Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01463/10.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:OPOSIÇÃO EXECUÇÃO FISCAL
GERÊNCIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO
PROCURAÇÃO
Sumário:I-A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente.
II-O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
III-Da conjugação dos n.º 6 do art.º 252.º do CSC do art.º 258.º do Código Civil, a sociedade pode constituir procuradores ou mandatários, sendo que os atos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:M... e Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

O Recorrente, Ministério Público veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a instância de OPOSIÇÃO à execução fiscal, n.º 03452000901016563 aps. Instaurada originariamente contra a sociedade M…, Unipessoal, Lda., para cobrança de créditos de IVA e legais acréscimos, referentes a 2005, no montante global de € 11 816,77.

O Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)I - Nos presentes autos estão em causa dívidas tributárias do ano de 2005, de que era devedora originária a sociedade “M… Unipessoal, Lda.”;
II - As dívidas exequendas respeitam a IVA, tratando-se de imposto que a executada originária tinha obrigação de apurar, de acordo com as regras previstas nos arts 19.° a 25.° e 71.° do CIVA, tendo por base as transacções comerciais realizadas ao longo do ano de 2005, imposto que o oponente, na qualidade de gerente da executada originária, tinha obrigação de entregar nos cofres do Estado no prazo e nos termos previstos nos art.s 26.° e 40.° (actuais 27.° e 41.º) do CIVA;
III - A M.ma Juiz a quo considerou provados os factos enunciados sob os n.°s 1 a 8 do probatório da douta sentença recorrida, com base nos quais concluiu que o oponente não exerceu efectivas funções de gestão na executada originária, julgando-o, por isso, parte ilegítima na execução e não responsável pelas dívidas exequendas;
IV - Ora, e salvo o devido respeito, perante a prova documental junta aos autos, parece-nos que a M.ma Juiz a quo errou na apreciação da prova e, além disso, fez errada interpretação dos artigos 24.°, n.° 1, al. a), da LGT e 204.°, n.° 1 al. b) do CPPT;
V - Por isso, deveria ainda ter considerado provados os factos seguintes:
9 - A executada originária constituiu-se a 23/4/2003, com o capital social de 5.000,00 €, com uma única quota de igual montante pertencente ao oponente;
10 - O oponente foi o único e exclusivo gerente nomeado durante todo o período de actividade da executada originária, sendo suficiente a intervenção de um gerente para obrigar a sociedade;
11 - Apesar de ter outorgado a procuração de fls. 18/20, o oponente continuou a movimentar as contas bancárias da sociedade, a contratar pessoal, a auferir remuneração mensal como membro de órgão estatutário da executada originária e a efectuar os correspondentes descontos para a segurança social;
VI - Assim, considerando provados os factos enunciados sob os n.°s 1 a 8 do probatório da douta sentença recorrida e ainda os que vão indicados na conclusão V, e apreciando essa prova de acordo com as regras da experiência comum, tudo indica que, apesar de ter outorgado a procuração de fls. 18/20 a favor de Adelina… e J…, o oponente continuou a ser o gerente efectivo da executada originária;
VII - Além disso, estando demonstrado nos autos que o oponente foi gerente de direito da executada originária, desde a constituição desta, é de presumir que exerceu a gerência de facto. Trata-se de uma presunção judicial, como tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, que pode ser ilidida por qualquer meio de prova, incluindo a prova testemunhal;
VIII - Logo, contrariamente ao decidido, e de acordo com o disposto no art.° 351.º do CC, competia ao oponente provar que, tendo sido gerente de direito, não exerceu a gerência de facto. Ora, neste particular, nenhuma prova foi produzida pelo oponente, sendo certo que sem a sua intervenção a sociedade não se podia vincular perante terceiros, uma vez que sempre foi o único e exclusivo sócio e gerente;
IX - No caso dos autos, aplica-se o regime de responsabilidade subsidiária previsto no art.° 24.°, n.° 1 al. b) da LGT, norma que estabelece uma presunção legal de culpa dos administradores e gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada, a qual só será ilidida se provarem que não foi por culpa sua que o património daquelas se tomou insuficiente para liquidar os créditos fiscais;
X - Além disso, o oponente não cumpriu, como podia e devia, os deveres que lhe são impostos pelo art° 259.° do CSC, apesar de ter os poderes necessários para o efeito e ter um dever especial no cumprimento desses deveres, uma vez que sozinho detinha a totalidade do capital social;
XI - Apesar de no dia 23/5/2003, o oponente ter passado a procuração junta a fls. 18/20 a favor de Adelina… e J…, os actos praticados por este têm-se como praticados pelo próprio mandante, de acordo com as regras fixadas nos artigos 258.º, 268.°, n.° 1, 1163.° e 1178°, n.° 1, todos do C. Civil, contrariamente ao que foi entendido na douta sentença recorrida;
XII - Apesar de não constar do despacho de reversão a imputação de factos concretos que demonstrem o exercício efectivo de funções de gerência da executada originária por parte do oponente, tal imputação não se mostra necessária, desde que a administração tributária impute, como de facto imputou, esse exercício e o delimite no tempo por referência às dívidas exequendas cuja responsabilidade subsidiária atribuiu ao oponente, conforme se decidiu no recente Acórdão do STA, 0580/12, de 31-10-2012;
XIII - Face à prova produzida nos autos, está demonstrado o exercício efectivo da gerência por parte do oponente, e sendo certo que nenhuma prova foi feita para ilidir a presunção de culpa prevista no art.° 24.°, n.° 1 al. b) da LGT, antes pelo contrário, essa prova permite concluir que agiu com desleixo e negligência na condução dos negócios da sociedade, deveria ser considerado parte legítima na execução e responsável pelo pagamento das dívidas exequendas;
XIV - Decidindo como decidiu, a M.ma Juiz a quo não apreciou correctamente a prova produzida nos autos e violou as normas legais referidas nestas conclusões.
Pelo que, revogando a douta sentença recorrida e julgando improcedente a oposição e, consequentemente, considerando o oponente parte legítima na execução e responsável pelo pagamento das dívidas exequendas, VOSSAS EXCELÊNCIAS farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA (…)

1.2 Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 660.º, n.º 2, 684.º, nº s 3 e 4, atuais art.ºs 608.º, nº 2, 635.º, nº 4 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT) as quais consistem em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação dos artigos 259.º Código das Sociedades Comerciais, 258.º e 1178.º, n.º1 Código Civil e artigo 24.º, n.º1, al. a) LGT e 204.º, n.º1, al. b), do CPPT.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“(…)1. Contra a sociedade M… Unipessoal, Lda, N.I.P.C. 5…, com sede …, em Braga, foi instaurado o processo de execução n.° 0345200901016563, por dívidas de I.V.A. do ano de 2005, no valor de 11.816,77€ - cfr. fls. 1 do PEF apenso;
2. Em 02.03.2010, foi proferido despacho de reversão contra o aqui Oponente - cfr. fls. 31 do PEF apenso;
3. Por ofício datado de 02.03.2010, foi o Oponente citado por reversão para a execução, constando como fundamento o artigo 24º, nº 1, alínea b) do C.P.P.T. - cfr. fls. 29 do PEF apenso;
4. Em 09.03.20 10, o Oponente apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças de Amares requerendo envio de nova citação contendo os elementos que entendia estarem em falta - cfr. fls. 36 a 38 do PEF apenso;
5. Pelo ofício 354, datado de 16.04.20 10 foram remetidos ao Oponente novos elementos quanto à citação, tendo sido advertido de que os prazos relevantes, neste âmbito, se iniciariam a partir da assinatura do aviso de receção relativo àquele ofício - cfr. fls. 45 do PEF apenso;
6. Em 22.05.2003, no Cartório Notarial de Amares o Oponente outorgou procuração a Adelina… e J…, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 14 a 16 dos autos em suporte físico;
7. O Oponente sempre constou do registo comercial como sócio-gerente da sociedade devedora originária - cfr. fls. 108 dos autos cm suporte físico;
8. A oposição á execução deu entrada no Serviço de Finanças de Amares, em 17.05.2010 - cfr. carimbo aposto na petição inicial a fls. 4 dos autos.
Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado. . (…)”

3.1. Nos termos do art.º 712.º, nº 1, al. a), do CPC (atual n.º 1 do 662.º do CPC) por estar documentalmente demonstrada nos autos reformula-se o ponto 6 da matéria de facto provadas e aditam-se os factos n.º 9 a 12, nos termos seguintes:

6. Em 22.05.2003, no Cartório Notarial de Amares o Oponente outorgou procuração a Adelina… e J…, de cujo teor consta o seguinte:

“(…) aos quais confere poderes, para os dois em conjunto ou em separadamente e em nome da referida sociedade, e junto de quaisquer instituições bancárias, movimentar todas as contas bancárias abertas e a abrir em nome da sociedade unipessoal referida e para, em relação a essas contas, proceder a depósitos e levantamentos, assinar respetivos recibos ou cheques, aceitar, sacar, endossar, reformar ou avalizar letras, cheques, livranças, extractos de facturas e outros documentos em tudo o que diga respeito à “FARMÁCIA M…” (…)
________Mais lhe confere poderes para a representar em quaisquer actos directamente relacionados com a atividade da identificada Farmácia em todas as Repartições Públicas, nomeadamente, nas Repartições de Finanças e Policiais, Câmaras e demais entidades oficiais, para efetuar recebimentos de qualquer instituições à qual a mandante se encontre vinculada, e os decorrentes dos acordos para fornecimentos de medicamentos celebrados pela Associação Patronal e dar quitações; para representar em, quaisquer ações, cíveis, comerciais, fiscais administrativas, decorrente da exploração da mesma, em que seja autora ou ré ou de qualquer outro modo interessada, desde que derivadas da sua qualidade de cessionária da mesma farmácia, para o que lhe concedem os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os de confessar, desistir e transigir em qualquer ação. (….)” fls. 14 a 16 dos autos em suporte físico

9. A executada originária constituiu-se a 23.04.2003, com o capital social de 5.000,00 €, com uma única quota de igual montante pertencente a M…, o oponente, sendo a gerência da sua responsabilidade, sendo suficiente a intervenção de um gerente para vincular a sociedade (fls. 108 dos autos);

10. Em 30.04.2003, o Oponente na qualidade de sócio gerente da sociedade M…, Lda., celebrou com os herdeiros de D… [Madalena… (viúva) A…, Domingos…, Adelina…, (filhos)] contrato de exploração da farmácia M…, sita em Amares, com início em 01.05.2003 (fls. 105/107 do PEF apenso aos autos);

11. O Oponente na qualidade de sócio gerente da sociedade M… Unipessoal, Lda., em 18.01.2007 através de instrumento de revogação de 22.05.2003, no Cartório Notarial de Braga revogou a procuração emitida a Adelina… e J…, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 21/22 dos autos);

12. O Oponente estava inscrito no Instituto da Segurança Social, na qualidade de Membro de órgãos Estatutários da sociedade M… Unipessoal, Lda e entre o período de 01/2006 a 10/2007 efetuou descontos (fls. 109/111 do PEF apenso aos autos);

4. JULGAMENTO DE DIREITO
O Recorrente insurge-se com a sentença recorrida uma vez, que no seu entender não valorizou corretamente a prova produzida nos autos e não aplicou, como devia as normas legais atinentes ao caso, designadamente artigos 24.°, n.° 1, al. b), da LGT e 204.°, n.° 1 al. b) do CPPT.
Importa referir que a execução fiscal tem por objeto a cobrança coerciva, por reversão, por dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado do ano de 2005, bem como dos respetivos juros compensatórios.
Assim, estando em causa as dívidas de IVA, respeitantes aos anos de 2005, impõe-se a análise do regime jurídico aplicável à data dos factos tributários.
A responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelas dívidas tributárias, é aferida nos termos do disposto no artigo 24.º da LGT.
Estabelece o referido normativo que: “1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente.
Este pressuposto retira-se da interpretação do exórdio do n.º 1 do art.º 24.º LGT, onde se menciona expressamente o exercício de funções. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam […] funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados…”
A responsabilidade subsidiária aí prevista não exige a gerência nominal ou de direito quando refere que “ Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados” (destacado nosso).
Desde logo, resulta dos citados normativos, que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
E é esta também a jurisprudência deste Tribunal espelhada nos acórdãos n.ºs 00349/05.6 BEBRG de 11.03.2010, 00207/07.0 BEBRG de 22.02.2012, 001517/07.1 BEPRT de 13.03.2014, 01944/10.7 BEBRG de 12.06.2014 e 01943/10.9 BEBRG de 12.06.2014 e do Pleno da seção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2007, proferido no processo 01132/06 e 0861/08 de 10.12.2008 entre outros.
Assim, n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
A administração fiscal não beneficia de qualquer presunção.
É jurisprudência pacífica que “(…) presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.”(cfr. acórdão do STA n.º 0941/10 de 02.03.2011).
Nesta conformidade, não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente pode-se presumir a gerência de facto.
No entanto é possível efetuar tal presunção se o tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de nesse exercício a gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, não há apenas a ter em conta o facto de o revertido ter a qualidade de direito, pois havendo outros elementos que, em concreto, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, as posições assumidas no processo e provas produzidas quer pelo revertido quer pela Fazenda Pública.
Daí que se possa concluir que as presunções influenciam o regime de prova, tal como foi afirmado pelo acórdão proferido no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no recurso n.º 1132/06 de 28.02.2007.
Em síntese, por força do art.º 24.º da LGT, compete à Fazenda Pública, na qualidade de exequente o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.
O Recorrente alega que sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito. Resolvido que está o erro de julgamento de facto, em virtude do aditamento oficioso neste acórdão dos factos provados em 9 a 12 do ponto 3.2 deste acórdão, importa agora verificar se a sentença recorrida fez errada interpretação dos artigos 24.°, n.° 1, al. b), da LGT e 204.°, n.° 1 al. b) do CPPT.
O Recorrido defende-se na petição inicial, alegando que é parte ilegitima na execução fiscal, por não ter existido exercício efetivo de gerência, uma vez que foi cessada a qualidade de gerente de facto, face à procuração irrevogável outorgada a favor de A… e J….
A sentença recorrida sufragou a tese do Recorrido e julgou procedente a ação.
O Recorrido alega na petição inicial - 20.º da petição - que era a Administração Tributária que incumbia, não obstante, a procuração outorgada, que aquele continuou como gerente de facto, nos períodos em causa, o que não foi feita.
Mas não tem razão, tendo a Administração Fiscal, revertido a dívida tributária, imputando-lhe a gerencia efetiva, com base na certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial, certidões da Segurança Social e ainda correspondência trocada entre o contabilista e a Administração Fiscal, no contrato de exploração da farmácia assinado pelo Oponente (elevado ao probatório no ponto n.º 10) e ainda e com base nas declarações de início de atividade, cumpria ao Recorrido provar e demonstrar que apesar de tal situação, não exerceu a gerência e que a mesma foi efetuada por outrem.
A prova produzida pela Fazenda Pública, por si só, é suficiente para provar a gerência efetiva do Recorrente.
No entanto, no caso em apreço não se pode olvidar as provas existentes nos autos, nomeadamente a existência da procuração, emitida pelo ora Recorrido, na qualidade de único sócio gerente da sociedade executada originária, a favor de Adelina… e J… e ainda a revogação da procuração em 18.01.2007.

De acordo com o art.º 259.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o gerente deve praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios.
O n.º 1 e 4 do art.º 260.º do mesmo diploma, sobre a vinculação da sociedade, estabelece que esta se efetiva através dos atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculando-a perante terceiros, mediante atos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade.
Por sua vez, o n.º 1 do art.º 252.º do CSC prevê que “[a] sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares e com capacidade jurídica plena.
Determina o n.º 6 do referido art.º 252.º do CSC que, “[o] disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.”.
Por força do art.º 270.º- G do CSC este regime é aplicável às sociedades unipessoais por quotas.
Consta da certidão do registo comercial, do averbamento de 23.04.2003, a sociedade executada é uma sociedade unipessoal por quotas e constituiu-se a 23.04.2003, com o capital social de 5.000,00 €, com uma única quota de igual montante pertencente a M…, sendo a gerência da sua responsabilidade, sendo suficiente a intervenção de um gerente para vincular a sociedade.
Na petição inicial – ponto n.º 11 - o Recorrido alega a sua ilegitimidade, por à data da constituição das dívidas (2005) pela procuração outorgada, não exercia a gerência de facto, exercendo somente as competências enquanto sócio da referida sociedade.
Pretende o Recorrido eximir-se da responsabilidade subsidiária, relativa ao ano de 2005, com base na procuração irrevogável, emitida em 22.05.2003.
Antes de mais, importa esclarecer que, com efeito existia uma procuração mas não era irrevogável.
Resulta da matéria assente que em 22.05.2003, no Cartório Notarial de Amares o Oponente, na qualidade de gerente da sociedade executada, outorgou procuração a Adelina… e J….
Em 18.01.2007, o Oponente, na mesma qualidade através de instrumento de revogação no Cartório Notarial de Braga revogou a referida procuração.
Para melhor esclarecimento da situação teremos que nos focar nos poderes conferidos pela procuração.
A procuração, pela qual o Opoente, na qualidade de único sócio e gerente da sociedade comercial denominada M… Unipessoal, Lda, constitui bastante procuradores da sociedade sua representada Adelina… e J…, “(…) aos quais confere poderes, para os dois em conjunto ou em separadamente e em nome da referida sociedade, e junto de quaisquer instituições bancárias, movimentar todas as contas bancárias abertas e a abrir em nome da sociedade unipessoal referida e para, em relação a essas contas, proceder a depósitos e levantamentos, assinar respetivos recibos ou cheques, aceitar, sacar, endossar, reformar ou avalizar letras, cheques, livranças, extractos de facturas e outros documentos em tudo o que diga respeito à “FARMÁCIA M…” (…)
________Mais lhe confere poderes para a representar em quaisquer actos directamente relacionados com a atividade da identificada Farmácia em todas as Repartições Públicas, nomeadamente, nas Repartições de Finanças e Policiais, Câmaras e demais entidades oficiais, para efetuar recebimentos de qualquer instituições à qual a mandante se encontre vinculada, e os decorrentes dos acordos para fornecimentos de medicamentos celebrados pela Associação Patronal e dar quitações; para representar em, quaisquer ações, cíveis, comerciais, fiscais administrativas, decorrente da exploração da mesma, em que seja autora ou ré ou de qualquer outro modo interessada, desde que derivadas da sua qualidade de cessionária da mesma farmácia, para o que lhe concedem os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os de confessar, desistir e transigir em qualquer ação. (….)” .
Compulsada a procuração verifica-se que a mesma constituiu “em nome da representada bastantes procuradores ” Adelina… e J…, conferindo-lhe poderes para :
a) Movimentar contas bancárias existentes ou abrir contas e outros documentos que digam respeito à Farmácia M…a;
b) Poderes para a representar em quaisquer atos diretamente relacionados com a atividade da identificada Farmácia em Repartições Públicas, para efetuar recebimentos de quaisquer instituições.
c) E para representar a sociedade perante tribunais em ações diretamente relacionados com a atividade da identificada Farmácia concedendo-lhe os s mais amplos gerais poderes forenses, os podendo substabelecer em advogado.
Da análise da procuração, resulta a constituição de procuradores, aos quais são conferidos poderes para exercer determinadas tarefas, nomeadamente movimentação e criação de contas bancária, representação perante instituições públicas e em juízo, sempre diretamente relacionados com a atividade da identificada Farmácia mas não lhe confere poderes para gerir a sociedade executada na sua plenitude, uma vez que o negócio da exploração da farmácia não se confunde com a gestão da sociedade executada.
Acresce ainda que o art.º 258.º do Código Civil determina que o negócio jurídico realizado por representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.
Por sua vez, o art.º 1178.º do mesmo diploma se o mandatário, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto art.º 258.º e seguintes.
Da conjugação dos n.º 6 do art.º 252.º do CSC do art.º 258.º do Código Civil, a sociedade pode constituir procuradores ou mandatários, sendo que os atos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.
E que os negócios jurídicos realizados pelo representante em nome da representada e nos limites dos poderes que esta lhe confere produzem, in casu, directamente efeitos na esfera jurídica da sociedade.
Nesta conformidade ter-se-á que concluir que o Recorrente, na qualidade de único gerente da sociedade executada, constituiu procuradores Adelina… e J…, conferindo-lhe poderes para a prática de atos, em nome e representação da sociedade os quais se repercutem na titularidade do mandante e na dita sociedade.
Tendo a reversão da dívida sido efetuada com base na alínea b) do art.º 24.º da LGT, e uma vez, que o Recorrido exerceu a gerência de facto da devedora originária, no período a que se reportam os créditos em execução incumbia-lhe a prova que a falta de pagamento das quantias ora em execução não lhe podia ser imputada, designadamente que a não satisfação dos créditos fiscais decorrente da diminuição ou insuficiência do património da sociedade comercial não lhe podia ser assacada.
Porém o Recorrido não alegou nem provou a existência de qualquer facto relevante que afastasse a sua culpa pela insuficiência do património da devedora principal.
Nesta sequência, tendo em conta os factos dados como provados e não provados, e tendo em conta o regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º da LGT, os elementos presentes nos autos permitem a conclusão de que o Recorrido foi gerente de facto da devedora originária, isto é, que praticou atos, quer interna quer externamente, animada de um espirito de gestão e de administração própria de um responsável por uma sociedade sendo por conseguinte responsável pelas dívidas objeto dos presentes autos.
Face ao supra exposto, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação dos artigos 259.º Código das Sociedades Comerciais, 258.º e 1178.º, n.º1 Código Civil e artigo 24.º, n.º1, al. a) LGT e 204.º, n.º1, al. b), do CPPT pelo que procede totalmente o recurso jurisdicional.

Sumário:

E assim formulamos as seguintes conclusões:

I- A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente.
II- O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera a gerência nominal ou de direito.
III- Da conjugação dos n.º 6 do art.º 252.º do CSC do art.º 258.º do Código Civil, a sociedade pode constituir procuradores ou mandatários, sendo que os atos praticados por estes se repercutem na esfera jurídica do mandante.

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, revogando-se a sentença recorrida e julgar o Recorrido parte legítima na execução fiscal.
Sem custas nesta instância sendo as da 1ª da responsabilidade do Recorrido.
Porto, 29 de junho de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento