Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01777/21.5BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 02/10/2023 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; PRESCRIÇÃO; |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO AA instaurou ação administrativa contra a Câmara Municipal ..., ambos melhor identificados nos autos, pedindo, a título de responsabilidade civil extracontratual, a condenação desta no pagamento de uma indemnização global de €210.411,80, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Por saneador-sentença proferido pelo TAF do Porto foi julgada procedente a exceção de prescrição e absolvida a Ré do pedido. Deste vem interposto recurso. Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões: a) - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente procedente a exceção perentória de prescrição do direito, considerando prescrito o direito indemnizatório invocado pelo Autor/Recorrente, e consequentemente absolve o Réu do pedido. b) - O ora Recorrente, Autor nos presentes autos, intentou no pretérito dia 15 de julho de 2021 uma ação administrativa, pedindo a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização global de € 210.411,80, a titulo de danos patrimónios e não patrimoniais. c) - Além do mais, o autor instruiu a petição com oficio, que os serviços de segurança social lhe haviam enviado, com data de 02/08/2017, e onde lhe comunicavam que foi deferido o pedido de proteção jurídica que fizera, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários de patrono e atribuição de agente de execução; bem como procedeu ainda à junção de procuração a mandatário constituído. d) - A petição inicial foi recebida, foi distribuída, o Réu foi citado e apresentou a sua contestação. e) - Suscitada a questão sobre a eventual caducidade do apoio judiciário e prescrição do direito o Autor/Recorrente pronunciou-se e no que diz respeito a exceção de prescrição disse que assim teve conhecimento do direito que lhe competia, diligenciou e exerceu dentro do prazo legal o seu direito à indemnização contra a Ré, pelo que, o seu direito à indemnização jamais se encontra prescrito. f) - Assim, neste segmento da sentença recorrida configura-se questão decidenda a de saber o direito de indemnização do Autor/Recorrente encontra-se efetivamente prescrito. VEJAMOS, g) - Conjugando e aplicando todas estas disposições legais aos presentes autos, nomeadamente os artigos 498.º CC, 323.º do CC, e os artigos 33º, 34º e 24º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, facilmente se conclui que o direito do Recorrente/Autor jamais se encontra prescrito. h) - Na verdade, o Recorrente/Autor, só teve conhecimento do seu direito e dos factos geradores dos danos em 30/05/2017, data que em apresentou e requereu junto do competente serviço de segurança social proteção jurídica. i) - Tal pedido teve como finalidade a instauração de acção judicial contra a Câmara Municipal .... j) - Em tal pedido de proteção jurídica, foi requerido pelo Recorrente/Autor a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a nomeação e pagamento da compensação de patrono e a atribuição de agente de execução. k) - No pretérito dia 05/09/2017, é proferido e/ou é do conhecimento do Recorrente/Autor o despacho de concessão de apoio judiciário nas modalidades pedidas e suprarreferidas, l) - Assim sendo, o prazo de prescrição interrompeu-se no pretérito dia 30/05/2017, e, por resultado a acção instaurada pelo Recorrente/Autor considera-se proposta na data em que foi apresentado, requerido apoio judiciário com nomeação de patrono, ou seja, a 30/05/2017. m) - Acontece que, desde aquela data (30/05/2017) até ao dia 27/05/2019, data da notificação ao Recorrente/Autor do oficio/despacho proferido pelos Serviços de Segurança Social onde se retifica as modalidades de apoio concedidas, nomeadamente deixou de contemplar o apoio judiciário a nomeação de patrono, foram nomeados de forma sucessiva ao Recorrente/Autor nove patronos para instaurar a tão desejada e necessária acção judicial. n) - Ou seja, durante mais de um ano e meio após o pedido de nomeação de patrono, viu-se o Recorrente/Autor sem qualquer culpa e impedido de instaurar qualquer acção judicial, pois, os sucessivos patronos nomeados por impedimentos vários foram sempre requerendo e pedindo escusa adiando-se e/ou impedindo-se a instauração por estes da acção judicial pretendida pelo Recorrente/Autor e para a qual foram nomeados, o) - Pelo que, não pode ser imputável ao Recorrente/Autor para excluir a interrupção da prescrição nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, o não cumprimento por parte dos patronos nomeados, no âmbito do apoio judiciário, do prazo para propositura da ação previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de junho, na redação resultante da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto. p) - Conforme refere Salvador da Costa in “O Apoio Judiciário”, 2012, 8.ª Edição, Almedina, «(...) no caso do titular do direito substantivo pedir a nomeação de patrono no quadro do apoio judiciário, a ação considera-se proposta na data em que foi apresentado o referido pedido. Isso significa que, pedida a nomeação de patrono no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, queda irrelevante o prazo que decorra entre aquele momento e o da propositura da ação pelo patrono que venha a ser nomeado» e «Assim, a circunstância de a ação só ter sido proposta dois anos depois da apresentação nos serviços da Segurança Social do requerimento para a concessão do apoio judiciário na modalidade de patrocínio, é a data daquela apresentação que funciona para impedir o funcionamento da exceção de caducidade do direito de ação». q) - Também a jurisprudência maioritária vem afirmando que «A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – contida no falado art.º 323º n.º 2, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação.», acórdão de 20/06/2012, proferido no processo n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1. r) - A ultrapassagem do prazo legalmente previsto para que o patrono nomeado instaure a ação visada com a nomeação não é imputável ao requerente de apoio judiciário, não tendo qualquer relevo relativamente ao regime previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil. s) - Pelo que, desde o pretérito dia 30/05/2017 até ao dia 27/05/2019 o prazo de prescrição sempre se encontraria interrompido, e consequentemente a acção interposta pelo Recorrente/Autor no pretérito dia 17/07/2021 foi instaurada dentro do prazo legal. t) - Nas situações em que se solicita a nomeação de patrono para intentar uma ação judicial, como é o caso dos autos, esta considera-se proposta na data em que for apresentado o respetivo pedido de nomeação de patrono, conforme resulta do artigo 33.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho. u) - E o prazo de 30 dias, previsto no n.º 1 do artigo 33.º, tem natureza disciplinar para o patrono nomeado, como decorre do n.º 3 do mesmo artigo, e não natureza processual perentória para o carenciado de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono. v) - Assim sendo, irreleva, para efeitos prescricionais, o período de tempo que decorra entre a apresentação do requerimento de nomeação, junto da Segurança Social, e a data da apresentação da petição inicial pelo patrono nomeado, pela Ordem dos Advogados. x) - No caso em apreço, está provado, nomeadamente, que: O Recorrente/Autor só teve conhecimento do seu direito e dos factos geradores dos danos em 30/05/2017, data que em apresentou e requereu junto do competente serviço de segurança social proteção jurídico. No dia 30 de maio de 2017, o Recorrente/Autor requereu junto da Segurança Social a concessão do benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono, pedido esse deferido pela Segurança Social, em 02 de agosto de 2017 e recebido pelo Recorrente/Autor em 05/09/2017; Consequentemente, pela a Ordem dos Advogados foram comunicados aos Srs. Advogados a sua nomeação como patrono do Recorrente/Autor, as quais ocorreram entre o dia 31/07/2017 e 09/11/2018. A presente ação foi instaurada em 17 de julho de 2021. O Réu foi citado para a presente acção no dia 12 de novembro de 2021. z) - Ora, não estando provado que o atraso na propositura da ação tenha sido da responsabilidade do Recorrente/Autor, isto é, que o Recorrente/Autor tenha infringido objetivamente a lei, não se verifica a exceção da prescrição invocada pela Ré e confirmada pelo meritíssimo Juiz a quo. aa) - A prescrição é um instituto jurídico que materializa uma das formas de projeção do tempo sobre o exercício dos direitos. ab) - Conforme refere ANA FILIPA M. ANTUNES, «invocada com êxito, a prescrição determina a paralisação dos direitos, sempre que os mesmos não sejam exercidos, sem uma justificação legítima, durante um certo lapso de tempo fixado por lei. Confere-se, assim, ao beneficiário da prescrição, o poder ou a faculdade de recusar de modo lícito, a realização da prestação devida (cfr. n.º 1 do artigo 304.º - “tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”». Ainda de acordo com a mesma autora, «a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, assim uma única causa justificativa. Os principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a proteção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) a exigência de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a promoção do exercício oportuno dos direitos. ac) - Nos termos do artigo 303.º do Código Civil «o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; este necessita, para ser eficaz, de ser invocada, por aquele a quem aproveita», pelo que quem pretenda dela beneficiar tem de a alegar e provar em juízo. ad) - Tratando de um facto extintivo de direitos, o ónus de alegar e provar os respetivos fundamentos incide sobre o devedor, atento o regime decorrente do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, uma vez que é ao devedor que tal facto aproveita. ae) - Atenta a sua natureza e os efeitos que dela decorrem, a prescrição assume-se como uma exceção perentória, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil. af) - Resulta do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do Código do Civil que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver ocorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso. ag) - Este dispositivo estabelece um prazo específico de prescrição. ah) - Como prazo de prescrição que é, este prazo está sujeito às vicissitudes estabelecidas nos artigos 318.º e ss.º do Código Civil, e concretamente, ao regime de interrupção estabelecido nos artigos 323.º e seguintes daquele diploma. ai) - De acordo com o disposto no n.º 1 deste artigo, «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente». aj) - Por força do disposto no n.º 2 deste artigo, «se a citação ou a notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias». ak) - Decorre, por sua vez do n.º 1 do artigo 326.º do código Civil que a «interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (...) al) - Se for feita uma retrospetiva da evolução histórica sobre as disposições que regeram esta matéria, constata-se que o legislador sempre considerou assente o princípio de que a prescrição se interrompe pela citação, mas evoluiu para a consideração de que a citação tardia não imputável ao autor não o deveria prejudicar. am) - Assim, o efeito interruptivo estabelecido no n.º 2 do art.º 323º citado, pressupõe a concorrência de três requisitos: - Que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; - Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; - Que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao Autor. an) - É dizer que aquele benefício, assim concedido ao credor, exige necessariamente – para além da verificação daqueles dois primeiros requisitos – que o demandante não tenha adjetivamente contribuído para que a informação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de cinco dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efetiva prática do ato informativo”.» Mais, ao) - Conforme resulta do n.º 4 do artigo 33º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 29 de julho, (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais) e sob a epígrafe «Prazo de propositura da ação», «a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono». ap) -Assente que a ação se tem de considerar proposta na data em que é apresentado o requerimento de concessão de apoio judiciário, passa a funcionar a presunção decorrente do artigo n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, nos termos do qual «se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias», ou seja no dia 5 de agosto de 2013. aq) - Neste sentido considera-se o acórdão de 17 de abril de 2013, proferido na revista n.º 36/12.9TTPRT.S1, que «por outro lado, quando o regime aplicável for o da prescrição, não basta a instauração da ação dentro do prazo, pois o prazo de prescrição só se interrompe com a citação, ou com a notificação de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, conforme estabelece o artigo 323*, n.º 1 do Código Civil. ar) - Carece de sentido imputar ao Recorrente/Autor o facto de a ação não ter sido instaurada pelo patrono nomeado pela Segurança Social para além do prazo previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações decorrentes da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, invocando o referido no 2.º do artigo 323.º do Código Civil, para afirmar que a citação ocorreu depois do 5.º dia após ter sido requerida por facto imputável ao Autor. as) - Na verdade, nos termos do n.º 1 do referido artigo o patrono tem o prazo de 30 dias para instaurar a ação. Tal prazo tem natureza disciplinar e decorre da relação do patrono com a Ordem dos Advogados, não tendo o respetivo incumprimento qualquer reflexo na situação jurídica a dirimir através da ação instaurada e nomeadamente na posição do requerente de apoio judiciário. A norma do n.º 4 daquele artigo 33.º visa efetivamente proteger o requerente de apoio judiciário de situações de menor zelo do patrono nomeado, ou até da complexidade da demanda a instaurar, que possa justificar, nomeadamente, a prorrogação do prazo, nos termos dos n.º 2 e 3 daquele dispositivo. SEM PRESCINDIR at) - Conforme se referiu, desde a concessão do apoio judiciário foram nomeados como patrono do Recorrente/Autor nove Advogados. au) - Sendo que pelo menos um desses patrono até manifestar o pedido de escusa, tomou diligências tendentes a exigir da Câmara Municipal ... o pagamento de valores indemnizatórios e pedidos nos presentes autos. av) - Tal patrono apresentou nos serviços da Câmara Municipal ... requerimentos/reclamações, os quais mereceram um despacho de indeferimento e por tal patrono foi tal despacho de indeferimento objeto de reclamação e apresentação do competente recurso hierárquico. ax) - Recurso hierárquico este que até à presente data ainda não obteve ainda qualquer resposta/decisão, pelo que, poderia ainda o Recorrente/Autor (se assim o entendesse) aguardar pela decisão na proferir pelo respetivo superior hierárquico, para, caso visse a sua pretensão indeferida recorrer para as instâncias judiciais. ba) - Contudo, dada a constante nomeação de patronos, o Recorrente/Autor decide no âmbito do mesmo processo de apoio judiciário proceder à alteração do seu pedido inicial de apoio judiciário inicial, abdicando da modalidade de nomeação de patrono, tendo no pretérito dia 27/05/2019 sido proferido um despacho retificativo quanto às modalidades concedidas. bb) - Consequentemente, a acção interposta pelo Recorrente/Autor no pretérito dia 17/07/2021 foi e encontra-se instaurada dentro do prazo legal. AINDA SEM PRESCINDIR bc) - O Recorrente/Autor no pretérito dia 21/04/2017, na qualidade de ofendido/lesado denunciou e participou criminalmente junto do Ministério Publico da ... os factos constantes nos presentes auto. bd) - Correndo desde aquela data termos o processo de inquérito n.º 668/17.... e 256/20...., o qual ainda se encontra por concluir ou melhor sob investigação criminal. be) - Consequentemente, dado a existência de um processo crime em curso desde 2017, salvo melhor opinião, o prazo de prescrição sempre se encontraria interrompido com a participação-crime apresentada pelo Recorrente/Autor, e, só voltará a correr com o termo do processo criminal suprarreferido. bf) - Pois, com a participação dos factos (criminalmente relevante) apresentada pelo Recorrente/Autor ao Ministério Publico competente interrompeu-se o prazo de prescrição contemplado no n.° 1 do artigo 498.° do Código Civil, não começando este a correr enquanto se encontrar pendente o processo penal. bg) - A pendência do processo crime (inquérito) como que representa uma interrupção continua ou continuada do prazo em curso. Só terminado o inquérito com o despacho de arquivamento dos autos a cessão da interrupção do prazo previsto no artigo 498° n.° 1 apenas ocorre não na data da notificação desse despacho ao lesado (Recorrente/Autor) mas apenas quendo tal despacho adquirir estabilidade processual, ou seja, quendo se encontrar precludido o direito a requerer a abertura da instrução ou a intervenção hierárquica. bh) - Decorre assim do exposto que, só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal ficará o Recorrente/Autor, lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao disposto no n° 1 do artigo 306.° do C. Civil de que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. bi) - O que tudo redunda em que, com a participação dos factos (em abstrato criminalmente relevantes) ao MP ou às entidades policiais competentes, se interromperá o prazo de prescrição contemplado no nº 1 do artº 498º do C. Civil, não começando, de resto, este a correr enquanto se encontrar pendente o processo penal impeditivo da propositura da acção cível em separado. bj) - Pelo que, o direito de indemnização do Autor/Recorrente jamais se encontra prescrito. NESTES TERMOS E COM O SUPRIMENTO, DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA POR SER DE INTEIRA E MERECIDA JUSTIÇA! A Ré juntou contra-alegações, concluindo: I- O Autor interpôs recurso da douta sentença produzida nos presentes autos, por se não conformar com a decidida procedência da excepção peremptória de prescrição do direito, com a consequente absolvição do Réu do pedido. II - Diversamente, contudo, do pretendido pelo ora Recorrente, o Tribunal a quo fez uma correcta aplicação do direito, pelo que a douta sentença recorrida merece necessária e integral confirmação. III - Alega, antes de mais, o ora Recorrente que da aplicação do disposto nos artigos 498º e 323º do Código Civil e nos artigos 33º, 34º e 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, se conclui que o direito indemnizatório que invocou na presente acção não se encontra prescrito - sem razão, contudo, afigura-se ao aqui Recorrido. IV - Nos termos das disposições conjugadas do artigo 50 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro) e do artigo 498º, n.º 1, do Código Civil, o Autor, ora Recorrente, dispunha de um prazo de três anos para exercer o eventual direito a indemnização contra o Réu. V - Conforme se prevê no n.º 1 do artigo 323º do Código Civil, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”. VI - Como bem se refere na douta sentença recorrida, o Autor litiga através de Ilustre Mandatário com procuração forense junto aos autos”, pelo que “não importa chamar à colação, por irrelevante, o disposto no art. 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, que considera a ação proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”. VII - Mesmo que se considere que o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, inicialmente pedido e concedido ao ora Recorrente, constituiu, por aplicação conjugada do disposto no referido n.º 4 do artigo 33º da Lei n.º 34/2004 e no mencionado n.º 1 do artigo 323º do Código Civil, uma causa de interrupção da prescrição, sempre se teria de considerar já prescrito o direito do ora Recorrente. VIII - Efectivamente, como doutamente se afirma na sentença recorrida, "no presente caso, em que o Autor não litiga através de patrono nomeado, nos termos já vistos, não tendo sido a ação intentada ao abrigo desse pedido de nomeação de patrono, haveria sempre que considerar necessariamente o começo da contagem de um novo prazo de prescrição a partir da interrupção gerada por tal pedido”. IX - Assim é atento o disposto no n.º 1 do artigo 326º do Código Civil, que prevê que "a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo”, estando a nova prescrição, conforme expressa previsão do n.º 2 do mesmo artigo 326º, "sujeita ao prazo da prescrição primitiva”. X - Sendo certo que será, in casu, inaplicável o disposto no n.º 1 do artigo 327º do Código Civil, uma vez que nunca veio a existir qualquer acção intentada por patrono nomeado - carece, pois, de qualquer lógica ou relevância a alegação do ora Recorrente de que "irreleva, para efeitos prescricionais, o período de tempo que decorra entre a apresentação do requerimento de nomeação, junto da segurança social, e a data da apresentação da petição inicial pelo patrono nomeado pela Ordem dos Advogados” (cfr. conclusão v) das alegações). XI - Como doutamente se concluiu na sentença aqui em crise, verifica-se, pois, que "já decorreram mais de 4 anos entre o 6.º dia após a data desse pedido de apoio judiciário (cfr. pontos 1 e 2 do probatório) e a data da entrada da presente ação (bem como, consequentemente, da data da citação). Ou seja, quando foi intentada a presente ação, em 15.07.2021 (cfr. ponto 4 do probatório), há mais de um ano que havia decorrido o prazo de prescrição”. XII - Improcede, pois, o alegado pelo ora Recorrente nas conclusões g) a as) das alegações de recurso. XIII - Alega, por outro lado, o ora Recorrente que previamente à interposição da acção tomou "diligências tendentes a exigir da Câmara Municipal ... o pagamento de valores indemnizatórios e pedidos nos presentes autos”. XIV - Sucede, contudo, que, como cristalinamente se afirma na douta sentença recorrida, "eventuais diligências extrajudiciais não obstam ao decurso do prazo de prescrição, cuja interrupção apenas ocorre através de meios judiciais" - tal é o que inequivocamente decorre do disposto no artigo 323º, n.º 1 e n.º 3, do Código Civil. XV - Carece, pois, de qualquer pertinência/eficácia o alegado pelo ora Recorrente nas conclusões at) a bb) das respectivas alegações recursivas. XVI - Veio, por fim, o ora Recorrente afirmar a existência de um alegado "processo crime em curso desde 2017", supostamente iniciado com uma denúncia/participação de sua autoria e relativa aos factos constantes dos presentes autos, daí retirando que "o prazo de prescrição sempre se encontraria interrompido com a participação-crime apresentada pelo Recorrente/Autor, e só voltará a correr com o termo do processo criminal supra referido". XVII - Trata-se de uma nova questão, que o Autor, ora Recorrente, se lembrou de trazer apenas agora em sede de recurso, nada tendo a tal respeito sido anteriormente alegado e nada se encontrando a tal respeito demonstrado - a questão em causa não faz, pois, parte do objecto do recurso. XVIII - Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 627º do Código de Processo Civil, e constitui doutrina consensual e jurisprudência reiterada e pacífica (cfr., por todos, o Acórdão desse Venerando Tribunal de 16/12/2016, proferido no âmbito do Processo n.º 01080/08.6BEPRT, in www.dgsi.pt), "a decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova". XIX - Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, por impossibilidade legal não poderá, pois, esse Venerando Tribunal conhecer da questão em referência, que não foi apreciada pela primeira instância. SUBSIDIARIAMENTE, DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO XX - Sem prejuízo de tudo o que ficou alegado, caso esse Venerando Tribunal venha a considerar procedente o recurso do ora Recorrente - o que não se concede -, é, por cautela de patrocínio, formulado o presente pedido de ampliação do âmbito do recurso, a título subsidiário, ao abrigo do disposto no artigo 6360, n.0 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigos 10 e 1400, n.0 3, do CPTA. XXI – E isto uma vez que, pese embora o exemplar labor da M.ma Juíza a quo na elaboração da douta sentença recorrida, afigura-se ao aqui Recorrido que, no que respeita à matéria de facto, não foi incluído no atinente elenco um facto relevante para o cabal conhecimento da causa, segundo uma das soluções plausíveis de direito. XXII – No artigo 2º da réplica oportunamente apresentada nos autos, o Autor confessou que a rectificação, em 27/05/2019, das modalidades do pedido de proteção jurídica que havia sido por si apresentado em 30/05/2017, de modo a que deixasse de contemplar a modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, “advém dum pedido de alteração” por si formulado, confissão esta reiterada no artigo 11º da réplica, no qual é afirmado que “resolveu o Autor no âmbito do mesmo processo de apoio judiciário proceder à alteração do seu pedido inicial de apoio judiciário inicial, tendo no pretérito dia 27/05/2019 sido proferido um despacho retificativo quanto às modalidades concedidas”. XXIII – Seja até ao momento do julgamento na primeira instância, seja nas alegações de recurso, as confissões expressas do facto em questão, feitas nos referidos artigos 2º e 11º da réplica, não foram rectificadas ou retiradas, declarando o aqui Recorrido, nesta oportunidade, que, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 46º e 456º, n.º 2, do Código de Processo Civil (ex vi artigo 1º do CPTA), aceita expressamente, para não mais serem retiradas, as referidas confissões constantes dos mencionados artigos 2º e 11º da réplica. XXIV – Assim, face ao disposto nos artigos 352º, 355º, n.ºs 1 a 3, 356º, n.º 1, 357º, n.º 1, e 358º, n.0 1, todos do Código Civil, e no artigo 94º, n.º 4, do CPTA, o julgamento de facto não poderá deixar de atender à declaração confessória feita e à sua força probatória. XXV – Importa, em todo o caso, notar que também por recurso à prova documental e às regras da experiência comum se imporia julgar provada a factualidade em referência. XXVI – Em suma, afigura-se ao ora Recorrido que ficou provada nos autos a seguinte factualidade, que deverá passar a integrar o elenco da matéria de facto provada: “A rectificação mencionada no antecedente ponto 3 adveio de pedido do Autor de alteração das modalidades de apoio judiciário concedidas aquando do pedido inicial de apoio judiciário, de modo que deixasse de incluir a nomeação e pagamento da compensação de patrono.”. XXVII – Considerada a factualidade provada nos presentes autos, aditada nos indicados termos, caso se entenda que o pedido de apoio judiciário inicialmente apresentado, que incluía a nomeação de patrono, gerou a interrupção do prazo de prescrição, sempre será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 327º do Código Civil, uma vez que o apoio judiciário com nomeação de patrono, inicialmente requerido/concedido, cessou por o Autor dele ter abdicado/prescindido, ou seja, por desistência do Autor/Recorrente. XXVIII – O novo prazo prescricional sempre terá, pois, começado a correr logo após o acto interruptivo, conforme se encontra estabelecido no referido n.º 2 do artigo 327º do Código Civil, pelo que bem andou a M.ma Juíza a quo ao concluir pela procedência da excepção de prescrição. TERMOS EM QUE não deve ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais, ou, em qualquer caso, deve a requerida ampliação do âmbito do recurso ser julgada procedente, nos termos propugnados, assim se fazendo JUSTIÇA! A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. Cumpre apreciar e decidir. FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1.O Autor preencheu requerimento de proteção jurídica, datado de 29.05.2017, de que consta a seguinte descrição da pretensão: “pretendo que me seja concedido Ap. Judic. nas 3 mod. Em cima referidas, pq eu e a minha família, não reunimos cond. económicas para suportar qq despesas para propor qq Acção Judicial, contra a Câmara Municipal ..., por um seu conjunto de eventuais ou evidentes e ou notórios erros/lapsos processuais.” (cfr. requerimento a fls. 706 e ss dos autos). 2. Através de ofício datado de 02.08.2017, recebido pelo Autor a 05.09.2017, foi deferido o pedido de proteção jurídica que havia sido apresentado pelo Autor em 30.05.2017, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução (cfr. ofício a fls. 710 e ss dos autos). 3. Através de ofício datado de 27.05.2019, o despacho referido no ponto anterior foi retificado quanto às modalidades concedidas, tendo o apoio sido concedido nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e atribuição de agente de execução (cfr. ofício a fls. 703 e ss dos autos). 4. Em 15.07.2021, o Autor apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a p.i. dos presentes autos, tendo sido tal articulado subscrito por Ilustre Mandatário a quem o Autor conferiu procuração forense (cfr. fls. 1 e 30 dos autos). 5. O Réu foi citado para a presente ação em 12.11.2021 (cfr. aviso de receção a fls. 664 dos autos). DE DIREITO Está posta em causa a decisão que ostenta este discurso fundamentador: O Réu invoca que os factos alegados nos presentes autos se situam entre os anos de 2009 e 2017 e que o autor dispunha de um prazo de três anos para exercer o eventual direito a indemnização que ora invoca. Segundo propugna, tendo o Réu sido citado em 12.11.2021, impõe-se concluir pela prescrição do direito em causa, com a consequente absolvição do pedido. Em sentido contrário, invoca o Autor que, assim que teve conhecimento do direito que lhe compete, diligenciou e exerceu dentro do prazo legal o seu direito à indemnização, tendo sido pelo patrono tomadas as devidas diligências com vista a obter o pagamento de valores indemnizatórios: obtido um despacho de indeferimento por parte do Réu, este despacho foi posteriormente objeto de reclamação e de apresentação do competente recurso hierárquico. Vejamos então. Nos termos do art. 498.º, n.º 1, do Código Civil (CC), aplicável por remissão do art. 5.º do RCEEE, o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, contados da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. Ora, o último dos factos geradores dos danos invocados pelo Autor, a ter sido praticado, remonta, de facto, a 13.04.2017 (cfr. secção D/ PROCESSO N.º 556/12, ponto 2 da p.i.), cerca de 4 anos e 3 meses antes da entrada da p.i. (cfr. ponto 5 do probatório), sendo todos os demais factos lesivos invocados na p.i. anteriores a tal data. A este respeito, invoca o Autor que o patrono nomeado tomou as devidas diligências tendentes a exigir da Câmara Municipal ... o pagamento de valores indemnizatórios. Segundo sustenta, foi então obtido um despacho de indeferimento por parte do Réu, o qual foi posteriormente objeto de reclamação e de recurso hierárquico, que até hoje não obteve resposta. Sucede, porém, que eventuais diligências extrajudiciais não obstam ao decurso do prazo de prescrição, cuja interrupção apenas ocorre através de meios judiciais. Na verdade, o art. 323.°, n.° 1, do CC, prevê que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” E o n.° 3 do mesmo preceito prevê que “É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.” Salienta-se ainda que, ainda que tenha sido pelo Autor, num momento inicial, pedido e concedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono (cfr. ponto 2 do probatório), o referido apoio judiciário foi retificado quanto às modalidades, tendo deixado de contemplar a nomeação de patrono (cfr. ponto 3 do probatório), sendo certo que o Autor litiga através de Ilustre Mandatário com procuração forense junto aos autos (cfr. ponto 5). Assim sendo, não importa chamar à colação, por irrelevante, o disposto no art. 33.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, que considera a ação proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono. Aliás, ainda que se enveredasse por um raciocínio mais garantístico, e se considerasse que o mero pedido de apoio judiciário constitui por si só uma causa de interrupção da prescrição por aplicação deste preceito legal, sempre teria que se considerar já prescrito o direito do Autor. É que, no presente caso, em que o Autor não litiga através de patrono nomeado, nos termos já vistos, não tendo sido a ação intentada ao abrigo desse pedido de nomeação de patrono, haveria sempre que considerar necessariamente o começo da contagem de um novo prazo de prescrição a partir da interrupção gerada por tal pedido. E, na verdade, já decorreram mais de 4 anos entre o 6.º dia após a data desse pedido de apoio judiciário (cfr. pontos 1 e 2 do probatório) e a data da entrada da presente ação (bem como, consequentemente, da data da citação). Ou seja, quando foi intentada a presente ação, em 15.07.2021 (cfr. ponto 4 do probatório), há mais de um ano que havia decorrido o prazo de prescrição, contado desde o último facto invocado pelo Autor gerador de responsabilidade, em 13.04.2017, ou, pelo menos, da data da formulação do pedido de apoio judiciário por parte do Autor, em 30.05.2017 (cfr. ponto 2 do probatório). Face ao que vem dito, há que considerar prescrito o direito que vem invocado pelo Autor, pelo que determino a absolvição do Réu do pedido, nos termos do art. 89.º, n.º 3, do CPTA. X O Saneador Sentença, como se vê, apreciou correctamente a questão da prescrição, única matéria objeto do recurso. De facto, diversamente da óptica do ora recorrente, na decisão recorrida, o Tribunal a quo fez uma correcta aplicação do direito, pelo que não é passível de censura. Alega, antes de mais, o Recorrente que da aplicação do disposto nos artigos 498º e 323º do Código Civil e nos artigos 33º, 34º e 24º da Lei 34/2004, de 29 de julho, se conclui que o direito indemnizatório que invocou na presente acção não se encontra prescrito. Contudo sem razão. Nos termos das disposições conjugadas do artigo 5º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de dezembro) e do artigo 498º/1, do Código Civil, o Autor, ora Recorrente, dispunha de um prazo de três anos para exercer o eventual direito a indemnização contra o Réu, aqui recorrido. Conforme se prevê no n.º 1 do artigo 323º do Código Civil, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”, prevendo-se no n.º 4 do mesmo preceito legal que “é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”. Como bem se refere na decisão recorrida, “ainda que tenha sido pelo Autor, num momento inicial, pedido e concedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono (cfr. ponto 2 do probatório), o referido apoio judiciário foi retificado quanto às modalidades, tendo deixado de contemplar a nomeação de patrono (cfr. ponto 3 do probatório), sendo certo que o Autor litiga através de Ilustre Mandatário com procuração forense junta aos autos (cfr. ponto 5). Assim sendo, não importa chamar à colação, por irrelevante, o disposto no artº 33.º/4, da Lei 34/2004, que considera a ação proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”. De todo o modo, mesmo que se considerasse que o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, inicialmente pedido e concedido ao ora recorrente, constituiu, por aplicação conjugada do disposto no referido n.º 4 do artigo 33º da Lei 34/2004 e no mencionado n.º 1 do artigo 323º do Código Civil, uma causa de interrupção da prescrição, sempre se teria de considerar já prescrito o direito do ora recorrente, como bem decidiu o Tribunal a quo. Com efeito e conforme se afirma na decisão sob recurso “no presente caso, em que o Autor não litiga através de patrono nomeado, nos termos já vistos, não tendo sido a ação intentada ao abrigo desse pedido de nomeação de patrono, haveria sempre que considerar necessariamente o começo da contagem de um novo prazo de prescrição a partir da interrupção gerada por tal pedido”. Assim é, efectivamente, atento o disposto no n.º 1 do artigo 326º do Código Civil, que, como o aqui Recorrente bem menciona na conclusão ak) das respectivas alegações, prevê que “a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo”, estando a nova prescrição, conforme expressa previsão do n.º 2 do mesmo artigo 326º, “sujeita ao prazo da prescrição primitiva”, sendo certo que é, in casu, inaplicável o disposto no n.º 1 do artigo 327º do Código Civil, uma vez que nunca veio a existir qualquer acção intentada por patrono nomeado. Carece, pois, de qualquer lógica ou relevância a alegação do Recorrente de que “irreleva, para efeitos prescricionais, o período de tempo que decorra entre a apresentação do requerimento de nomeação, junto da segurança social, e a data da apresentação da petição inicial pelo patrono nomeado pela Ordem dos Advogados” (cfr. conclusão v) das alegações). Como sentenciado, verifica-se que “já decorreram mais de 4 anos entre o 6.º dia após a data desse pedido de apoio judiciário (cfr. pontos 1 e 2 do probatório) e a data da entrada da presente ação (bem como, consequentemente, da data da citação). Ou seja, quando foi intentada a presente ação, em 15.07.2021 (cfr. ponto 4 do probatório), há mais de um ano que havia decorrido o prazo de prescrição”. Improcede, pois, o alegado pelo Recorrente nas conclusões g) a as) das alegações. Invoca, por outro lado, o ora Recorrente que previamente à interposição da acção tomou “diligências tendentes a exigir da Câmara Municipal ... o pagamento de valores indemnizatórios e pedidos nos presentes autos”. Sucede, contudo, que eventuais diligências extrajudiciais não obstam ao decurso do prazo de prescrição, cuja interrupção apenas ocorre através de meios judiciais. Tal é o que inequivocamente decorre do disposto no artigo 323º/1 e 3, do Código Civil. Nos termos expressamente previstos no n.º 1 do referido normativo, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”, estabelecendo-se no n.º 3 do preceito em referência que “é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”. Carece, pois, de qualquer pertinência/eficácia o alegado pelo aqui Recorrente nas conclusões at) a bb) das respectivas alegações recursivas. Veio, por fim, o Recorrente afirmar a existência de um alegado “processo crime em curso desde 2017” (embora seja referido tratar-se de um único processo crime, são, não obstante, apontados dois números de processo), supostamente iniciado com uma denúncia/participação de sua autoria e relativa aos factos constantes dos presentes autos, daí retirando que “o prazo de prescrição sempre se encontraria interrompido com a participação-crime apresentada pelo Recorrente/Autor, e só voltará a correr com o termo do processo criminal supra referido”. Ora, tal alegação consubstancia uma nova questão, que o Autor/Recorrente, apenas agora em sede de recurso, traz aos autos, pelo que não pode ser conhecida. A questão em causa não faz parte do objecto do recurso - não foi incluída na petição inicial ou na réplica, não tendo, em consequência, sido incluída nas questões a resolver, não tendo sido tratada na decisão recorrida. Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 627º do Código de Processo Civil, e constitui doutrina consensual e jurisprudência reiterada e pacífica, “a decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas. Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram. Os recursos são meios de impugnações judiciais e não vias de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que a ela não foram submetidos. Como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308: “I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre. II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso. III-No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.” Dito de outro modo, os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre. Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA, de 26/09/2012, proc. 0708/12. Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA, de 13/11/2013, proc. 01460/13. Em sede de recurso jurisdicional não pode ser conhecida questão nova, que o recorrente não tenha oportunamente alegado nos seus articulados, designadamente a invocação de um novo vício do ato impugnado, por essa matéria integrar matéria extemporaneamente invocada sobre a qual a sentença impugnada não se pronunciou, nem podia pronunciar-se - Acórdão do TCA Sul, proc.° 5786/09, de 3 de fevereiro.) O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada, pelo que, não tendo esta conhecido de determinada questão por não ter sido oportunamente suscitada, não pode o Recorrente vir agora invocá-la perante este tribunal ad quem, porque o objecto do recurso são os vícios da decisão recorrida. Nestes termos, este novo “vício” invocado não será enfrentado nesta sede recursiva. Dito de outro modo, não sendo uma situação de conhecimento oficioso, por impossibilidade legal não poderá, este Tribunal ad quem conhecer da questão em referência, que não foi apreciada pela primeira instância. Em suma: -O princípio de que todos estamos sujeitos às consequências do nosso comportamento é central no Direito; -O momento inicial de contagem do prazo de prescrição de três anos, prazo regra, coincide com o momento do conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade pelo lesado concreto, conhecimento esse que deve enraizar nos factos provados, e deverá potenciar ao lesado o exercício do seu direito; -A prescrição é uma forma de extinção de direitos, que visa, sobretudo, realizar objectivos de certeza e segurança jurídicas, mas que em termos estritos de justiça desde cedo foi qualificada de impium remedium - cfr., a este respeito, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., págs. 371 a 374 e na jurisprudência, Ac. do STA de 02/12/2004, Proc. 0145/04; -Tal instituto pressupõe que a parte possa opor-se ao exercício de um direito não exercido durante o tempo fixado na lei; -Trata-se, a um tempo, de punir a inércia do titular do direito em exercê-lo em tempo útil, e de tutelar os mencionados valores da certeza e da segurança das relações jurídicas, mediante a exigência da sua consolidação em prazos razoáveis; -O seu regime é inderrogável - artigo 300º do CC - e determina, em termos genéricos, que o respectivo prazo começa a contar do momento em que o direito pode ser exercido - artigo 306º/1 do CC; -Tanto a doutrina como a jurisprudência vêm defendendo que o momento do conhecimento do direito de indemnização pelo lesado se ajusta ao momento do conhecimento dos pressupostos condicionantes da responsabilidade, fazendo, assim, apelo a um mínimo de objectividade no qual se alicerce a contagem do respectivo prazo - Ac. STJ de 27/11/73, BMJ 330-495; Ac. STA de 12/01/93, AD 382; Ac. STA de 13/11/2001, proc. 47482; Ac. STJ de 18/04/2002, proc. 950/02; Ac. STA de 27/04/2006, proc. 0304/05; Ac. STA de 01/06/2006, proc. 257/06; e na doutrina, Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, 4ª ed., vol. I, pág. 585 e Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 401, nota 3; -Só a partir do conhecimento, pelo lesado, destes pressupostos é que se começa a contar o prazo de prescrição (Acs. do STA de 31/10/2000, proc. 44345, de 4/12/2002, proc. 1203/02 e de 6/7/2004, proc. 597/04); -Por outro lado, aquele “conhecimento do direito” é um conhecimento empírico, como ensina Carlos Cadilha, em “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado”. E, como se consigna no Ac. do STA de 27/01/2010, proc. 513/09, para “efeitos de prescrição”, “conhecer o direito”, como resulta do artigo 498º citado, não é, necessariamente, conhecer na perfeição e na sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar, pois que o exercício do direito é independente do desconhecimento da “pessoa do responsável e da extensão integral os danos”; -In casu o último dos factos geradores dos danos invocados pelo Autor, a ter sido praticado, remonta a 13/04/2017, cerca de 4 anos e 3 meses antes da entrada da p.i., sendo todos os demais factos lesivos invocados na p.i. anteriores a tal data; -A este respeito, invoca o Autor que o patrono nomeado tomou as devidas diligências tendentes a exigir da Câmara Municipal ... o pagamento de valores indemnizatórios. Segundo sustenta, foi então obtido um despacho de indeferimento por parte do Réu, o qual foi posteriormente objeto de reclamação e de recurso hierárquico, que até hoje não obteve resposta. -Sucede, porém, que eventuais diligências extrajudiciais não obstam ao decurso do prazo de prescrição, cuja interrupção apenas ocorre através de meios judiciais; -Salienta-se também que, ainda que tenha sido pelo Autor, num momento inicial, pedido e concedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o referido apoio judiciário foi retificado quanto às modalidades, tendo deixado de contemplar a nomeação de patrono, sendo certo que o Autor litiga através de Ilustre Mandatário com procuração forense junta aos autos; -Assim sendo, não importa chamar à colação, por irrelevante, o disposto no artº 33.º/4, da Lei 34/2004, que considera a ação proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono; -Aliás, ainda que se enveredasse por este entendimento, e se considerasse que o mero pedido de apoio judiciário constitui por si só uma causa de interrupção da prescrição por aplicação deste preceito legal, sempre teria que se considerar já prescrito o direito do Autor; -É que, no presente caso, em que o Autor não litiga através de patrono nomeado, nos termos já vistos, não tendo sido a ação intentada ao abrigo desse pedido de nomeação de patrono, haveria sempre que se considerar o começo da contagem de um novo prazo de prescrição a partir da interrupção gerada por tal pedido, sendo que já decorreram mais de 4 anos entre o 6.º dia após a data desse pedido de apoio judiciário e a data da entrada da presente ação (bem como, consequentemente, da data da citação); -Isto é, quando foi intentada a presente ação, em 15/07/2021, há mais de um ano que havia decorrido o prazo de prescrição, contado desde o último facto invocado pelo Autor gerador de responsabilidade, em 13/04/2017, ou, pelo menos, da data da formulação do pedido de apoio judiciário por parte do Autor, em 30/05/2017; -Tal equivale a dizer que nenhum reparo pode ser assacado à decisão recorrida que julgou verificada a exceção perentória de prescrição do direito à indemnização do Recorrente. Desta feita, improcedem as conclusões das alegações. DECISÃO Termos em que se nega provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar. Notifique e DN. Porto, 10/02/2023 Fernanda Brandão Hélder Vieira Alexandra Alendouro |