Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00940/10.9BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/18/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ACTOS DE EXECUÇÃO
Sumário:1. A declaração de ineficácia dos actos de execução indevida não tem como pressuposto o deferimento do pedido de suspensão de eficácia.
2. Mas, se o acto suspendendo retomou em pleno a sua força jurídica, em consequência da negação da providência, então só em casos muito excepcionais se poderá justificar a declaração de ineficácia dos actos praticados entre o momento em que se constituiu a proibição de executar e o momento em que começou a produzir efeitos a decisão que recusou a suspensão de eficácia;
3. Nesse caso, só um interesse processual específico, diferente dos que são assegurados pela tutela cautelar, pode justificar a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.
4. A paralisação dos efeitos dos actos de execução indevida só se justifica se houver “utilidade relevante” para os interesses públicos e privados em presença, incluindo os interesses dos eventuais contra-interessados.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:01/30/2011
Recorrente:Ministério dos Negócios Estrangeiros e outros
Recorrido 1:M...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – O Ministério dos Negócios Estrangeiros [MNE] e os contra-interessados E… e outros, identificados nos autos, interpõem recurso jurisdicional do despacho proferido em 11/10/2010 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que declarou a ineficácia dos actos de execução praticados pelo MNE após a admissão da providência cautelar de suspensão de eficácia requerida por M…, com os sinais nos autos.
Nas alegações, o MNE concluiu o seguinte:
A) A Decisão impugnada enferma de uma fundamentação indiscutivelmente lacónica e sintética que não satisfaz os limites mínimos e de suficiência legalmente exigidos em consonância com as exigências previstas no artigo 659.º e artigo 668.º, n.º 1, b.) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA;
B) O Tribunal a quo omitiu que compete à Autoridade Recorrida, no exercício do poder discricionário que lhe assiste nesta matéria de identificação do que constitui grave prejuízo para o interesse público, reconhecer e qualificar a gravidade que resulta para o interesse público do diferimento da execução. O controle sobre a interpretação do conceito vago e indeterminado que confere o poder discricionário à Administração de hierarquizar as prioridades na prossecução do interesse público só pode ser escrutinado pelos Tribunais através dos critérios legais (competência, fim visado na lei, princípios constitucionais e outros requisitos legais), não tendo sido invocada a existência de erro ostensivo ou manifesto ou falta de fundamentação;
C) Não tendo agido no âmbito do poder jurisdicional e sim no âmbito do poder administrativo, em violação do princípio contido no artigo 95.º, n.º 3 do CPTA, o douto Aresto recorrido enferma de erro de julgamento, ao interpretar os motivos apresentados na Resolução Fundamentada em sentido diferente daquele que resulta da lei e do seu espírito, e por não decidir a procedência dos motivos da Resolução Fundamentada, como se impunha, por não existir nem erro manifesto ou grosseiro, nem falta de fundamentação;
D) Não tendo a Entidade Recorrente sido notificada autonomamente e tomando agora, implicitamente, conhecimento da admissão da providência suspensiva, significa que o termo a quo a partir do qual seriam ineficazes os actos administrativos de execução ocorreria com o trânsito em julgado da douta Decisão aqui posta em crise, não existindo assim, efeitos para suspender;
E) Por outro lado, no momento em que o Tribunal a quo apreciou o preenchimento dos requisitos da Resolução Fundamentada os efeitos suspendendos já se haviam produzido integralmente, pois não só todos os contra-interessados haviam sido nomeados antes da apresentação da providência cautelar, como, posteriormente, aceitaram essa nomeação e iniciaram funções nos serviços internos deste Ministério, portanto, o douto Aresto impugnado, na parte em que admite a produção do efeito suspensivo ex lege da apresentação da providência, incorreu em violação do disposto no artigo 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA.
Os contra-interessados concluíram da seguinte forma as suas alegações de recurso:
1ª O ingresso definitivo na carreira diplomática depende, de acordo com o Estatuto da Carreira Diplomática, da frequência, com aproveitamento, do Curso de Adidos de Embaixada e do exercício das funções de Adido de Embaixada;
2ª Este curso só funciona quando há concursos públicos para ingresso na categoria de Adido de Embaixada da carreira diplomática e tem como destinatários apenas os candidatos admitidos dentro do número de vagas postas a concurso público (30 vagas no concurso em questão);
3ª Os contra interessados e os demais 22 Adidos de Embaixada estão a frequentar o curso na sequência da sua classificação nos primeiros 30 lugares no concurso público em que foram opositores. A requerente, embora classificada em 34º lugar está a frequentar o curso face ao decretamento provisório da sua admissão ao mesmo;
4ª Decretamento provisório este, que teve apenas por base prevenir, como é de lei e como resulta expressamente do despacho de admissão provisória, a eventualidade de um hipotético ganho de causa na acção principal vir em termos práticos a frustrar-lhe o acesso à carreira diplomática;
5ª Exactamente porque, a frequência do curso com aproveitamento é obrigatória, estando prevista a sua perda por faltas;
6ª A decisão recorrida, caso seja atribuído ao presente recurso efeito meramente devolutivo e se o Tribunal não adoptar uma providência adequada para evitar o prejuízo dos contra interessados, poderá implicar a saída da frequência do curso e do exercício de funções dos Adidos aqui recorrentes;
7ª Para além do grave prejuízo que a perda da remuneração implicará, irreparável será o prejuízo da perda da frequência do curso de Adidos de Embaixada e o respectivo exercício de funções no Ministério dos Negócios Estrangeiros, pois implicará a exclusão da carreira diplomática, não obstante vençam, como nos parece óbvio, a acção principal interposta pela requerente (e dando-se a produção de efeitos desta dimensão, sem que nunca nos presentes autos tenha sido ainda analisado, em momento algum, o mérito da pretensão da requerente);
8.ª A situação que assim é passível de ser criada gera uma flagrante violação do princípio da igualdade. Enquanto à requerente é permitido frequentar o curso e o exercício das funções de Adido de Embaixada, sem sequer ainda lhe ter sido apreciado o mérito da sua pretensão, para evitar que uma sua eventual vitória na acção principal perca o efeito útil pela falta de frequência do curso, aos contra interessados seria negado tal direito;
9ª Não obstante estes gozarem da presunção da legalidade do acto administrativo que os classificou nos primeiros 30 lugares elegíveis;
10ª E estão em desigualdade também quanto às armas de defesa pois não podem recorrer autonomamente à tutela cautelar, ao contrário da requerente;
11ª A providência cautelar de suspensão de eficácia foi deduzida a título subsidiário e a providência cautelar de admissão provisória deduzida a título principal. Só sobre esta última se pronunciou o Tribunal tendo a mesma sido liminarmente admitida e decretada provisoriamente;
12ª O poder cognitivo do Tribunal ficou assim limitado pela requerente. E, não obstante o Tribunal ter a liberdade de deferir a providência que achar mais adequada ao caso concreto, o que é facto é que o Tribunal, no exercício da sua competência legal, só admitiu a providência de admissão provisória;
13ª A declaração de ineficácia tem por base, como resulta da lei e do próprio despacho que a declarou, a existência do despacho de admissão provisória da providência de suspensão de eficácia. Acontece que, como constatamos, este nunca ocorreu;
14ª É pois, nula e de nenhum efeito a decisão impugnada;
15ª A suspensão de eficácia não foi admitida, nem o podia ter sido, face à situação concreta;
16ª Desde logo pela violação dos princípios da igualdade, da justiça e da proporcionalidade que implica em relação aos demais 22 Adidos não indicados como contra interessados e essencialmente em relação à requerente, uma flagrante injustiça. Os requerentes saíam da frequência do curso e a requerente continuava a frequentá-lo;
17ª A ponderação dos interesses em questão resulta, assim, por efectuar;
18ª As providências não são cumuláveis, no caso concreto, já que, ou o curso funciona e a requerente é a ele admitida provisoriamente ou o curso é suspenso, não funciona e não funciona para todos;
19ª O acto suspendendo, ou seja, a classificação dos candidatos admitidos, é um acto administrativo único, através do qual se graduaram, comparativamente, as prestações dos candidatos, pelo que não pode estar suspenso na sua eficácia em parte, em função dos destinatários;
20ª O CPTA assenta as suas normas numa relação bilateral – beneficiários do acto e lesados por ele – daí que um acto administrativo objecto de providência cautelar de suspensão de eficácia fique suspenso na sua eficácia in totum;
21ª A situação, tal qual se encontra equacionada representa uma situação multilateral havendo, no lado dos beneficiários do acto, dois tipos de situação – uns com a eficácia suspensa e outros com o acto eficaz – e estamos a referirmo-nos ao mesmo acto, único, uno e não a vários actos;
22ª A regulamentação do CPTA, porque não previu esta possibilidade (que a nosso ver é ilegal), não acautela, nem trata esta hipótese, pelo que deixa sem defesa os recorrentes;
23ª A decisão impugnada não está fundamentada devidamente, limitando-se a apresentar uma conclusão vaga e não fundamentada;
24ª A resolução fundamentada reconhece que a saída dos adidos é gravemente prejudicial para o interesse público. E, a situação actual, ou seja, o desenvolvimento da execução do acto demonstrou-o como resulta das funções que desempenham e da ausência de substitutos; a decisão impugnada violou as normas dos artigos 50.º, n.º 1, 57.º, 116.º n.º 1, 128.º e 129º, todos do CPTA.
A recorrida contra-alegou em defesa da manutenção do decidido na primeira instância.
O Ministério Público junto deste tribunal pronunciou-se pela improcedência dos recursos.
2. Tem-se por assente o seguinte:
a) O despacho recorrido é o seguinte:
“(…)
Fls.428 e seguintes:
Sob o requerimento em análise suscita a requerente o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida a que alude o nº 3 e 4 do artigo 128º do C.P.T.A.
Alega, para tanto, brevitatis causa, que a resolução fundamentada junta aos autos carece de fundamentação bastante capaz de justificar o prejuízo para o interesse público decorrente do diferimento da execução do acto suspendendo.
Quid iuris?
Nos termos do disposto no nº.1 do artigo 128º do C.P.T.A:“…a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.”.
Fora desse caso, tal qual dispõe o nº 2 do mesmo normativo legal, cumpre à autoridade que receba o duplicado do requerimento impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam à execução.
Entretanto, estabelece o nº 3 do mesmo preceito legal que, “considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no nº.1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.”
Do supra exposto resulta, pois, que, estaremos perante actos de execução indevida quando i) não seja junta a resolução fundamentada a que se refere o nº.3 do artigo 128º do C.P.T.A. no prazo de 15 dias ou, ii) no caso desta ser junta no apontado prazo, as razões por esta invocadas para fundamentar que “o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”, sejam julgadas improcedentes pelo Tribunal.
No caso concreto, verifica-se a entidade requerida juntou a resolução fundamentada que faz fls. 449 a 451 dos autos.
Analisado o objecto da mesma, verifica-se que a mesma visa obstar a impossibilidade de execução imediata do acto de nomeação dos 8 adidos de embaixada aprovados no procedimento concursal visado nos autos (decorrente do efeito suspensivo desencadeado pela admissão da providência cautelar de suspensão de eficácia dos despachos suspendendos), em virtude desta ser gravemente prejudicial ao interesse público.
Nada diz no tocante à providência cautelar de admissão provisória a concurso, objecto de decretamento provisório, em função do que conclui, desde já, pela sua concreta inaplicabilidade.
Isto posto, cabe (a este Tribunal) julgar as razões que fundamentam a referida resolução.
Perscrutando atentamente a motivação subjacente à emissão da resolução fundamentada (necessidade de preenchimento das 515 vagas existentes no menor espaço de tempo por forma a dar resposta às crescente exigências que se colocam ao serviço diplomático, ademais e especialmente, com vista a honrar os compromissos internacionais assumidos por Portugal), não se vislumbra que a execução diferida do acto suspendendo por alguns meses acarrete grave prejuízo para o interesse público.
Com efeito, sendo certo e sabido que a invocação de grave prejuízo para o interesse público deve fundar-se em razões muito excepcionais (ex.:estado de necessidade), sob pena de banalização e/ou generalização do instrumento da resolução fundamentada, dúvidas não subsistem que as razões que fundamentam a referida resolução, por não revestirem natureza excepcional e/ou reclamarem extrema urgência, não se mostram adequadas a legitimar o fim público a que se destina.
Assim sendo, face ao supra exposto, procederá, inevitavelmente, o pedido de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida previsto no nº. 3 e 4 do artigo 128º do C.P.T.A, porquanto se julgam infundadas as razões nas quais se fundamenta a resolução fundamentada de interesse público em analise.
E porque assim, julga-se procedente o requerido incidente da declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, e, consequentemente, declaram-se ineficazes todos os actos praticados pela entidade requerida após a admissão das providências cautelares de suspensão de eficácia de acto administrativo.
Para os devidos efeitos, atente-se no disposto no nº 3 do artigo 127º do C.P.T.A.
(…)”
b) Por sentença proferida em 18/11/2010, no âmbito do processo cautelar, ainda não transitada em julgado, foi julgada procedente a providência de admissão provisória da recorrida e considerada “desnecessária a apreciação da requerida suspensão de eficácia”;
c) Dessa sentença foi interposto recurso jurisdicional pelos contra-interessados, na parte em que decretou a admissão provisória da recorrida ao concurso de formação diplomática.
3. No decurso do processo cautelar para admissão provisória da requerente à frequência do curso de formação diplomática, cumulada com a suspensão de eficácia do despacho que homologou a lista de candidatos aprovados no concurso externo de ingresso na carreira diplomática na categoria de adido de embaixada, o Ministro dos Negócios Estrangeiros emitiu “resolução fundamentada”, tendo em vista a imediata execução daquele despacho, dando posse e admitindo ao referido curso oito candidatos, relativamente aos quais a requerente solicitou a suspensão da eficácia do despacho homologatório.
A requerente, perante a resolução fundamentada, deduziu o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, nomeadamente a tomada de posse dos oito contra-interessados e a consequente admissão à frequência do curso de formação diplomática, invocando que as razões em que se fundamenta a resolução não justificam o prosseguimento da execução do acto suspendendo.
Após o contraditório, o despacho recorrido declarou ineficazes todos os actos praticados pela entidade requerida após a admissão da providência, com o argumento de que «sendo certo e sabido que a invocação de grave prejuízo para o interesse público deve fundar-se em razões muito excepcionais (ex.:estado de necessidade), sob pena de banalização e/ou generalização do instrumento da resolução fundamentada, dúvidas não subsistem que as razões que fundamentam a referida resolução, por não revestirem natureza excepcional e/ou reclamarem extrema urgência, não se mostram adequadas a legitimar o fim público a que se destina».
Após esta decisão há duas circunstâncias supervenientes que neste momento não podem deixar de ser equacionadas: no processo cautelar já foi emitida sentença que, decretando a providência de admissão provisória da requerente ao curso de formação diplomática, considerou não haver necessidade de se apreciar a suspensão de eficácia; e dessa decisão apenas impugnaram os contra-interessados, na parte que decretou a providência.
Portanto, já transitou em julgado a pronúncia judicial de que, para tutelar cautelarmente o interesse da requerente em assegurar o efeito útil do provimento da acção principal, não há qualquer necessidade em conceder também a providência de suspensão de eficácia do despacho homologatório da lista de classificação final do concurso. O sentido dessa decisão, embora não suficientemente explícito, parece ser mais o de inutilidade da apreciação dos requisitos da providência, com a consequente extinção da “acção cautelar”, do que o indeferimento da suspensão de eficácia.
Em qualquer dos casos, tendo já transitado em julgado a decisão sobre a providência de suspensão de eficácia, caducou a proibição de executar o acto suspendendo.
Pergunta-se, assim, qual a repercussão que esse efeito tem no pedido incidental de declaração de ineficácia dos actos de execução que indevidamente foram praticados na pendência da providência?
Em princípio, não há que associar o destino da questão incidental ao destino da providência cautelar, uma vez que, em face do que dispõe actualmente o nº 4 do art. 128º do CPTA, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida não tem como pressuposto o deferimento do pedido de suspensão de eficácia. Além de ter um domínio próprio de aplicação, valendo para os actos de execução que se praticarem entre o recebimento do “duplicado do requerimento” e a data em que se decide a providência, os critérios legais de apreciação são diferentes. Quer isto dizer que, apresar do indeferimento da suspensão de eficácia, a declaração judicial de ineficácia dos actos indevidamente executados pode ainda ocorrer até ao trânsito em julgado dessa decisão.
A possibilidade de se declarar ineficazes os actos de execução do acto suspendendo, apesar de já se ter indeferido a providência, acentua a razão de ser do pedido incidental: o que se pretende com esta espécie de “providência cautelar secundária”, como a qualifica Vieira de Andrade (cfr A Justiça Administrativa, 10ª ed. pág. 369, nota, 863), é garantir o “efeito útil” da providência principal. O indeferimento da suspensão de eficácia em primeira instância faz cessar a proibição de executar o acto e renova a autotutela executiva da autoridade administrativa, situação que se mantêm na pendência do recurso jurisdicional, uma vez que recurso não tem efeito suspensivo (art. 143º, nº 2 do CPTA).
Mas, para assegurar a efectividade da eventual decisão do tribunal de recurso que, revogando a sentença recorrida, decrete a providência, admite-se que o juiz cautelar possa tocar nos actos de execução, declarando-os ineficazes, se faltar a resolução fundamentada ou se as razões em que ela se fundamenta forem improcedentes. Tal declaração prefigura-se assim como um instrumento destinado a evitar que a decisão judicial que concede definitivamente a suspensão de eficácia possa ser frustrada pela manutenção ou consumação dos efeitos do acto suspendendo.
Ora, se por decisão transitada em julgado a providência não for decretada, então já não é preciso tomar medidas que salvaguardem os efeitos que ela visava produzir. Neste caso, os prejuízos decorrentes da passagem do tempo processual deixam de existir a partir do momento em que o tribunal, indeferindo a providência, legitima a execução do acto suspendendo. O acto retoma a “executoriedade” de que foi privado pelo requerimento cautelar, podendo a autoridade pública ordenar todos os actos que se mostrem necessários à obtenção dos seus efeitos.
A negação definitiva da providência cautelar tem um efeito preciso: faz caducar a proibição de executar o acto administrativo. A Administração pode então reassumir o gozo do “benefício de execução prévia”, executando imediatamente o acto suspendendo. Os actos de execução são naturalmente todos aqueles que não podiam ser praticados em virtude da pendência da providência, podendo consistir na renovação dos actos indevidamente executados. Se o acto retomou em pleno a sua força jurídica, só em casos muito excepcionais se poderia justifica a declaração de ineficácia dos actos praticados entre o momento em que se constituiu a proibição de executar e o momento em que começou a produzir efeitos a decisão que recusou a suspensão de eficácia.
É verdade que a caducidade da proibição de executar o acto suspendendo não tem por efeito a sanação da ilegalidade dos actos de execução praticados com falta de resolução fundamentada ou ao abrigo de resolução infundada. A sanatória dos actos de execução indevida por efeito do indeferimento da providência não ocorre porque o único fundamento da sua ilegitimidade continua a existir: o incumprimento do dever legal de não executar o acto.
Mas, apesar disso, os valores jurídicos a conservar são diferentes. A declaração de ineficácia já não pode servir para salvaguardar o efeito útil da providência, nem da acção principal. Por isso, só um interesse processual específico, diferente dos que são assegurados pela tutela cautelar, pode justificar a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida. Pode dizer-se, por extensão analógica do artigo 129º do CPTA, que a paralisação dos efeitos dos actos de execução indevida só se justifica se houver “utilidade relevante” para os interesses públicos e privados em presença, incluindo os interesses dos eventuais contra-interessados.
Esta solução, embora não resulte directamente da lei, é aquela que permite conciliar os vários interesses envolvidos, designadamente os interesses dos contra-interessados. O regime do artigo 128º do CPTA não assegura suficientemente a protecção dos contra-interessados, sobretudo perante pretensões cautelares infundadas, como bem demonstra o caso sub judice.
Na verdade, para se decidir se os actos de execução devem, ou não, ser considerados ineficazes, o tribunal apenas deve verificar se a resolução está fundamentada, no sentido de demonstrar que o «diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público», e não para o interesse dos contra-interessados.
Todavia, no caso de já haver uma decisão desfavorável ao requerente da providência, de que resultou a cessação da proibição de executar o acto, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida não pode deixar de ponderar todos os interesses envolvidos, porque nesse momento já não se pretende salvaguardar o efeito útil da providência.
Não se vislumbrando uma situação de inutilidade superveniente da lide incidental, como seria o caso mais normal, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida só se impõe nos casos em que a conservação do acto lesar interesses específicos do requerente reportados ao período que em que o acto não podia ser executado.
Assim sendo, e retomando o caso dos autos, não é preciso entrar nos fundamentos da resolução fundamentada para se concluir pela inviabilidade da pretensão na declaração de ineficácia do acto que deu posse aos contra-interessados, ora recorrentes. Que interesse existe em declarar ineficaz o acto de posse dos contra-interessados se, após cessação da proibição de executar o acto que os nomeou, o Ministério pode dar-lhe posse novamente? Que vantagens retira a requerente da declaração de ineficácia do acto de posse dos contra-interessados? Não estará o seu lugar assegurado, caso a acção administrativa obtenha provimento?
Não há qualquer interesse específico na declaração de ineficácia dos actos de posse, porque ela foi admitida provisoriamente ao curso de formação diplomática, estando para já acautelada a execução do efeito repristinatório da eventual sentença de anulação do acto homologatório da lista de classificação final do concurso. Mas, mesmo que em recurso jurisdicional a providência cautelar já decretada venha a ser negada, continua a não existir interesse específico em declarar ineficazes os actos de posse e os actos subsequentes, pois, transitada em julgado a sentença que julgou desnecessário apreciar a suspensão de eficácia, a Administração pode dar-lhe posse novamente, sem que isso belisque minimamente os interesses da requerente.
Ora, não subsistindo qualquer interesse da recorrida na declaração de ineficácia dos actos que deram posse aos contra-interessados, ora recorrentes, é de indeferir tal pretensão, independentemente da procedência ou improcedência das razões em que se baseou a resolução fundamentada.
4. Pelo exposto, por fundamentos diversos, acordam em conceder provimento ao recurso e julga-se improcedente o pedido de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.
Custas pela recorrida, nesta instância.
Notifique-se.
TCAN, 18 de Fevereiro de 2011
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador