignados no artigo 63º-B da LGT. O Recorrente apresentou toda a documentação necessária para que se mostre provado o preço efectivo de transmissão dos imóveis em apreço, sem ser necessária qualquer prova adicional. [Conclusões 57ª a 64ª]
Todavia também aqui as conclusões de recurso não podem colher.
Lida atentamente a petição inicial, antecipe-se que este fundamento no que tange à violação dos princípios ínsitos no artigo 63º-B da LGT não foi alegado. Dito por outras palavras, na petição inicial não vem invocada a violação dos princípios implícitos no artigo 63ºB da Lei Geral Tributária, pela interpretação dada ao nº 6 do artigo 129º do CIRC. Ali apenas foi invocada a ilegalidade do acto com os fundamentos , que melhor se referem na sentença e que foram apreciados, como de seguida se transcreve: ”(…) Na sua tese, o n.º 6 do art.º 129.º não pode ser interpretado no sentido de estabelecer a anexação das referidas autorizações como um requisito do pedido de prova do preço efetivo, mas somente como um meio acessório de prova requerida e que apenas será de lançar mão em caso de imperiosa necessidade. Outra interpretação que se mostre mais extensiva terá por consequência a inconstitucionalidade do preceito, por violação do direito ao sigilo bancário, incluído no direito fundamental à intimidade da vida privada.(…)
Em matéria de interpretação da lei tributária, o n.º 1 do art.º 11.º da LGT consagra como regra geral que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
O princípio geral relativo à interpretação encontra-se previsto no art.º 9.º do Código Civil, em cujo n.º 1 se lê que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. O n.º 2 do mesmo preceito esclarece que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. E, finalmente, lê-se no n.º 3 da norma em análise que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Tendo em conta o quadro jurídico que se referiu, é de concluir que não assiste razão à Autora quanto à interpretação pela qual pugna.
Na verdade, o que o n.º 6 do art.º 129.º do CIRC diz é que a administração fiscal pode aceder a informações bancárias, no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis. Por outro lado, a segunda parte da norma é esclarecedora no sentido de estatuir o dever (como resulta da expressão “devendo”) imposto ao requerente de, com o pedido, juntar as autorizações de acesso a informação bancária.
A norma divide-se, por assim dizer, em duas partes: na primeira, confere à Administração a possibilidade de, se assim o entender, aceder a informações bancárias se tal for necessário para comprovar o preço efetivo da transmissão; na segunda, impõe ao interessado que permita, desde logo, o acesso à informação bancária, de modo a permitir à Administração a utilização da hipótese consagrada na primeira parte do preceito.
Note-se que o art.º 129.º do CIRC, tal como se aplica in casu, resultou da alteração introduzida com a reforma da tributação do património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11. Foi o art.º 6.º deste Decreto-Lei que, à data, aditou ao CIRC o art.º 58.º-A, em cujo n.º 2 (que já transcrevemos) se previa ser de considerar o valor patrimonial tributário do prédio sempre que o valor constante do contrato lhe fosse inferior.
Ora, o art.º 129.º com a redação então conferida tem por intuito (cremos que de modo claro) servir de “válvula de escape” ao disposto no art.º 58.º-A então aditado; caso contrário, se não se permitisse a prova do valor efetivo, o n.º 2 deste preceito seria inconstitucional por violação do princípio da tributação das empresas pelo seu rendimento real, bem como violador do disposto no art.º 73.º da LGT, pois consagraria uma presunção inelidível (iuris et de jure) quanto ao valor da transmissão do imóvel.
Ou seja, conclui-se que a Administração tributária aplicou corretamente a lei, ao exigir como requisito do pedido a junção das autorizações de acesso a informação bancária, pois tal é exigido pelo n.º 6 do art.º 129.º do CIRC(…)”

E concordamos com a sentença.
Efectivamente, a renúncia à derrogação ao sigilo bancário é, nos termos do artigo 129.º do CIRC, um acto voluntário. Melhor, não se trata de uma verdadeira derrogação do sigilo bancário. Por um lado, não é a Administração Tributária que acede à informação bancária sem autorização do contribuinte. Por outro lado, o artigo 129º, nº 6 do CIRC refere que a AT “pode aceder” à informação bancária, não que esta aceda necessariamente. E esse acesso terá de ter sempre como objecto o acto de transmissão do imóvel e respectivo preço.
Acresce referir, como entende Elisabete Louro Martins, in “ O ónus da prova no direito fiscal”, Coimbra Editora, pág. 156, que “(…) o procedimento de prova do preço efetivo da transação constitui em termos processuais uma inversão do ónus da prova do valor do imóvel, uma vez que, a lei presume que o valor real pelo qual os imóveis são vendidos corresponde ao valor resultante da avaliação, que constituirá assim um valor de venda mínimo a ser considerado para efeitos fiscais. Não obstante, nos termos do artigo 350º do CC e do artigo 73º da LGT, o contribuinte tem a possibilidade de provar o facto contrário, ou seja, que o valor real da transmissão do imóvel não corresponde ao valor fixado na avaliação (…).“
E, como se plasmou no acórdão do Tribunal Constitucional, de 14.02.2014, processo 521/2013 e que aqui acompanhamos, no caso vertente “(…)houve lugar a uma correção oficiosa do valor da transmissão de bem imóvel nos termos previstos no artigo 58º-A do CIRC por ter sido detetado que o valor constante do contrato era inferior ao valor tributário do imóvel. A lei permite nessa circunstância que o interessado faça prova, através do procedimento especial previsto no artigo 129º do CIRC, do preço efetivamente praticado, mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da requerente e dos seus administradores ou gerentes.
O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio.
Sendo essa a finalidade do procedimento tributário, seria inteiramente inconsequente que a prova do contrário fosse efetuada, por simples iniciativa do interessado, e – como preconiza a recorrente -, através dos próprios documentos que titulam o contrato, dos meios de pagamento utilizados e dos elementos de contabilidade, quando o documento contratual é o mesmo que evidenciou a existência de uma possível simulação do preço e justificou a correção do valor da transmissão, e os outros meios de prova, em caso de ter havido a intenção de praticar fraude fiscal, deverão revelar uma aparente conformidade com o que consta do contrato.
Para além disso, o consentimento do interessado para permitir à Administração Fiscal confrontar esses elementos probatórios com outros dados cobertos pelo sigilo bancário é uma medida que se mostra consentânea com o dever de cooperação que incumbe ao contribuinte, tanto mais que o procedimento foi instaurado, no seu interesse, para repor a verdade material. (…)”.
Tendo presente todo o exposto, é de concluir que a sentença não incorreu em qualquer erro de julgamento.
Sucumbindo todas as conclusões de recurso, é de lhe negar provimento.


II.2.2 Do recurso jurisdicional subordinado interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira

A ATA veio também interpor recurso jurisdicional subordinado, nos termos nos 1 e 2 do artigo 633º do CPC, em que se insurge contra o valor fixado da causa, pela sentença, no montante de €10 025 846,00. Que em face dos artigos 31º e 34º do CPTA, o acto impugnado não apreciou o mérito da pretensão da então Autora, tendo-o indeferido liminarmente, por falta de requisitos legais. Tendo a sentença concluído pela impossibilidade do conhecimento do pedido cumulado formulado pela então A. (o da condenação ao acto devido), tendo decidido que o acto devido não seria o deferimento da pretensão, mas a condenação da AT na apreciação do mesmo. Donde, não está em causa processo em que o seu valor seja determinável, logo, nos termos do artigo 34º do CPTA, o valor da acção deve ser considerado superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo , pelo que atendendo à data da interposição da acção deve ser corrigido para 30 000,01 euros. [Conclusões 1ª a 6ª]
O presente recurso foi admitido em 1ª instância – cfr. 308 do processo físico. Todavia, nos termos do artigo 641º, nº 5 do CPC a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.
Impõe-se, por isso, apreciar se o presente recurso subordinado é de conhecer.
Entendemos que não. Expliquemos.
De acordo com o disposto no artigo 633º, anterior 682º do CPC, sob a epígrafe “Recurso independente e recurso subordinado” dispõe para o que aqui releva:
1 - Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.
2 - O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária.
(…)”

Ora, o presente recurso subordinado vem na sequência do recurso interposto pela autora (A.) da sentença que julgou totalmente improcedente os pedidos formulados acção administrativa especial por si deduzida. A ser assim, e como vimos pela apreciação do recurso interposto de tal decisão, o valor do processo não constitui objecto do recurso apresentado a título principal. Ora, o recurso subordinado serve apenas para a parte recorrer numa determinada decisão, na parte que lhe é desfavorável. Tendo a acção sido julgada totalmente improcedente, quem ficou vencido na acção, e por isso interpôs recurso da decisão, foi a Autora e não a agora Recorrente (ATA).
Deste modo, o recurso subordinado que vem interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é admissível, ao contrário do decidido em primeira instância, porquanto não se enquadra no previsto no artigo 633º do CPC, ex vi artigo 142º do CPTA.
A aqui Recorrente sempre poderia impugnar o valor fixado, contra legando no recurso interposto pela Autora e aí socorrer-se do mecanismo de ampliação do objecto do recurso, nos termos previsto no artigo 636º do CPC, o que não se verificou.
Como afirmam A.S. Abrantes Geraldes e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I em anotação 8. E 9. Ao artigo 633º, pág. 759, “Não deve contudo, estabelecer-se qualquer confusão entre o recurso subordinado e a ampliação do objecto do recurso a que se reporta o art. 636º. No recurso subordinado, a parte é vencida quanto ao resultado da acção (ou seja, quanto a um pedido, ou a um segmento do pedido), ao passo que nas situações reguladas no art. 636º releva a não aceitação de algum dos fundamentos de facto ou de direito que sustentavam a pretensão ou a defesa, ou a verificação de alguma nulidade decisória que não tenha interferido no resultado final. Assim, tratando-se de mero recurso de algum dos fundamentos da acção ou da defesa ou de nulidade que não tenham interferido, porém, no resultado que foi favorável à parte, a esta não cabe reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objecto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento do tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente.” ´
No caso, a parte indicou na p.i. o valor que foi mais tarde fixado na sentença, não tendo a agora Recorrente reagido, quanto a esta questão em sede de contestação.

Destarte, não se conhece do recurso subordinado inteposto.

II.2.3 Da dispensa do remanescente das custas
Ambas as partes vieram solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nesta instância.
De acordo com o ínsito n.º 7 do art.º 6.º do RCP, “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
O valor atribuído à presente causa foi de 10 025 846,00 euros, tendo o tribunal a quo fundamentado, assim, a sua decisão: “Nos termos do art.º 33.º, do CPTA, fixo à presente ação administrativa especial o valor de € 10.025.846,00, correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário das frações fixado pela AT e o valor da transmissão que a Autora pretende considerar e que, desse modo, é o que melhor representa o conteúdo económico dos atos impugnados.”
Será esse o valor tributável a ter em conta para efeito de custas. Valor esse que se apresenta algo superior a €275.000,00, montante a partir do qual passa a acrescer 1,5 UC, a final, por cada €25.000,00 ou fracção e que importa ponderar à luz do princípio da proporcionalidade aferido ao concreto serviço prestado.
Uma vez que as questões a decidir no presente recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não foi merecedora de reparo e o concreto valor das custas, não havendo dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a suportar pela parte vencida afigurar-se-ia desproporcionado em face do concreto serviço prestado, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2º da CRP, atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º , também da CRP.
Em consequência defere-se o requerido, pelo que deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.

III- Decisão

Termos em que acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em:
I - negar provimento ao recurso jurisdicional, interposto por “A. , SA” e manter a decisão judicial recorrida na ordem jurídica.

II – não conhecer do recurso jurisdicional subordinado, interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

III – Dispensar o remanescente de pagamento da taxa de justiça
*
Custas por “A., SA” no recurso, por si interposto.
*
Custas pela Fazenda Pública, no recurso por si interposto, fixando-se em 3 Uc´s a taxa de justiça.
*
Porto, 11 de Março de 2021


Cristina Travassos Bento
Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais