Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00250/11.4BECBR
01094/11.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/10/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:JUBILAÇÃO;
ARTIGO 68.º Nº2 DA LEI 55-A/2010 DE 31/12;
INDEXAÇÃO VENCIMENTOS DE MAGISTRADOS NO ATIVO A MAGISTRADOS JUBILADOS;
CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS 19º E 68º DA LEI 55-A/2010 DE 31/12.
Sumário:1_ O art. 68º da lei 55-A/2010 de 31/12 regula o que acontece às pensões na Lei Orçamental para 2011 nomeadamente o congelamento das mesmas com exceção das pensões que estejam indexadas aos vencimentos do ativo que serão reduzidas nos termos dos respetivos vencimentos.
2_ O campo de aplicação do art. 19º do mesmo diploma é apenas a redução remuneratória aplicável aos funcionários públicos para o ano 2011.
3_ Resulta dos elementos de interpretação histórico, teleológico e sistemático a que alude o art. 9º do CC a intenção de no art. 68º nº4 do EMJ na redação dada pelo Lei 143/99 de 3/12 e em vigor em 31/12/010 se pretender aplicar o novo sistema retributivo que se implementou aos magistrados no ativo aos magistrados jubilados fazendo uma verdadeira indexação de remunerações.
4_ Os artigos 19º e 68º nº2 da Lei 55-A/2010 de 31/12 não são inconstitucionais por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da confiança.
5_Os referidos preceitos não violam o princípio da igualdade que consiste na proibição do livre arbítrio constituindo um limite externo de liberdade ao poder de conformação de decisão dos poderes públicos, já que a redução de vencimentos de quem recebe por verbas públicas e que por isso não está na mesma situação dos restantes cidadãos não é arbitrária , mas antes inserida num conjunto mais vasto de medidas de consolidação orçamental de controle da despesa por força de compromissos com instâncias estrangeiras cabe dentro da margem de livre conformação política do legislador .
6_ Os referidos preceitos não violam o princípio da confiança por estar em causa uma medida idónea para fazer face à situação de défice orçamental e crise financeira não se podendo considerar excessivas as reduções remuneratórias face às dificuldades a que visam fazer face atento o seu carácter transitório e à isenção de que gozam as remunerações inferiores a 1500 euros, progressividade das taxas aplicáveis, nunca ultrapassando, em todo o caso, o limite de 10% – inferior ao aplicado em países da União Europeia com problemas financeiros idênticos aos nossos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Caixa Geral de aposentações
Recorrido 1:OFonseca... e Outr(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÃO [CGA], com os sinais nos autos, inconformada, interpôs recurso jurisdicional das decisões proferidas pelo TAF DE COIMBRA, em 08.10.2013, e pelo TAF do PORTO em 15-03-2012, no âmbito do processo nº 1094/11.9BEPRT (apenso aos presentes autos) que julgou procedente o pedido principal formulado em ambas as Ações Administrativas Especiais, nesta, por OF, FDS, FJCC, AQDS, FMLFA, JDBF, JJSD, ASF, BSR, ASL, EAB, JC, CMGL, CERC, e JSSB, Juízes conselheiros e juízes desembargadores, jubilados, devidamente identificados, que pediam a anulação dos atos administrativos praticados pela entidade demandada que diminuíram o montante das suas pensões de aposentação, no Mês de Janeiro de 2011, bem como na parte em que aplicaram à pensão de aposentação/jubilação dos demandantes, o n.º 1 do art.º 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 30 de Dezembro, de todos os atos mensais de liquidação das pensões de aposentação subsequentes, e ainda a condenação da CGA a praticar novo ato em conformidade com o quadro legal anterior à entrada em vigor do referido normativo, reconstituindo a situação atual hipotética, por via do pagamento das quantias em dívida, acrescidas de juros à taxa legal.

Por nosso despacho de 31-03-2014 foi ordenada a apensação a estes autos, por se encontrarem preenchidos os pressupostos legais da coligação, do processo nº 1094/11.9BEPRT, em que EAM, JESCL, JLFT, JSP, ANFG, EJFA, JFS, CPM, AOR, MJSP, MSTR, JABN, AJS, UALD e GXS, demandam a Caixa Geral de aposentações formulando idêntico pedido com base na mesma causa de pedir.


Alega a recorrente em conclusão nestes autos 250 que:
1.ª a regra de actualização das pensões de aposentação dos magistrados jubilados, que constava do n.° 2 do artigo 3.° da Lei n.° 2/90, de 20 de Janeiro, era a seguinte:
"As pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação.”
2.ª A redação desta norma implicava simplesmente que as pensões dos magistrados jubilados, calculadas nos termos gerais definidos para as pensões de aposentação dos funcionários públicos, eram atualizadas pela aplicação da mesma percentagem do aumento decretado para as remunerações dos magistrados no ativo (ou seja, se por hipótese, fosse fixada uma percentagem de aumento de 2% no ativo, corresponderia igual percentagem de aumento na pensão).
3.ª O Supremo Tribunal Administrativo consagrou, sucessivamente, o entendimento segundo o qual:
“I - Com a entrada em vigor da Lei n. 2/90 de 20/1, que veio instituir o novo "Sistema Retributivo dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público", - e designadamente por força do seu art. 3 - a pensão de aposentação dos magistrados judiciais jubilados, passou a ser fixada e sucessiva e automaticamente actualizada de forma idêntica e em inteira correspondência com as remunerações dos magistrados no activo de categoria e escalão equivalentes àqueles em que se verificou a jubilação. (...) (cfr. entre muitos outros, os Ac. do STA n.º 030509, de 09-06-92, em que foi Relator Ferreira de Almeida, n.º 030406, de 14-07-92, em que foi Relator Oliveira e Castro e n.º 030650, de 24-11-92, em que foi Relator Ferreira de Almeida, todos disponíveis na base de dados do ITIJ em www.dgsi.pt ).
3.ª Por força exclusivamente desta jurisprudência, a atualização das pensões dos magistrados jubilados passou a estar dependente de um mecanismo de indexação daquelas às remunerações ilíquidas dos magistrados no ativo, tal como era à data reclamado pelos magistrados jubilados, conferindo às suas pensões a decretada “...correspondência...” com as remunerações auferidas pelos magistrados no ativo.
4.ª Ou seja, as pensões de aposentação dos magistrados jubilados passaram a ser calculadas (fixadas, na terminologia do STA) e permanentemente atualizadas por recálculo com base no tempo de serviço e na remuneração ilíquida (100%) constante da tabela já atualizada do ativo correspondente à categoria em que se verificou a jubilação.
5.º Se o regime de indexação impõe a fixação inicial e o recalculo sucessivo da pensão de jubilado com base na remuneração do magistrado no ativo, aumentando quando este aumenta, tal significa que aquela pensão encontra-se sujeita às flutuações daquela remuneração, seja para efeitos de aumento seja para efeitos de redução.
6.ª Só assim sendo compreensível a “...inteira correspondência...” decretada pelo Supremo Tribunal Administrativo. É, aliás, essa a própria essência da indexação. A pensão do jubilado é igual à remuneração do magistrado no ativo, por se considerar que o jubilado, de alguma forma, continua a ter uma ligação ao serviço (o que justificará a situação, ímpar, da perceção pelos jubilados de um abono do mesmo valor do atribuído pelo Ministério da Justiça aos magistrados no ativo).
7.ª A vingar a tese subjacente à decisão recorrida, tal implicará a aplicação às pensões dos jubilados das fórmulas de cálculo do regime geral da CGA, pois, se a indexação se resume a uma mera atualização exclusivamente para efeitos de aumento da pensão, então aquele mecanismo não influencia a fixação ou o modo de cálculo da pensão. E não estando prevista nenhuma fórmula de cálculo de pensão de aposentação específica (até à entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril), então aplica-se, na sua plenitude, as fórmulas de cálculo sucessivamente vigentes no âmbito do Estatuto da Aposentação.
8.ª Ou seja, as pensões dos AA. terão de ser recalculadas, de acordo com a fórmula vigente à data do ato determinante da aposentação, o que fará com que algumas pensões sejam calculadas com base em duas parcelas (artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro), aplicação de fator de sustentabilidade e limitação das pensões a 12 IAS /(Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto, e Lei n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro).
9.ª A não atualização das pensões de que beneficiam os magistrados jubilados ao novo valor remuneratório decorrente da Lei n.º 55-A/2010 implica que magistrados jubilados com a mesma categoria e escalão passassem a ser, não 11% mas 21% superiores às remunerações dos magistrados no ativo.
10.ª A diferença para os magistrados jubilados, de acordo com o novo regime (Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, que deu nova redação aos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, em matéria de aposentação, reforma e jubilação), será igualmente de 21% e não de 11%, como resulta da Lei e terá sido intenção do legislador, já que, a pensão dos magistrados aposentados como jubilados, passa a ser calculada de acordo com a fórmula prevista no art.º 68.º do EMJ e 149.º do EMMP, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2011 e “...em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no activo de categoria idêntica.” (n.º 6 do art.º 67.º do EMJ e n.º 4 do art.º 148.º do EMMP, na nova redação), ou seja, nestes casos, a pensão encontra-se sujeita aos mesmos descontos legais que se encontram previstos para a remuneração do juiz do ativo (IRS, CGA e subsistema de proteção na doença).
11.ª O artigo 19.º, n.º 10, da LOE 2011, pretende abranger o universo dos subscritores que, em 31.12.2005, estavam abrangidos pela salvaguarda de direitos prevista no artigo 7.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, e que beneficiavam da fórmula de cálculo do Estatuto da Aposentação anterior à introduzida pelo artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, as quais podem ser calculadas com base nas remunerações do cargo até 2010-12-31, dado que estas eram as únicas pensões que não eram calculadas com base na remuneração auferida até 31.12.2005, revalorizada, como o veio a impor a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, a todos os outros subscritores da CGA.
12.ª Não esteve presente no espírito do legislador, na feitura desta norma, o caso especial dos magistrados jubilados - que não são aposentados – são jubilados, e cujas pensões são sempre calculadas e atualizadas tendo por base as remunerações do ativo, independentemente do momento em que as requeiram, como vimos, por força da indexação, e que, como tal, não sofrem qualquer degradação no seu valor futuro.
13.ª O legislador teve o especial cuidado de expressamente, no artigo 68.º, n.º 2, da LOE 2011, impor a redução remuneratória às pensões automaticamente atualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no ativo – como é o caso das pensões dos magistrados jubilados -, excluindo apenas os pensionistas DFA (isto porque estas pensões têm carácter indemnizatório).

14.ª Consequentemente, violou o Acórdão recorrido o disposto no artigo 19.º, n.º 1, e 68.º, n.º 2, da Lei n.º 55-A/2011, 31 de Dezembro *
A CGA conclui as alegações do recurso apenso da seguinte forma:
1ª 1.ª A CGA não pode conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que, em suma, conclui que:
- o Estatuto dos Magistrados Judiciais não consagra uma qualquer indexação remuneratória mas apenas uma actualização automática em caso de aumento.
- a Lei do Orçamento do Estado para 2010 não contém qualquer norma que determine a redução das pensões dos magistrados jubilados;
- e que mesmo que a Lei do Orçamento do Estado para 2010 contivesse tal norma, esta seria inconstitucional por violação do princípio da reserva estatutária e por violação da unicidade estatutária e por violação dos princípios da confiança e da igualdade.
2.ª A decisão recorrida contraria frontalmente o entendimento sobre o mecanismo de indexação sucessivamente propugnado pelo STA, o qual sempre defendeu que “I - Com a entrada em vigor da Lei n. 2/90 de 20/1, que veio instituir o novo "Sistema Retributivo dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público", - e designadamente por força do seu art. 3 - a pensão de aposentação dos magistrados judiciais jubilados, passou a ser fixada e sucessiva e automaticamente actualizada de forma idêntica e em inteira correspondência com as remunerações dos magistrados no activo de categoria e escalão equivalentes àqueles em que se verificou a jubilação.
(cfr. entre muitos outros, os Ac. do STA n.º 030509, de 09-06-92, em que foi Relator Ferreira de Almeida, n.º 030406, de 14-07-92, em que foi Relator Oliveira e Castro e n.º 030650, de 24-11-92, em que foi Relator Ferreira de Almeida, todos disponíveis na base de dados do ITIJ em www.dgsi.pt )
3.ª Uma vez que foi por força dessa jurisprudência que a CGA passou a aplicar o mecanismo da indexação das pensões às remunerações ilíquidas dos magistrados no activo, tal como era à data reclamado pelos magistrados jubilados, conferindo às suas pensões a “...correspondência...” com as remunerações auferidas pelos magistrados no activo, parece-nos irrelevante a discussão sobre se a Lei do OE/2010 contém ou não norma que expressamente determine a redução das pensões dos magistrados jubilados.
4.ª De outra forma, não se compreenderia a “...inteira correspondência...” decretada pelo STA. Essa é, aliás, essa a própria essência da indexação. A pensão do jubilado é igual à remuneração do magistrado no activo, por se considerar que o jubilado, de alguma forma, continua a ter uma ligação ao serviço (o que justificará a situação, ímpar, da percepção pelos jubilados de um abono do mesmo valor do atribuído pelo Ministério da Justiça aos magistrados no activo).
5.ª Pelo que, se – como defende a decisão recorrida – a regra a ter em conta é de mera actualização da pensão dos magistrados jubilados em função da percentagem de aumento das remunerações auferidas pelos magistrados no activo, então a consequência seria a CGA ter de recalcular todas as pensões já fixadas e indexadas ao longo dos anos “...em inteira correspondência com as remunerações dos magistrados no activo...” (posição defendida pelo STA), aplicando as fórmulas de cálculo que estavam em vigor na data em que foram fixadas.
6.ª Assinala-se, também, que os Tribunais nunca invocaram a ora argumentada reserva estatutária dos magistrados para desaplicar o regime de indexação tal e qual foi descrito, com base na Lei n.º 2/90, 2 de Agosto, sendo que tal regime impõe a fixação inicial e o recalculo sucessivo da pensão de jubilado com base na remuneração do magistrado no activo, aumentando quando este aumenta, tal significando que aquela pensão encontra-se sujeita às flutuações daquela remuneração, seja para efeitos de aumento seja para efeitos de redução.
7.ª Do ponto de vista da conformidade das reduções operadas com fundamento na Lei n.º 55-A/2010 com as disposições insertas na CRP, o contexto de sustentabilidade económica e financeira – que o Acórdão recorrido não deixa de referir, ainda que por remissão – sempre determinaria, em nossa opinião, o afastamento de qualquer juízo de inconstitucionalidade.
8.ª Senão veja-se o Acórdão n.º 613/2011, do Tribunal Constitucional, publicado em 2012-01-25 na 2.ª Série do Diário da República, nos processos n.ºs 188/11 e 189/11 – parcialmente transcrito supra em Alegações – em que também vinham invocadas normas estatutárias para defender um juízo de inconstitucionalidade, naquele caso dos artigos das normas constantes dos artigos 19.º, n.º 9, alíneas h), i), q) e t) e n.º 11, 22.º, n.º 1, parte final da alínea b), 30.º, 40.º, 42.º e 95.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (OE/2011).
9.ª Quanto à violação dos princípios constitucionais da confiança e da igualdade, defende a CGA que o melhor entendimento corresponderá, não aos votos de vencido no âmbito do proc.º n.º 396/2011, de 21 de Setembro, do Tribunal Constitucional, que o Acórdão recorrido considerou ser de aderir, mas sim à decisão vertida naquele processo, que afastou o juízo de inconstitucionalidade relativamente às normas vertidas nos art.ºs 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
10.ª De referir, ainda, que não actualizar as pensões de que beneficiam os magistrados jubilados ao novo valor remuneratório decorrente da Lei n.º 55-A/2010 implicaria que magistrados jubilados com a mesma categoria e escalão passassem a ser, não 11% mas 21% superiores às remunerações dos magistrados no activo, sendo que a diferença para os magistrados jubilados, de acordo com o novo regime (Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, que deu nova redacção aos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, em matéria de aposentação, reforma e jubilação), seria igualmente de 21% e não de 11%, como resulta da Lei e terá sido intenção do legislador.
11.ª Pelo que deve ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que julgue totalmente improcedente o presente a acção, tal como foi decidido relativamente a um caso idêntico pela Sentença proferida em 2012-02-02 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, Proc.º n.º 421/11.3BEALM. (cfr. Doc. 1 que se aproveita para anexar).
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Os recorridos neste proc. 250 apresentaram contra-alegações, que concluem da seguinte forma:
A) Por ato administrativo praticado no mês de fevereiro de 2011 (com atribuição de efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011), a entidade demandada reduziu ilegalmente os montantes das pensões de aposentação/jubilação dos 11 primeiros AA. (entre as do ora contra-alegante) para o valor ilíquido de €5.516,97, a do 12.º A. para 5.505,05 e as dos 13.º a 15.º AA. para o valor ilíquido de €5.356,29 (cfr. docs. n.ºs 13 a 25), na sequência da entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2011, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (de aprovação do OGE para 2011), através do ora impugnado ato praticado relativo ao mês de fevereiro de 2011;
B) Relativamente a esse mês de fevereiro de 2011 (depois também relativamente a ao mês de janeiro do mesmo ano através de reposição), a pensão de aposentação dos primeiros 11 AA. foi reduzida de €6.129,97 para € 5516,97 (ou seja, para menos 10%), tendo ainda sofrido - para os primeiros 10 AA - (cumulativamente) a dedução da reposição no montante de €613,00, correspondente a 10% do valor inicial, reportada ao mês de janeiro de 2011, no qual não houvera sido efetuada tal redução, e tendo a pensão de aposentação dos restantes autores sido reduzida, nos mesmos moldes.
C) A entidade ora apelante (CGA) alterou para menos (de forma totalmente inopinada, unilateral e sem qualquer audiência prévia) o quantitativo mensal pensão de reforma/jubilação respeitante aos AA. (entre os quais a do ora contra-alegante) – tendo, em conformidade, procedido às respetivas liquidações mensais - baseando-se numa errada interpretação/aplicação da norma do n.º 2 do art.º 68.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro – Orçamento do Estado para 2011 - segundo a qual as pensões de reforma/jubilação dos juízes (jubilados/reformados) se encontravam sujeitas à mesma redução (salarial/remuneratória) prevista para os juízes em serviço ativo nos termos dos art.ºs. 19.º e 20.º da mesma Lei Orçamental;
D) A interpretação/aplicação feita pela entidade ora apelante do disposto no art.º 162.º da citada Lei Orçamental aos atos de liquidação posteriores a janeiro de 2011, inclusive, até 1 de janeiro de 2013 (exclusive) - data da entrada em vigor da LO/2013 - isto é, aos atos pelos autores (nestes incluído o ora contra-alegante) contenciosamente impugnados, violam ostensivamente, na sua letra e no seu espírito, a própria estatuição legal e os princípios constitucionais e legais em que as mesmas assentam; com efeito,
E) Aquele n.º 1 do art.º 68.º da Lei Orçamental procede ao congelamento do valor nominal das diversas pensões previstas no sistema (de pensões), estatuindo que as mesmas “não são objecto de actualização no ano de 2011”, atualização essa - entenda-se - no sentido da sua majoração (aumento), v.g., por factores indexados à inflação;
F) O n.º 2 da mesma norma, ao preceituar que «o disposto no número anterior não é aplicável às pensões … cujos valores sejam automaticamente actualizados por indexação à remuneração de trabalhadores no activo, os quais ficam sujeitos à redução remuneratória prevista na presente lei, …», apenas pretende excluir a aplicação da regra contida naquele n.º 1, ou seja, a possibilidade de atualização para mais, com a consequência de as pensões aí referidas serem calculadas exatamente nos mesmos termos em que o seriam se não existisse a regra do n.º 1;
G) E, assim, a norma do n.º 2 do art.º 68.º da LO/2011 não fez mais do que transpor, para o domínio das pensões cujos valores são automaticamente atualizados por indexação à remuneração dos trabalhadores no ativo, a sobredita regra constante do n.º 10 do art.º 19.º da Lei Orçamental;
H) Ao tempo do processamento dos atos administrativos impugnados no seio dos presentes autos continuava a vigorar plenamente, na ordem jurídica, o n.º 4 do art.º 68.º do EMJ (na redação anterior à publicação da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril) nos termos do qual as «pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção e em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação» (sic). Comando este que foi inteiramente respeitado aquando da fixação originária da pensão de aposentação/jubilação dos autores da presente ação;
I) Disposição essa ipsis verbis reproduzida no novo n.º 7 do art.º 67.º do mesmo EMJ, com a redação que lhe foi dada pelo art.º 2.º da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril;
J) A Lei n.º 9/2011 essa que, ela sim, veio, a título inovatório, que não meramente interpretativo - através da seguinte nova redação que veio dar ao n.º 6 do mesmo art.º 67.º do EMJ - estatuir:
«A pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no activo de categoria idêntica».
K) Só com a entrada em vigor dessa Lei n.º 9/2011, de 12 de abril é que as pensões dos magistrados jubilados passaram a estar (ou seja, in futurum) “indexadas” às dos magistrados do ativo; porém, essa Lei, como qualquer outra, «só dispõe para o futuro; ainda que lhe fosse atribuída eficácia retroactiva, sempre seria de presumir que ficavam ressalvados «os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular» (art.º 12.º do Código Civil);
L) Esta, pois, a directriz legal para o cálculo das futuras pensões de aposentação/jubilação dos magistrados judiciais;
M) Só por via de uma alteração estatutária, no sentido de uma “atualização para menos” das pensões dos magistrados jubilados também poder ocorrer (em caso de redução ou diminuição das remunerações dos magistrados no ativo), poderia sustentar-se a interpretação feita pela entidade ora apelante; independentemente do questionamento que se fizesse (e teria sempre de fazer-se) acerca da atribuição de efeitos retroativos a tal norma por violação do princípio constitucional da tutela da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do estado de direito democrático (art.º 2.º da CRP);
N) Só que uma tal norma (ordinária) - repete-se … - não existia no ordenamento jurídico, antes da publicação da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril; a paridade entre magistrados jubilados e magistrados de idêntica categoria no ativo para efeitos de cálculo da pensão de aposentação/jubilação reportava-se exclusivamente ao valor ilíquido da pensão;
O) A apelante CGA ter-se-á “agarrado” à expressão “os quais ficam sujeitos à redução remuneratória prevista na presente lei”; porém, essa expressão verbal reporta-se inequivocamente (e tão-somente) ao universo dos trabalhadores no ativo cuja remuneração foi, ela sim, sujeita à redução remuneratória pelo art.º 19.º da mesma Lei Orçamental;
P) Mesmo admitindo que o n.º 2 do artigo 68.º da LO tivesse querido reduzir algumas pensões, salvo as dos DFA, por contraste com as referidas nas duas alíneas do seu n.º 1, o que iria ao arrepio da respetiva epígrafe, sempre seria de concluir que as pensões dos magistrados jubilados não cabiam na sua previsão, já que atualizadas nos precisos termos do então ainda vigente n.º 4 do art.º 68.º (ora n.º 7 do art.º 67.º do EMJ 85 e este a vigorar apenas para as pensões a fixar para o futuro para os juízes jubilados);
Q) Foi precisamente por querer “desligar” o valor dos subsídios de fixação e de compensação previstos nos art.ºs 24.º e 29.ºdo EMJ 85 - do regime de redução contemplado na Lei Orçamental para as componentes do sistema retributivo dos magistrados - que o legislador orçamental se sentiu na necessidade de aditar, para além do n.º 1 do art.º 32.º-A do EMJ 85, também um n.º 2;
R) Assim, enquanto no n.º 1 do art.º 32.º-A o legislador continua a dispor, por referência ao sistema retributivo dos magistrados, no n.º 2 ele autonomizou os subsídios de compensação e de fixação para os atingir com a redução de 20%, sem distinção de caberem ou não caberem nas componentes do sistema retributivo dos magistrados e de serem recebidos por magistrados no activo ou jubilados;
S) Essa a razão pela qual os AA. (entre os quais o ora contra-alegante) - e aqui sem quaisquer reservas de legalidade ou de constitucionalidade - não impugnaram a redução estabelecida para aqueles subsídios;
T) Residiu a ratio essendi do n.º 2 então art.º 68.º do EMJ 85 – em garantir o poder de compra dos juízes jubilados, distinguindo-os positivamente relativamente aos demais pensionistas, tendo essa vantagem como contrapartida as obrigações inerentes ao estatuto da jubilação, desde logo a subsistência do regime de exclusividade funcional e reditícia;
U) No pensamento legislativo (mens legislatoris) nunca foi ponderada a possibilidade de redução do montante das pensões, por se tratar de hipótese inimaginável, já que dominante, neste âmbito, o princípio da intangibilidade ou incolumidade das pensões já ex ante fixadas; princípio este, - de respeito pelas situações já consolidadas na ordem jurídica, com ressalva da contribuição extraordinária de solidariedade de 10% instituída pelo art.º 162.º da citada Lei Orçamental;
V) No regime em vigor no dia 1 de janeiro de 2011 - data do início de vigência da LO/2011, a atualização das pensões de aposentação dos Juízes jubilados somente poderia realizar-se em função do aumento das remunerações dos juízes do ativo, pelo que, inexistindo tal aumento, aquelas pensões terão de permanecer congeladas, mas não podendo, em hipótese alguma, ser reduzidas!...
X) Daí que o regime de atualização das pensões auferidas pelos juízes jubilados não seja subsumível na previsão do n.º 2 do citado art.º 68.º da LO/2011;
Y) Atente-se ainda que foi entendimento do legislador não alterar as pensões dos juízes já jubilados até 31 de Dezembro de 2010, já que isso se deduz da inicial Proposta de Lei n.º 45/XI/2ª (GOV) apresentada na Assembleia da República (respetivo preâmbulo), porquanto aí se afirmava claramente que o regime transitório nela previsto acautelava o tratamento constitucionalmente devido a situações constituídas à data da entrada em vigor da futura Lei;
Z) Conforme obtempera o douto acórdão sub-judice, «no caso de pretender estender a redução remuneratória às pensões de jubilação, o legislador teria, obviamente, a preocupação de introduzir disposição estatutária que a permitisse, exactamente como fez relativamente às remunerações e subsídios dos magistrados no activo» (sic); com efeito,
AA) Os magistrados jubilados gozam de um estatuto especial que lhes é conferido pela Constituição e pela lei, condição essa plasmada no citado Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo que qualquer outra lei ordinária geral jamais poderia revogar por substituição tal estatuto especial (lex posterior generalis, prior specialis non derogat);
BB) Insiste-se: se porventura a Administração tivesse tido em vista reconduzir o regime de actualização das pensões dos juízes jubilados à previsão legal do n.º 2 do art.º 68.º da Lei do Orçamento, em ordem a poder reduzi-las em 10%, o certo é, que à data dessa atualização (1 de janeiro de 2011), uma tal desideratum não era consentido (antes repudiado) pela lei então em vigor;
CC) Ademais - e sem conceder -, a alteração dos quantitativos das pensões de aposentação/jubilação já definitivamente consolidadas na ordem jurídica com força de caso decidido ou caso resolvido, para além de manifestamente violadora do princípio da intangibilidade das pensões de reforma, representaria uma aplicação retroativa da lei, proibida pelo n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil; tais comandos apenas poderiam ter aplicação para o futuro, às situações de jubilação que viessem a consumar-se e a consolidar-se à sombra das novas previsões-estatuições legais, que não às situações já de pretérito estabilizadas na ordem jurídica ao abrigo das normas então vigentes;
DD) Deste modo, as alterações introduzidas pela citada Lei n.º 9/2001, de 12 de abril, in DR, 1.ª Série, n.º 72, de 12 de abril de 2011, aos art.ºs 64.º a 69.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, «adaptando-os, nos domínios da aposentação, reforma e jubilação, aos princípios da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, e do Decreto -Lei n.º 229/2005, de 29 de dezembro, e adaptando o regime de proibição de valorizações remuneratórias no ano de 2011 às especificidades do sistema judiciário» (cfr. respetivos art.ºs 1.º e 2.º), valendo apenas para situações futuras, em nada podem contender com as liquidações das pensões de jubilação dos demandantes já ex-ante fixadas;
EE) O acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 18-4-2002, in Proc. n.º 32287 - 1.ª Sec., consagrou mesmo, expressis verbis (neste específico domínio), o princípio tempus regit actum, ao decidir que «o regime de aposentação dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente à data referida nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 43º do Estatuto da Aposentação; e isto «independentemente da data em que os mesmos forem desligados do serviço por deliberação dos respectivos Conselhos (Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público) (sic);
FF) Se dúvidas houvesse sobre o que acima se deixou dito, elas logo seriam dissipadas pela disposto no n.º 1 do art.º 7.º da citada lei n.º 9/2011, ao estatuir:

«Os magistrados judiciais subscritores da Caixa Geral de Aposentações que até 31 de Dezembro de 2010 contem, pelo menos, 36 anos de serviço e 60 de idade podem aposentar-se ou jubilar-se de acordo com o regime legal que lhes seria aplicável naquela data, nomeadamente levando-se em conta no cálculo da pensão a remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010, independentemente do momento em que o requeiram» (sic)

GG) Os cortes ilegais operados pela apelante CGA nos quantitativos das pensões dos AA. (entre as quais a do ora contra-alegante) perduraram, pelo menos, até 31 de dezembro de 2012 (inclusive) - já que em 1 de janeiro de 2013 entrou em vigor a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2013 (LO/2013, a qual veio instituir, com caráter transversal e universal, o “corte” (parcial) a que se reporta o n.º 4 do respetivo art.º 77.º
HH) Os actos administrativos de liquidação das pensões de aposentação, ora contenciosamente impugnados, são violadores, por erro de interpretação e de aplicação, das seguintes disposições legais: - art.ºs 19, 20.º, 22.º, 68.º, n.ºs 1 e 2 e n.º 1 do art.º 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro; - art.ºs 9.º e 12.º do CC;- art.ºs 32.º-A e 68.º, n.ºs 2 e 4, do EMJ/ 85; assim, bem anulados foram com base em vício de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito gerador da respetiva anulabilidade.

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Os recorridos no processo apenso concluem da seguinte forma as suas alegações:
A) Os magistrados judiciais jubilados gozam de um estatuto especial que lhes é conferido pela Constituição e pela lei, condição essa plasmada no Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo que qualquer outra lei ordinária geral jamais poderia revogar, por substituição, um tal estatuto especial , e sendo que tal estatuto especial, da reserva absoluta da Assembleia da República, só poderia ser alterado no seio do próprio estatuto, que não também por leis avulsas, à sua margem emitidas
B) O regime de actualização das pensões de aposentação auferidas pelos juízes já ex-ante jubilados não é reconduzível à previsão abstracta do n.º 2 do art.º 68.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei Orçamental para 2011);
C) Ao tempo do processamento dos actos ora contenciosamente impugnados continuava (plenamente) a vigorar na ordem jurídica o n.º 4 do art.º 68.º do EMJ (na redacção anterior à publicação da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril) nos termos do qual as «pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção e em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação» (sic);
D) O estatuto legal sui generis de que goza a sua situação jurídico-funcional de magistrados judiciais jubilados não autorizava, por isso, a CGA (ora apelante) a proceder ao corte ou redução do montante das suas pensões já ex-ante fixadas;
E) Trata-se, com efeito, de um regime de mera actualização unidireccional de aumento, que não também de diminuição ou redução; com efeito,
F) Só pela via de uma alteração estatutária, no sentido da actualização para menos das pensões dos magistrados jubilados também poder ocorrer, em caso de redução ou diminuição das remunerações dos magistrados no activo, poderia sustentar-se a interpretação feita pela ora apelante;
G) Independentemente do questionamento que se fizesse (e teria sempre de fazer-se) acerca da atribuição de efeitos retroactivos a tal norma por violação do princípio constitucional da tutela da confiança e da segurança jurídica ínsitos no princípio do estado de direito democrático (art.º 2.º da CRP);
H) Princípios estes que foram inteiramente respeitados aquando da fixação originária da pensão de aposentação/jubilação dos ora apelados;
I) Aquela disposição do n.º 4 do art.º 68.º do EMJ/85, (actualização unidireccional das pensões de aposentação/jubilação para aumento) veio a ser ipsis verbis reproduzida e reiterada no... n.º 7 do art.º 67.º do mesmo EMJ, com a redacção que lhe foi dada pelo art.º 2.º da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril;
J) Só esta última Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, veio (ela sim) a título inovatório, que não meramente interpretativo, através de nova redacção dada ao n.º 6 do mesmo art.º 67.º do EMJ, estatuir que «a pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão “líquida” do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no activo de categoria idêntica».
K) Directriz legal essa que apenas passará naturalmente a vigorar para o cálculo das “futuras” pensões de aposentação/jubilação dos magistrados judiciais;
L) Mas uma tal norma (ordinária) restritiva não existia no ordenamento jurídico, antes da publicação da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril; a paridade entre magistrados jubilados e magistrados de idêntica categoria no activo para efeitos de cálculo da pensão de aposentação/jubilação reportava-se exclusivamente ao valor “ilíquido” da pensão;
M) Torna-se patente o equívoco em que incorreu a apelante, ao “agarrar-se” – para proceder à ora questionada redução - à expressão “os quais ficam sujeitos à redução remuneratória prevista na presente lei”; porém, essa expressão verbal reporta-se inequivocamente (e tão-somente) ao universo dos trabalhadores no activo cuja remuneração foi, ela sim, sujeita à redução remuneratória pelo art.º 19.º da mesma Lei Orçamental;
N) A expressão verbal “os quais ficam sujeitos à redução remuneratória prevista na presente lei” tem a natureza de uma “oração subordinada relativa”, pois que está em relação com a expressão “trabalhadores no activo”, constituindo uma simples explicitação de que, em relação a estes, se verifica a redução remuneratória, não sendo ela própria uma estatuição/disposição autónoma, na medida em que aquela redução é imposta pelo art.º 19.º, n.º 1, da Lei Orçamental;
O) Daí a correcta conclusão do douto acórdão recorrido, ao obtemperar que “não tem apoio legal” o “entendimento perfilhado pela Caixa Geral de Aposentações e expresso na contestação e nas alegações apresentadas” no sentido de que “a redução da remuneração dos juízes do activo operada pelo art.º 19.º da Lei do Orçamento de Estado para 2011 deveria estender-se aos juízes-jubilados” (sic).
P) Daí também a correcta conclusão do mesmo acórdão de que “como resulta evidente, a referida norma (do então n.º 4 do art.º 68. do EMJ) não prevê qualquer redução da pensão, caso tal redução se venha a operar com o vencimento dos juízes do activo, pelo que, nessa medida, verdadeiramente, não há uma verdadeira indexação. Existe apenas, como vimos, uma actualização automática em caso de aumento” (sic).
Q) A redução operada pela ora apelante (CGA) no montante das pensões de aposentação/jubilação dos ora apelados relativas ao meses de Janeiro e de Fevereiro de 2011 (inclusive) e subsequentes - tal como foi peticionado ao tribunal a quo e por este doutamente sentenciado - isto é, os actos administrativos de liquidação das pensões de aposentação, ora contenciosamente impugnados, enferma, assim, de manifesto vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, designadamente:
a)- das seguintes disposições legais:
- art.ºs 2.º, 13.º, 18.º, n.º 3, 103.º, n.º 3 e 104.º, n.º 1, da CRP;
- art.ºs 19, 20.º, 22.º, 68.º, n.ºs 1 e 2 e n.º 1 do art.º 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro;
- art.ºs 7.º, n.º 3, 9.º e 12.º do CC;
- art.ºs 32.º-A e 68.º, n.ºs 2 e 4, do EMJ 85,
- art.ºs 5.º e 6.º e 140.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 147.º do CPA91.
b)- dos princípios da igualdade e não discriminação, da justiça, da proporcionalidade e da confiança ínsitos no princípio da legalidade plasmados no art.º 2.º da CRP e expressamente contemplados nos art.ºs 5.º e 6.º do CPA 91.
Vícios esses – todos eles - geradores da anulabilidade dos actos administrativos concretamente tradutores dessa aplicação redutora, com as legais consequências já expressas na petição inicial (art.ºs 135.º do CPA 91).
R) Assim havendo decidido neste pendor, não merece o acórdão recorrido qualquer censura.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, não emitiu parecer.
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FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA NO PROC. 250 (e com relevância para os autos):

1. Até ao décimo primeiro, os Autores detêm a categoria de juízes conselheiros jubilados, os restantes, a de juízes desembargadores jubilados (artigo 1.º da P.I. e Doc. 1 a 12 anexos);
2. Consta da “nota de liquidação” remetida aos Autores, com data de 4 de Janeiro de 2011 (artigos 9.º a 10.º da P.I. e Docs. 1 a 12anexos):
“V.Ex.ª aufere, por esta Caixa, a título de pensões, o valor ilíquido de (…). Assim, de acordo com o estabelecido no art.º 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, o montante que excede 5.000 euros foi sujeito à contribuição extraordinária de solidariedade de 10%”
3. Consta da “nota de liquidação” remetida aos Autores, com data de 7 de Fevereiro de 2011 (artigo 11.º da P.I. e Docs. 13 a 25 anexos):
“A pensão ilíquida de V.Ex.ª foi alterada, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011, por aplicação da redução remuneratória estabelecida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2011), para os magistrados no activo de categoria e escalão correspondente àquele em que se verificou a jubilação, conforme determinado no art.º 68.º, n.º 2, daquela Lei”. 4. Consta da “nota de liquidação” remetida aos Autores, com data de 23 de Fevereiro de 2011 (artigo 12.º da P.I. e Docs. 26 a 38 anexos): “Este aviso rectifica o anteriormente enviado, em que se indicou um valor líquido a creditar errado, o qual deve ser dado sem efeito. Aproveito para informar de que o acerto da Contribuição Extraordinária de Solidariedade descontada no passado mês de Janeiro será efectuado no abono do próximo mês de Março. A pensão ilíquida de V.Ex.ª foi alterada, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011, por aplicação da redução remuneratória estabelecida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2011), para os magistrados no activo de categoria e escalão correspondente àquele em que se verificou a jubilação, conforme determinado no art.º 68.º, n.º 2, daquela Lei”
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FACTOS FIXADOS NO APENSO 1094 e com interesse para a causa:
1) Todos os AA. são juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, com excepção do 2° A., JESCL, que é juiz conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, na situação de jubilados - Cfr. docs. 1 a 17 juntos com a p.i.;
2) No mês de Dezembro de 2010, o montante ilíquido da pensão de aposentação dos Autores, EAM, JESCL, JLFT, JSP, ANFG, EJFA, JFS, CPM, AOR, MJSP, MSTR, JABN, AJS, UALD e GXS cifrava-se em € 6.129,97 – cfr. docs. 1 a 17 juntos com a p.i.;
3) Auferiam ainda os Autores, em razão da sua qualidade de magistrados judiciais jubilados, o subsídio de compensação a que se reporta o n.° 2 do art° 29.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais aprovado pela Lei n.° 21/85, de 30 de Julho, subsídio esse que em 31 de Dezembro de 2010, se cifrava em €775;
4) Na sequência da aprovação do Orçamento de Estado para 2011, a entidade demandada, ao fixar, no mês de Janeiro de 2011, as pensões de aposentação/jubilação dos autores, relativas ao ano de 2011, manteve-as congeladas no seu quantitativo anterior ilíquido de €6129,97, dado não ter havido aumentos para os juízes no activo para o ano de 2011 - cfr. docs. 1 a 17 juntos com a p.i.;
5) Em Fevereiro de 2011 a Entidade demandada reduziu os montantes das pensões de aposentação/jubilação dos autores, EAM, JESCL, JLFT, JSP, ANFG, EJFA, JFS, CPM, AOR, MJSP, MSTR, para o valor ilíquido de €5516,97, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011, aplicando às mesmas uma dedução correspondente a 10% do total, e outra, de igual montante, sobre a parte excedente a € 5000 - cfr. docs. 18 a 27 juntos com a p.i.;
6) No referido mês de Fevereiro, as pensões dos referidos Autores foram ainda reduzidas em €613, correspondente ao valor que a CGA considerou ter sido percebido a mais no mês anterior - cfr. docs. 28 a 35 juntos com a p.i.;
7) Os restantes autores, JABN, AJS, UALD e GXS, viram as suas pensões reduzidas no mês de Março num primeiro momento em 10% do valor global e, num segundo, em mais 10% sobre o excedente a € 5.000, para além de verem retidas a importância de € 613, correspondente ao mês anterior.
8) Alguns Autores receberam notas explicativas, por parte da CGA, dando conta que as supra referidas operações/deduções resultaram da aplicação das regras constantes do Orçamento de Estado para 2011, outros souberam das mesmas por consulta à “Caixa Directa”, via Internet - Cfr. docs 36 a 41 juntos com a p.i.;
9) Através da “nota de liquidação” da pensão dos ora primeiros 10 demandantes relativa ao mês de Janeiro de 2011, emitida em 4 de Janeiro de 2011, foi-lhes dado conhecimento de que: “V. Exª aufere, por esta Caixa, a título de pensões, o valor ilíquido de 6.129,97 euros. Assim, de acordo com o estabelecido no art.° 162.” da Lei n.° 55,°-A/2010, de 31 de Dezembro, o montante que excede 5.000 euros foi sujeito à contribuição extraordinária de solidariedade de 10%” –cfr. cit. doc. n.° 1 a 1 7 juntos com a p.i.;
10) Através da “nota de liquidação” da pensão de reforma/jubilação relativa ao mês de Fevereiro de 2011, emitida em 7 de Fevereiro de 2011, foi dado aos ora demandantes conhecimento de que: “A pensão ilíquida de V.° Ex.ª foi alterada, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011, por aplicação da redução remuneratória estabelecida pela Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2011), para os magistrados no activo de categoria e escalão correspondente àqueles em que se verificou a jubilação, conforme determinado no art.° 68.”, n. 2, daquela Lei” — cfr. doc. n.°s 18 a 27 juntos com a p.i.;
11) Mediante a “nota de liquidação” da pensão de aposentação/reforma, relativa ao mesmo mês de Fevereiro de 2011, emitida em 23 de Fevereiro de 2011, foi dado conhecimento aos ora demandantes do seguinte: “Este aviso rectifica o anteriormente enviado, em que se indicou um valor líquido a creditar errado, o qual deve ser dado sem efeito. Aproveito para informar de que o acerto da Contribuição Extraordinária de Solidariedade descontada no passado mês de Janeiro será efectuado no abono do próximo mês de Março. A pensão ilíquida de V. Exa. foi alterada, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2011, por aplicação da redução remuneratória estabelecida pela Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2011), para os magistrados no activo de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verificou a jubilação, conforme determinado no art.° 68.”, n.° 2, daquela Lei “ -cfr. docs. n.°s 28 a 35 juntos com a p.i.;
12) Na pensão do mês de Fevereiro de 2011 e no mês de Março de 2011, manteve a entidade demandada os mesmos descontos, - cfr. doc. 42 a 53 juntos com a p.i.;
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QUESTÕES QUE IMPORTA CONHECER
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 5, 608.º, 635.º, n.ºs 3 e 4 e 638º, n.º 3 todos do Novo Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no artº 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide do objecto da causa de facto e de direito.
As questões que aqui importa conhecer são as seguintes:
Recurso 250
_ Violação pela decisão recorrida dos artigo 19.º, n.º 1, e 68.º, n.º 2, da Lei n.º 55-A/2010, 31 de Dezembro;
Recurso Apenso
_ Violação dos artigo 19.º, n.º 1, e 68.º, n.º 2, da Lei n.º 55-A/2010, 31 de Dezembro;
_Violação dos princípios constitucionais da igualdade e da confiança.
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O DIREITO
RECURSOS 250/11.4BECBR e 1094/11.09BEPRT
Pretende a recorrente que os acórdãos recorridos violaram o disposto nos artigo 19.º, n.º 1, e 68.º, n.º 2, da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro .
Para tanto alega a CGA que o legislador teve o especial cuidado de expressamente, no artigo 68.º, n.º 2, da LOE 2011, ao contrário do que vem dito na sentença recorrida, impor a redução remuneratória às pensões automaticamente atualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no ativo – como é o caso das pensões dos magistrados jubilados -, excluindo apenas os pensionistas DFA atento o carácter indemnizatório destas pensões.
E que, o art. 19º ( nº10 e nº9 al. v)) do mesmo diploma induz à mesma conclusão por o âmbito de aplicação não ser o dos magistrados jubilados mas antes quem beneficiava da situação prevista no art. 7º da lei 69/2005 de 29/12 e não ser exigível aqui qualquer referência expressa ao que já resultava da lei.
Pelo que não pode ser feito o paralelismo a que se alude na decisão recorrida o mesmo sucedendo ao argumento de que não se encontraria prevista a redução remuneratória das pensões atualizadas mediante o mecanismo da indexação.
Então vejamos.
Sob a epígrafe “Redução Remuneratória” estabelece o art.º 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2011):
“1 — A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a € 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:
a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 1500 e inferiores a € 2000;
b) 3,5 % sobre o valor de € 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os € 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 até € 4165;
c) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 4165.
2 — Excepto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual a € 4165, caso em que se aplica o disposto no número anterior, são reduzidas em 10 % as diversas remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos:
a) Pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9, nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços previstas no artigo 22.º;
b) Pessoas referidas no n.º 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.
3 — As pessoas referidas no número anterior prestam, em cada mês e relativamente ao mês anterior, as informações necessárias para que os órgãos e serviços processadores das remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias possam apurar a taxa de redução aplicável.
4 — Para efeitos do disposto no presente artigo:
a) Consideram -se remunerações totais ilíquidas mensais as que resultam do valor agregado de todas as prestações pecuniárias, designadamente, remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados;
b) Não são considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio de transporte ou o reembolso de despesas efectuado nos termos da lei e os montantes pecuniários que tenham natureza de prestação social;
c) Na determinação da taxa de redução, os subsídios de férias e de Natal são considerados mensalidades autónomas;
d) Os descontos devidos são calculados sobre o valor pecuniário reduzido por aplicação do disposto nos n.os 1 e 2.
5 — Nos casos em que da aplicação do disposto no presente artigo resulte uma remuneração total ilíquida inferior a € 1500, aplica-se apenas a redução necessária a assegurar a percepção daquele valor.
6 — Nos casos em que apenas parte da remuneração a que se referem os n.os 1 e 2 é sujeita a desconto para a CGA, I. P., ou para a segurança social, esse desconto incide sobre o valor que resultaria da aplicação da taxa de redução prevista no n.º 1 às prestações pecuniárias objecto daquele desconto.
7 — Quando os suplementos remuneratórios ou outras prestações pecuniárias forem fixados em percentagem da remuneração base, a redução prevista nos n.os 1 e 2 incide sobre o valor dos mesmos, calculado por referência ao valor da remuneração base antes da aplicação da redução.
8 — A redução remuneratória prevista no presente artigo tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de Setembro, para os universos neles referidos.
9 — O disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificado: (…)
f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador -Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz; (…)
v) O pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efectividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no activo.
10 — Aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que, até 31 de Dezembro de 2010, reúnam as condições para a aposentação ou reforma voluntária e em relação aos quais, de acordo com o regime de aposentação que lhes é aplicável, o cálculo da pensão seja efectuado com base na remuneração do cargo à data da aposentação, não lhes é aplicável, para efeito de cálculo da pensão, a redução prevista no presente artigo, considerando -se, para esse efeito, a remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010, independentemente do momento em que se apresentem a requerer a aposentação.
11 — O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.
Por sua vez dispõe o artigo 68.º da Lei 55-A/2010 de 31/12 sob a epígrafe:
“Congelamento do valor nominal das pensões
1 - Não são objecto de actualização, no ano de 2011:
a) Os valores das pensões regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral de segurança social, as pensões por incapacidade permanente para o trabalho, as pensões por morte e por doença profissional e demais pensões, subsídios e complementos, previstos na Portaria n.º 1458/2009, de 31 de Dezembro, atribuídos anteriormente a 1 de Janeiro de 2010;
b) Os valores das pensões de aposentação, reforma, invalidez e de outras pensões, subsídios e complementos atribuídas pela CGA, I. P., previstos na Portaria n.º 1458/2009, de 31 de Dezembro, atribuídos anteriormente a 1 de Janeiro de 2011.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável às pensões, subsídios e complementos cujos valores sejam automaticamente actualizados por indexação à remuneração de trabalhadores no activo, os quais ficam sujeitos à redução remuneratória prevista na presente lei, com excepção das pensões actualizadas ao abrigo do n.º 1 do Artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, que seguem o regime previsto no número anterior.”
Quid juris?
Como interpretar os supra referidos preceitos e de que forma os mesmos se intercomunicam com as pensões dos magistrados jubilados?
A propósito da interpretação da lei, diz o artigo 9º nº1 do CC que esta não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada.
E, continua o nº2 que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, terminando o nº3 que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Na interpretação da lei há, assim, que atender:
- Ao elemento literal [sentido dos termos e sua correlação];
- Lógico [a lei que permite o mais, permite o menos; a que proíbe o menos proíbe o mais; a que permite o fim permite os meios que necessariamente a ele conduzem; a que proíbe os meios, proíbe o fim a que eles necessariamente conduzem];
- Sistemático [as leis interpretam-se umas às outras];
- Histórico [trabalhos preparatórios e leis anteriores].
A interpretação dos citados preceitos há-de , pois, ser encontrada na sua expressão linguística, na razão de ser da mesma, nos elementos que a antecederam nomeadamente os trabalhos preparatórios ou discussão sobre a matéria e para além da sua inserção sistemática no espírito lógico/axiológico que resulta do contexto global da mesma.
E, também importa aferir se a inexistência de norma explícita configura ou não uma lacuna de regulamentação mas apenas depois de esgotar uma atividade prévia: a interpretativa.
Apesar de a letra da lei ser o primeiro estádio da interpretação, funcionando simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação para determinar o alcance de uma lei, o intérprete não pode limitar-se ao sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal tendo de buscar o pensamento legislativo há que descer à essência do texto e desenvolvê-la em todas as direções possíveis.
A missão do intérprete é precisamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a amplitude o seu valor penetrando o mais que é possível na alma do legislador e a partir daí reconstituir o pensamento legislativo.
Só assim a lei realiza a sua função expansiva representando na vida social uma verdadeira força normativa.
Daí que, na tarefa de fixar o sentido e alcance com que deve valer uma norma jurídica, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma.
Neste sentido ver Parecer da PGR P000802003 onde também se refere que segundo BAPTISTA MACHADO “...o conhecimento desse fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exacto alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte.”
O fundamento da norma, a sua ratio legis revela, pois, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.
O elemento sistemático “funda-se na circunstância de que um preceito jurídico não existe por si só, isoladamente, antes se encontrando ligado a vários outros de modo a constituírem todos eles, um sistema”.
Enquadrando sistematicamente os preceitos convém começar por ter presente que o art. 68º tem a seguinte epígrafe : “Congelamento do valor nominal das pensões.”
Este é, pois, o preceito que visa regular o que acontece neste diploma às pensões, resultando ,desde logo, do nº 1 do referido art. 68º da Lei Orçamento 2011 que estas não serão objeto de atualização no ano de 2011 , o que significa que as pensões não serão aumentadas nem diminuídas mantendo-se tal como existiam antes deste diploma.
Ficam ,assim, as mesmas congeladas.
E, no nº 2 do mesmo, diz-se que essa falta de atualização ( que necessariamente inclui aumento e diminuição) não se aplica às situações aí previstas ou seja, às pensões, subsídios e complementos cujos valores sejam automaticamente atualizados por indexação à remuneração de trabalhadores no ativo, os quais ficam sujeitos à redução remuneratória prevista na presente lei.

Portanto, prevê-se a redução remuneratória de todas as pensões que sejam automaticamente atualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no ativo, com exceção das que identifica atento o seu caráter indemnizatório.

E será este o caso das pensões dos magistrados jubilados?

Estarão as pensões dos magistrados jubilados indexadas à remuneração dos trabalhadores do ativo de acordo com o Estatuto dos Magistrados Judiciais na redação dada pela Lei 143/99 de 3/12, em vigor à data da entrada em vigor da Lei 55-A/2010 de 31/12?

Interpretemos, pois, o disposto no artigo 68.º, n.º 4, do EMJ (Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redação anterior à Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, redação dada pela Lei 143/99 de 3/12) para nos apercebermos se o mesmo funciona apenas para efeitos de aumento das pensões.
Extraem-se do Estatuto dos Magistrados Judiciais Lei n.º 21/85, de 30 de Julho na redação em vigor à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2011 os seguintes preceitos:
Art. 67º
“1 - Os magistrados judiciais que se aposentem por limite de idade, incapacidade ou nos termos do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação, excluída a aplicação de pena disciplinar, são considerados jubilados.
2 - Os magistrados jubilados continuam vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria e podem assistir de traje profissional às cerimónias solenes que se realizem no referido tribunal, tomando lugar à direita dos magistrados em serviço activo.
3 - O Conselho Superior da Magistratura pode, a título excepcional e por razões fundamentadas, nomear juízes conselheiros jubilados para o exercício de funções no Supremo Tribunal de Justiça.
4 - A nomeação é feita em comissão de serviço, pelo período de um ano, renovável por iguais períodos, de entre jubilados que para o efeito manifestem disponibilidade junto do Conselho Superior da Magistratura.
5 - Os juízes conselheiros jubilados nomeados nos termos dos números anteriores têm direito, independentemente da área de residência, a ajudas de custo nos termos fixados no n.º 2 do artigo 27.º
6 - Os magistrados judiciais podem fazer declaração de renúncia à condição de jubilados ou pode ser-lhes concedida, a seu pedido, suspensão temporária dessa condição, ficando sujeitos em tais casos ao regime geral da aposentação pública”.
Art. 68ª
“ (Direitos e obrigações)
1 - Aos magistrados judiciais jubilados é aplicável o disposto nas alíneas a) a g) do n.º 1 e no n.º 5 do artigo 17.º e no n.º 2 do artigo 29.º
2 - A pensão de aposentação será calculada, sem qualquer dedução no quantitativo apurado, em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo.
3 - Até à liquidação definitiva, os magistrados judiciais jubilados têm direito ao abono de pensão provisória, calculada e abonada nos termos legais pela repartição processadora.
4 - As pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação.
5 - Os magistrados judiciais jubilados encontram-se obrigados à reserva exigida pela sua condição.
6 - O estatuto de jubilado pode ser retirado por via de procedimento disciplinar.”
Entendeu-se na decisão proferido no processo 250 que:
“Sustentam, a este respeito, os Autores, que na disposição vertida nos dois números do art.º 68.º supra transcrito, deve entender-se que o impedimento de actualização se restringe ao aumento das pensões por referência à inflação.
Não há dúvida de que, do n.º 1 se retira a impossibilidade de actualização por via de aumento em função dos valores percentuais da inflação, quanto às pensões a que se referem as suas duas alíneas.
Do n.º 2, apenas é possível concluir que as pensões, subsídios e complementos cujos valores sejam automaticamente actualizados por indexação à remuneração de trabalhadores no activo, (…) ficam sujeitos à redução remuneratória prevista na presente lei, excepcionando de tal regime as pensões actualizadas ao abrigo do n.º 1 do artigo 12.º do Decreto -Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, que seguem o regime previsto no número anterior (que não são, simplesmente, aumentadas).
Ora, enquanto o n.º1 do art.º 12.º de Dec.-Lei n.º 43/76 determina que as pensões atribuídas aos Deficientes das Forças Armadas, serão actualizadas automaticamente com relação aos correspondentes vencimentos dos militares do mesmo posto ou graduação na situação do activo, de acordo com quanto estatuía o n.º 4 do art.º 68.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redacção aplicável (aprovado pela Lei n.º 21/85 de 30/07) as pensões de aposentação dos magistrados judiciais são automaticamente actualizadas e na mesma proporção em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àquele em que se verifica a jubilação.
Ou seja, não fora a exclusão expressa quanto às pensões referidas no n.º 1 do art.º 12.º do Dec.-Lei n.º 43/76, por força da redacção da regra orçamental, estas acompanhariam, necessariamente, o valor dos vencimentos dos militares no activo, aos quais se encontram claramente indexadas. Outro tanto não pode acontecer com as pensões dos Autores, uma vez que no respectivo Estatutos, se prevê expressamente, a actualização das pensões mas apenas em função do aumento das remunerações dos magistrados no activo, de categoria e escalão correspondente.
Nada releva para uma interpretação diferente, a circunstância de tal redução se não apresentar previsível ao tempo da elaboração de tal norma estatutária. Demonstra-o o facto de o legislador orçamental, no art.º 20.º, se haver preocupado em promover a alteração do EMJ por via da introdução do art.º 32-A, nele consignando, sob a epígrafe “Redução remuneratória”, no n.º 1 que “as componentes do sistema retributivo dos magistrados, previstas no artigo 22.º, são reduzidas nos termos da lei do Orçamento do Estado”; e no n.º 2 que “os subsídios de fixação e de compensação previstos nos artigos 24.º e 29.º, respectivamente, equiparados para todos os efeitos legais a ajudas de custo, são reduzidos em 20 %”.
No caso de pretender estender a redução remuneratória às pensões de jubilação, o legislador teria, obviamente, a preocupação de introduzir disposição estatutária que a permitisse, exactamente como fez relativamente às remunerações e subsídios dos magistrados no activo.
Reforça também a interpretação que vem a ser exposta, a expressa estatuição vertida no número 10 do art.º 19.º da Lei do Orçamento, nos termos da qual Aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que, até 31 de Dezembro de 2010, reúnam as condições para a aposentação ou reforma voluntária e em relação aos quais, de acordo com o regime de aposentação que lhes é aplicável, o cálculo da pensão seja efectuado com base na remuneração do cargo à data da aposentação, não lhes é aplicável, para efeito de cálculo da pensão, a redução prevista no presente artigo, considerando-se, para esse efeito, a remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010, independentemente do momento em que se apresentem a requerer a aposentação: se a redução salarial estabelecida para os juízes no activo fosse extensível às pensões percebidas pelos jubilados, nenhum benefício encerraria a disponibilidade para permanecer ao serviço para quem reunisse, em 31 de Dezembro de 2010, as condições para a jubilação.
Por último, mas decisivo, segundo dispõe o n.º 11 do art.º 19.º, apenas “o regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos”.
Assim, se o legislador pretendesse reduzir o montante das pensões de jubilação, para além do mais já referido, tê-lo-ia previsto, no art.º 19.º, exactamente como fez na al. v) do n.º 9, relativamente ao pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efectividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no activo, (que abrangeria os pensionistas, expressamente excluídos, por isso, no n.º 2 do art.º 68.º).”
E na decisão recorrida no processo 1094:
“...Outro tanto não pode acontecer com as pensões dos Autores, uma vez que no respectivo Estatutos, se prevê expressamente, a actualização das pensões mas apenas em função do aumento das remunerações dos magistrados no activo, de categoria e escalão correspondente.
Nada releva para uma interpretação diferente, a circunstância de tal redução se não apresentar previsível ao tempo da elaboração de tal norma estatutária. Demonstra-o o facto de o legislador orçamental, no art.º 20.º, se haver preocupado em promover a alteração do EMJ por via da introdução do art.º 32-A, nele consignando, sob a epígrafe “Redução remuneratória”, no n.º 1 que “as componentes do sistema retributivo dos magistrados, previstas no artigo 22.º, são reduzidas nos termos da lei do Orçamento do Estado”; e no n.º 2 que “os subsídios de fixação e de compensação previstos nos artigos 24.º e 29.º, respectivamente, equiparados para todos os efeitos legais a ajudas de custo, são reduzidos em 20 %”.
No caso de pretender estender a redução remuneratória às pensões de jubilação, o legislador teria, obviamente, a preocupação de introduzir disposição estatutária que a permitisse, exactamente como fez relativamente às remunerações e subsídios dos magistrados no activo.”
Será que é mesmo esta a interpretação a ser feita deste preceito atento os supra referidos elementos a atender na interpretação da lei?
Desde logo não podemos pretender interpretar uma norma anterior , e ainda por cima de um Estatuto, com quaisquer leis posteriores e nomeadamente leis orçamentais.
Numa apreciação perfunctória, centrada exclusivamente na expressão literal do preceito, o intérprete poderia ser tentado a concluir no sentido de que o preceito apenas implica que as pensões dos magistrados aumentam quando aumentarem os vencimentos do ativo.
No entanto, os elementos históricos, a inserção sistemática do preceito e a sua ratio apontam para conclusão diversa.
Em que circunstâncias surge, pois, a norma que se pretende interpretar e que supra se transcreveu?
Chamemos à colação os preceitos do Estatuto dos Magistrados Judiciais ao longo do tempo para tentar perceber se do mesmo resulta a existência dessa indexação.
A regra de atualização das pensões de aposentação dos magistrados jubilados, que constava do n.° 2 do artigo 3.° da Lei n.° 2/90, de 20 de Janeiro, é idêntica à do atual art. 68º nº4 que aqui importa interpretar com a seguinte redação:
"As pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação.”
Esta norma postula uma redação inovadora original da Lei 21/85 e mesmo posteriores alterações.
O art. 67º tinha a seguinte redação na versão original da Lei 21/85 de 30/7 e antes da nova redação da Lei 2/90:
“1- Os magistrados judiciais que se aposentem por limite de idade, incapacidade ou nos termos do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação, excluída a aplicação de pena disciplinar, são considerados jubilados.
2 - Os magistrados jubilados continuam vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria e podem assistir de traje profissional às cerimónias solenes que se realizem no referido tribunal, tomando lugar à direita dos magistrados em serviço activo.
3 - O magistrado nas condições previstas no n.º 1 pode fazer declaração de renúncia à condição de jubilado, ficando sujeito, em tal caso, ao regime geral de aposentação pública.”
Por sua vez o art. 68º da mesma Lei tinha na redação original e com pequena alteração do DL n.º 342/88, de 28/09 a seguinte redação:
“Artigo 68.º
(Direitos e obrigações)
1 - Aos magistrados judiciais jubilados é aplicável o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 17.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 23.º e no n.º 2 do artigo 29.º, correspondendo-lhes a participação emolumentar fixada para os magistrados do activo de categoria idêntica àquela em que se verificou a jubilação.
2 - A pensão de aposentação será calculada, sem qualquer dedução no quantitativo apurado, em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo.
3 - Até à liquidação definitiva, os magistrados judiciais jubilados têm direito ao abono de pensão provisória, calculada e abonada nos termos legais pela repartição processadora.
4 - Os magistrados judiciais jubilados encontram-se obrigados à reserva exigida pela sua condição.
5 - O estatuto de jubilado pode ser retirado por via de procedimento disciplinar.”
Não há dúvida, pois, que antes da referida Lei 2/90 de 30/7, a correspondência entre a remuneração dos magistrados no ativo com a dos magistrados judiciais jubilados era feita a nível de participação emolumentar.
A propósito do art. 3º da lei 2/90 de 20/1 entendeu-se no Ac do STA 030509 de 06/09/1992 que:
“I - Com a entrada em vigor da Lei n. 2/90 de 20/1, que veio instituir o novo "Sistema Retributivo dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público", - e designadamente por força do seu art. 3 - a pensão de aposentação dos magistrados judiciais jubilados, passou a ser fixada e sucessiva e automaticamente actualizada de forma idêntica e em inteira correspondência com as remunerações dos magistrados no activo de categoria e escalão equivalentes àqueles em que se verificou a jubilação.
II - Deixou, pois, de ter qualquer aplicação neste domínio o regime de majorações, desmajorações e compensações que havia sido transitoriamente instituído pelo art. 4 do Dec-Lei n. 487/88 de 30/12 e pela Portaria n. 549/89 de 17/7 com vista a assegurar o princípio da neutralidade fiscal resultante da sujeição dos vencimentos dos servidores da função pública a tributação primeiro em imposto profissional e depois em IRS.”
Por sua vez no Ac. do TCA de 26/10/2000 Rec nº. 2692/99, a propósito da interpretação do art. 3º., nº 2, da Lei nº. 2/90, referiu-se o seguinte:
“O sentido normal (quer dizer, aplicável ao caso típico de um magistrado que se jubilou com mais de 36 anos de descontos para a CGA) é o que o recorrente refere: a partir da vigência de tal disposição as pensões de aposentação têm a medida dos vencimentos do magistrado jubilado, como se este estivesse ao serviço. E foi seguramente esta constatação (note-se aplicável aos casos mais vulgares) que motivou as intervenções nos trabalhos de formação da lei de facto, o que esta lei trazia de novo era a eliminação de uma diferença entre as pensões de aposentação/jubilação e os vencimentos dos magistrados ao serviço.”
Também se extrai do Relatório e Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de Lei n.° 120/V (sistema retributivo dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público) que:
“A proposta de lei n.º 120/V, no respeito do preceituado na alínea q) do n.° 1 do artigo 168.° da Constituição da República Portuguesa — que estabelece a reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República quanto à «organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados» —, propõe-se alterar o sistema remuneratório dos magistrados judiciais e do Ministério Público.
Na elaboração desta proposta de lei o Governo não deixou de ter em conta o facto de, nos termos constitucionais, os tribunais serem órgãos de soberania e a necessidade de dignificação dos cargos judiciários no respeito da independência e autonomia que lhe são próprios.
A proposta de lei n.º 120/V consagra expressamente a aplicação do regime remuneratório proposto aos magistrados jubilados.
1 — O Estatuto dos Magistrados Judiciais está consagrado na Lei n.° 21/85, de 30 de Julho, e a Lei Orgânica do Ministério Público foi aprovada na Lei n.° 47/86, de 15 de Outubro.
Os artigos 1 e 2.º da proposta de lei n.º 120/V alteram, respectivamente, os artigos 22.° e 23.° e 73,° e 74° daquelas leis no sentido de fixar, de forma idêntica, as componentes do sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público.
Os n.ºs 3 dos artigos 1.° e 2.º da presente proposta de lei prevêem que, a partir de 1 Janeiro de 1991, seja automaticamente actualizado o valor do Índice 100 constante dos quadros anexos que integram a presente proposta de lei nos termos em que se processa a actualização dos vencimentos dos titulares dos cargos políticos.
II — O artigo 3.° da proposta de lei n.° 120/V determina a aplicação do novo sistema retributivo aos magistrados jubilados, acolhendo e consagrando em lei uma antiga aspiração dos magistrados, mas que só recentemente obteve inequívoco vencimento depois de homologação ministerial de um parecer da Procuradoria-Geral da República de 9 de Março de 1989.
III — O artigo 6. da proposta de lei n.° 120/V actualiza o valor do índice 100 dos mapas anexos às Leis n. 21/85, de 30 de Julho, e 47/86, de 15 de Outubro, para os anos de 1989 e 1990, cujos valores são fixados, respectivamente, em 176 700$ e 198 000$.
IV — Finalmente, o artigo 7.° da presente proposta de lei determina a retroactividade da produção de efeitos à data de 1 de Janeiro de 1989.
V — Outros aspectos, designadamente os relacionados com a articulação entre o proposto regime remuneratório e outros sistemas remuneratórios já aprovados e em vigor, poderão, eventualmente, ser considerados no âmbito das discussões e votação na especialidade.
VI — A proposta de lei n.° 120/V, que altera o sistema retributivo dos magistrados judiciais e do Ministério Público, está em conformidade com as normas constitucionais e regimentais aplicáveis, pelo que nada obsta à subida a Plenário para discussão e votação.
Palácio de São Bento, 7 de Novembro de 1989. - O Deputado Relator, Miguel Macedo. O Vice-Presidente da Comissão, Jorge Lacão.
O relatório e parecer foi aprovado por unanimidade.
Em anexo, proposta de aditamento.
“Artigo 3.º………………………………………………………
2 - As pensões de aposentação dos magistrados jubilados serão automaticamente actualizadas, e na mesma proporção, em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria idêntica àquela em que se verifica a jubilação.”
Palácio de São Bento, 15 de Novembro de 1989. — Os Deputados: Miguel Macedo — Ferreira de Campos — Jorge Lacão — José Magalhães
Salientemos então daquele relatório:
_ A proposta de lei n.º 120/V consagra expressamente a aplicação do regime remuneratório proposto aos magistrados jubilados.
_ mas que só recentemente obteve inequívoco vencimento depois de homologação ministerial de um parecer da Procuradoria-Geral da República de 9 de Março de 1989.
_ II — O artigo 3.° da proposta de lei n.° 120/V determina a aplicação do novo sistema retributivo aos magistrados jubilados, acolhendo e consagrando em lei uma antiga aspiração dos magistrados.
E que antiga aspiração dos magistrados contida neste Parecer da PGR e objeto de homologação ministerial se pretende acolher com esta alteração aos Estatutos a que se alude na referida Comissão de Assuntos Constitucionais?
Passamos a transcrever parte deste parecer 161/88 de 9/3/89 da PGR, enviado ao Ministro da Justiça a propósito das questões e dúvidas de interpretação do texto originário do nº 1 do artigo 68º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - Lei nº 21/85, de 30 de Julho -, nos termos do qual ao magistrado judicial jubilado era aplicável, entre outras disposições do mesmo Estatuto, o nº 2 do artigo 23º:
“ (...) O espírito da lei, que não visa melhorar a situação do jubilado em relação ao activo (Uma melhoria visa o instituto sim, mas em relação à aposentação “tout court”), mas tão-só não degradar o seu “status” pela passagem do activo à aposentação, impõe que o limite do montante global da pensão e desse acréscimo não ultrapasse certo nível remuneratório do activo, o do magistrado de idêntica categoria e antiguidade no activo, como se verá.
Até aí não se degrada o jubilado mas também não se melhora, assim se respeitando, no aspecto económico, o fim do instituto da jubilação; para além disso melhorar-se-ia, aumentando-lhe o grau do “status”, com o que se desrespeitaria esse fim.
3.3 – Pensa-se que o nível-limite, acima do qual não pode o jubilado ver acrescida a sua pensão de aposentação pela adição de participação emolumentar, será, em cada momento, igual à remuneração correspondente a um magistrado do activo de categoria e tempo de serviço iguais aos que o jubilado tinha no momento em que passou à situação de aposentação-jubilação. Nessa “remuneração” em sentido amplo considerado se compreendem, em princípio, todas as parcelas com excepção, todavia, daquelas que eram correlatas, por compensatórias, de despesas próprias provocadas pelo exercício da função e das que, tirante a participação emolumentar, entram especificamente e de modo expresso como integrando os direitos de expressão económica que compõem o estatuto da jubilação.
Na verdade, e justificando, a referência à idêntica categoria do activo está ínsita no propósito de não degradação - que só se pode entender relativamente à situação que se tinha no momento da aposentação, de resto referência expressamente acolhida como padrão da participação emolumentar a acrescer a pensão, na letra da parte final do nº 1 do artigo 68 do EMJ na actual redacção.(...)
A inclusão, em principio, de todas as parcelas susceptíveis de integrar o conceito amplo de remunerações arranca da mesma ideia de não degradação do “status” do jubilado. A menos que tais parcelas, pelo seu cariz compensatório de despesas motivadas pelo serviço, pelo exercício da função, não sejam, por isso mesmo, esteio de um “status”.(...)
Pela lógica do sistema, não degradar mas não beneficiar, não há também lugar a computar o limite de que vimos tratando determinando-lhe o montante por inclusão de parcelas que, de per si, já integram o elenco dos direitos de expressão patrimonial do jubilado.
E o caso do subsídio compensatório de falta de casa de habitação, a que alude o nº 2 do artigo 29º do EMJ, que expressamente se inclui entre os direitos do estatuto económico dos jubilados no nº 1 do artigo 68º, tanto na versão actua1, como na versão originária.
A inclusão do seu valor no limite em causa beneficiaria duplamente o jubilado, beneficiando-o relativamente à situação do activo.
Ora, a duplicação da relevância é excepcional. Assim acontece, de modo inequívoco, com a participação emolumentar por força, acentua-se, da remodelação do nº 1 do artigo 68º, pois que, relevando para o cômputo da pensão de aposentação nos termos do nº 2 do artigo 23º, releva ainda para o respectivo complemento, por força do nº 1 (A nova redacção inutilizou a argumentação de que, face à versão originária do nº 1 do artigo 68º, se usou no parecer nº 2/86 no sentido, entre outras razões, de obstar o tal complemento a dupla relevância.). Por isso se entende que na determinação da remuneração do activo que servira de limite à totalidade a perceber pelo jubilado enquanto tal, entra a participação emolumentar correspondente ao magistrado do activo de igual categoria à daquele.
Diga-se, por último, como razão de sistema, em abono do limite aferido pela remuneração do activo, que o regime de aposentação não permite em caso algum que a respectiva pensão ultrapasse a remuneração que lhe serve de base, como resulta do disposto no artigo 53º do Estatuto de Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, em que a pensão por inteiro, que equivaleria, no máximo, à remuneração do activo, não pode ser excedida “em caso algum”, como resulta do nº 2 do artigo 53º (Os nºs 1 e 2 do artigo 53º, na redacção que lhes deu o Decreto-Lei nº l9l-A/79, de 25 de Junho, sob a epígrafe “cálculo da pensão (...)
Como se disse já, “a pensão é sucedânea do vencimento do funcionário sendo-lhe estranho qualquer propósito de benefício ou compensação superiores aos que lhe advinham da percepção do vencimento na actividade” (nota 30 do Parecer nº 2/86)).”
E termina o mesmo com as seguintes conclusões:
“1_ Todos os magistrados judiciais jubilados, seja qual for a data de passagem à situação de jubilação, tem direito a um complemento das respectivas pensões, constituído por participação emolumentar igual à fixada para os magistrados do activo de categoria idêntica aquela em que a jubilação se tenha verificado, nos termos do disposto no n 1 do artigo 23 da Lei n 21/85 de 30 de Julho, aplicável por remissão operada pelo nº 1 do artigo 68 do mesmo diploma, na redação que lhe deu o artigo 1 do Decreto-Lei n 342/88, de 28 de Setembro;
2_ O direito a esse complemento e independente de o montante da pensão ser calculado ou não com base em participação emolumentar, e o seu quantitativo e variável consoante varie em cada momento, a participação emolumentar dos magistrados no activo;
3_ O montante global da pensão dos magistrados judiciais jubilados e do respectivo complemento referido nas conclusões precedentes tem como limite o montante global das remunerações auferidas em cada momento pelos magistrados judiciais no activo, de categoria e tempo de serviço iguais aos dos jubilados;
4 - Para o efeito da conclusão 3, no computo do montante global da pensão e respectivo complemento de participação emolumentar dos magistrados jubilados, e irrelevante que o montante da pensão haja sido calculado levando em conta a participação emolumentar;
5 - Para o efeito limitativo referido na conclusão 3, o montante das remunerações dos magistrados judiciais no activo ai referidos e deduzido dos abonos cuja razão de ser seja o reembolso ou compensação de despesas feitas ou a fazer por motivo de serviço”.(...)
Também este parecer da PGR a que se alude no relatório da Proposta de Lei 120V, que procedeu à alteração dos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Publico é manifestação da clara intenção de pretender aplicar o novo sistema retributivo que se implementou aos magistrados jubilados fazendo uma verdadeira indexação de remunerações.
Como se diz no Ac. do STA 31507 de 04/04/1995: “A partir da entrada em vigor da Lei 2/90, de 20.1, dado o disposto no seu art. 3, a pensão de reforma dos magistrados judiciais jubilados, antes ou depois de 1.1.89, é fixada e actualizada de forma idêntica às remunerações dos magistrados judiciais no activo, de categoria e de escalão correspondentes àqueles, sem recurso às desmajorações e às compensações determinadas pela Portaria 549/89, de 17.7, editada por força do disposto no art. 4 do DL 487/88, de 30.12.”
O que se quis, sim, foi equiparar os magistrados jubilados a magistrados do ativo para efeitos remuneratórios , estatuto que estes assumidamente ainda não tinham , e não dar-lhes uma situação privilegiada relativamente aqueles.
Como se diz no acórdão supra citado a pensão de reforma dos magistrados judiciais jubilados passou a ser fixada e atualizada de forma idêntica às remunerações dos magistrados no ativo.
E é precisamente isso que é uma indexação, não é uma pensão igual, mas uma pensão que flutua de forma idêntica.
É certo que o art. 68º nº4 apenas alude a aumento, mas fá-lo como explicitação ou exemplificação de uma das modalidades da referida indexação sem que esgote todas as possibilidades que essa indexação acarreta.
E a previsão que foi regulada foi a previsão expectável na época da referida previsão estatutária.
Nada faria supor naquele momento temporal da necessidade de referência a uma situação de diminuição de pensão por redução de vencimentos dos magistrados no ativo por estar fora de cogitação dada a época de grande pujança económica.
Mas daí não resulta que o preceito não contemple a redução pelos meios de interpretação a ter em conta.
Apenas resulta que a situação de redução das remunerações dos vencimentos dos magistrados no ativo não estava regulada por o legislador ter dito menos do que o que queria dizer , mas que ainda assim resulta do que ficou dito.
Como diz Dias Marques, a propósito da interpretação extensiva, in Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979, edição policopiada, pág 168, «ao exprimir o seu pensamento, o legislador pode ter adoptado uma fórmula que não abranja toda a categoria lógico-jurídica que pretendia alcançar, sendo lícito ao intérprete apoiar-se nos elementos extra-literais e fazer uma interpretação extensiva da lei, despojando o termo por ela usado das circunstâncias restritivas em que se encontrava gramaticalmente circunscrito e tornando-o idóneo para abranger a generalidade das relações que verdadeiramente visa atingir».
Ora, é precisamente o caso dos presentes autos em que , porque a situação aqui em causa embora não expressamente materializada na expressão linguística, resulta da intenção legislativa, como supra referimos.
Por outro lado as razões da atualização de vencimentos no caso de jubilação são os mesmas no caso de aumento ou diminuição das pensões.
A razão de ser da norma foi a equiparação para efeitos remuneratórios de magistrado jubilado a magistrado no ativo e não quaisquer razões que estivessem na base de privilegiar o magistrado jubilado relativamente ao magistrado no ativo por qualquer motivo que se verificasse relativamente àquele e não relativamente a este.
É certo que o elemento literal analisado descontextualizado pode querer indiciar que a equiparação o era apenas para efeito de aumento mas, tal, a nosso ver, tratou-se apenas de uma exemplificação parcial de um regime que se instituiu e já que, no momento desta alteração, não era equacionável a possibilidade de qualquer diminuição de vencimentos, apenas se perspetivando uma economia em crescendo.
Pelo que, quando se alude a aumento no preceito não se está, de forma alguma, a pretender que a equiparação dos magistrados jubilados aos magistrados no ativo para efeitos de remuneração o será apenas para efeitos de aumento de vencimento.
Quanto ao elemento sistemático de unidade do sistema jurídico este também impõe a referida interpretação.
Em suma, por interpretação extensiva da norma resulta da mesma a indexação da pensão dos jubilados ao vencimento dos magistrados no ativo sendo a própria essência da indexação a de que a pensão do jubilado acompanhasse a flutuação do remuneração do magistrado no ativo ( aumento/diminuição), por se considerar que o jubilado, de alguma forma, continua a ter uma ligação ao serviço o que justificará a situação excecional relativamente aos restantes subscritores da CGA , da perceção pelos jubilados de um abono do mesmo valor do atribuído aos magistrados no ativo.
Daí que se compreenda o entendimento jurisprudencial relativamente ao art. 3º da lei 2/90 de 20/1 (preceito idêntico ao art. 68º nº4 do EMJ na Lei 143/99 de 3/12 e que estará na sua origem ) de que a pensão de aposentação dos magistrados jubilados passou a ser atualizada automaticamente e de forma idêntica às remunerações dos magistrados no ativo tal como também resulta dos referidos elementos histórico, lógico e sistemático em que o referido preceito surgiu.

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Defendem os recorridos acompanhados pelas decisões recorridas que o art. 19º da mesma Lei do Orçamento implica interpretação diversa do citado art. 68º nº2 da que aqui subscrevemos.
Mas este argumento não tem , a nosso ver, qualquer consistência.
Desde logo o art. 19º refere-se à redução de vencimentos, o que significa que o seu campo de aplicação são os funcionários públicos no ativo.
Concretamente relativamente à referência de que o art.º 19.º, na al. v) do n.º 9, regulou as situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efetividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no ativo, pelo que , se quisesse, o deveria ter feito com os aqui jubilados , voltamos à organização sistemática do preceito, o mesmo regula as situações de redução remuneratória , só trata dos vencimentos, não regula a situação dos pensionistas e jubilados, pelo que este preceito não é pura e simplesmente aqui convocável.
Sendo que, a situação a que se alude na al. v) é a de abrangência por extensão de situações específicas no “ limbo” que não são de aposentação ( porque a estas se aplica o art. 68º da mesma lei) mas que também não são de efetividade de funções.
Daí a necessidade de prever e clarificar estas situações que nada tem a ver com a situação de pensões nem de jubilados.
E, o mesmo se diga quanto ao argumento de que o artigo 19.º, n.º 10, da Lei do Orçamento do Estado para 2011, ficaria esvaziado de sentido, pois “se a redução salarial estabelecida para os juízes no ativo fosse extensível às pensões percebidas pelos jubilados, nenhum beneficio encerraria a disponibilidade para permanecer ao serviço para quem reunisse, em 31 de Dezembro de 2010, as condições para a jubilação”.
Repetimos que , desde logo, este artigo seria inaplicável aos jubilados por não fazer parte do campo de aplicação do preceito.
E, por outro lado, refere-se ao cálculo das pensões de todos os subscritores da CGA , o que pressupõe que as pensões ainda não estão calculadas e não interfere com quaisquer vicissitudes que possam ocorrer com as mesmas depois de calculadas ,nomeadamente cortes.
E, quanto ao facto de não ser aplicável aos magistrados no ativo que se queiram jubilar a questão não se coloca dada a existência de indexação pois se ela existe claro que o art. 19º nº10 não é aplicável aos magistrados a jubilar mas tão só aos restantes subscritores da CGA que, tendo as condições para se reformarem, se o fizessem ficariam a auferir uma pensão superior ao vencimento do ativo ( dadas as reduções implementadas nesta Lei apenas para as remunerações e o facto de fazerem integrar no cálculo das pensões os cortes sofridos nas remunerações), o que não acontece com os magistrados a jubilar .
Pelo que, o universo que esta norma pretende abranger não é mesmo dos magistrados jubilados ou a jubilar mas o amplo universo dos funcionários no ativo que estejam em condições de se aposentar e que, com os cortes nas remunerações vêm o cálculo nas pensões reduzido por força da redução remuneratória dos vencimentos.
Não há, pois, porque ficar surpreso de , relativamente aos magistrados que, até 31 de Dezembro de 2010, reúnam as condições para a jubilação e em relação aos quais, de acordo com o regime da jubilação que lhes é aplicável, o cálculo da pensão seja efectuado com base na remuneração do cargo à data da jubilação, não se coloque ,neste momento ainda ( apenas vem a colocar-se esta questão com a Lei 9/2001 como infra veremos), por não lhes ser aplicável as regras dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações para efeito de cálculo da pensão, independentemente do momento em que se apresentem a requerer a aposentação ser antes ou depois de 31 de Dezembro de 2010.
Em suma, não esteve presente no espírito do legislador, na feitura desta norma, o caso especial dos magistrados a jubilar cujas pensões são sempre calculadas tendo por base as remunerações do ativo, independentemente do momento em que as requeiram, como vimos, por força da indexação, e que, como tal, não sofrem qualquer degradação no seu valor futuro.
Em suma, para efeitos de regulamentação das pensões apenas é convocável o art. 68º da Lei do Orçamento de 2011 cujo nº 2 faz implicar a redução das pensões dos magistrados no ativo às pensões dos magistrados jubilados.
Não é, pois, aqui convocável o referido art. 19º que apenas comporta as situações de redução de vencimentos.
Quanto à questão de que o legislador orçamental se sentiu na necessidade de aditar, para além do n.º 1 do art.º 32.º-A do EMJ 85, também um n.º 2 por querer “desligar” o valor dos subsídios de fixação e de compensação previstos nos art.ºs 24.º e 29.ºdo EMJ 85 - do regime de redução contemplado na Lei Orçamental para as componentes do sistema retributivo dos magistrados nada tem a ver com as questões das pensões que é o que está aqui em causa.

Pelo que, o facto de no n.º 1 do art.º 32.º-A o legislador continuar a dispor, por referência ao sistema retributivo dos magistrados, e no n.º 2 ter autonomizado os subsídios de compensação e de fixação para os atingir com a redução de 20%, sem distinção de caberem ou não caberem nas componentes do sistema retributivo dos magistrados e de serem recebidos por magistrados no ativo ou jubilados não implica qualquer falta de intenção de incluir redução da pensão dos magistrados jubilados pela Lei Orçamento de 2011.
E também não se diga que posteriores alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais implica que não existia qualquer indexação.
A Lei 9/2011 de 12/4 que veio alterar o Estatuto dos Magistrados Judiciais , cerca de 3 meses e meio após a entrada em vigor da Lei Orçamental aqui em causa. tem por objeto alterar ”... o Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, e o Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, adaptando-os, nos domínios da aposentação, reforma e jubilação, aos princípios da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, e do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29 de Dezembro, e adaptando o regime de proibição de valorizações remuneratórias no ano de 2011 às especificidades do sistema judiciário.”
E através do art.º 2.º desta mesma Lei n.º 9/2011, de 12 de abril o art. 67º do EMJ Lei 21/85 foi alterado passando a ter a seguinte redação:
“1-...6 - A pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no activo de categoria idêntica.
7 - As pensões dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção em função das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação.
É certo que esta Lei n.º 9/2011 veio trazer uma redação ao preceito que eliminou qualquer ambiguidade ou problema de interpretação que se pudesse suscitar quanto à existência ou não de indexação.
Mas, nem por isso foi inovatória neste aspeto não se podendo dizer que só com a entrada em vigor dessa Lei n.º 9/2011, de 12 de abril é que as pensões dos magistrados jubilados passaram a estar “indexadas” às dos magistrados do ativo.
Nem tal resulta, como pretendem os recorridos, do n.º 1 do art.º 7.º da citada Lei n.º 9/2011, que veio estatuir que:
«os magistrados judiciais subscritores da Caixa Geral de Aposentações que até 31 de Dezembro de 2010 contem, pelo menos, 36 anos de serviço e 60 de idade podem aposentar-se ou jubilar-se de acordo com o regime legal que lhes seria aplicável naquela data, nomeadamente levando-se em conta no cálculo da pensão a remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010, independentemente do momento em que o requeiram».
Deste preceito apenas resulta que, como se prevê nesta mesma Lei a alteração dos requisitos de tempo e idade para a jubilação ( ver anexo II e art. 67º nº1) e que o cálculo da pensão dos magistrados jubilados é feito “...em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no activo de categoria idêntica.” ( art. 68º) garantindo-se-lhes, e para evitar que os magistrados que têm os requisitos para a jubilação em 31/12/2010 se apressem a requerê-la, o regime legal que tinham naquela data quer quanto à idade , tempo de serviço e remuneração, caso não optem de imediato pela jubilação.
Permite-se-lhes, pois, que continuem ao serviço sem perda das expectativas que tinham em 31/12/2010.
Em suma, através deste preceito e face à alteração da fórmula do cálculo da remuneração que a própria Lei 9/2011 inovou ( para os aposentados alteração do cálculo da pensão e para os jubilados com a referida limitação de se encontrar sujeita aos mesmos descontos legais que se encontram previstos para a remuneração do juiz do ativo), assim com à alteração dos requisitos para a jubilação de idade e tempo de serviço, ficaram congeladas àquela data as condições de jubilação/aposentação dos magistrados que as preenchessem ainda que optassem por continuar ao serviço.
Foi uma maneira de desestimular a corrida à jubilação por quem tinha os requisitos para tal.
Há, pois, coerência, em toda a normatividade jurídica no tempo com a interpretação dos preceitos em causa supra referida.
Portanto, a nosso ver, o nº2 do art. 68º da Lei do Orçamento 2011 implica uma redução das pensões dos magistrados jubilados a tal não obstando o art. 19º do mesmo diploma, nem a posterior redação da Lei 9/2011 nomeadamente o seu art. 7º. Pelo que o acórdão recorrido faz errada aplicação daqueles preceitos legais, devendo o recurso proceder por violação dos mesmos.
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RECURSO 1094/11.9BEPRT- Apenso
Para além da violação pela decisão recorrida dos preceitos de que supra se conheceu a recorrente também refere que neste apenso a decisão recorrida violou os princípios constitucionais da igualdade e da confiança ao considerar os referidos artigos 19º e 68º nº2 inconstitucionais.
Vejamos, então, se a decisão recorrida errou ao considerar que aqueles preceitos violam os princípios constitucionais da igualdade e da confiança.
Neste processo apenso, a decisão recorrida entendeu , apesar de com um voto de vencido na parte relativa à inconstitucionalidade, que:
“ Qualquer interpretação contrária a este entendimento, no sentido de se entender que as pensões dos Juízes jubilados poderão ser reduzidas com fundamento nos Artºs. 62.º, n.º 2, e 162.º da Lei do Orçamento de Estado para 2011, está ferida de inconstitucionalidade por violação dos Artºs. 202.º e ss. da CRP.
Acresce dizer que, a pretendida redução no valor das pensões dos juízes jubilados para além da violação de lei supra expressa, com fundamento na aplicação do artº 19º da Lei do Orçamento de Estado de 2011, a ser efectuada, violaria os invocados princípios da confiança e da igualdade, princípios esses constitucionalmente consagrados nos artºs 2º e 13º, respectivamente.
Este foi o entendimento expresso nos três votos de vencido exarados no Acórdão do Tribunal Constitucional Nº 396/11, que se debruçou sobre a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que se adere e que aqui integralmente se reproduzem, dada a aplicabilidade ao caso sub judice e a concordância plena com os considerandos neles efectuados.
Assim,
“As normas analisadas são ... inconstitucionais por violação do principio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição, em conjugação com o princípio da igualdade decorrente do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição, que reafirma o principio da igualdade numa vertente social. O princípio Estado de direito democrático implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas. Merece, por isso, protecção constitucional a expectativa que os cidadãos legitimamente têm na manutenção de situações remuneratórias já alcançadas como consequência do direito em vigor, razão pela qual a normação que, de forma intolerável e arbitrária, prejudique aqueles mínimos de certeza e segurança que a comunidade e o direito tem de respeitar como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, deve ser entendida como não consentida pela Constituição. O legislador não está impedido de, na prossecução ou salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, que mereçam prevalência, alterar o conteúdo daquelas situações remuneratórias, desde que tal medida, para além de necessária, não seja arbitrária. Ora, a justificação concretamente invocada para fundamentar a aprovação das normas que determinam cortes e reduções nos salários dos funcionários revela que o interesse público que tais normas visam proteger diz respeito à comunidade no seu conjunto, à generalidade dos cidadãos, e não, unicamente, aos funcionários públicos, grupo que, no entanto, é exclusivamente afectado pela referida redução salarial. Inexiste, em consequência, uma específica justificação para afectar, de forma exclusiva, esses trabalhadores, tendo em conta que a finalidade que o legislador ambiciona obter pode igualmente ser alcançada estendendo à generalidade dos cidadãos os encargos necessários à resolução dos problemas financeiros nacionais por via de simples medidas de natureza tributária, de fácil concretização prática. Finalmente, uma vez que as normas em análise visam expressamente reduzir, e de imediato, o montante remuneratório dos funcionários, perdem relevância argumentos retirados do carácter pretensamente provisório da medida e da natureza orçamental do diploma que a veicula; qualquer que seja o resultado a que tal discussão possa conduzir, manter-se-á inalterada e operante a protecção constitucional gerada pelas já referidas expectativas”.
“...a discordância verifica-se, essencialmente, quanto à apreciação da questão de (in) constitucionalidade à luz do princípio da igualdade, já que entendo que tal princípio levaria a uma solução diversa da que obteve vencimento, ou seja, determinaria que se concluísse pela inconstitucionalidade material das normas sindicandas. Impõe-se, desde já, referir que se não é insensível à situação de gravidade e excepcionalidade - forte desequilíbrio financeiro das contas públicas e elevada dívida soberana – que afecta o país e, consequentemente, que a mesma exija a adopção de medidas de carácter excepcional e de forma a garantir, num futuro próximo, o afastamento de uma tal situação e a permitir a sua sustentabilidade económica e financeira. Porém, como se haverá de convir, tal situação de excepcionalidade não poderá conduzir a uma situação de afastamento de todo e qualquer controlo judicial, sem embargo de se dever reconhecer o amplo poder de conformação de que naturalmente dispõe o legislador democrático; na realidade, como afirma Jorge Reis Novais (cfr. ‘Os princípios constitucionais estruturantes’, pág. 111), «… Uma concepção constitucional de igualdade material conduz inevitavelmente a um padrão de controlo da sua observância em que o julgador é invariavelmente remetido para juízos de valoração que incidem sobre os fundamentos ou os critérios que pretendem justificar, em caso de desigualdade de tratamento, a distinção ou discriminação levada a cabo pelo legislador e, em caso de igualdade, a equiparação ou indiferenciação produzida. Ora, desse ponto de vista, tendo sobretudo em conta o amplo espaço de conformação que deve ser reconhecido ao legislador democrático, a resposta mais comum vai no sentido de uma autocontenção judicial que, todavia, conhece várias gradações. …». As normas sindicandas – artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011) – introduzem reduções às remunerações mensais ilíquidas, a partir de determinados escalões remuneratórios, percebidas por um universo restrito de pessoas, como sejam, os enumerados no n.º 9 do artigo 19.º, todas elas marcadas transversalmente por um elemento comum – ligação profissional ou funcional à administração pública, ou dito de outra forma, exercício de funções em regime específico de função pública -, servindo, portanto, no sector público. Tal redução remuneratória tem como escopo principal a satisfação dos encargos públicos (no caso, através da sua diminuição), permitindo que se atinja um maior equilíbrio financeiro, entre a despesa e a receita, a expressar a nível do Orçamento do Estado, obstando, a final, a um aumento da dívida soberana e, bem assim, a permitir que seja alcançada uma maior sustentabilidade económico-financeira do país. Porém, tal objectivo, de manifesto alcance nacional, não pode deixar de integrar interesse público geral a prosseguir por todos os que se encontrem nas mesmas condições remuneratórias previstas nas normas em causa, que já não e tão só pelos que transportem a ‘mácula’ de exercício de funções em regime específico de função pública, sob pena de discriminação negativa, no mínimo, injusta, já que por razões, como se deixou dito, meramente sócio-profissionais, e em contravenção do disposto no artigo 13.º n.º 2 da CRP (cfr., ainda, artigos 18.º, nº 3 e 59.º, n.º 1, al. a) da CRP). Na realidade, sem embargo de se poder reconhecer que o interesse público geral, cuja definição compete ao legislador (à lei), justificará a medida adoptada, sempre restará por explicar a confinação dos seus encargos a um universo restrito ou especifico de pessoas, como seja, aos que exercem funções ou actividade em regime de função pública, sendo certo que estes poderão ver a sua situação ainda mais agravada (para além da redução da ‘massa salarial’) em função de aumentos de impostos ou taxas que impenderão, naturalmente, sobre um universo de pessoas que, originariamente e em função do interesse público em causa, deveria responder, atento o princípio da igualdade, pelos encargos dele resultantes, interesse esse que, obviamente, não é específico dos que exercem funções públicas. Por mera curiosidade, deixa-se notado, sem qualquer propósito de defesa de estabelecimento de limite ao poder de conformação do legislador, para além, obviamente, dos resultantes da lei fundamental, o que a propósito da questão em análise deixou plasmado o Conselho Económico e Social, no seu parecer de 26 de Outubro de 2010, sobre a Proposta de Orçamento do Estado para 2011(‘in’ Pareceres do CES, www.ces.pt): « … a redução de vencimentos dos funcionários públicos e dos trabalhadores do Sector Empresarial do Estado (SEE) é uma medida injusta, uma vez que faz repercutir sobre estes trabalhadores grande parte do ónus de redução do défice, a qual a todos beneficia. O CES entende que tal tipo de medidas só deve ser tomado quando estão esgotadas todas as alternativas, o que o CES considera não ser o caso uma vez que se coloca uma grande parte do ónus da consolidação orçamental nesses funcionários. …». No que respeita aos artigos 20.º e 21.º da Lei do Orçamento em causa, na medida em que aditam normas aos Estatutos, respectivamente, dos Magistrados Judiciais (artigo 32.º-A) e do Ministério Público (108.º- A), a injustificação da redução daí resultante, sem levar a um total afastamento das razões supra referidas, fundar-se-á mais na violação do princípio da confiança, tendo em conta a ideia de justiça e proporcionalidade, o que, desde logo, se afigura resultar da aplicação, sem qualquer razão expressa ou aparente adiantada pelo legislador, de uma redução em função de uma taxa superior (20%), como seja, o dobro da máxima prevista no artigo 19.º, e, ainda, da forte suspeita da sua intemporalidade, colocando-se, deste modo, em crise os valores da segurança jurídica e da protecção da confiança, perante a legitima expectativa criada nos destinatários em face do quadro normativo vigente à data da introdução de tais normas, no mínimo, de que não ocorreria um tratamento mais gravoso. Dir-se-á, por fim, que o efeito ablativo nas remunerações dos destinatários das normas, sem previsão de qualquer tipo de contrapartida, coloca em crise a confiança e a proporcionalidade, enquanto factores de valoração a atender na aplicação do princípio da igualdade, tanto mais que, tratando-se de medida adoptada unilateralmente e com repercussão tão só na esfera pessoal dos destinatários, não consente que estes possam compensar tal ablação por outra forma e de modo a obterem a quota-parte de que se viram despojados, tendo em vista a necessidade de satisfação de possíveis e naturais obrigações por si confiadamente assumidas em função do quantitativo remuneratório anterior, situação esta que se tornará, ainda, mais significativa perante a exclusividade de funções exigida pelo estatuto profissional de alguns dos destinatários, impeditiva do exercício de qualquer outro tipo de actividade (complementar) remunerada, através de um esforço pessoal e com apelo à redução das suas horas de descanso e de lazer. De tudo quanto se deixa exposto, concluiria pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2011)(...).”
Diga-se, desde já, que não está em causa o art. 162.º da Lei do Orçamento de Estado para 2011 já que a recorrente não sindica a decisão nesta parte.
Quanto à violação dos princípios constitucionais da confiança e da igualdade, defende a CGA que o melhor entendimento corresponderá, não aos votos de vencido no âmbito do proc.º n.º 396/2011, de 21 de Setembro, do Tribunal Constitucional, que o acórdão recorrido considerou ser de aderir, mas sim à decisão vertida naquele processo, que afastou o juízo de inconstitucionalidade relativamente às normas vertidas nos art.ºs 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
Então vejamos.
Resulta do Relatório do Orçamento de Estado do Ministério das Finanças e da Administração Pública disponível em www.portugal.gov.pt que na base da redução remuneratória, nos termos do art. 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Janeiro, estiveram as seguintes razões:
“Uma medida como a da redução remuneratória só é adoptada quando estão em causa condições excepcionais e extremamente adversas para a manutenção e sustentabilidade do Estado Social. Não se pretende instituir qualquer tipo de padrão ou retrocesso social, mas sim assegurar a assunção das responsabilidades e dos compromissos do Estado português, quer internamente, continuando a prestar um serviço público de qualidade, quer internacionalmente, desde logo na esfera da União Europeia, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
No contexto da referida excepcionalidade, não pode, porém, deixar de ser reconhecida a centralidade da tutela da confiança nas relações entre o cidadão e o Estado. No entanto, tal princípio deve ser sempre enquadrado pelo princípio do interesse público, do bem geral, o qual pode justificar – e no atual contexto justifica – uma derrogação do mesmo, ainda que sempre condicionada por regras de não arbitrariedade e proporcionalidade.
O princípio da confiança não é, pois, o único interesse constitucionalmente protegido em ponderação. Com efeito, importa também considerar a indispensável sustentabilidade das contas públicas e o inerente interesse público da mesma, que também é um interesse constitucionalmente protegido, sobretudo, e de forma decisiva, numa conjuntura em que o reequilíbrio das contas públicas se afigura essencial para a confiança dos mercados financeiros internacionais no esforço de consolidação orçamental que está a ser desenvolvido pelo Governo, com as consequentes repercussões sobre os juros, o custo da dívida pública e a capacidade de financiamento da economia nacional.
Neste contexto, a medida da redução da remuneração, que integra um conjunto mais vasto de medidas destinadas a diminuir a despesa e a aumentar a receita e é adoptada de forma integrada com essas medidas, e que tem por fundamento a existência de particulares razões de interesse público que determinam a necessidade da sua adopção, não assume um carácter arbitrário, desproporcional ou irrazoável.
Atendendo a que a redução remuneratória é feita de forma progressiva, tendo sido isentas pessoas que percebam rendimento igual ou inferior a 1500 euros, a redução remuneratória procura assegurar a proporcionalidade transversal do impacto da mesma, de tal modo que quem aufere rendimentos mais elevados suporta uma percentagem mais alta de redução remuneratória e quem aufere rendimentos mais baixos uma percentagem mais baixa.
Relativamente ao universo de pessoas abrangido pelas medidas de austeridade que integram a função pública, considera-se que nesta esfera, apesar de vigorar o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia do Estado de Direito Democrático, a característica mais importante do seu regime jurídico estatutário é o facto dos seus direitos e deveres decorrerem do que a lei a cada momento definir com vista à prossecução do interesse público, princípio a que qualquer trabalhador em funções públicas está afecto. Independentemente do vínculo, e mesmo no actual enquadramento legal que consagra a modalidade de contrato à maioria dos trabalhadores em funções públicas, o regime remuneratório destes trabalhadores assume sempre natureza estatutária na medida em que depende da aferição, em cada momento, do que é considerado interesse público. A confirmar esta posição está o facto da garantia da irredutibilidade das remunerações da função pública não ter directa protecção constitucional, nem estar estruturada com a dimensão de princípio constitucional.
No que se refere aos titulares de cargos e trabalhadores cuja relação laboral é regulada pelo direito privado, a presente intervenção teve como critério as entidades que são, pelo menos, maioritariamente financiadas pelo Estado ou, independentemente da sua natureza, que prosseguem um relevante interesse público. Não faria sentido exigir-se este esforço apenas aos trabalhadores das Administrações Públicas, na medida em que, também na esfera do sector empresarial do Estado e de outras entidades que prosseguem o interesse público - como as fundações públicas ou as autoridades reguladoras – deve ser partilhado, em situação de igualdade, esforço de consolidação orçamental.
Não se considera estar em causa qualquer derrogação do Código do Trabalho, uma vez que a garantia de que o empregador não pode reduzir o salário se mantém. A entidade que estabelece a redução não é o Estado enquanto empregador, que arbitrariamente corta um salário, mas sim o Estado enquanto RELATÓRIO OE2011Consolidação Orçamental legislador, através da proposta do Governo e da decisão da Assembleia da República, ambos órgãos democraticamente eleitos, e que detêm a função de estabelecer o que se entende a cada momento por interesse público.”
Não existindo qualquer regra, com valor constitucional, que diretamente proíba a diminuição das remunerações e pensões e nomeadamente do direito fundamental à retribuição apenas se pode concluir pela inconstitucionalidade daquela redução das pensões pela violação dos princípios constitucionais.
Vejamos então quanto à eventual violação do princípio da igualdade.
Na criação do direito o princípio da igualdade dirige-se diretamente ao órgão que legisla a fim de que este, vinculadamente, trate de igual forma os que se acham em situações semelhantes.
Como se diz nos Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, V. 1º, pág. 184 . “ A semelhança das situações da vida nunca pode ser total: o que importa é distinguir quais os elementos de semelhança que têm de registar-se_ para além dos inevitáveis elementos diferenciadores _ para que duas situações devam dizer-se semelhantes em termos de merecerem o mesmo tratamento jurídico.”
E, no Parecer 160/79, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem: “ o princípio da igualdade contém uma directiva essencial dirigida ao próprio legislador: tratar por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual. A qualificação das várias situações como iguais ou desiguais depende do carácter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais. Do que se trata, desde logo, é de uma proibição de arbítrio legislativo, ou seja, de uma inequívoca falta objectiva de apoio material constitucional para a diferenciação ou não diferenciação efectuada pela medida legislativa .
Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação do legislador, pois o legislador é fundamentalmente livre na determinação dos elementos de comparação que considera decisivos para operar a diferenciação, exigindo-se apenas que esses elementos possam servir de base a critérios de diferenciação objectivamente adequados à prossecução da finalidade proposta. A demonstração de que também outros critérios poderiam ter sido escolhidos para melhor se conseguir a finalidade tida em vista pelo legislador não é suficiente para se produzir uma violação do princípio da igualdade.

De tudo quanto ficou dito há, pois, que reter a ideia de que só há que tratar por igual o que na sua essência for igual. A não discriminação não significa nem pressupõe igualdade jurídica em todas as relações.”
Em suma, da doutrina e jurisprudência (nomeadamente o Ac. do Tribunal Constitucional 358/86 processo 15/86, de 16/12 in DR, II série, nº 85, de 11/4/87 e Ac. 142/85, processo 75/83 de 30/7, in DR, II série, 206 de 7/9/85.) resulta a opinião generalizada de que:
_não é exigível uma parificação absoluta no tratamento das situações, mas apenas “ o tratamento igual de situações iguais entre si e um tratamento desigual de situações desiguais”, de forma que a “ disciplina jurídica prescrita seja igual quando uniformes as condições objectivas das hipóteses ou previsões reguladas e desigual quando falte tal uniformidade.”
_ as diferenciações de tratamento de situações aparentemente iguais hão-de justificar-se sempre, e no mínimo, por um qualquer fundamento ou razão de ser que não se apresente arbitrária ou desrazoável.
Isto é, a margem de livre apreciação do legislador não pode corresponder a “impulsos momentâneos ou caprichosos, sem sentido e consequência “.
Pelo que, em cada caso concreto, há que examinar se a “discriminação ou desigualdade “ é arbitrária ou desrazoável, se tem o sentido de um privilégio injustificado ou se comporta uma justificação objectiva, razoável, não arbitrária.

Bossuyt para a aferição concreta da verificação ou não de discriminação salienta a importância de distinguir:
“a) O motivo, sobre o qual se funda a distinção;
b) O direito, em relação ao qual se pratica a distinção;
c) A arbitrariedade, que distingue precisamente uma discriminação de uma distinção.”
Assim, os motivos deveriam ter carácter objectivo e razoável quando perspectivados em função de certo direito, o que implica uma análise casuística da razoabilidade.
E, a arbitrariedade revela, precisamente, o carácter não pertinente do motivo, tendo sempre presente que o legislador conserva um determinado grau de liberdade.
Face ao que expusemos tentemos agora aferir em concreto, se houve ou não violação do referido princípio da igualdade nos referidos preceitos.
No caso sub judice, no sentido de assegurar a sustentabilidade o Governo estabelece um conjunto de medidas de redução na despesa com prestações sociais entre outro conjunto mais vasto de medidas destinadas a diminuir a despesa e a aumentar a receita integrada com essas medidas, e que tem por fundamento a existência de particulares razões de interesse público que determinam a necessidade da sua adopção, que não assumem um carácter arbitrário, desproporcional ou irrazoável.
E neste sentido se decidiu no Ac. do Tribunal Constitucional .º 396/2011, de 21 de Setembro ( a cujo voto de vencido aderiu a decisão recorrida):
“...Os requerentes invocam a violação do princípio da igualdade dizendo que a medida apenas atinge os trabalhadores da Administração Pública, havendo "outras categorias de trabalhadores que são igualmente pagos com dinheiros públicos e que não foram atingidos por uma idêntica medida".
Dada a abrangência do universo dos trabalhadores incluídos na redução remuneratória, são certamente limitadas as situações de trabalhadores que sejam pagos por dinheiros públicos e não tenham sido abrangidos pela medida.
Na verdade, esta medida abarca todo o perímetro da Administração Pública (entendida no seu conceito mais lato), incluindo nomeadamente, nos termos das alíneas p), s), t) e u) do n.º 9 do artigo 19.º, da lei do Orçamento do Estado, os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime geral e especial, de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas; os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo; os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial; e, ainda, os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores.
Ficam exceptuadas da medida as pessoas que aufiram menos de 1500 euro. Mas, quanto a estas, não se pode considerar que haja uma violação do princípio da igualdade. Na verdade, o princípio da igualdade determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença. Ora a situação das pessoas que auferem remunerações mais baixas é diferente da situação das pessoas que auferem remunerações mais altas. (...)
É indiscutível que, com as medidas em apreciação, a repartição dos sacrifícios impostos pela situação excepcional de crise financeira não se faz de igual forma entre todos os cidadãos com igual capacidade contributiva, uma vez que elas não têm um alcance universal, recaindo apenas sobre as pessoas que têm uma relação de emprego público. Há um esforço adicional em benefício de todos, em prol da comunidade, que é pedido exclusivamente aos servidores públicos.
Também não sofre controvérsia que não estava excluída a tomada de medidas de natureza tributária, conducentes à obtenção de uma receita fiscal de montante equivalente ao que se poupa com a redução remuneratória. E, nessa hipótese, todas as pessoas que auferem iguais rendimentos colectáveis ficariam sujeitas a um igual sacrifício do ponto de vista da sua contribuição para os encargos públicos.
Mas esta dupla constatação de forma alguma equivale à fundamentação do cabimento do princípio da igualdade perante os encargos públicos, quando se trata de apreciar a constitucionalidade de medidas estaduais que visam a contenção do défice orçamental dentro de determinados limites. A fundamentação de que aquele princípio tem uma projecção constringente nesta matéria (não como princípio estruturante, mas como princípio impositivo do sistema fiscal), predeterminando o tipo de soluções disponíveis e retirando ao decisor político democraticamente legitimado qualquer margem de livre opção, é algo que fica por fazer. E esse ónus de fundamentação teria que ser satisfeito, pois a definição dos encargos públicos e dos seus limites ? o que está aqui em causa – situa-se a montante da questão da sua repartição, sem com ela se confundir. O princípio constitucional da igualdade perante os encargos públicos não pode, pois, ser automaticamente transposto, sem mais, para este campo problemático.
É sabido que a actuação, em combate ao défice, pelo lado da receita (privilegiadamente fiscal), ou, antes, pelo lado da despesa (bem como a combinação adequada dos dois tipos de medidas e a selecção das que, de entre eles, merecem primazia) foi (e continua a ser) objecto de intenso debate político e económico. E a divergência de orientações e de propostas tem como pano de fundo a não coincidência dos efeitos produzidos por uma ou outra categoria de medidas. Ainda que um acréscimo de receitas fiscais possa conduzir, no estrito plano contabilístico-financeiro, a ganhos pecuniários equivalentes aos resultantes de um corte de despesas, do ponto de vista dos concomitantes efeitos colaterais e das repercussões globais no sistema económico-social, está longe de ser indiferente seguir uma ou outra via. Não há, nesta matéria, variáveis neutras e rigorosamente intermutáveis, pelo que as políticas a implementar pressupõem uma ponderação complexa, em que se busca um máximo de eficácia, quanto ao objectivo a atingir, e um mínimo de lesão, para outros interesses relevantes.
Não cabe, evidentemente, ao Tribunal Constitucional intrometer-se nesse debate, apreciando a maior ou menor bondade, deste ponto de vista, das medidas implementadas. O que lhe compete é ajuizar se as soluções impugnadas são arbitrárias, por sobrecarregarem gratuita e injustificadamente uma certa categoria de cidadãos.
Não pode afirmar-se que tal seja o caso. O não prescindir-se de uma redução de vencimentos, no quadro de distintas medidas articuladas de consolidação orçamental, que incluem também aumentos fiscais e outros cortes de despesas públicas, apoia-se numa racionalidade coerente com uma estratégia de actuação cuja definição cabe ainda dentro da margem de livre conformação política do legislador. Intentando-se, até por força de compromissos com instâncias europeias e internacionais, conseguir resultados a curto prazo, foi entendido que, pelo lado da despesa, só a diminuição de vencimentos garantia eficácia certa e imediata, sendo, nessa medida, indispensável. Não havendo razões de evidência em sentido contrário, e dentro de “limites do sacrifício”, que a transitoriedade e os montantes das reduções ainda salvaguardam, é de aceitar que essa seja uma forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental. Em vista deste fim, quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdade com os restantes cidadãos, pelo que o sacrifício adicional que é exigido a essa categoria de pessoas – vinculada que ela está, é oportuno lembrá-lo, à prossecução do interesse público - não consubstancia um tratamento injustificadamente desigual. “
Ora, e em síntese, consistindo o princípio da igualdade numa proibição do livre arbítrio e constituindo um limite externo de liberdade ao poder de conformação de decisão dos poderes públicos, no caso concreto , a redução de vencimentos de quem recebe por verbas públicas e que por isso não está por isso na mesma situação dos restantes cidadãos ( como não esteve ao longo do tempo a nível de aumentos) porque não é arbitrária , mas antes inserida num conjunto mais vasto de medidas de consolidação orçamental de controle da despesa por força de compromissos com instâncias estrangeiras cabe dentro da margem de livre conformação política do legislador .
A medida legislativa aqui em causa não é arbitrária tendo antes um adequado suporte material.
Em suma, por aderência ao supra transcrito não ocorre, pois, a violação do princípio da igualdade.
E quanto à violação do princípio da confiança?
O princípio da proteção da confiança decorre do princípio da segurança jurídica e é um dos corolários do princípio da boa-fé podendo sintetizar-se uma desconformidade com aquilo que fazia antever comportamento anterior.
O Tribunal Constitucional tem, também, sustentado que o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (art. 2º da CRP) implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar.
Neste sentido ver , entre outros, Acs 109/02, de 5-3-02 – Proc. 381/01 e 128/02, de 14-3-02 – Proc. 382/01 , Acs. n.º 287/90, 303/90, 625/98 e 634/98, donde decorre que esse controle de violação do princípio ser aferido por dois critérios:
_Afectação de expectativas que constituíam uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar;
_ a necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, devendo recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da CRP para aferir da mesma.
Extrai-se do Acórdão de 30-4-03 (Pleno) – Rec. 47275/02:
“O princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (art. 2º da C.R.P.), postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar.”;
Como se diz no Acórdão do STA 6-5-03 – Rec. 46188:
“O princípio da boa fé é acolhido expressamente no art. 6/A do CPA e concretiza-se através de dois elementos básicos: (i) tutela da confiança legítima e (ii) materialidade subjacente. A tutela da confiança assenta por seu turno nos seguintes pressupostos: - boa fé ou ética do lesado; elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; desenvolvimento de actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada; existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado.”.
A propósito do princípio da confiança diz Paulo Mota Pinto in “ O Tribunal Constitucional e a crise Ensaios críticos pág. 165:
“ (...) tal como os sujeitos jurídico-privados também o Estado pode- em muitas circunstâncias deve- alterar o seu comportamento e as medidas que adota em relação á evolução dos acontecimentos e das necessidades coletivas ...As situações de proibição de alteração do comportamento ...de inadmissibilidade de proteção da confiança são, pois, necessariamente excecionais , dependendo de pressupostos específicos ...a proteção da confiança dependerá sempre, necessariamente entre a finalidade de “ bem comum “ ou de interesse público avaliado e determinado pelos órgãos competentes , por um lado, e as expetativas...frustradas pela medida em causa ...”
E, continua este jurista in ob. Cit. a fls 168:
“...nota-se que a forma como o TC afirma a existência de uma situação de confiança dos atingidos pela medida legislativa se baseia ...não em factos ou elementos de prova concretos da existência de expectativas , mas em presunções , ou ao que se designa como “ zona de previsibilidade” sobre o comportamento dos poderes públicos...”
E, a fls 173 continua:
“ É certo que a própria natureza do princípio da proteção da confiança...integrado por conceitos indeterminados e a exigir a ponderação entre valores constitucionais contrapostos...potencia a sua utilização numa justiça de equidade...
É indiscutível que a aplicação do princípio da confiança exige uma ponderação entre, por um lado, a confiança ou expectativas legítimas, dignas de proteção, que fundaram investimentos na confiança, e, por outro, o interesse público do “ bem comum “ prosseguido pela alteração legislativa . A confiança não pode ser absolutamente protegida , não só pela natural revisibilidade das leis em reação à evolução das circunstâncias e das propostas políticas, como por imposição do princípio democrático....e pela necessária flexibilidade dos poderes públicos.(...)”
Concluindo a fls 180/181 que:
“ A nosso ver, deve, aliás, salientar-se que também a referida ponderação, à luz do princípio da proporcionalidade, entre a confiança afetada e as razões de interesse público da alteração legislativa, deve realizar-se sempre segundo um critério de “ evidência” de falta de proporcionalidade , quer quanto à adequação, quer quanto à necessidade , quer quanto à justa medida...Por outras palavras: não é ao TC que cabe avaliar e determinar o interesse público , o qual depende sempre também de um elemento de decisão política irredutível. Cabe-lhe ,apenas, controlar se , segundo um critério de evidência, a medida prosseguida é inadequada ou desnecessária para a prossecução do objetivo de interesse público afirmado pelo legislador...ou se excede manifestamente a justa medida na afetação das expectativas atingidas.”
O Tribunal Constitucional no acórdão supra identificado em que decide não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011) pronuncia-se quanto à violação do princípio da confiança nos seguintes termos:
Os requerentes alegam que terá havido uma violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito, tal como surge plasmado no artigo 2.º da Constituição. Sustentam que a medida não tem justificação material suficiente e que a redução é arbitrária "porque, sendo permanente, ela assenta num pressuposto que é temporário, que é o pressuposto da crise económico-financeira que grassa no país".
Já vimos que a redução remuneratória tem natureza orçamental não sendo, por isso, definitiva. Ainda assim, poderá questionar-se se não violará o princípio da protecção da confiança.
A protecção da confiança traduz a incidência subjectiva da tutela da segurança jurídica, representando ambas, em concepção consolidadamente aceita, uma exigência indeclinável (ainda que não expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).
A aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afectados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Dessa valoração, em concreto, do peso relativo dos bens em confronto, assim como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional.
Esta correcta metódica aplicativa já foi apontada, nos seus traços nucleares, pelo Acórdão n.º 287/90. Respondendo à questão de saber quando é que estamos perante a “inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva” de uma conformação que afecta “expectativas legitimamente fundadas” dos cidadãos, discorre aquele aresto:
«A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos seguintes critérios:
Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão).
Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.
Os dois critérios completam-se, como é, de resto sugerido pelo regime dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Para julgar da existência de excesso na “onerosidade”, isto é, na frustração forçada de expectativas, é necessário averiguar se o interesse geral que presidia à mudança do regime legal deve prevalecer sobre o interesse individual sacrificado, na hipótese reforçado pelo interesse na previsibilidade de vida jurídica, também necessariamente sacrificado pela mudança. Na falta de tal interesse do legislador ou da sua suficiente relevância segundo a Constituição, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas.»
E concluía o citado acórdão, neste trecho:
«Nada dispensa a ponderação na hipótese do interesse público na alteração da lei em confronto com as expectativas sacrificadas».
A mesma ideia foi retomada no Acórdão n.º 303/90, proferido precisamente a respeito da questão de saber se a diminuição no montante do vencimento de uma certa categoria de funcionários afectaria o princípio da protecção da confiança:
«A questão residirá, assim, em saber se aquela afectação se reveste de jeito inadmissível, arbitrário ou excessivamente oneroso, sendo que o primeiro daqueles modos — a inadmissibilidade —, se é implicante de uma mudança na ordem jurídica, com repercussão nas situações de facto já alcançadas, com a qual, razoável e normalmente, os cidadãos destinatários das normas pré-existentes e das que operaram a modificação, não podiam e deviam contar, terá também de ser completado com a circunstância de a mutação normativa afectadora das expectativas não ter sido imposta por prossecução ou salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e que, na dicotomia com os afectados, se postem em grau tal que lhes confira prevalência, pois, se não se postarem, haverá, então, falta de proporcionalidade e, logo, uma forma de arbítrio (veja-se, sobre o ponto, o Acórdão n.º 287/90 […])».
Em formulações variadas, estes critérios estiveram reiteradamente presentes na jurisprudência posterior em que o princípio da confiança foi convocado como parâmetro de apreciação. A partir do Acórdão n.º 128/2009 (e com acolhimento nos Acórdãos n.ºs 188/2009 e 3/2010), eles foram precisados e desenvolvidos, com recondução a quatro diferentes requisitos ou testes. Escreveu-se, nesse sentido:
«Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa».
Como se vê, a protecção da confiança, enquanto corolário e exigência do princípio do Estado de direito democrático, princípio, este, de “contornos fluidos” e “conteúdo relativamente indeterminado”, quando “não acha devido apoio noutros preceitos constitucionais” (como reconheceu o Acórdão n.º 93/84), foi objecto de um intenso labor de densificação que lhe traçou um preciso âmbito de aplicação, bem como um modo procedimental de (necessária) confrontação com princípios constitucionais e interesses constitucionalmente credenciados, em oposição. São esses critérios que há que aplicar nos presentes autos.
Vêm invocados, como precedentes, os Acórdãos n.ºs 303/90 e 141/2002, referíveis a situações em que determinadas alterações legislativas, constantes de leis do orçamento (respectivamente, o Orçamento de Estado para 1989 e os Orçamentos de Estado para 1992 e 1993) tinham como implicação uma redução remuneratória de certas categorias de trabalhadores com relação de emprego público.
E efectivamente, em ambos os casos, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas impugnadas, "por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição".
Mas urge atentar nos fundamentos que sustentam as decisões.
A razão invocada no Acórdão n.º 303/90 foi a falta de justificação específica da medida que implicava uma redução salarial. Aí se diz:
«Não nos dá a Lei n.º 114/88, nem os seus trabalhos preparatórios, qualquer indicação sobre a existência de motivos ligados à prossecução ou salvaguarda de interesses (designadamente económicos ou financeiros) tais que, de um ponto de vista proporcional, aconselhassem à suspensão do «vencimento adquirido» pelos agentes de ensino em causa e, por isso, afectasse esse direito, sob pena de se não alcançar aquelas prossecução ou salvaguarda.[…]
Torna-se, desta arte, indescortinável qual seja o interesse e a sua suficiente relevância que levaram à suspensão do regime da Lei n.º 103/88.
[…] Atingido um nível remuneratório que lhes conferia [aos titulares da remuneração], na ocasião da entrada em vigor desta última Lei, um quantitativo então igual ao percebido pelos professores diplomados com os cursos das escolas do magistério primário, é perfeitamente compreensível que os destinatários daquele diploma ficassem possuídos da convicção de que esse «direito» subjectivado a tal quantitativo, já concretizado objectivamente, para o futuro, e sem que surgissem acentuadas alterações da conjuntura económico-financeira, era algo de reconhecido pela ordem jurídica e com o qual eles podiam e deviam contar, deste modo ficando convencidos que o dito montante não seria diminuído.
Ao suspender o referido «direito», o n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88 veio, de forma efectiva, frustrar a indicada convicção, sem que se antolhe a existência de situação de interesse geral ou conformação social de suficiente peso que pudessem tornar previsível ou verosímil tal suspensão.
Por isso se depara uma inadmissível (porque irrazoável, extraordinariamente onerosa e excessiva) afectação levada a cabo pela norma sindicada».
Já o Acórdão n.º 141/2002 inscreveu, na sua fundamentação, como motivos da declaração de inconstitucionalidade, a "redução substancial" da remuneração com "efeitos imediatos", conjugada com a inexistência ou falta de invocação de um específico "interesse público" que pudesse justificar a medida. Nas palavras do acórdão:
«Nesta conformidade, tem de se concluir que, por força do estabelecido na própria disposição legal que a previa, se estava perante uma remuneração acessória com um regime especial que lhe conferia uma particular estabilidade e consistência, o que justificava a expectativa do seu integral recebimento por banda dos funcionários afectados. Ora, o que aconteceu foi que, por via da norma em causa, a remuneração global dos funcionários por ela abrangidos foi objecto de uma redução substancial e com efeitos imediatos, o que também se afigura particularmente relevante.[…]
Por outro lado, não se descortinam – nem sequer foram invocados – quaisquer motivos que pudessem aqui «justificar» a adopção da medida com efeitos retrospectivos, nomeadamente particulares razões de interesse público ou uma qualquer alteração objectiva e concreta das condições de trabalho do pessoal afectado».
Isto é, tendo sido dado por assente, em ambos os casos, que a confiança legítima saíra vulnerada com as soluções impugnadas, o Tribunal não descortinou qualquer interesse público cuja salvaguarda as pudesse justificar. Daí a decisão de inconstitucionalidade. Merecerá idêntico juízo o caso agora em apreciação?
Não custa admitir que uma redução remuneratória abrangendo universalmente o conjunto de pessoas pagas por dinheiros públicos não cai na zona de previsibilidade de comportamento dos detentores do poder decisório. O quase contínuo passado de aumentos anuais dos montantes dos vencimentos, na função pública, legitima uma expectativa consistente na manutenção, pelo menos, das remunerações percebidas e a tomada de opções e a formação de planos de vida assentes na continuidade dessa situação.
As reduções agora introduzidas, na medida em que contrariam a normalidade anteriormente estabelecida pela actuação dos poderes públicos, nesta matéria, frustram expectativas fundadas. E trata-se de reduções significativas, capazes de gerarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos pelos cidadãos. Sem esquecer que, relativamente a algumas categorias de destinatários, elas se cumularam com outras medidas anteriores de redução remuneratória. Assim, a redução prevista no artigo 19.º, n.º 1, da lei do Orçamento do Estado "tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de Setembro, para os universos neles referidos", sendo certo que tais diplomas já tinham operado reduções remuneratórias (artigo 19.º, n.º 8). De facto, os artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010 tinham reduzido, a título excepcional, em 5%, os vencimentos mensais ilíquidos dos titulares de cargos políticos e dos gestores públicos e equiparados e, também, o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 47/2010 tinha já reduzido, a título excepcional, em 5%, o vencimento mensal ilíquido dos membros das Casas Civil e Militar da Presidência da República, dos gabinetes dos membros do Governo, dos gabinetes dos Governos Regionais, dos gabinetes de apoio pessoal dos presidentes e vereadores das câmaras municipais e dos governadores civis.
Essa redução teve, além disso, efeitos imediatos, logo no dia de entrada em vigor da lei do Orçamento do Estado, ou seja, um dia após a sua publicação em Diário da República.
Não se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de absoluta excepcionalidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos. O desequilíbrio orçamental gerou forte pressão sobre a dívida soberana portuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o Estado português e a economia nacional em sérias dificuldades de financiamento. Os problemas suscitados por esta situação passaram a dominar o debate político, ganhando também foros de tema primário na esfera comunicacional. Outros países da União Europeia vivem problemas semelhantes, com interferências recíprocas, sendo divulgada abundante informação a esse respeito.
Neste contexto, e no quadro de uma estratégia global delineada a nível europeu, entrou na ordem do dia a necessidade de uma drástica redução das despesas públicas, incluindo as resultantes do pagamento de remunerações. Medidas desse teor foram efectivamente tomadas noutros países, com larga anterioridade em relação à publicação da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2011, e com reduções remuneratórias mais acentuadas do que aquelas que este diploma veio a implementar.
Pode pôr-se em dúvida, em face deste panorama, se, no momento em que as reduções entraram em vigor, persistiam ainda as boas razões que, numa situação de normalidade, levam a atribuir justificadamente consistência e legitimidade às expectativas de intangibilidade de vencimentos.
Do que não pode razoavelmente duvidar-se é de que as medidas de redução remuneratória visam a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalecente – e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desprotecção da confiança constitucionalmente desconforme.
Na verdade, à situação de desequilíbrio orçamental e à apreciação que ela suscitou nas instâncias e nos mercados financeiros internacionais são imputados generalizadamente riscos sérios de abalo dos alicerces (senão, mesmo, colapso) do sistema económico-financeiro nacional, o que teria também, a concretizar-se, consequências ainda mais gravosas, para o nível de vida dos cidadãos. As reduções remuneratórias integram-se num conjunto de medidas que o poder político, actuando em entendimento com organismos internacionais de que Portugal faz parte, resolveu tomar, para reequilíbrio das contas públicas, tido por absolutamente necessário à prevenção e sanação de consequências desastrosas, na esfera económica e social. São medidas de política financeira basicamente conjuntural, de combate a uma situação de emergência, por que optou o órgão legislativo devidamente legitimado pelo princípio democrático de representação popular.
Não se lhe pode contestar esse poder-dever. Como se escreveu no Acórdão n.º 304/2001:
«Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam “tocadas” relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte».
Diferentemente dos casos julgados pelos Acórdãos n.ºs 303/90 e 141/2002, o interesse público a salvaguardar, não só se encontra aqui perfeitamente identificado, como reveste importância fulcral e carácter de premência. É de lhe atribuir prevalência, ainda que não se ignore a intensidade do sacrifício causado às esferas particulares atingidas pela redução de vencimentos.
Como último passo, neste quadrante valorativo, resta averiguar da observância das exigências de proporcionalidade (cfr., quanto à necessária conjugação do princípio da protecção da confiança com o princípio da proibição do excesso, Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, p. 268-269). Admitido que a expectativa de manutenção dos montantes remuneratórios e de ajudas de custo tenha que ceder, em face da tutela de um interesse público contrastante de maior peso, ainda assim há que controlar se as concretas medidas transitórias de redução remuneratória, previstas no artigo 19.º da lei do Orçamento do Estado, abrangendo todo o universo dos trabalhadores com uma relação de emprego público, e as medidas de redução de ajudas de custo que resultam dos artigos 20.º e 21.º da Lei do Orçamento de Estado para 2011, abrangendo os magistrados judiciais e do Ministério Público, traduzem ou não uma afectação desproporcionada de uma posição de confiança, tendo em conta os três níveis em que o princípio da proporcionalidade se projecta....”
E assim é.
Quer as remunerações quer as pensões não são revogáveis por exclusiva iniciativa da Administração mas podem ser objecto de restrições por via legislativa desde que obedeçam aos supra referidos condicionalismos de não violação dos preceitos constitucionais nomeadamente da violação do princípio da confiança.
O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo.
Na situação sub judice, apesar de estar em causa uma mutação da ordem jurídica, a partir do momento que não consta da Constituição qualquer regra que estabeleça uma garantia de irredutibilidade dos salários e pensões apenas podia existir uma expectativa de em situações normais não haver redução das remunerações e pensões.
O que não é o caso , por ser pública e notória a crise económico financeira com grave deficit na balança orçamental que afeta o nosso país assim como a maioria dos restantes países da europa e com graves repercussões no tecido social.
A história universal revela-nos que a realidade está em constante mutação, todo o equilíbrio é periclitante e que ciclicamente surgem crises mesmo em alturas de aparente pujança económica.
Portanto, há que dar a dimensão e força que a mesma merece à expectativa de manutenção de eterno crescimento da economia.
Sendo, pois, legítima apenas a criação de convicção de manutenção das remunerações em situação de equilíbrio económico, não sendo protegido, a nosso ver, a confiança ad eternum das remunerações independentemente de qualquer situação de anormalidade que o país atravesse.
E , a situação de crise económica não é a única previsível, devendo ser sempre equacionável a possibilidade de uma guerra ou até de um cataclismo natural.
Em suma, a nosso ver, no caso concreto de remunerações e dado que a constituição não proíbe a sua redução apenas é legítimo criar expetativas de manutenção ou crescimento em situações de normalidade da vida social e económica.
Mas, mesmo que consideremos que foram afetadas expectativas protegidas com a força que os mesmos merecem, ponderando os interesses em causa da razoabilidade da redução com recurso ao princípio da proporcionalidade , a redução constante da referida Lei Orçamental é perfeitamente adequada aos interesses que se pretendem salvaguardar .
Trata-se, na verdade, de uma medida idónea para fazer face à situação de défice orçamental e crise financeira não se podendo considerar excessivas as reduções remuneratórias face às dificuldades a que visam fazer face atento o seu carácter transitório e à isenção de que gozam as remunerações inferiores a 1500 euros, progressividade das taxas aplicáveis, nunca ultrapassando, em todo o caso, o limite de 10% – inferior ao aplicado em países da União Europeia com problemas financeiros idênticos aos nossos.
A propósito da constitucionalidade dos referidos preceitos também se decidiu no Acórdão n.º 613/2011, do Tribunal Constitucional, publicado em 2012-01-25 na 2.ª Série do Diário da República_ nos processos n.ºs 188/11 e 189/11 em que também vinham invocadas normas estatutárias para defender um juízo de inconstitucionalidade, naquele caso dos artigos das normas constantes dos artigos 19.º, n.º 9, alíneas h), i), q) e t) e n.º 11, 22.º, n.º 1, parte final da alínea b), 30.º, 40.º, 42.º e 95.º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (OE/2011)_ a inexistência de qualquer juízo de inconstitucionalidade.
Não ocorre , pois, qualquer inconstitucionalidade daquelas normas, em perfeita sintonia com o decidido pelo Tribunal Constitucional.

*
Mas será que pelo facto de não ocorrer a violação dos referidos princípios quanto às remunerações tal não se aplica às pensões por se tratar de um direito social de natureza diversa da remuneração, como referem os recorridos?
E será que esta natureza diversa conduz a que a razão de ser da referida Lei Orçamental implique a falta de razão de ser e violação dos princípios da igualdade e confiança e por isso ocorra inconstitucionalidade da redução remuneratória relativamente às pensões e já não relativamente às remunerações?
Não o cremos.
Desde logo não há qualquer motivo para diferenciar a pensão da remuneração na Lei Orçamento 2011 no sentido de que relativamente a uma é possível a redução ( remuneração) e a outra não ( pensão).
Aliás o Tribunal Constitucional sempre que chamado a julgar questões atinentes, direta ou indiretamente, a reduções remuneratórias de pensões tem mantido o referido entendimento.
Relativamente às pensões extrai-se do Ac do Tribunal Constitucional 187/2012:
“1. O direito à pensão como manifestação do direito à segurança social (artigo 63.º da Constituição)
57. O direito a receber uma pensão de aposentação foi definido por este Tribunal, no acórdão n.º 72/2002, como uma manifestação do direito à segurança social reconhecido a todos no artigo 63º da Constituição, radicado no princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito nos artigos 1º e 2º da Constituição, que visa assegurar, designadamente, àqueles que terminaram a sua vida laboral ativa, uma existência humanamente condigna. Considerou ainda o Tribunal que algumas dimensões do direito à pensão de aposentação – como é o caso da contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação – podem ter natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, aplicando-se-lhe o regime destes, constante do artigo 18.º da Constituição (veja-se o teor do acórdão n.º 411/99).
Mais recentemente, no acórdão n.º 3/2010, que versou sobre as alterações ao regime legal da aposentação dos trabalhadores da Administração Pública, quer no que se refere às condições de aposentação, quer no que concerne ao cálculo da pensão, o Tribunal entendeu (na linha de jurisprudência anterior, designadamente do acórdão n.º 188/2009) que o controlo da constitucionalidade das normas em causa deveria limitar-se ao confronto com os princípios fundamentais do Estado de direito democrático, entre os quais o da igualdade ou o da tutela da confiança legítima. Por estar em causa um direito económico, social e cultural (o direito à segurança social do qual decorre o direito dos pensionistas), em tudo o que vá para além de um conteúdo mínimo, ou nuclear, as concretizações legislativas específicas do direito à segurança social estão, no entender do Tribunal, sujeitas a uma larga margem de livre conformação por parte do legislador. Nestes termos, pode ler-se no acórdão citado:
“Deve, contudo, deixar-se claro que o direito à segurança social, previsto no artigo 63.º, n.º 1, da Constituição, "como um todo", é um direito de natureza essencialmente económica e social, sendo portanto passível de uma maior margem de livre conformação, por parte do legislador, do que a generalidade dos direitos, liberdades e garantias, uma vez que a sua aplicabilidade direta (não estando excluída), é necessariamente mais limitada como se infere do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição. Não há dúvida de que "os direitos sociais contêm também? ou podem conter? um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial diretamente aplicável" (RUI MEDEIROS, in Constituição da República Portuguesa Anotada, org. JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 634). Mas é certo, também, que esse conteúdo mínimo ou nuclear diretamente aplicável tem um âmbito relativamente mais restrito do que nos direitos, liberdades e garantias e que, portanto, o legislador sempre manterá, em matéria de direitos eco¬nómicos e sociais, uma mais ampla margem de livre conformação.
[…] Sendo o direito à segurança social um direito de caráter essencialmente económico e social, a sua realização depende, sobretudo, de prestações positivas de terceiros, isto é, dos atuais contribuintes para o sistema de segurança social e, em última análise, do Estado. Isso explica que, por regra, o seu conteúdo não se possa definir de forma independente da legislação. É ao legislador que incumbe fazer as necessárias ponderações que garantam a sustentabilidade do sistema e a justiça na afetação de recursos.
Deste modo, a mera sucessão de leis no tempo em matéria de segurança social não é, em geral, passível de afetar o próprio direito à segurança social "como um todo", salvo os casos em que esteja em causa o mínimo de existência condigna, o que não sucede na situação em análise, em que as alterações legislativas estão muito longe de traduzir uma supressão da proteção mínima àqueles que, por força da idade, perderam a capacidade de auferir rendimentos pelo trabalho.
O direito à segurança social não é, de modo algum, um direito imune à possibilidade de conformação legislativa. As condições de acesso ao direito à aposentação e a concreta forma de cálculo das respetivas pensões não são intocáveis pelo legislador, podendo este legislar de modo a definir tais condições e tal valor.”
58. Nestes termos, é lícito concluir que a jurisprudência constitucional portuguesa é cautelosa no que respeita à tutela, sustentada no direito à segurança social, de posições jurídicas concretas dos pensionistas. Ou seja, tem-se entendido que os requisitos exigidos para se adquirir o direito à pensão, bem como as regras de cálculo ou a quantia efetiva a receber, ainda que cobertos pelo princípio da proteção da confiança, poderão ceder, dentro de um limitado condicionalismo, perante o interesse público justificativo da revisibilidade das leis.
É certo que, no aresto acima mencionado (acórdão n.º 3/2010), estavam em causa as expectativas, eventualmente tuteladas do ponto de vista jurídico, dos futuros pensionistas. Ou seja, tratava-se, então, no fundo, de direitos a constituir. No que respeita à questão ora em análise, a situação não é exatamente idêntica, uma vez que estão em causa direitos já constituídos, posições jurídicas de cidadãos que adquiriram definitivamente o estatuto de pensionistas, com um conteúdo já perfeitamente definido pelas regras legais em vigor, no momento relevante para o seu cálculo. Este facto não é, no entanto, suficiente, do ponto de vista do direito à segurança social, para fundamentar posição distinta da assumida anteriormente pelo Tribunal quanto às regras de cálculo da pensão.
Repare-se que as alterações ao regime da aposentação da função pública então em causa atingiam a generalidade dos funcionários e não apenas aqueles que se encontrassem em início de carreira, incluindo aqueles que se encontravam a pouco tempo de poder requerer o estatuto de aposentados. Em regra, os cidadãos nesta situação passaram a ter direito a uma pensão calculada com base em duas parcelas: uma de acordo com o estatuto anterior e outra, respeitante ao tempo de serviço posterior às alterações ao regime legal. Nestes termos, viram-se afetados pela alteração legislativa trabalhadores da Administração Pública com um longo período de tempo de serviço e que eram titulares de uma legítima e forte expectativa jurídica, tendo então o Tribunal entendido que esse facto não era bastante para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade, face à gravidade do interesse público então em causa (a sustentabilidade do sistema de pensões), cuja salvaguarda fundamentava o reconhecimento de uma ampla liberdade de conformação por parte do legislador.
Ora, na presente situação, é igualmente indiscutível a existência de um interesse público relevante – a necessidade de garantir a sustentabilidade económico-financeira do Estado –, pelo que, do ponto de vista do princípio da igualdade, não existe uma diferença muito significativa entre aqueles que adquiriram já o estatuto de pensionistas e os trabalhadores que, contando já com uma longa carreira contributiva, se encontram prestes a preencher os requisitos legais para atingirem a mesma condição jurídica.
59. É, assim, de concluir que o reconhecimento do direito à pensão e a tutela específica de que ele goza não afastam, à partida, a possibilidade de redução do montante concreto da pensão. O que está constitucionalmente garantido é o direito à pensão, não o direito a um certo montante, a título de pensão. Este resulta da aplicação de critérios legalmente estabelecidos, mas de valor infraconstitucional.
A única norma constitucional que tem incidência no montante da prestação é a do n.º 4 do artigo 63º, que manda contabilizar “todo o tempo de trabalho” para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado. O que se pretende, no entanto, aí salientar é o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho, permitindo a acumulação dos tempos de trabalho prestados em várias atividades e os respetivos descontos para os diversos organismos de segurança social (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 819), o que não justifica, em si, a garantia de um determinado valor da pensão devida a um trabalhador em situação de aposentação.
2. O direito à pensão como manifestação do direito de propriedade (artigo 62.º da Constituição)
60. Como decorre da argumentação dos requerentes do Processo n.º 5/13, pode estar também em causa o direito à propriedade privada, na sua vertente de propriedade societário-pensionista, protegido pelo artigo 62º da Constituição.
No âmbito jurídico germânico, é corrente e generalizadamente aceite, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência constitucional, a extensão do âmbito de proteção da garantia da propriedade privada às posições jurídicas subjetivas de direito público com conteúdo patrimonial. Pode aí colher-se uma elaboração dogmática em torno da admissibilidade da fundamentação da tutela dos direitos dos pensionistas no direito de propriedade, bem como acerca da extensão e consequências, no plano jurídico-constitucional, dessa mesma tutela.
Assim, o Tribunal Constitucional federal alemão tem considerado que devem ser consideradas “propriedade” aquelas posições jurídicas relativas a prestações do sistema público de segurança social que (i) estiverem adscritas ao titular do direito e (ii) se basearem numa prestação própria. A mesma instância jurisdicional teve já oportunidade de esclarecer que não é possível cindir a prestação de reforma em parte financiada pelo Estado e em parte resultante da contribuição própria, e que, portanto, se deve entender que a garantia constitucional da propriedade abrange a totalidade da posição jurídica. Do mesmo modo, da aplicação dos critérios elaborados pela dogmática geral da propriedade à matéria de prestações da segurança social resulta que a validade de normas legislativas que venham afetar posições jurídicas relativas a prestações sociais deverá ser aferida face aos critérios elaborados para a determinação do conteúdo e limites da propriedade, que são determinados pelo Tribunal Constitucional alemão em função do princípio da proporcionalidade.
61. Também a nível do direito internacional convencional, é comum o estabelecimento dessa conexão. Desde logo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem repetidamente afirmado que os princípios relativos ao direito de propriedade, consagrado no artigo 1.º do Protocolo 1 da CEDH, se aplicam, em termos gerais, às situações em que estejam em causa pensões. Aquela disposição não garante, porém, o direito a adquirir propriedade ou a exigir uma quantia concreta a título de pensão. Todavia, quando um Estado tenha legislação que institua e regule o pagamento de pensões – independentemente de a sua natureza ser ou não contributiva – essa legislação gera um “interesse proprietário” que está abrangido pelo âmbito do mencionado Protocolo 1. Assim, a redução ou cancelamento de uma pensão pode ser considerada como uma interferência no gozo da propriedade que carece de fundamentação adequada. Nestes termos, é necessária uma intervenção por via legislativa, justificada pela necessidade de prossecução de um interesse público, e observando o princípio da proporcionalidade nas suas várias dimensões...”
E, também se diz no Ac. do Tribunal Constituição n.º 575/2014 Processo n.º 819/14 de 14 de agosto de 2014, que apreciou um pedido de fiscalização preventiva não tomar conhecimento do pedido, relativamente às normas constantes do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República, que determina a forma de atualização anual das pensões, devido ao Tribunal não dispor de elementos que lhe permitam caracterizar os fundamentos do pedido.
E fá-lo dizendo que um dos princípios que tem de presidir a uma reforma no sistema público de pensões é que “Se o legislador cria um novo regime legal que se destina a afectar qualquer situação jurídica que se encontre abrangida pela lei anterior (através da redução definitiva de pensões já atribuídas), não pode deixar de ter em consideração as situações de desigualdade que possam ocorrer no universo dos destinatários da medida”.
Os juízes do tribunal constitucional admitem ,pois, o corte das pensões apenas condicionam o mesmo à consideração de eventuais situações de desigualdade no universo dos destinatários.
Problema que está salvaguardado no caso dos magistrados jubilados cuja redução das pensões da mesma forma que acontece com os magistrados no ativo não só não viola o referido princípio da igualdade como até é manifestação do mesmo.
Na verdade, não estando os aqui recorridos , magistrados jubilados, em situação de igualdade com os restantes cidadãos subscritores da CGA ,por indexação da pensão aos vencimentos dos magistrados no ativo, e visando-se por força de compromissos com instâncias europeias e internacionais, conseguir resultados a curto prazo, e tendo-se entendido que, pelo lado da despesa, que a diminuição de vencimentos era indispensável para garantia de eficácia certa e imediata, sendo, nessa medida, indispensável e sendo o limites do sacrifício aceitáveis pela transitoriedade e respetivas reduções, não ocorre qualquer arbitrariedade na redução da pensão aqui em causa, pelo que não foi violado o referido princípio da igualdade.
Não será, pois, a natureza de uma ou outra que impedirá a redução mas tão só os requisitos que se poderão exigir para uma ou outra, nunca à partida a natureza constituirá qualquer impedimento como infra veremos.
Desde logo não podemos deixar de ter presente, e no caso dos magistrados que o estatuto de ‘jubilação’ é, como se frisou na Assembleia da República, (ver Exposição de Motivos no Diário da Assembleia da República n° 32 de 21/12/1984):
- “colocar o juiz, por razões de prestígio da função desempenhada (membro de orgão de soberania, desgaste físico e intelectual etc.) e da necessidade de continuar a salvaguardar esse prestígio, como se no ativo estivesse.”
- “Jubilar um juiz não pode confinar-se a permitir-se-lhe assistência em cerimónias oficiais envergando o seu trajo profissional. Ou se lhe dá um conteúdo compatível com o respeito que lhe é devido à alta função desempenhada, ou então patente ficaria que o Estado só tem consideração por quem tão altamente o serve, enquanto o serve. A nós isso repugna... “ (deputado Vilhena de Carvalho, a fls 1254).
E, embora apenas com as leis 02/92 e 143/99 se viessem a tirar todas as ilações do que significa de “ como se no ativo estivesse” o que é certo é que não se pode invocar a natureza diversa de pensão e remuneração quando o que se está é a receber sob a forma de pensão as flutuações que os do ativo auferem na sua remuneração.
É que, toda a ordem de razões para a redução da remuneração dos magistrados no ativo se projeta naqueles que recebem uma pensão por indexação daquela remuneração.
Não há, pois, inconstitucionalidade da redução das pensões por estas não serem afetadas pela violação daqueles princípios da confiança e da igualdade da mesma forma que não o são a diminuição das remunerações.
Em suma, de forma alguma podemos dizer que existe uma inaplicabilidade genética, pela própria natureza da pensão aqui em causa indexada a remuneração, não ocorrendo, relativamente às pensões dos magistrados jubilados qualquer inconstitucionalidade na redução por violação daqueles supra referidos princípios.
Daí que, no caso sub judice, não exista qualquer impedimento na diminuição das pensões dos magistrados jubilados atento o montante da redução, por violação do princípio da igualdade e da confiança.
*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em:
a) conceder provimento ao recurso;
b) revogar as decisões recorridas na parte aqui sindicada nos respetivos recursos jurisdicionais;
c) julgar totalmente improcedente a ação administrativa especial 250;
c) julgar parcialmente procedente a ação administrativa especial 1094 quanto ao pedido de devolução das quantias pagas como CES por inconstitucionalidade desta e improcedente o restante pedido.
d) Custas pelos recorridos do processo 250 em ambas as instâncias;
e) Custas no proc 1094 em 1º instância em ¾ para os aqui recorridos e ¼ para a CGA e pelos aqui recorridos nesta instância.
R. e N.
Porto, 10/10/014
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Macedo Branco