Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02433/15.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
PEDIDO ININTELIGÍVEL
Sumário:1. A ineptidão da petição inicial ocorre quando a) falte ou seja ininteligível a indicação do pedido e da causa de pedir; b) o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (art. 186º do CPC).
2. O pedido é ininteligível se não for reportado a um sujeito em cuja esfera jurídica se repercutirão os respetivos efeitos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

F…, melhor identificado nos autos, recorre do despacho proferido pelo MMº juiz do TAF do Porto que “com fundamento em nulidade de todo o processo, decorrente da ineptidão da petição inicial” indeferiu liminarmente a petição inicial, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

A relação jurídica objecto de impugnação judicial de fls., encontra-se subordinada a aplicação do C.P.P.T. como resulta do disposto no art°. 1 do C.P.P.T., sendo que, é um acto tributário, de natureza administrativa e fiscal que está subjacente na respectiva relação jurídica;

O acto de notificação nos termos e para efeito do disposto no n°. 4 do art°. 105 do RGIT é emergente de uma relação jurídica administrativa e fiscal, e obedecerá a princípios e disposições de natureza administrativa
Os pedidos do Impugnante são relativos a relação jurídica administrativa e fiscal, uma vez que colocam em causa não apenas a falta de notificação de acto de competência da Autoridade Tributária no exercício de poderes públicos, mas também que a mesma, a admitir-se existir, não se mostra fundamentada de facto e de direito, devendo observar o disposto no art°. 38 n°. 5 e 6, e art°.192, todos do CPPT e o disposto no art°.123 n°.2 alínea d), artº. 224 e 225, todos do CPA.
Resulta da Sentença em cotejo que “Analisando o pedido formulado pelo impugnante, constata-se que apenas um deles é compatível com o processo de impugnação judicial: o que se encontra aduzido sob a al. c), sendo que se desconhece de que liquidações se trata, uma vez que o impugnante refere diversas sociedades e, tendo sido convidado a esclarecer qual o sujeito passivo de tais liquidações, nada veio dizer.”
No âmbito da petição inicial interposta, os vícios que se pretendia que fossem anulados foram devidamente arguidos, a causa de pedir é clara e o pedido foi convenientemente expresso,
O Impugnante, aqui Recorrente indicou, com clareza, o objecto da impugnação judicial, sendo que, como ficou dito, o mesmo se retira do contexto da petição inicial, concretamente no artigo 51° onde do mesmo se extrai que “o objecto da presente impugnação são as facturas 2011/06 n°3, 4, 5 e 6 e 2011/09, n°.7 e 3 e 2011/06 n°.4, 5 e 6 e 2011/09 n°7”
O Impugnante, ora Recorrente foi notificado a fls. para “precisar quais as liquidações de imposto cuja legalidade pretende ver apreciada”, tendo concretizado visar atacar as liquidações de IVA de 06/2011 e 09/2011, bem como a liquidação de IRC de 2011
Sendo, perfeitamente, inteligível o pedido formulado, uma vez que se conhece quais as liquidações que pretende impugnar.
Do teor da petição de impugnação é perceptível o pedido formulado, foram expostos com clareza os fundamentos da pretensão do Impugnante, aqui Recorrente, não sendo impeditivo a apreensão da causa de pedir, bem como são alegados factos e invocadas normas de direito susceptíveis de conduzir a qualquer um dos resultados pretendidos, que aliás, são compatíveis.
Mesmo considerando que a petição de impugnação apresentada não seja propriamente um modelo de clareza, a causa de pedir não falta, nem é ininteligível, pois que é possível extrair da petição de impugnação que o Recorrente invoca como fundamentos das suas pretensões anulatórias, que a Administração Tributária recorreu em erro gravíssimo de apuramento das quantias a liquidar quer a titulo de IVA quer a titulo de IRC, uma vez que não valida as aquisições dos bens, contudo considera válidas as alienações dos mesmos bens, violando as regras relativas ao ónus da prova dos factos alegados.
O meio processual de impugnação judicial tem por objecto, normalmente, um acto de liquidação de um qualquer tributo, ou um outro a que expressamente a lei atribua este meio processual de reacção, desde que eivado de um qualquer dos vícios que o afecte na sua validade, tendo em vista obter a sua invalidada (normalmente a sua anulação, embora também, por vezes, possa conduzir à declaração da sua nulidade, ou mesmo, eventual mente, da sua inexistência jurídica) - cfr. art.°s 95.º e segs da LGT e 97.° do CPPT.
Não há, pois, falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, pelo que, também por este motivo, se não justifica o indeferimento liminar da petição de impugnação.
“Sendo possível identificar os fundamentos do pedido não pode decidir-se indeferir liminarmente a impugnação por ausência ou ininteligibilidade da causa de pedir.” Neste sentido Ac. STA de 24/10/2012, processo n°. 0747/12
O princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito encontra consagração expressa no art° 26 7°, n° 5, da CRP. Por sua vez, o Código de Procedimento Administrativo concretizou este princípio no seu art° 8°, segundo o qual “os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência”, de harmonia com as regras fixadas nos art°s 100° a 103°.
O art° 60° da LGT mais não é do que a transposição deste princípio para o procedimento tributário. Com efeito, resulta deste preceito legal que os contribuintes, antes da liquidação e da conclusão do relatório da inspecção tributária, têm do direito de audição - n° 2, alíneas a) e e) -, para o que deverá a Administração Tributário comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e a sua fundamentação, só sendo dispensada essa audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável - n°2.
O direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir a exercer influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução. Não basta, convém salientar, que a decisão seja proferida no exercício de poderes vinculados, para ter como não invalidante a violação do disposto no artigo 100° do CPPT, pois pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado na decisão daquela.
Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per mutile non viciatur -, já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental” (no mesmo sentido, vide Acs. daquela Secção do STA de 20/06/02, in recurso n° 412/02 e de 29/02/03, in recurso n° 123/03).
Nos termos do artigo 60° da LGT, deveria a impugnante, aqui Recorrente,
ter sido notificado para exercer o Direito de Audição antes da liquidação, o que não
ocorreu. A preterição de formalidade essencial consubstanciada na violação do art°
60° da LGT, ao caso aplicável, constitui uma ilegalidade do acto tributário, pelo que
deveria o Tribunal a quo ter extraído os necessários efeitos, não podendo deixar-se
seduzir por critérios ou juízos de oportunidade.

A audição do interessado é um direito fundamental, constituindo a sua inexistência
a violação dum direito fundamental de defesa;

Ora, os pedidos impetrados pelo Impugnante, aqui Recorrente, sob as alíneas a), b), c) d) e e), da PI de fls., que aqui se dão por integralmente reproduzidos por razões de economia processual, por violação do disposto artigo 60° da LGT, artigo 38°, n°1. 42°, n°2 CPPT, artigo 123°, n°2 alínea d), 124° e 125° do CPA e artigo 13°, 20° e 268° n°3 da CRP são totalmente enquadráveis com o que dispõem as alíneas c) e d) do art°.99 do CPPT.
Termos em que, com o douto suprimento de V. EX.°S deverá:
a. Considerar-se oportuna a impugnação judicial deduzida, e, consequentemente
b. Ordenar-se a revogação da sentença recorrida e determinar-se a sua apreciação de fundo em todos os seus aspectos, com o que se fará como é
JUSTIÇA!

CONTRA ALEGAÇÕES.
O Exmo. Representante da Fazenda Pública contra alegou e concluiu:
A. Perscrutada a petição inicial constata-se que a presente impugnação veio deduzida no seguimento do despacho de acusação proferido no âmbito do Processo de Inquérito n.º 58/13.2IDPRT, deduzido contra o ora Impugnante/Recorrente e contra as sociedades de que foi gerente de direito (cargo que, segundo se apurou, sempre exerceu de facto e em exclusividade), pela prática do crime de fraude fiscal qualificado, p. e p. pelos artigos 103.º n.º 1 als. a) e c) e 104.º n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), por no ano de 2011 ter integrado na contabilidade da sociedade “MP... Lda” e nas correspondentes declarações periódicas de IVA e declarações de rendimentos desta, diversas faturas emitidas a seu mando pelas sociedades “Mc…, Lda” e “MPP.., Lda.”, das quais era representante, que não tinham subjacente qualquer transação ou prestação de serviços.
B. Sendo que, a sociedade arguida “MP… Lda” obteve, através do seu representante legal, uma vantagem patrimonial indevida no montante global de € 91.086,90, correspondente ao imposto de IVA indevidamente deduzido.
C. Sucede porém que, importa em primeira linha aferir sobre a competência material do Tribunal e se as questões jurídicas suscitadas são suscetíveis de impugnação contenciosa atenta a competência jurisdicional dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
D. O n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 166/2009 – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) elenca os litígios cujo apreciação é da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
E. Determinando o n.º 2 da referida norma, designadamente na sua al. c), que “está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de: …/… c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões.” (sublinhado nosso)
F. Ora, atendendo aos factos e à matéria arguida na petição inicial, é inegável que estamos perante uma impugnação que emergiu do processo de inquérito, cuja matéria controvertida contende em exclusivo com matéria criminal.
G. Por outro lado, afigura-se-nos inusitado a alusão na petição inicial à notificação consagrada no n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na medida em que a mesma só tem lugar quando esteja em causa a prática do crime de abuso de confiança fiscal, o que, como vimos, não se verifica na situação sub judice.
H. Seja como for, uma vez que o Impugnante parece pretender arguir a nulidade da notificação prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, a sua falta ou a falta de fundamentação da mesma, deveria fazê-lo no âmbito do respetivo processo de inquérito, designadamente através do requerimento de abertura de instrução.
I. A notificação em causa, apesar de ser efetuada pela Administração Tributária no uso da competência delegada, nos termos do artigo 41.º do RGIT, não constitui qualquer ato tributário ou ato administrativo tributário, mas antes um ato judicial que compete em primeira linha ao Exmo. Magistrado do Ministério Público que detém a direção efetiva do inquérito.
J. Constitui, pois, uma das duas condições objetivas de punibilidade contidas no n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, concedendo ao arguido a possibilidade de, querendo, pagar o imposto em falta, que o próprio declarou à Administração Fiscal, acrescido dos juros respetivos e coima aplicável, beneficiando, assim, da extinção do procedimento criminal.
K. Matéria que o Impugnante deveria sempre arguir junto do Tribunal Judicial competente, que no caso seria o Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – 3.º juízo Criminal, onde corre/correu termos o Processo de Inquérito n.º 58/13.2IDPRT.
L. Aliás, este entendimento foi o acolhido no colendo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de , proferido no recurso n.º 0648/12, onde se pode ler que: “a notificação operada nos termos da al. b) do nº 2 do art. 105º do RGIT, mesmo que seja efectuada pelos Serviços da AT, insere-se no âmbito do próprio processo crime, valendo apenas para os efeitos aí previstos: se a quantia ali indicada for paga (e que haverá de corresponder à soma da prestação comunicada à AT através da respectiva declaração, dos juros respectivos e do montante da coima aplicável) os factos integradores do tipo de crime (abuso de confiança) não serão puníveis.
M. Tendo em conta a causa de pedir e o pedido patente da petição inicial, importa evidenciar que, tal como supra enunciado, a causa de pedir alegada e conducente à procedência da impugnação não é subsumível aos fundamentos previstos no artigo 99.º do CPPT,
N. Sobre este assunto veja-se, por todos, o acórdão do STA de 9/12/2009 – Proc. 0301/09 “O art. 4º, nº 1, al. d) do ETAF/84 exclui da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e ações que tenham por objeto “atos relativos ao inquérito e instrução criminais e ao exercício da ação penal”.

Termos em que,
deve ser declarada a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, motivo pelo qual a Fazenda Pública deverá ser absolvida da instância (cfr. artigos 99.º n.º 1, 576.º e 577.º al. a) todos do CPC e artigo 16.º do CPPT).
Com o que se fará como sempre JUSTIÇA.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação do despacho recorrido.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se o tribunal recorrido errou ao julgar inepta a petição inicial e indeferir liminarmente a petição inicial.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
F…, contribuinte nº 1…, residente na Rua…, Vilar do Paraíso, Vila Nova de Gaia, deduziu a presente impugnação judicial, contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo:
- reconhecer-se que a AT violou o exercício do direito de audição prévia, nos termos dos artigos 23º e 60º da LGT;
- reconhecer que a AT nunca notificou a representada do impugnante e o impugnante, nos termos e para efeitos do disposto no nº 4 do art. 105º do RGIT, declarando que a falta de notificação equivale, como referido, à falta de fundamentação, violando-se o disposto no art. 123º nº 2 al. d), art. 124º e 125º todos do CPA;
- declarar-se que os montantes de IVA e IRC reclamados pela AT não se encontram demonstrados e devidos, padecendo de erro;
- declarar-se que a notificação a que alude o disposto na alínea b) do nº 4 do art. 105 do RGIT deverá observar o disposto no art. 38º nº 5 e 6 e art. 192º todos do CPPT, o que não sucedeu no caso sub judice, determinando a respectiva nulidade;
- declarar-se que a “notificação” vertida, não se mostra fundamentada de facto e de direito, inquinando a mesma com nulidade insanável, por violação do disposto no art. 123º nº 2 al. d), art. 124º e 125º todos do CPA.
Para tanto, alega que corre termos contra o impugnante, o proc. nº 58/13.2IDPRT, da Instância Local, Secção Criminal de Vila Nova de Gaia, onde é acusado do crime de fraude fiscal qualificada, sendo que a AT imputa factos tributários ao impugnante, por si e na qualidade de legal representante das sociedades MP…, Lda, Mc…, Lda e Mpp…, Lda, sem concessão do direito de audição prévia e sem fundamentação.
Acresce que, no art. 51º da p.i., o impugnante refere que o “objecto da presente impugnação são as facturas 2011/06 nº 3, 4, 5, 6 e 2011/09 nº 7 e 3 e 2011/06 nº 4, 5 e 6 e 2011/09 nº 7”.
Convidado a esclarecer, concretamente, quais os actos tributários que visa atacar nesta acção, informou, a fls. 64 do proc. físico, que são as liquidações de IVA 06/2011 e 09/2011 e de IRC de 2011.
Subsistindo dúvidas sobre qual a sociedade que é sujeito passivo da liquidação, sob pena de indeferimento liminar, o impugnante nada veio dizer.
* * *
Dispõe o art. 552º, nº 1, al. d), do CPC que, na petição inicial, deve o autor formular o pedido, norma que dá concretização aos arts. 3º, nº 1 e 5º, nº 1, do mesmo diploma.
A noção de pedido está consagrada no art. 581º, nº 3, do CPC e corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da acção interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal (1).
A formulação do pedido, que vai determinar o desenvolvimento da instância e que circunscreve o âmbito da decisão final, é uma necessidade que resulta, além do mais, da consagração do princípio do dispositivo que faz impender sobre os interessados que recorrem às instâncias judiciais o ónus de delimitação do objecto da lide.
Não basta, contudo, formular o pedido. A lei impõe, igualmente, que o pedido seja apresentado de modo claro e inteligível e que seja preciso e determinado.
Analisando o pedido formulado pelo impugnante, constata-se que apenas um deles é compatível com o processo de impugnação judicial: o que se encontra aduzido sob a al. c), sendo que se desconhece de que liquidações se trata, uma vez que o impugnante refere diversas sociedades e, tendo sido convidado a esclarecer qual o sujeito passivo de tais liquidações, nada veio dizer.
Por outro lado, indica, como objecto da impugnação, facturas que junta (art. 51º da p.i.).
Refere o art. 186º, nº 1, do CPC, que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
E acrescenta o nº 2, al. a) que “Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.
Tem entendido a jurisprudência que “a petição inicial deve ser interpretada, como qualquer articulado das partes, segundo os princípios comuns à interpretação das declarações negociais (a teoria objectivista da impressão do destinatário consagrada no artigo 236º do Código Civil) e das leis (depositados no artigo 9º do mesmo Código), isto é, de acordo com o sentido que um declaratário normalmente diligente pode e deve apreender dos seus termos verbais, postergando interpretações meramente ritualistas e formais, e que nesta matéria não pode deixar de seguir-se o princípio da utilidade dos actos, de modo a potenciar sempre que possível a emissão de pronúncias de mérito (...)” (acórdão do STA de 13.10.2010, recurso nº 0241/10).
«Não impondo a lei os termos ou expressões a utilizar na formulação do pedido, haverá que afastar a exigência de fórmulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis em tal matéria. Neste ponto, de exigir é apenas que o autor, depois de descrever a sua pretensão, expondo os respectivos fundamentos e objecto, exprima a vontade de que o tribunal actue em ordem a proferir uma sentença de conteúdo favorável à pretensão manifestada» - acórdão do STA, proferido em 14.3.2007, no processo nº 907/06.
Na situação vertente, constata-se que, efectivamente, o impugnante não indicou, com clareza, o objecto da impugnação judicial, sendo que, como ficou dito, o mesmo não se retira do contexto da petição inicial, sendo, igualmente, ininteligível o pedido formulado, uma vez que se desconhece quais as liquidações que pretende impugnar.
Conclui-se que o impugnante não observou a disposição contida no art. 108º, nº 1, do CPPT, que rege: “A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.
É, assim, evidente, que se mostra inviável aferir qual a pretensão do impugnante com a instauração desta acção, pelo que se verifica a ineptidão da petição inicial.
A ineptidão da petição inicial implica a nulidade de todo o processo e conduz à absolvição do réu da instância, nos termos dos artigos 186º, nº 1 e 2, al a), 278º, nº 1 al. b), 577º, al. b) e 576º, nº 2 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2º, al. e) do CPPT.
As custas serão suportadas pelo impugnante (cfr. art. 527º, nº 1 e 2, do CPC).
III Decisão:
Em consonância com o expendido e nos termos e disposições legais citadas, com fundamento em nulidade de todo o processo, decorrente da ineptidão da petição inicial, indefiro liminarmente a petição inicial.
(...)

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
F…, ora Recorrente, intentou impugnação judicial no TAF do Porto “com fundamento em nulidades” alegando desde logo nos arts. 1º, 2º e 3º da petição inicial que
“No âmbito dos Autos que correm termos na Comarca do Porto – VN Gaia – Inst. Local – Secção Criminal – J2, sob o número 58/13.2IDPRT, mostra-se lavrada Acusação contra o aqui impugnante, acusado do cometimento de um crime de fraude fiscal qualificado, p.p. pelo artigo 103º, n.º 1 al. a) e c) e 104º n.º 2 do RGIT, cfr doc. 1, que se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais” (art.º 1º)
Ao impugnante assiste legitimidade para a presente, nos ternos do disposto no artigo 9º do CPPT (artigo 2º);
A Autoridade Tributária imputa factos ao impugnante, por si, e na qualidade de legal representante das sociedades MP…, Lda. Mc… Lda. e Mpp…, Lda (artigo 3º)”

Finalizando a petição inicial com a seguinte formulação:

a) Reconhecer que a AT, violou o exercido do direito de audição prévia, nos termos dos artigos 23° e 60° da LGT.
b) Reconhecer que a AT nunca o notificou a representada do Impugnante e o Impugnado, nos termos e para os efeitos do disposto no n°.4 do art°.105 do RGIT, declarando que a falta de notificação equivale, como referido, à falta de fundamentação, violando-se o disposto no art°. 123, n°.2 alínea d), art°.124 e 125, todos do CPA.
c) Declarar-se que os montantes de IVA e IRC reclamados pela AT não se encontram demonstrados e devidos, padecendo de erro;
d) Declarar que, a notificação a que alude o disposto na alínea b) do n°.4 do art°. 205 do RGIT, deverá observar o disposto no art°.38 n°.5 e 6, e art°.192 todos do CPPT, o que não sucedeu no caso sub-judice, determinando a respectiva nulidade;
e) Declarar-se que a “notificação” vertida, não se mostra fundamentada de facto e de direito, inquinando a mesma com nulidade insanável, por violação do disposto no art°. 123 n°.2 alínea d), art°.124 e 125, todos do CPA.

O MMº juiz lavrou o seguinte despacho:
“Compulsada a petição inicial verifica-se que o autor “Intenta impugnação judicial com fundamento em nulidades”, referindo que o “o objecto do processo são as facturas....que se juntam” [ponto 51 da p.i.].
Resulta assim, que o impugnante não indica, concretamente, quais os atos tributários praticados cuja legalidade pretende ver apreciada, nem os delimita temporalmente.
Em face do exposto, notifique-se o impugnante para, no prazo de 10 dias, vir aos autos precisar quais as liquidações de imposto cuja legalidade pretende ver apreciada, delas juntando cópia” (fls. 60).
Respondeu o impugnante informando que “....a impugnação apresentada se reporta à liquidação de IVA de 6/2011 e 9/2011, bem como à liquidação de IRC do ano de 2011, não possuindo cópia das mesmas requerendo assim, a referente junção pelo competente órgão de execução fiscal” (fls. 64).

Por despacho de fls. 77 ordenou-se a notificação do impugnante para identificar
“... com precisão, quais os actos tributários/liquidações impugnados, indicando o imposto, montante, número e data de liquidação, devendo, ainda, informar, qual a sociedade que é sujeito passivo da liquidação, sob pena de indeferimento liminar da impugnação, nos termos do art. 108º n.º 1 do CPPT”.

O Impugnante nada disse e o MMº juiz lavrou o despacho ora recorrido.

As conclusões de recurso não são claras. Refere que o acto de obrigação tributária nos termos e para efeitos do disposto no n.º 4 do art.º 105 do RGIT é emergente de uma relação jurídico administrativa e fiscal, e obedecerá a princípios e disposições de natureza administrativa”, indiciando, assim, que o que está em causa é um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º do RGIT, para cujo conhecimento o TAF não tem competência em razão da matéria.

Reitera, depois, que “...o objecto da presente impugnação são as facturas 2011/06 n.º 3, 4, 5 e 6 e 2011/09, n.º 7 e 3 e 2011/06 n.º 4, 5 e 6 e 2011/09 n.º 7”

E que “...visa atacar as liquidações de IVA 06/2011 e 09/2011, bem como a liquidação de IRC de 2011” concluindo ser “perfeitamente inteligível o pedido formulado, uma vez que se conhece quais as liquidações que pretende impugnar”.

Todavia, embora tenha mencionado as liquidações que visa atacar, não as identificou (não mencionou o seu número, nem juntou cópia das mesmas) nem identificou as sociedades a quem foram liquidados tais impostos, não obstante alegar no art. 3º da petição inicial que a “A Autoridade Tributária imputa factos ao impugnante, por si, e na qualidade de legal representante das sociedades MP…, Lda. Mc… Lda. e Mpp…, Lda (artigo 3º)” e ter sido expressamente notificado para o efeito.
Assim, incumpriu também o dever de identificar os impugnantes que o art. 78º/2-b) do CPTA (aplicável "ex vi" do art. 2º/d) do CPPT) exige.

Fruto dessa omissão, o pedido torna-se ininteligível pois a apreciação de um pedido terá necessariamente, que ser reportada a um sujeito em cuja esfera jurídica se repercutirão os respetivos efeitos. Não é concebível a formulação de um pedido em que desconheçam os sujeitos a quem aproveita a sua procedência, ou improcedência.

Para além dessa ininteligibilidade, pede-se ao TAF providências para as quais não tem competência material (o art. 105º do RGIT tipifica uma conduta criminosa, cuja apreciação não cabe aos TAFs como se extrai do disposto no art. 4º do ETAF) pelo que aparentemente, o TAF apenas seria competente para apreciação do pedido formulado na alínea c): “Declarar-se que os montantes de IVA e IRC reclamados pela AT não se encontram demonstrados e devidos, padecendo de erro”.

Todavia, sendo o TAF incompetente em razão da matéria para os restantes pedidos, estaríamos perante uma exceção dilatória de incompetência absoluta (art. 577º/-a) CPC) cuja consequência é a absolvição da instância, nos termos do disposto no art. 278º/1- a) CPC.

Mas até para extrair esta conclusão, teríamos primeiro de saber quem impugna o quê, uma vez que a petição inicial menciona quatro sujeitos, o ora Recorrente e três sociedades, sem que saibamos qual a liquidação que respeita a cada um dos sujeitos, nem se a questão criminal respeita a todos, ou não.

A verdade é que não obstante ter sido notificado expressamente para o efeito, o Impugnante demitiu-se de esclarecer estas questões [qual a sociedade que é sujeito passivo da liquidação].

Ou seja, afigura-se-nos que a improcedência da pretensão do impugnante é clara e razoavelmente indiscutível (2) perante a omissão de esclarecimento que foi expressamente chamado a prestar.

O conhecimento destes elementos que deveriam constar da petição inicial não garantiriam por si só o prosseguimento da ação. Teríamos ainda que saber se a ação é tempestiva e se o TAF é competente em razão da matéria para apreciar as questões que lhe são submetidas, o que parece não ser o caso.

O MMº juiz considerou inepta a petição inicial, qualificação que nos parece acertada, embora o Exmo. PGA no seu esclarecido parecer tenha defendido que ocorre, não a ineptidão da petição inicial, mas sim manifesta improcedência da ação, por não ter sido peticionada a anulação de qualquer acto tributário de liquidação.

A ineptidão da petição inicial ocorre quando a) falte ou seja ininteligível a indicação do pedido e da causa de pedir; b) o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (art. 186º do CPC).

A causa de pedir nas impugnações judiciais é integrada por qualquer um dos vícios previstos no art. 99º do CPPT, sendo a sua alegação em abstracto (3) suficiente para não julgar inepta a petição inicial.

A narração das ilegalidades imputadas aos actos tributários foi feita, pelo menos em abstracto com a alegação dos vícios de falta de fundamentação e falta de notificação e erro no apuramento das quantias a liquidar.

O que não sabemos é qual o vício relativo a cada liquidação e a cada sujeito. E não se pode dizer que todos os vícios respeitam a todas as liquidações e que estas respeitam a todos os sujeitos, porque pelo, menos, a liquidação de IRC não pode respeitar a pessoa singular (cfr. art. º 2º/1-a) CIRC), como é o caso do Impugnante, ora Recorrente.
Assim como desconhecemos quem foi o sujeito abrangido pela falta de notificação para efeitos do disposto no n.º 4 do art. 105º do RGIT (que não é da competência da AT nem pode ser objecto de apreciação pelos TAFs).

Tudo isso torna o pedido ininteligível, a nosso ver, e constitui fundamento de ineptidão da petição inicial.

Para além disso, como já referimos, os sujeitos processuais não estão devidamente identificados, como exigem os artigos 78º/2-b) do CPTA e 552º/1-a) do CPC.

Tal omissão é fundamento de rejeição pela secretaria (art. 558º/b) do CPC). Mas se assim não acontecer, o juiz profere despacho a convidar o autor a suprir a irregularidade (Art. 590º/3 do CPC - como foi feito).

Se a irregularidade não for suprida, deve o articulado ser rejeitado por nulidade de todo o processo, por analogia com o art. 193/1 do CPC (atual artigo 186º) (4), o que constitui uma exceção dilatória (art. 576º/2 e 577º/1-b) do CPC), conducente à absolvição da instância (art. 278º/1-b) do CPC), todos aplicáveis "ex vi" do art. 2º/e) do CPPT.
Ou seja, também por esta razão, se imporia o julgamento de ineptidão da petição inicial, embora neste último caso, por analogia.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 11 de outubro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

(1) Geraldes, António Santos Abrantes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, 1º volume, 2ª edição, Almedina, p. 119.
(2) Ac. do STA n.º 0509/13 de 06-03-2014 Relator: PEDRO DELGADO
Sumário: I - Nos termos do disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente por força dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do CPPT, admite-se a possibilidade de recorrer do despacho de indeferimento liminar proferido em processo de oposição à execução fiscal, ainda que o processo tenha valor inferior à alçada.
II - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
III - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
(3) Ac. do STA n.º 0130/07 de 21-03-2007 Relator: BAETA DE QUEIROZ
Sumário: I - A falta de causa de pedir cominada com a ineptidão da petição inicial afere-se em abstracto – ausência de alegação de factos que sirvam de fundamento à acção –, e não em concreto, face à forma processual utilizada – falta de indicação de factos capazes de servir de fundamento no meio processual escolhido.
(4) Assim, Lebre de Freitas e outros in Código de Processo Civil anotado, vol. II, 2ª edição, Coimbra Editora, pp. 274 e 382.