Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01322/16.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:RECLAMAÇÃO ART. 276º CPPT
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CADUCIDADE DE CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
VENDA JUDICIAL
ART. 824º Nº 2 DO C. CIVIL
ENTREGA DO BEM AO COMPRADOR
Sumário:I) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
II) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
III) O contrato de cessão de exploração não confere ao seu titular qualquer direito real mas sim um mero direito obrigacional.
IV) Sendo o contrato de cessão de exploração anterior à penhora determinante da venda executiva, tal venda não implica a caducidade deste contrato ainda que o bem vendido estivesse onerado por hipoteca registada anteriormente a favor do adquirente.
V) Da tipicidade dos direitos reais e seu “numerus clausus” resulta a impossibilidade da aplicação analógica ao contrato de cessão de exploração do nº2 do art. 824º do C. Civil por tal contrato conferir ao seu titular um direito de crédito, obrigacional e não real.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Banco..., S.A.
Recorrido 1:M... e Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O BANCO..., S.A., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 21-07-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por M... na presente instância de RECLAMAÇÃO relacionada com o despacho do órgão de execução fiscal proferido no processo de execução fiscal n.º (PEF) 1813201001029037 e apensos, do Serviço de Finanças de Marco de Canavezes, que determinou a desocupação e entrega voluntária até ao dia 16/08/2016, do café instalado no prédio urbano sito na Avenida…, Marco de Canavezes, registado na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canavezes sob o n.º 0…-Avessadas e Rosém, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2…da referida freguesia.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 619-627), as seguintes conclusões que se reproduzem:
(…)
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o qual julgou procedente a reclamação deduzida por M... contra a decisão de entrega de um imóvel adquirido pelo recorrente.
2. No essencial, foi interposta reclamação de um despacho proferido pelo Serviço de Finanças do Marco de Canavezes, o qual determinou a entrega de parte de um imóvel adjudicado pelo recorrente, defendendo-se que existia um contrato de cessão de exploração relativo a tal bem, que se considera não ter caducado com a venda.
3. Ora, o recorrente - que adquiriu o imóvel na execução - tinha registadas três hipotecas sobre o referido imóvel, prévias ao contrato de cessão de exploração alegadamente celebrado pela executada com terceiros, conforme consta da matéria de facto dada como provada, motivo pelo qual considera que tal contrato caducou com a venda judicial.
4. Por outro lado, o recorrente não aceita que os contratos juntos pela reclamante sejam reais, tendo impugnado os mesmos aquando da contestação apresentada.
5. Não foi isso que foi considerado na sentença recorrida, que deu razão à reclamante, dando como provado que a mesma era titular do contrato de cessão de exploração, e ainda considerando que o referido contrato de cessão de exploração não caduca com a venda, na medida em que é anterior à penhora dos autos, entendimento com o qual o recorrente não se conforma.
6. Desde logo, importa realçar que o contrato de cessão de exploração que foi publicitado aquando da venda do imóvel e que foi notificado ao reclamante foi o contrato de cessão de exploração referido no ponto E da matéria de facto dada como provada, e não qualquer contrato celebrado com a reclamante, conforme consta do ponto H da matéria de facto dada como provada.
7. O Tribunal dá como provado que com data de 01.09.2011 a executada celebrou com L… um contrato de cessão de exploração do café existente no prédio vendido ao BANCO... - al. K) da matéria de facto dada como provada.
8. E que com data de 31.12.2014 L…, a reclamante e a executada Combustíveis… celebraram o contrato de cessão de posição contratual do contrato de cessão de exploração referido, o que não podia fazer, salvo o devido respeito.
9. Desde logo, existem as maiores dúvidas relativamente à validade e à veracidade dos referidos contratos, que nunca foram exibidos até depois da venda ao recorrente do prédio em causa nos autos, sendo certo que a reclamante nem sequer tinha atividade “aberta” nas Finanças aquando da penhora do imóvel, conforme consta da informação do Serviço de Finanças em causa (ponto 28.3 da mesma).
10. E quanto à “anterior cessionária” L… nada consta nos autos como prova, pelo contrário: a prova junta é um contrato de cessão de exploração celebrado com a G… com duas versões “alternativas” - uma, a que veio a ser considerada válida pela sentença recorrida, que nada referia quanto à existência de um café no local, e outra, junta pela reclamante, da qual consta expressamente uma cláusula em que se exclui do âmbito da cessão de exploração o café, que não se veio a considerar o contrato real.
11. Não existe qualquer prova de que desde 01.09.2011 existe um contrato de cessão de exploração do café celebrado com L….
12. Tendo-se a sentença recorrida baseado apenas e só no facto de a sociedade T… GEST ter vindo dizer que, tanto quanto era do seu conhecimento, a reclamante explorava desde 2011 o café/ bar! Ora, nem a T… GEST naquela altura tinha qualquer conhecimento do imóvel em causa, nem alguma vez referiu que tivesse estado na posse do imóvel a referida L….
13. Mais: notificada a reclamante para juntar comprovativo do pagamento das rendas, não os juntou;
14. O artigo matricial constante dos contratos juntos é diferente do real;
15. A reclamante, que alega ser cessionária de um café, foi quem requereu a insolvência da primitiva executada por salários em atraso decorrentes do contrato de trabalho que tinha com a mesma desde 2010 a Setembro de 2015 – em que ficamos?
16. Não se pode, assim, aceitar, com as todas essas incongruências, com versões distintas de contratos juntas aos autos demonstrativas de que existiu um total fabrico de contratos com o único fito de prejudicar credores, que a sentença recorrida simplesmente dê como provado que existiu um contrato válido de cessão de exploração de um café a favor de L… desde 2011 conforme se refere na al. K) da matéria de facto dada como provada, com base simplesmente na declaração de um contra-interessado que nem sequer tinha qualquer conhecimento do imóvel naquela data, e depois de ter dado como provado que sobre o mesmo imóvel existia já um contrato de cessão de exploração (à G…– matéria E) dos factos provados).
17. Não se podia, assim, ter dado como provado o ponto K) da matéria de facto dada como provada, o que conduz à improcedência da reclamação.
18. Sem prescindir, sempre se dirá que faltou ainda que a sentença recorrida desse como provado que:
R) A reclamante nunca pagou as rendas supostamente devidas pela cessão de exploração em causa desde 2011 a 2014 (artº 37º da contestação da massa insolvente) nem pagou qualquer renda à massa insolvente da Combustíveis… desde a declaração de insolvência (artº 38º da mesma contestação).
S) O contrato de cessão de exploração foi resolvido pela administradora de insolvência da Combustíveis… não tendo sido impugnada tal resolução (conforme decorre dos documentos juntos aos autos com a contestação da massa insolvente e da resposta à mesma pela reclamante).
19. Assim sendo, e ainda por esta via, deveria ter sido julgada improcedente a reclamação deduzida, porquanto a reclamante mesmo que o tivesse tido (o que não se aceita) já não tem qualquer título para ocupar o imóvel.
20. Por último, mesmo que se aceitasse tudo quanto consta da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, o que por mero dever de raciocínio se admite, ainda assim não poderia ser julgada procedente a reclamação deduzida.
21. Conforme consta da matéria de facto dada como provada, as hipotecas do recorrente são anteriores a qualquer contrato de cessão de exploração celebrado, sendo a penhora dos presentes autos posterior ao mesmo (caso se entendesse que tinha sido celebrado).
22. Tal não significa, porém, que tal contrato não caduque com a venda judicial, o que manifestamente terá que se considerar que ocorre, atendendo ao disposto no nº 2 do artº 824º do Código Civil.
23. Razão pela qual, salvo o devido respeito, que é muito, o Recorrente não pode concordar com os fundamentos que serviram de base à prolação da sentença proferida e que, em muito, abalam os direitos protegidos do Banco recorrente na sua qualidade de credor hipotecário sobre o imóvel penhorado e vendido nos autos.
24. De facto, mostra-se provado nos autos de execução que quando foram registadas as hipotecas que o recorrente tem a seu favor – entre 2005 e 2008 (com o montante máximo assegurado de mais de um milhão e meio de euros), não existia qualquer contrato de cessão de exploração, o qual só veio (o que por mero dever de patrocínio se admite) a ser celebrado em 2011, e no qual foi estipulado o pagamento de uma renda mensal de € 200,00 – por dez anos, em que a água e a luz eram da responsabilidade da cedente (!).
25. Ora, na venda que ocorreu nestes autos através da diligência de abertura de propostas em carta fechada, o Banco recorrente apresentou proposta na qualidade de credor hipotecário, tendo-lhe sido adjudicado o bem em causa.
26. O Recorrente sempre agiu na convicção de que não estava (como nunca esteve) reconhecido qualquer contrato de cessão de exploração que prevalecesse depois da venda, por ter sido celebrado após o registo da hipoteca a seu favor.
27. De outra forma, a admitir-se a tese sufragada na decisão recorrida, de nada serviria o reconhecimento da garantia hipotecária a favor do Recorrente, porquanto tal ónus sempre seria afastado por iniciativa do mutuário, bastando para tal onerar o mesmo bem com um contrato de arrendamento ou de cessão de exploração a favor de terceiros, quiçá, consigo conluiado,
28. A decisão recorrida põe ainda em causa o princípio da segurança jurídica, implícito no artº 890º do CPC e plasmado no artº 202º nº2 da CRP, com o entendimento referido.
29. Conclui-se assim que a sentença recorrida fez incorreta apreciação dos factos, bem como aplicação do direito aos factos, justificando o presente recurso, tendo violado o disposto nos artigos 824º n.º 2 do Cód. Civil, artigos 817º n.º 4, 827º e 861º do CPC, bem como o próprio artigo 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa.
30. Deverá, assim, ser revogada e substituída por outra que ordene a entrega do imóvel ao recorrente.
Termos em que deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e substituindo-a por outra que julgue improcedente a reclamação deduzida, assim se fazendo JUSTIÇA!”

A Recorrida M... apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma (cfr. fls. 641-646):
“(…)
A) A douta sentença ora sob recurso não merece a mais leve censura, uma vez que, com simplicidade e clareza, se limita a aplicar a lei aos factos.
B) O duplo grau de jurisdição em matéria de facto impõe ónus aos recorrentes que obrigam a uma tomada de posição precisa e concreta quantos aos aspectos que entende mal apreciados, a que acresce a necessidade de indicar os meios de prova que deveriam ter conduzido a julgamento diferente.
C) O pedido de modificação da matéria de facto ocorre num recurso e não num segundo julgamento.
D) O que o recorrente apresenta nas suas alegações é apenas a sua versão, o que gostaria que tivesse sido dado como provado.
E) Não há dúvidas que o contrato de cessão de exploração é anterior à penhora que conduziu à venda e que do edital de venda do prédio constava que o “imóvel encontra-se onerado com um contrato de cedência de exploração” – cfr. Alíneas b), h), k) e l da matéria dada como provada.
F) Sendo de todo indiferente se esse contrato é posterior às hipotecas e penhoras efectuadas e registadas pelo Recorrente BANCO..., S.A.
G) Aquando da penhora efectuada nos autos de execução Fiscal já existia o contrato e como tal aquando da venda Executiva existia já o ónus da existência desse contrato, o que era do conhecimento do proponente/adjudicante BANCO...
G) O contrato de locação de estabelecimento comercial apresenta-se com objecto contratual híbrido, em que tanto a prestação de cedência do gozo como a de retribuição não coincidem com as prestações típicas do contrato de arrendamento, na medida em representam um misto que abrange, mediante contraprestação única, o gozo do prédio e o da universalidade de direito.
H) O facto do contrato de cessão de exploração ser posterior à hipoteca e penhora efectuada pelo recorrente BANCO... é de todo irrelevante, pois essas garantias só fundamentam a qualidade de credor e conformam a reclamação e nunca a extensão e consequências da venda.
I) No mais não se vislumbra qualquer erro ou suceptibilidade de crítica, tanto mais que a douta sentença se limita a aplicar o direito aos factos criteriosamente apurados.
Termos em que negando provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, se fará a justiça que o caso merece!”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 674 a 683 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas prendem-se com o julgamento da matéria de facto e indagar da eventual caducidade do contrato descrito nos autos em função da venda judicial, atendendo ao disposto no nº 2 do art. 824º do Código Civil.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) O Serviço de Finanças de Marco de Canavezes instaurou contra a “Combustíveis…” o PEF n.º 181320100102837 e apensos, por dívidas que perfazem o valor global da quantia exequenda de €8.202,29 (fls. 57 a 83).
B) Em 02/12/2013, pela Ap. 1308 de 02/12/2013, foi penhorado à ordem deste PEF o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canavezes sob o n.º 4…8, da freguesia de Avessadas, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 2…, que teve origem no antigo artigo 833, para garantia da quantia exequenda de €8.638,24 (fls. 57 a 88).
C) Este prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canavezes com a seguinte composição: posto de abastecimento de combustíveis de um pavimento, com área de serviços, bar, venda de lubrificantes e logradouro (fls. 85).
D) Sobre o prédio penhorado, referido em B), recaíam os seguintes ónus registados na Conservatória do Registo Predial (fls. 85 a 87):

D.1) Hipoteca voluntária registada a favor do BES, para garantia do capital de €350.000,00, com o montante máximo assegurado de €434.875,00, registada pela inscrição Ap. 10 de 14/03/2005;
D.2) Hipoteca voluntária registada a favor do BES, para garantia do capital de €100.000,00, com o montante máximo assegurado de €128.240,00, registada pela inscrição Ap. 12 de 26/04/2006;
D.3) Hipoteca voluntária registada a favor do BES, para garantia do capital de €555.000,00, com o montante máximo assegurado de €818.525,00, registada pela inscrição Ap. 18 de 29/07/2008;
D.4) Penhora registada a favor de Transportes…, Ld.ª, pessoa coletiva n.º 5…, para garantia da quantia exequenda de €311.392,90, registada pela inscrição Ap. 2775 de 12/01/2011;
D.5) Penhora registada a favor do BES, para garantia da quantia exequenda de €649.248,12, registada pela inscrição Ap. 2379 de 31/07/2012; e
D.6) Penhora registada a favor do BES, para garantia da quantia exequenda de €126.521,34, registada pela inscrição Ap. 2717 de 08/10/2012.
E) Em 26/03/2014, a executada “Combustíveis…, SA” informou o PEF que o prédio penhorado está onerado com um contrato de cessão de exploração do estabelecimento nele instalado, celebrado em 01/07/2011, com a “G…, Ld.ª”, pessoa coletiva n.º 5…, contrato cujo conteúdo e cláusulas constam de fls. 103 verso a 105, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 119 a 122).

F) A “G…” cedeu a posição contratual que tinha neste contrato à “T…GEST” pelo contrato de fls. 94 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

G) A “Transportes…., Ld.ª” cedeu à “T…GEST” o crédito que detinha sobre a “G…”, pelos montantes e condições constantes do contrato de fls. 95, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

H) Com esta informação o órgão de execução fiscal procedeu à alteração do conteúdo do edital de venda do prédio, o qual é composto pelo teor do edital de fls. 107 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, do qual passou a constar, entre o mais, a seguinte anotação: “NOTA: O imóvel encontra-se onerado com um contrato de cedência de exploração” (fls. 107 verso).

I) O “BANCO..., SA” e a “Transportes…, SA” pelos ofícios n.ºs 870 e 871, remetidos por cartas registadas em 04/04/2014, foram notificadas do referido contrato de cedência de exploração, com cópia, e da sua junção aos autos, bem como da retificação do edital de venda do prédio do qual passou a constar a anotação do referido ónus (fls. 107 a 111).

J) Em 05/02/2015, o prédio penhorado foi adjudicado ao “BANCO..., SA” reclamante, pelo montante de €224.000,00, na qualidade de credor reclamante (fls. 111 e seguintes).

K) Com data de 01/09/2011, a executada celebrou com L… um contrato de cessão de exploração do café existente no prédio vendido ao “BANCO..., SA”, que consta de fls. 241 verso a 243 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

L) Com data de 31/12/2014, L…, a reclamante e a executada, “Combustíveis…, SA”, celebraram o contrato de cessão da posição contratual do contrato de cessão de exploração referido em K), que consta de fls. 37 a 39 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
M) A executada, “Combustíveis…, SA”, não comunicou ao PEF a existência destes contratos (dos autos).

N) Em 19/05/2016, o “BANCO..., SA” juntamente com a “Transportes…, SA” e a “T…GEST, Ld.ª” requereram ao órgão de execução fiscal a entrega do prédio adjudicado (fls. 8 a 10 e 180 verso e seguintes).

O) Sobre este requerimento foi proferida a informação e o despacho que constam de fls. 35 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

P) Por carta registada com aviso de receção recebida em 11/07/2016, a reclamante foi notificada da notificação constante de fls. 34, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Q) Por sentença de 18/01/2016, a executada “Combustíveis…, SA” foi declarada insolvente (fls. 345 a 355).

Com relevância para a decisão da causa, inexiste matéria de facto julgada não provada.
3.1.1 – Motivação.
A matéria de facto provada resulta da convicção do Tribunal fundada na análise crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos autos pela reclamante e do teor das informações e documentos constantes do PEF junto pelo Serviço de Finanças e pelas partes.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa.
Aqui cumpre realçar o facto da reclamante ter invocado que o contrato de cessão de exploração do posto de abastecimento de combustíveis celebrado entre a executada e a “G…” ter excluído expressamente o café/bar existente no edifício facto que apesar de poder ser aparentemente relevante não foi julgado provado ou não provado por ser irrelevante para os autos.
Com efeito, o contrato de cessão de exploração que previa a exclusão efetiva do bar foi o contrato datado de 09/06/2010, que apesar de não ter sido todo junto num só documento, foi junto em documentos parcelares a fls. 50 a 54 e 420 a 423 dos quais resulta que esse contrato foi datado de 09/06/2010 e reconhecido em 02/07/2010 (fls. 53 e 54), mas posteriormente a esse foi celebrado o contrato datado de 01/07/2011, reconhecido em 16/11/2011 (fls. 454 a 456) em que não se faz uma exclusão idêntica à da cláusula primeira do contrato datado de 09/06/2010.
Porém, resulta das informações prestadas pela “T…GEST” a quem foi cedida a posição contratual do contrato de cessão de exploração do posto de combustíveis datado de 01/07/2011 e celebrado entre a executada, “Combustíveis…” e a “G…”, que nesse contrato não estava incluído o café existente no edifício do posto de abastecimento que nessa data já estava a ser explorado pela reclamante, conforme informação prestada a fls. 485 e não impugnada.
Não obstante as incongruências manifestadas – note-se que a “T..GEST” apesar de dizer que o café era explorado pela reclamante desde a data da cedência de exploração, isto é, desde 01/07/2011, a reclamante invoca que só entrou na exploração do estabelecimento em 31/12/2014, data em que celebrou com L…, o contrato de cessão da posição contratual do contrato de cessão de exploração do café, pelo que até aí, ou seja, até 31/12/2014, o café foi explorado por L…– destas informações e documentos resulta que o café estava a ser explorado por outra pessoa desde 01/07/2011, porque desde essa data que a exploração do posto de abastecimento foi cedido à “G…” e desde essa data que o café em causa nestes autos, não fazia parte das instalações cedidas.
Apesar das incongruências invocadas pelas partes, designadamente, da Fazenda Pública, do “BANCO..., SA” e da “Massa Insolvente” quanto aos documentos e contratos apresentados pela reclamante e da sua autenticidade e do seu valor probatório, que foi impugnado pelo “BANCO..., SA”, ainda assim dos documentos juntos e das informações prestadas pela contrainteressada “T…GEST” e não impugnadas pelas restantes partes, daqui resulta, em síntese, que o café em causa nestes autos existente no edifício onde está implantado o posto de abastecimento não faz parte do estabelecimento cedido pela executada à “G…” e cuja posição contratual foi cedida à “T…GEST”.
Por isso e não obstante a referida impugnação dos documentos juntos e das incongruências invocadas pelas partes, em particular, pela Fazenda Pública, quanto às circunstâncias que rodeiam os referidos contratos e os recibos apresentados pela reclamante, o Tribunal não deixou de relevar os factos decorrentes dos contratos de cessão de exploração do café celebrado entre a executada e L.. em 01/09/2011 e da cessão da posição contratual desta à reclamante em 31/12/2014, sobretudo pelas informações confirmadas pela contrainteressada “T…GEST” que demonstram que desde 01/07/2011 que o referido café não faz parte integrante do estabelecimento do posto de abastecimento cuja exploração foi cedida à “G…” e por esta à “T…GEST”.

3.2 DE DIREITO
Nas suas conclusões de recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
A Recorrente não aceita que os contratos juntos pela reclamante sejam reais, tendo impugnado os mesmos aquando da contestação apresentada, sendo que não foi isso que foi considerado na sentença recorrida, que deu razão à reclamante, dando como provado que a mesma era titular do contrato de cessão de exploração, e ainda considerando que o referido contrato de cessão de exploração não caduca com a venda, na medida em que é anterior à penhora dos autos, entendimento com o qual o recorrente não se conforma, pois que o contrato de cessão de exploração que foi publicitado aquando da venda do imóvel e que foi notificado ao reclamante foi o contrato de cessão de exploração referido no ponto E da matéria de facto dada como provada, e não qualquer contrato celebrado com a reclamante, conforme consta do ponto H da matéria de facto dada como provada.
O Tribunal dá como provado que com data de 01.09.2011 a executada celebrou com L… um contrato de cessão de exploração do café existente no prédio vendido ao BANCO... - al. K) da matéria de facto dada como provada e que com data de 31.12.2014 L…, a reclamante e a executada Combustíveis… celebraram o contrato de cessão de posição contratual do contrato de cessão de exploração referido, o que não podia fazer, salvo o devido respeito.
Desde logo, existem as maiores dúvidas relativamente à validade e à veracidade dos referidos contratos, que nunca foram exibidos até depois da venda ao recorrente do prédio em causa nos autos, sendo certo que a reclamante nem sequer tinha actividade “aberta” nas Finanças aquando da penhora do imóvel, conforme consta da informação do Serviço de Finanças em causa (ponto 28.3 da mesma) e quanto à “anterior cessionária” L… nada consta nos autos como prova, pelo contrário: a prova junta é um contrato de cessão de exploração celebrado com a G… com duas versões “alternativas” - uma, a que veio a ser considerada válida pela sentença recorrida, que nada referia quanto à existência de um café no local, e outra, junta pela reclamante, da qual consta expressamente uma cláusula em que se exclui do âmbito da cessão de exploração o café, que não se veio a considerar o contrato real.
Não existe qualquer prova de que desde 01.09.2011 existe um contrato de cessão de exploração do café celebrado com L…, tendo-se a sentença recorrida baseado apenas e só no facto de a sociedade T… GEST ter vindo dizer que, tanto quanto era do seu conhecimento, a reclamante explorava desde 2011 o café/ bar! Ora, nem a T… GEST naquela altura tinha qualquer conhecimento do imóvel em causa, nem alguma vez referiu que tivesse estado na posse do imóvel a referida L….
Mais: notificada a reclamante para juntar comprovativo do pagamento das rendas, não os juntou e o artigo matricial constante dos contratos juntos é diferente do real.
A reclamante, que alega ser cessionária de um café, foi quem requereu a insolvência da primitiva executada por salários em atraso decorrentes do contrato de trabalho que tinha com a mesma desde 2010 a Setembro de 2015 - em que ficamos?
Não se pode, assim, aceitar, com as todas essas incongruências, com versões distintas de contratos juntas aos autos demonstrativas de que existiu um total fabrico de contratos com o único fito de prejudicar credores, que a sentença recorrida simplesmente dê como provado que existiu um contrato válido de cessão de exploração de um café a favor de L… desde 2011 conforme se refere na al. K) da matéria de facto dada como provada, com base simplesmente na declaração de um contra-interessado que nem sequer tinha qualquer conhecimento do imóvel naquela data, e depois de ter dado como provado que sobre o mesmo imóvel existia já um contrato de cessão de exploração (à G… - matéria E) dos factos provados), de modo que, não se podia, assim, ter dado como provado o ponto K) da matéria de facto dada como provada, o que conduz à improcedência da reclamação.
Sem prescindir, sempre se dirá que faltou ainda que a sentença recorrida desse como provado que:
R) A reclamante nunca pagou as rendas supostamente devidas pela cessão de exploração em causa desde 2011 a 2014 (art. 37º da contestação da massa insolvente) nem pagou qualquer renda à massa insolvente da Combustíveis… desde a declaração de insolvência (art. 38º da mesma contestação).
S) O contrato de cessão de exploração foi resolvido pela administradora de insolvência da Combustíveis… não tendo sido impugnada tal resolução (conforme decorre dos documentos juntos aos autos com a contestação da massa insolvente e da resposta à mesma pela reclamante).

Quanto ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 640º do C. Proc. Civil, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no aludido art. 640º do C. Proc. Civil, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 640º do C. Proc. Civil.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 607º do C. Proc. Civil, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

Num primeiro momento, a Recorrente insiste que com as todas essas incongruências, com versões distintas de contratos juntas aos autos demonstrativas de que existiu um total fabrico de contratos com o único fito de prejudicar credores, que a sentença recorrida simplesmente dê como provado que existiu um contrato válido de cessão de exploração de um café a favor de L… desde 2011 conforme se refere na al. K) da matéria de facto dada como provada, com base simplesmente na declaração de um contra-interessado que nem sequer tinha qualquer conhecimento do imóvel naquela data, e depois de ter dado como provado que sobre o mesmo imóvel existia já um contrato de cessão de exploração (à G… - matéria E) dos factos provados), de modo que, não se podia, assim, ter dado como provado o ponto K) da matéria de facto dada como provada.

Antes de mais, cumpre ter presente que a decisão recorrida ponderou que:
“…
Aqui cumpre realçar o facto da reclamante ter invocado que o contrato de cessão de exploração do posto de abastecimento de combustíveis celebrado entre a executada e a “G…” ter excluído expressamente o café/bar existente no edifício facto que apesar de poder ser aparentemente relevante não foi julgado provado ou não provado por ser irrelevante para os autos.
Com efeito, o contrato de cessão de exploração que previa a exclusão efetiva do bar foi o contrato datado de 09/06/2010, que apesar de não ter sido todo junto num só documento, foi junto em documentos parcelares a fls. 50 a 54 e 420 a 423 dos quais resulta que esse contrato foi datado de 09/06/2010 e reconhecido em 02/07/2010 (fls. 53 e 54), mas posteriormente a esse foi celebrado o contrato datado de 01/07/2011, reconhecido em 16/11/2011 (fls. 454 a 456) em que não se faz uma exclusão idêntica à da cláusula primeira do contrato datado de 09/06/2010.
Porém, resulta das informações prestadas pela “T…GEST” a quem foi cedida a posição contratual do contrato de cessão de exploração do posto de combustíveis datado de 01/07/2011 e celebrado entre a executada, “Combustíveis…” e a “G…”, que nesse contrato não estava incluído o café existente no edifício do posto de abastecimento que nessa data já estava a ser explorado pela reclamante, conforme informação prestada a fls. 485 e não impugnada.
Não obstante as incongruências manifestadas – note-se que a “T…GEST” apesar de dizer que o café era explorado pela reclamante desde a data da cedência de exploração, isto é, desde 01/07/2011, a reclamante invoca que só entrou na exploração do estabelecimento em 31/12/2014, data em que celebrou com L…, o contrato de cessão da posição contratual do contrato de cessão de exploração do café, pelo que até aí, ou seja, até 31/12/2014, o café foi explorado por L… - destas informações e documentos resulta que o café estava a ser explorado por outra pessoa desde 01/07/2011, porque desde essa data que a exploração do posto de abastecimento foi cedido à “G…” e desde essa data que o café em causa nestes autos, não fazia parte das instalações cedidas.
Apesar das incongruências invocadas pelas partes, designadamente, da Fazenda Pública, do “BANCO..., SA” e da “Massa Insolvente” quanto aos documentos e contratos apresentados pela reclamante e da sua autenticidade e do seu valor probatório, que foi impugnado pelo “BANCO..., SA”, ainda assim dos documentos juntos e das informações prestadas pela contrainteressada “T…GEST” e não impugnadas pelas restantes partes, daqui resulta, em síntese, que o café em causa nestes autos existente no edifício onde está implantado o posto de abastecimento não faz parte do estabelecimento cedido pela executada à “G…” e cuja posição contratual foi cedida à “T…GEST”.
Por isso e não obstante a referida impugnação dos documentos juntos e das incongruências invocadas pelas partes, em particular, pela Fazenda Pública, quanto às circunstâncias que rodeiam os referidos contratos e os recibos apresentados pela reclamante, o Tribunal não deixou de relevar os factos decorrentes dos contratos de cessão de exploração do café celebrado entre a executada e L… em 01/09/2011 e da cessão da posição contratual desta à reclamante em 31/12/2014, sobretudo pelas informações confirmadas pela contrainteressada “T…GEST” que demonstram que desde 01/07/2011 que o referido café não faz parte integrante do estabelecimento do posto de abastecimento cuja exploração foi cedida à “G…” e por esta à “T…GEST”. …”.

Pois bem, com este pano de fundo, crê-se que não existe matéria capaz de viabilizar a crítica da Recorrente.
Na verdade, se é certo que existem dois contratos no que diz respeito ao contrato de cedência de exploração celebrado entre a executada e a “G...”, um com data de 09-06-2011 e outro com data de 01-07-2011, sendo que no primeiro é excluído do âmbito do contrato o café e o armazém existentes no prédio, o Tribunal ultrapassou a questão suscitada, formulando um pedido de informação, de que resultou o exposto pela “T…GEST” a quem foi cedida a posição contratual do contrato de cessão de exploração do posto de combustíveis datado de 01/07/2011 e celebrado entre a executada, “Combustíveis…” e a “G…”, que nesse contrato não estava incluído o café existente no edifício do posto de abastecimento que nessa data já estava a ser explorado pela reclamante, conforme informação prestada a fls. 485.
Ora, se entidade com interesse no contrato em apreço produz a informação que consta de fls. 485, resulta legítima a sua valoração por parte do Tribunal nos termos acima descritos, porquanto, sendo a T…GEST parte interessada naquele contrato, tem o pleno domínio dos factos, pelo que resulta perfeitamente aceitável o entendimento do Tribunal a quo, até porque está em causa uma informação que nem sequer é favorável a quem a prestou, na medida em que procede a uma leitura restritiva do objecto do contrato, tendo por referência os dois contratos descritos, sendo ainda de notar que o Tribunal a quo valorou, em coerência, o contrato de cedência de exploração junto pela aludida empresa e que foi o elemento considerado no âmbito da publicidade da venda.
Por outro lado, para além da indicação de que o café não estava integrado no contrato de cedência de exploração, a T…GEST refere que o café/bar era explorado desde a data da cedência pela ora Recorrida, o que inculca a ideia de que o café estava a ser explorado por alguém que não a executada, o que permite dar relevância ao contrato de cedência de exploração entre a executada e L…
Diga-se ainda que, apesar de o Tribunal a quo não ter feito menção a tal matéria, a referida L… juntou aos autos os recibos de renda de fls. 462 a 464 (e não são estes que a AT coloca em crise) e bem assim elementos sobre o início (11-08-2011) e cessação (31-12-2014) da sua actividade (fls. 465 a 470), realidade que em nada contribui para colocar em crise o decidido e suportar a tese da Recorrente.
Isto para dizer que, independentemente do que consta do parágrafo anterior, os elementos destacados pelo Tribunal não são postos em crise pela Recorrente em termos de reclamarem uma percepção diferente da matéria em apreço.
Quanto ao mais, a alusão ao facto de a reclamante ter sido notificada para juntar comprovativo do pagamento das rendas e não os juntou não se afigura decisiva, pois que a petição inicial subjacente a estes autos exibe dois recibos relativos ano de 2015 e aos três primeiros meses de 2016 (fls. 44) e em relação ao artigo matricial vertido nos contratos, é ponto assente que é idêntico em todos eles, sendo que o nº de inscrição na matriz também não é idêntico na certidão de fls. 85 (processo de execução fiscal) e 413 (certidão junta à Acção Administrativa Especial intentada pela ora Recorrida) destes autos, embora mantenha a mesma identificação ao nível da certidão do registo predial, pelo que, não se retira da alegação matéria bastante para alterar a linha de análise desenvolvida.
No que concerne ao facto de a ora Recorrida ter requerido a insolvência da primitiva executada por salários em atraso decorrentes do contrato de trabalho que tinha com a mesma desde 2010 a Setembro de 2015 não se vislumbra no exposto nada de decisivo, porquanto, nada impedia que a ora Recorrida continuasse a desenvolver a sua actividade profissional em paralelo com a exploração do café, até porque consta dos autos que a ora Recorrida admitiu ao seu serviço em Fevereiro de 2015 uma empregada de balcão, cujo contrato apenas cessou em Abril de 2016, sendo que consta dos autos o aludido contrato e a declaração de remunerações junto da Segurança Social (fls. 448 v.-450 destes autos), situação que retira o valor que a Recorrente pretende retirar em relação ao exposto, de modo que, tendo presente que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos -, sendo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que diz respeita à matéria em crise.

No entanto, a Recorrente defende também que a sentença recorrida deveria ter dado como provado que:
R) A reclamante nunca pagou as rendas supostamente devidas pela cessão de exploração em causa desde 2011 a 2014 (art. 37º da contestação da massa insolvente) nem pagou qualquer renda à massa insolvente da Combustíveis… desde a declaração de insolvência (art. 38º da mesma contestação).
S) O contrato de cessão de exploração foi resolvido pela administradora de insolvência da Combustíveis… não tendo sido impugnada tal resolução (conforme decorre dos documentos juntos aos autos com a contestação da massa insolvente e da resposta à mesma pela reclamante).
Neste ponto, pese embora a Recorrente não ser exuberante na sua alegação, cabe notar que no art. 37º da contestação da massa insolvente é referido que a cessionária inicial (e não a reclamante) nunca remeteu à Administradora da Insolvência qualquer comprovativo de pagamento de rendas entre Setembro de 2011 e Dezembro de 2014, o que significa que a primeira parte do ponto R) não tem sentido.
No que diz respeito ao pagamento dos valores devidos à Massa Insolvente, crê-se que, face ao teor de fls. 350-353 e de fls. 390-392, apenas é possível afirma que a Massa Insolvente não recebeu qualquer valor relativo ao contrato de cedência de exploração a partir da comunicação de 17 de Outubro de 2016, dado que, em resposta, a ora Recorridas propõe-se efectuar o imediato pagamento dos valores da contrapartida mensal, o que supõe algo em falta neste domínio.
O teor de fls. 350-352 permite ainda dizer que através da missiva de 17 de Outubro de 2016, a Administradora da Insolvência comunicou à ora Recorrida a opção pela recusa do cumprimento do contrato referido nos autos nos termos do art. 102º nº 1 do CIRE, com efeitos imediatos, não existindo, no entanto elementos para a afirmação de que tal decisão não foi impugnada, pois que a ora Recorrida juntou aos autos pedido de protecção jurídica efectuado para intentar tal acção (fls. 497-498), nada mais tendo sido questionado, o que torna inviável a descrição da situação nos termos propostos pela Recorrente.
Assim sendo, nos termos do art. 662º nº 1 do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte:
R) A Massa Insolvente não recebeu qualquer valor relativo ao contrato de cedência de exploração a partir da comunicação de 17 de Outubro de 2016 (fls. 350-353 e 390-392 destes autos).
S) Através da missiva de 17 de Outubro de 2016, a Administradora da Insolvência comunicou à ora Recorrida a opção pela recusa do cumprimento do contrato referido nos autos nos termos do art. 102º nº 1 do CIRE, com efeitos imediatos (fls. 350-352 destes autos).

A partir daqui, a Recorrente sustenta ainda que, mesmo que se aceitasse tudo quanto consta da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, o que por mero dever de raciocínio se admite, ainda assim não poderia ser julgada procedente a reclamação deduzida, pois que, conforme consta da matéria de facto dada como provada, as hipotecas do recorrente são anteriores a qualquer contrato de cessão de exploração celebrado, sendo a penhora dos presentes autos posterior ao mesmo (caso se entendesse que tinha sido celebrado), o que não significa, porém, que tal contrato não caduque com a venda judicial, o que manifestamente terá que se considerar que ocorre, atendendo ao disposto no nº 2 do artº 824º do Código Civil, razão pela qual, salvo o devido respeito, que é muito, o Recorrente não pode concordar com os fundamentos que serviram de base à prolação da sentença proferida e que, em muito, abalam os direitos protegidos do Banco recorrente na sua qualidade de credor hipotecário sobre o imóvel penhorado e vendido nos autos, na medida em que, mostra-se provado nos autos de execução que quando foram registadas as hipotecas que o recorrente tem a seu favor - entre 2005 e 2008 (com o montante máximo assegurado de mais de um milhão e meio de euros), não existia qualquer contrato de cessão de exploração, o qual só veio (o que por mero dever de patrocínio se admite) a ser celebrado em 2011, e no qual foi estipulado o pagamento de uma renda mensal de € 200,00 - por dez anos, em que a água e a luz eram da responsabilidade da cedente (!), sendo que na venda que ocorreu nestes autos através da diligência de abertura de propostas em carta fechada, o Banco recorrente apresentou proposta na qualidade de credor hipotecário, tendo-lhe sido adjudicado o bem em causa, verificando-se que o Recorrente sempre agiu na convicção de que não estava (como nunca esteve) reconhecido qualquer contrato de cessão de exploração que prevalecesse depois da venda, por ter sido celebrado após o registo da hipoteca a seu favor, além de que, a admitir-se a tese sufragada na decisão recorrida, de nada serviria o reconhecimento da garantia hipotecária a favor do Recorrente, porquanto tal ónus sempre seria afastado por iniciativa do mutuário, bastando para tal onerar o mesmo bem com um contrato de arrendamento ou de cessão de exploração a favor de terceiros, quiçá, consigo conluiado.

Que dizer?
Neste domínio, sem prejuízo do labor da Recorrente na defesa da sua posição, não podemos acompanhar o exposto, tendo por bondosa a análise vertida no Ac. do S.T.A. de 04-05-2016, Proc. nº 0264/16, www.dgsi.pt, onde para afastar a tese desenhada pela Recorrente se aponta que “… Desde logo porque todas as razões expendidas pelo recorrente sobre a hipoteca e as consequências que se pretendem retirar do seu registo anterior ao contrato de cessão de exploração apenas relevariam para efeitos da primazia de pagamento.
Efectivamente a hipoteca sendo embora um direito real de garantia, nos termos do artigo 688 do Código Civil, apenas confere ao credor o direito de ser pago pelo valor das coisas imóveis ou equiparadas com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. E extingue-se com a satisfação do crédito que garante.
Depois porque na venda executiva o credor que tem a seu favor a hipoteca nem sequer goza de preferência na compra.
Na venda executiva tal credor está em paridade com qualquer outro eventual comprador.

Ora nesta situação outro adquirente do bem hipotecado que não o credor reclamante, onerado por contrato de cessão de exploração anterior à penhora determinante da venda não veria caducado este contrato de cessão de exploração já que esta situação não é contemplada no artigo 1051 do Código Civil ficando o adquirente apenas e só na posição jurídica de locador.
Não há razão alguma, por isso, que justifique tratamento diferente do dado a eventual adquirente sem garantia ao credor a favor de quem foi constituída a hipoteca já que a satisfação do seu crédito está sempre assegurada pelo produto da venda.
Por outro lado o nosso ordenamento jurídico relativamente aos direitos reais consagra um regime fechado, de tipicidade. O que significa, como diz MOTA Pinto In Direitos Reais 1970/71 pp117 e segs que não pode constituir-se por contrato um direito real se a lei não indicar o contrato entre os modos de constituição desse direito. Ou nas palavras de Galvão Teles in Direito das Obrigações 3ª edição 8 “o princípio da tipicidade ou do “numerus clausus” significa que só são admissíveis as categorias de direitos reais previstas na lei.”.
Assim a valorização da dimensão real que os arestos assinalam para defesa da sua tese deve antes ser considerada relativamente ao locatário a quem a lei atribui um verdadeiro direito de sequela no artigo 1057 do CC sendo assim um direito e garantia do locatário.
Relativamente à aquisição da propriedade do bem hipotecado a lei não garante ao credor que beneficia da hipoteca qualquer direito ou sequer expectativa diferente da concedida a qualquer outro adquirente.
Por isso a aplicação analógica do nº 2 do artigo 824 ao contrato de cessão de exploração (arrendamento) não é admissível.
Como refere A Menezes Cordeiro In Direitos Reais 1979 465 “ da impossibilidade de constituir de direitos reais que não estejam previstos na lei -e o arrendamento é um deles -deriva a impossibilidade lógica de aplicar a qualquer figura jurídica não real por analogia as normas que àqueles unicamente respeitam.
Ora como bem se assinalou na sentença recorrida importava no caso dos autos face ao disposto no artigo 828 do CPC era decidir se o adquirente poderia requerer contra o cessionário/locatário a entrega do bem por si adquirido.
Mas não existindo inoponobilidade do contrato de cessão à venda executiva por ser anterior à penhora determinante da venda nos termos do artigo 819 do CC e não conferindo o contrato de cessão de exploração um direito real mas apenas um direito obrigacional de uso e fruição do imóvel ao locatário tal direito não se mostra incompatível com o direito de propriedade do reclamante e consequentemente não está abrangido pelo nº 2 do artigo 824 do CC antes se impondo a sua continuação nos termos do artigo 1057 do CC
Efectivamente não podemos deixar de concordar com o Mº Pº neste STA quando afirma:
“Mas, para além dos elementos gramatical e sistemático, também a perspectiva teleológica ou racional parece apontar para a solução sufragada na sentença recorrida, na medida em que permite harmonizar interesses potencialmente conflituantes mas merecedores, em qualquer dos casos, de adequada tutela jurídica, de um lado os interesses dos credores na satisfação integral dos seus créditos, do outro o do adquirente na compra do bem nos precisos termos em que a venda foi anunciada (art. 817.º do CPC) e, finalmente, o interesse do arrendatário ou cessionário na estabilidade da sua relação locatícia, não sacrificando este em benefício daqueles outros. …”.

Perante a pertinência do que fica exposto, tendo o prédio vendido sido penhorado já com o ónus da existência dum contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial celebrado em data anterior à penhora que determinou a venda do prédio, para o reclamante é transmitido o prédio com todos os direitos do executado sobre o prédio vendido, isto é, onerado com o referido contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial e com os direitos e obrigações desse contrato, sendo que a falta de menção no edital do contrato nuclear para os presentes autos, facto imputável à executada não pode obstar a que a reclamante se oponha à entrega do estabelecimento de café cuja exploração adquiriu pelo contrato de cessão da posição contratual.

Finalmente, a manutenção da situação de falta de pagamento à Massa Insolvente dos valores contratuais devidos ou a opção da recusa pelo cumprimento do contrato nos termos do era. 102º nº 1 do CIRE envolvem situações que, como se decidiu, não contendem com a legalidade do despacho reclamado, tratando-se de matérias que podem e devem ser dirimidas noutra sede, podendo conduzir, em qualquer dos casos, à eventual cessação do contrato que interessa a estes autos, mas que não têm a virtualidade de suportar a tese da Recorrente quando coloca em crise a bondade da decisão recorrida que não sancionou a actuação do OEF com referência ao despacho que determinou a desocupação e entrega voluntária do café instalado no prédio referido nos autos.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 11 de Janeiro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos