Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00006/10.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P; CASO JULGADO;
REMUNERAÇÕES EM PERÍODO DE BAIXA MÉDICA; DUPLO PAGAMENTO; LIMITES; ARTIGOS 319º E 320º DA LEI 35/2004 DE 29.07.
Sumário:1. Só se verifica a excepção de caso julgado quando estamos perante uma repetição da causa, ou seja, quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artigo 581º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (de 2013, aplicável no tempo ao caso).

2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, o que não é o caso de uma acção intentada contra o Fundo de Garantia Salarial e outra intentada contra o Instituto da Segurança Social, I.P., sendo entidades públicas autónomas, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04.

3. O pagamento pelo sistema de protecção social de remunerações no período de baixa por doença e pelo Fundo de Garantia Salarial relativamente ao mesmo período de tempo traduziria um duplo pagamento, não justificado.

4. O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites ao montante global pago.

5. O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, conforme resulta do disposto nos artigos 319º e 320º da Lei 35/2004 de 29.07, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo. *
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MPP
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
MPP veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão de 12.05.2011 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial que o ora Recorrente moveu ao Fundo de Garantia Salarial, visando a impugnação do despacho de 28 de Agosto de 2009 do Presidente do Conselho de Gestão deste Fundo, que deferiu parcialmente o requerimento do A. para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, aprovando o pagamento de €2.184,00 a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho e indeferindo os valores referentes aos subsídios de férias e de Natal de 2004 a 2008.

Invocou para tanto, e em síntese, que a decisão recorrida é nula por violar o caso julgado ou a autoridade de caso julgado; que por isso não pode desatender-se aos créditos laborais vencidos durante o período de baixa médica do Autor; que deve considerar-se os créditos vencidos antes do início do período de referência a que alude o artigo 319º nº 1 da Lei nº 35/2004, de 29.07; que o artigo 5º da matéria factual dada como provada não foi transcrito completamente.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I - O Autor, ora recorrente, não se conforma com a aliás douta sentença de fls. que, nos autos em epígrafe, julgou totalmente improcedente, por totalmente não provada, a acção, mantendo o acto administrativo impugnado e absolvendo o Réu Fundo de Garantia salarial dos pedidos.

II - O Tribunal apurou e apreciou incorrectamente a matéria de facto, cometendo, por isso, erro de apreciação dos factos e, ademais, incorreu em violação de diversas normas e princípios legais, por erro de interpretação e aplicação.

III - O Tribunal não valorou nem considerou devidamente os elementos factuais e documentais constantes dos autos, desde logo os referentes à anterior acção sumária para verificação ulterior de créditos laborais.

- B -

IV - Por apenso ao processo de insolvência da firma supra identificada (Apenso S da Insolvência nº 238/08.2TBMCN, 2º Juízo, do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses), o Autor em 09-04-2009 instaurou contra a Massa Insolvente de M... – Demolições e Terraplanagens, Lda, Credores da Massa Insolvente e a Devedora, M... - Demolições e Terraplanagens, Lda, acção sumária para verificação ulterior dos seus créditos laborais, nos termos do disposto nos artºs 146º e seguintes, maxime 146º, nº 1, e 148º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, invocando um crédito no montante de 8.872,50 €, do qual:

-2.229,50 €, correspondente às férias de 2004 a 2008 (até 25-10-2008).

-2.229,50 €, correspondente a subsídios de férias de 2004 a 2008 (até 25-10-2008).

-2.229,50 €, correspondente aos subsídios de Natal de 2004 a 2008 (até 25-10- -2008).

-e ainda 2.184,00 €, de indemnização por antiguidade devida à data de 25-10-2008 (4 anos x 1 (30 dias) x 546,00 €) (artºs 439º e 443º, do Código do Trabalho).

V - Regularmente citados, a Massa Insolvente, os Credores (de entre eles, o Instituto da Segurança Social, I. P., no qual se integra o aqui R. FGS) e a Devedora, não contestaram a acção de verificação ulterior de créditos, considerando-se, assim, porque não foram objecto de contestação ou impugnação, nos termos do preceituado no artº 146º do CIRE, reconhecidos, nos termos do artº 784º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artº 17º do CIRE, conforme ficou exarado na douta sentença proferida em 25-06-2009, transitada em julgado.

VI - De entre os factos constantes da p. i. da acção sumária, destinada à verificação ulterior de créditos, constava uma correcta identificação, justificação e quantificação factual do valor de 8.872,50€, devido ao Autor a título de férias, subsídios de férias e de Natal, e respectivos proporcionais, e de indemnização por antiguidade.

VII - Na acima identificada acção de verificação ulterior de créditos, os Réus (de entre eles, o Instituto da Segurança Social, I. P., no qual se integra o aqui R. FGS) confessaram, além do mais, serem devedores dessa quantia ao ora recorrente.

VIII - Consta do rol dos factos considerados provados, por confissão, da douta sentença da acção de verificação ulterior de créditos precisamente o mencionado valor da quantia global em dívida ao Autor pela firma ex-entidade patronal (artº 9º da respectiva P. I.), e os respectivos valores parcelares (onde se incluem as acima discriminadas quantias – artºs 7º e 8º), a data da admissão do Autor ao serviço (10-10-2004 – artº 2º), categoria profissional (artº 2º), valor da remuneração mensal base (artº 3º) e subsídio de alimentação – cfr. artº 3º) e a data em que cessou funções (25-10-2008, pois «tendo regressado ao trabalho, em 25-10-2008, foi declarado pelo Sr. A. I., o seu “despedimento, por extinção do posto de trabalho”, dada a situação de inactividade da entidade patronal, após a sentença de declaração da sua insolvência» - cfr. artº 5º da mesma P. I. e docº nº 38 anexo com a mesma).

IX - Tais factos não podem deixar de ser tidos em consideração, quer em sede da decisão do Fundo de Garantia Salarial, que recaiu sobre o requerimento que lhe foi apresentado pelo Autor, em 28-04-2009, para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho em virtude da insolvência (Mod. GS001 da DGSSS), que deferiu parcialmente o requerimento do Autor, aprovando o pagamento de 2.548,00€ a título de subsídio de férias de 2007, subsídio de Natal e indemnização por antiguidade, quer da decisão a proferir na presente acção administrativa especial instaurada contra o FGS, com vista a impugnar o despacho de 28 de Agosto de 2009 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, e no que respeita ao montante global do crédito a reconhecer ao ora recorrente.

X - O réu não tem, evidentemente, o dever de contestar. Tem, apenas, o ónus da contestação, isto é, a necessidade de assumir um comportamento de defesa para evitar a desvantagem consistente em, com a sua omissão, serem dados como provados, por admissão, os factos alegados pelo autor. (ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit., II, ps. 400-401). O que, inevitavelmente, se consuma.

XI - Não se verifica nesta questão qualquer situação de favor ou violação do princípio de igualdade de tratamento na medida em que a própria determinação do crédito do ora recorrente esteve sujeita a formalidades mais elaboradas e estritas do que as aplicadas aos demais créditos reclamados – a generalidade dos ex-trabalhadores e demais credores da insolvente procederam (assim, também, o Instituto da Segurança Social, I. P., no qual se integra o aqui R. FGS), à reclamação de créditos directamente ao Sr. Administrador da Insolvência nomeado no processo de insolvência, nos 30 dias seguintes à declaração da insolvência, nos termos dos artºs 128º e 129º do CIRE.

XII - Na medida em que a definição do crédito global do ora recorrente (assim como as rubricas e créditos parcelares que o fundamentam) passou previamente pelo CRIVO da citação dos requeridos (entre eles, a SEGURANÇA SOCIAL), que sobre o mesmo tiveram oportunidade de o contestar e não o fazendo, confessaram-no, incluindo-se nessa confissão a data da admissão do Autor ao serviço da insolvente, respectiva categoria profissional, valor da remuneração mensal base e subsídio de alimentação, a data em que cessou funções, os respectivos valores parcelares e global em dívida, e toda a demais facticidade que constou da respectiva p.i..

XIII - Atenta essa realidade, a mesma deve ser tida em conta em sede de decisão da presente acção e presente recurso jurisdicional.

XIV - A confissão feita pelos requeridos (decorrente da falta de dedução de contestação) relativamente à matéria de facto que fundamentou a respectiva acção, é extensível ou invocável no que respeita à definição dos valores parcelares e global dos créditos invocados pelo autor aqui recorrente, em sede da presente acção.

XV - Ora, salvo o mais elevado respeito, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a falta de contestação do Emº Administrador da Insolvência, Credores da Massa Insolvente e Devedora, na acção sumária, destinada à verificação ulterior de créditos, e se a mesma importa a confissão dos créditos alegados pelo credor/requerente na P. I., atento ao disposto nos artºs 146º e 148º do CIRE e artºs 784º e 480º do CPC, aplicáveis ex vi artº 17º do CIRE, e, na afirmativa, se constitui prova plena dos mesmos e pode valer dentro da presente acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, o que configura nulidade da sentença nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC.

XVI - Nulidade que se pretende ver reconhecida e declarada com os devidos efeitos legais.

XVII - Normas violadas pela douta decisão recorrida: artºs 146º e 148º do CIRE; artºs 784º e 480º, 228º, nº 1, 483º a 485º - maxime, 484º, nºs 1 e 3 -, do CPC, aplicáveis ex vi artº 17º do CIRE; 660º, nº 2, do CPC.

XVIII - Razão por que deverá colher resposta afirmativa a questão formulada.

- C –

XIX - Talvez por lapso, no ponto 5º da matéria de facto considerada relevante ficou exarado que “Em 28 de Abril de 2009, o A. requereu ao R., Instituto de Segurança Social, I.P., o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho - €2.184,00 a título de indemnização por cessação de contrato de trabalho - €2.229,50 referentes aos subsídios de férias e de Natal de 2004 a 2008 (cf. fls. 209 e 210 dos autos)”.

XX - Porém, no mesmo requerimento, conforme dele se alcança, e de conformidade com o peticionado e decidido na acção sumária, para verificação ulterior de créditos, o A. também peticionou ao R., Instituto de Segurança Social, I.P., o pagamento de 2.229,50 €, correspondente às férias de 2004 a 2008 (até 25-10-2008).

XXI - Consequentemente, ao amparo do disposto nos artºs 690º e 690º-A, do CPC, por constar de documento junto aos autos que não sofreu impugnação pela contra-parte, correspondendo à estrita expressão da realidade, tal como foi alegado e decidido na acção de verificação ulterior de créditos anteriormente instaurada pelo Autor / recorrente, acima identificada, deve proceder-se à modificação de tal ponto da matéria de facto relevante, passando a ter a seguinte redacção (ou semelhante):

“5.º - Em 28 de Abril de 2009, o A. Requereu ao R., Instituto de Segurança Social, I.P., o pagamento dos seguintes créditos emergentes de contrato de trabalho: -2.229,50 €, correspondente às férias de 2004 a 2008 (até 25-10-2008), -2.229,50 €, correspondente a subsídios de férias de 2004 a 2008 (até 25-10-2008), -2.229,50 €, correspondente aos subsídios de Natal de 2004 a 2008 (até 25-10-2008), -e ainda 2.184,00 €, de indemnização por antiguidade devida à data de 25-10-2008 (4 anos x 1 (30 dias) x 546,00 €) (cf. fls. 209 e 210 dos autos);”

XXII - Normas violadas pela douta decisão recorrida: artºs 342º, nº 1, 346º, 347º e 352º do CCivil; 523º, 655º e 659º, nº 3, do CPC.

XXIII - Razão por que deverá colher resposta afirmativa a questão formulada.

- D –

XXIV - Na acção sumária nº 238/08.2TBMCN, 2º Juízo (Apenso S da Insolvência), para verificação ulterior dos seus créditos laborais, nos termos do disposto nos artºs 146º e seguintes, o aqui Autor / recorrente, na qualidade de Autor, logrou obter a declaração judicial de reconhecimento do crédito peticionado, do montante de €8.872,50, “relativos a trabalho prestado à insolvente”.

XXV - E, na qualidade de Réus, a Massa Insolvente de M... – Demolições e Terraplanagens, Lda, os Credores da Massa Insolvente e a Devedora, M... – Demolições e Terraplanagens, Lda, foram condenados a reconhecer o Autor como credor do referido crédito peticionado, do montante de € 8.872,50.

XXVI - Naquela qualidade de Réus ficaram inibidos de, neste ou em outro processo, invocar factos instrumentais ou razões de direito não produzidas ou consideradas oficiosamente naquele processo, assim como ficou-lhes vedada a possibilidade de esgrimir outros meios de defesa, destinados a contrariar o já conhecido crédito do Autor que, naquela acção, a este foi reconhecido.

XXVII - Ou seja, a sentença proferida na acção sumária nº 238/08.2TBMCN, 2º Juízo (Apenso S da Insolvência), faz inquestionavelmente caso julgado, estando ao Réu Fundo de Garantia Salarial, vedado discutir, nomeadamente (mas não só) com o Autor, o direito que, naquela acção, a este foi reconhecido.

XXVIII - Embora nesta acção o Réu Fundo de Garantia Salarial, dirija o seu ataque, aos “subsídios referentes a anos de trabalho (não) efectivo” e à “parte dos créditos requeridos” (…) “vencidos em data anterior ao período de referência” (cfr. fls.: decisão final de indeferimento parcial; artº 14º da contestação; artº 3º das alegações do artº 91º, nº 4, da LPTA), o efeito visado por ele é, sem dúvida, pôr em causa o crédito do Autor (os valores parcelares e rubricas de créditos, e assim, o valor total do pedido reconhecido e declarado na sentença proferida nos identificados autos de verificação e reconhecimento, há muito transitada em julgado; os montantes dos créditos abrangidos pelo período de referência, rectius: qual deva ser considerada a data de vencimento dos créditos de férias, subsídios de férias e de Natal, serão analisados no âmbito da 4ª QUESTÃO colocada no presente recurso jurisdicional).

XXIX - O(s) qual(is), para ele, foi(ram) definitivamente fixado(s) e assente(s) na acção sumária nº 238/08.2TBMCN, 2º Juízo (Apenso S da Insolvência), cuja decisão, em boa verdade, confirmou, na sua integralidade, o teor substancial da facticidade contida na P. I. de reclamação. Se ao Réu Fundo de Garantia Salarial, fosse permitido, após a sentença que reconheceu ao Autor a titularidade do crédito em litígio, vir questionar a justeza e acerto do reconhecimento dos valores parcelares e rubricas de créditos que a contêm, mal ficaria, por um lado, o prestígio dos tribunais, colocados perante a hipóteses de retirar os alicerces a uma decisão judicial transitada e, ainda que indirectamente, definir de forma diferente uma situação concreta já judicialmente definida; e, por outro lado, mal ficaria também a certeza e segurança jurídica – grande parte da razão de ser da actividade dos tribunais – já que deixaria de haver quem, definitivamente, dissesse o direito.

XXX - Em suma, no caso dos autos, já foi proferida decisão definitiva no âmbito da acção referida, designadamente, de condenação dos Réus no reconhecimento dos créditos laborais relativos ao tempo de trabalho prestado a favor da insolvente, no montante de € 8.872,50 (decisão tal, constituindo-se como condição necessária, e mesmo imprescindível, a que o Autor pudesse reclamar ao Réu Fundo de Garantia Salarial, I. P., o respectivo pagamento). Foi definido o direito do Autor sobre os créditos em apreço. Por via dessa acção, ficou definida a questão dos montantes parcelares e global a que o Autor tem direito, a qual na presente acção administrativa especial não pode ser novamente julgada.

XXXI - Discorda-se, assim, da 1ª instância, e entende-se que a autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na acção sumária nº 238/08.2TBMCN, 2º Juízo (Apenso S da Insolvência), se estende à presente acção, já que vincula o Réu / recorrido e o inibe de vir agora levantar, ainda que em acção aparentemente distinta, uma tese já judicialmente afastada (não rebatida pelo Réu Instituto da Segurança Social, I.P., é certo, mas que o poderia e deveria ter sido, caso ali tivesse vindo apresentar contestação, o que não foi feito, não obstante a citação judicial efectuada).

XXXII - Tendo a sentença proferida naquela acção transitado em julgado, salvo o mais elevado respeito, o Tribunal a quo também não se pronunciou sobre a autoridade e força de caso julgado, e se a força do caso julgado se estende ao aqui Réu/recorrido, Fundo de Garantia Salarial, e se existe autoridade de caso julgado com o efeito positivo de impor a primeira decisão, o que configura nulidade da sentença nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC.

XXXIII - Normas violadas pela douta decisão recorrida: artºs 671º, nº 1, 497º, 498º, 672º e 673º do CPC.

XXXIV - Razão por que deverá colher resposta afirmativa a questão formulada.

- E –

XXXV - Não se coloca em dúvida que o Autor esteve na situação de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no período de 09-04-2006 a 24-10-2008 (fls. 154 a 159, 207 e 208 dos autos) – o próprio Autor / recorrente o alegou e documentou (cfr. artºs 4º e 5º da P. I.).

XXXVI – Todavia, não pode olvidar-se o já acima aduzido e analisado nas QUESTÕES 1ª e 3ª e as conclusões aí aduzidas, quais sejam:

1) a falta de contestação na acção sumária, para verificação de créditos laborais, instaurada pelo Autor / recorrente, acima identificada, importa confissão dos créditos parcelares e global aí reclamados, constituindo prova plena dos factos aí articulados e dos créditos aí reclamados e reconhecidos, valendo dentro da presente acção administrativa;

2) tendo a sentença proferida naquela acção transitado em julgado, a força do caso julgado estende-se ao aqui Réu/recorrido, Fundo de Garantia Salarial, existindo autoridade de caso julgado, com o efeito positivo de impor a primeira decisão.

XXXVII - Os créditos reclamados de férias, subsídios de férias e de Natal, encontram-se já judicialmente reconhecidos, porque confessados, por sentença transitada em julgado, com força e autoridade de caso julgado, não mais podendo ser controvertidos.

XXXVIII – Tão-pouco está demonstrado nos autos que o Autor / recorrente tenha beneficiado (que tenha efectivamente percebido) das prestações pecuniárias de subsídios de férias, de Natal ou outras de natureza análoga, ao abrigo do artº 4º, nºs 1 e 2, do DL nº 28/2004, de 4 de Fevereiro – a tal respeito, o signatário, amigo da verdade, pretende aqui e agora declarar que o ignora absolutamente, nem teve meios de averiguar junto do Autor -, e que o percebimento pretendido na presente acção administrativa importasse inadmissível duplicação de protecção social do Autor.

XXXIX – Do que tudo se concluirá, face ao disposto no artº 380º do CT/2003 (aqui aplicável) e artºs 316º a 326º da RCT, que o Autor / recorrente tem direito a exigir do Réu os créditos peticionados a título de férias, subsídios de férias e de Natal, e respectivos proporcionais, que se venceram desde 14 de Agosto de 2007 (a data mais distante do período de referência a que se refere o nº 1, do artº 319º da RCT) até 25 de Outubro de 2008, data da cessação do contrato de trabalho, por despedimento do Sr. Administrador da Insolvência, dada a situação de inactividade da entidade patronal, após a sentença de declaração da insolvência –cfr. artºs 4º a 7º da P. I..

XL – De salientar que aquando da notificação da contestação dos Réus, o Autor nada veio dizer aos autos apenas porque na acção administrativa especial não há lugar a réplica ou tréplica (Vide Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9ª edição, p. 321).

XLI – E, também, o Autor não apresentara reclamação administrativa da decisão final, pela simples razão de que a tal não estava obrigado, tendo optado pela sua impugnação judicial, o que foi feito, através da competente acção administrativa especial.

XLII – Não se conformou, portanto, com tal decisão negatória dos seus legítimos direitos e interesses, nem com os seus fundamentos.

XLIII – Normas violadas pela douta decisão recorrida, por erro de interpretação e aplicação: artº 380º do CT/2003 (aqui aplicável) e artºs 316º a 326º da RCT; 319º, nº 1, da RCT.

XLIV - Razão por que deverá colher resposta afirmativa a pretensão de pagamento formulada, nos limites expostos.


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II – Matéria de facto.

Relativamente à reclamação do Autor quanto ao teor do 5º facto dado como provado, arguindo a sua incompletude por não reproduzir todo o facto alegado pelo Autor na petição inicial, tem aquele inteira razão, o que só pode dever-se a lapso, que se corrigirá no lugar próprio da matéria de facto dada como provada.

Assim, com interesse para a decisão do objecto da presente lide, julgam-se provados os seguintes factos:

1.º - O Autor foi trabalhador da firma “M... – DEMOLIÇÕES E TERRAPLANAGENS, LDA.” no período de 10.10.2004 a 24.10.2008 (cf. fls. 207 e 208 dos autos e fls. 55 e 59 do processo administrativo).

2.º - O Autor esteve na situação de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no período de 09.04.2006 a 24.10.2008 (cf. fls. 166 a 197 dos autos).

3.º - Em 14.02.2008 foi instaurada a acção declarativa sob a forma de processo especial de insolvência contra a firma “M... – DEMOLIÇÕES E TERRAPLANAGENS, LDA.”, que correu termos no Tribunal da Comarca de Marco de Canavezes, 2.º Juízo, sob o n.º 238/08.2TBMCN, que veio a ser declarada insolvente pela sentença de 17.03.2008 (cf. fl. 152 dos autos e fl. 59 do processo administrativo).

4.º - O Autor requereu em 09.04.2009 por apenso ao processo de insolvência da firma supra identificada a verificação ulterior dos seus créditos, que foram reconhecidos pela sentença de 25/06/2009 no valor de €8.872,50 (cf. fls. 154 a 159, 207 e 208 dos autos).

5.º - Em 28.04.2009, o Autor requereu ao Réu o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho - €2.184,00 a título de indemnização por cessação de contrato de trabalho - €2.229,50 referentes aos subsídios de férias e de Natal de 2004 a 2008 - €2.229,50 referentes às férias de 2004 a 2008 (cf. fls. 209 e 210 dos autos).

6.º - O requerimento do Autor foi deferido parcialmente pelo despacho de 28 de Agosto de 2009 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que assegurou o pagamento do crédito de €2.184,00 relativo a indemnização por cessação de contrato de trabalho, fundamentando da seguinte forma:

«(…)

- Só foram registados subsídios referentes a anos de trabalho efectivo.

- Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção (insolvência…) previsto no n.º 1 do artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29 de Julho.» - (cf. fls. 151 dos autos) - acto impugnado.


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III - Enquadramento jurídico.

1. O caso julgado.

Só se verifica a excepção de caso julgado quando estamos perante uma repetição da causa, ou seja, quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artigo 581º nº 1 do Código de Processo Civil de 2013.

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, o que não é o caso, pois que o Fundo de Garantia Salarial não se confunde com o Instituto da Segurança Social, I.P. – artigo 581º, nº 2, do Código de Processo Civil de 2013, sendo entidades públicas autónomas, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04:

No novo regime, o FGS continua a surgir como um fundo autónomo que não integra o âmbito de proteção social garantido pelo sistema de segurança social, antes com este se relacionando, quer pela via de parte do seu financiamento, quer pela via da sua gestão entregue ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.).”

Há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

Ora, no apenso da acção de insolvência pretendeu-se obter o pagamento dos créditos laborais do produto da venda da massa falida da sociedade julgada insolvente e na presente acção pretende obter-se o pagamento dos créditos laborais do Fundo de Garantia Salarial (FGS), que nada tem a ver com a referida massa falida – artigo 581º, nº 3, do Código de Processo Civil de 2013.

Há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, podendo conceber-se no caso como parcialmente coincidentes os factos jurídicos que fundamentam as duas acções, já que os créditos pedidos numa e noutra acção são os mesmos, e a insolvência da referida sociedade está na base das duas acções, mas os requisitos de uma e outra acção não coincidem integralmente – ver artigos 319º e 320º da Lei nº 35/2004, de 29.07, e artigo 581º, nº 4, do Código de Processo Civil de 2013.

Assim, por falta de identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir, julga-se improcedente a arguida excepção dilatória de caso julgado.

2. Da autoridade de caso julgado.

Importa agora proceder à distinção dos conceitos de excepção do caso julgado e de autoridade do caso julgado.

Sobre esta problemática, discorreu Miguel Teixeira de Sousa, em «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material» in BMJ n.º 325 pág. 49 e segs em que distingue os apontados conceitos da seguinte forma:

Quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade do caso julgado material do processo subsequente; quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva com excepção do caso julgado” (cf. página 171).

Mais adiante acrescenta:

A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior” (cf. página 176).

Quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (cf. página 179).

Esta distinção tornou-se pacificamente aceite pela jurisprudência, como são exemplo, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.1994, BMJ 433-515 e de 06.03.08, processo n.º 2008036004022 onde se decidiu:

A excepção de caso julgado tem por fim evitar a repetição de causas e os seus requisitos são os fixados no art. 498º do CPC: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A autoridade de caso julgado, diversamente, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que se aludiu, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.” (cf. no mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.01.1997, Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, página 24.)

De salientar pela sua clareza sobre esta distinção o acórdão da Relação de Guimarães, de 05.02.2009, na Colectânea de Jurisprudência, tomo 1, pág. 301 e segs. onde se decidiu:

“ – Se no processo subsequente, nada de novo há a decidir relativamente ao decidido no processo procedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente …) verifica-se a excepção do caso julgado;

- Se pelo contrário do objecto do processo procedente não abarca esgotantemente o objecto do processo subsequente e neste existe extensão não abrangida no objecto do processo precedente ( …) ocorrendo porém uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois objectos, verifica-se a autoridade do caso julgado.”

Na presente acção não se verifica essa relação de dependência ou prejudicialidade entre o seu objecto e o objecto do apenso de reconhecimento e verificação de créditos da insolvência.

Os requisitos legais impostos ao Fundo de Garantia Salarial para responder por créditos laborais de trabalhadores ao serviço da insolvente não são os mesmos impostos por lei para reconhecer esses créditos laborais numa acção de insolvência.

Para o primeiro caso rege a Lei nº 35/2004, de 29.07, para o segundo caso rege o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.

Ora, como é actualmente entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, o caso julgado, como excepção e autoridade, não abrange, apenas, a parte decisória da sentença ou despacho, abrange também os fundamentos (de facto e de direito) pressupostos da parte dispositiva.

Como escreve Teixeira de Sousa, em “Estudos Sobre o Processo Civil”, pág. 578 “não é a decisão, enquanto silogismo judiciário que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo no seu todo.”

Neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.05.1996, Colectânea de Jurisprudência (STJ) Tomo II, p. 55 e de 13.07.2010 proferido no processo n.º 464/05.6TBCBT-C.G1.S1 que decidiu:

Na perspectiva do respeito pela autoridade do caso julgado, isto é, da aferição do âmbito e limites da decisão ou dos «termos em que se julga» (art. 673º CPC de 1995), entende-se que a determinação dos limites do caso julgado e sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.”

Assim, nem como excepção do caso julgado, nem como autoridade do caso julgado, nos termos dos artigos 619º e 621º do Código de Processo Civil de 2013 procede a invocação do Autor, para além de que o Fundo de Garantia Salarial não interveio no dito apenso e tem agora direito a apresentar a sua defesa, por se tratar de uma pretensão nova e diferente que lhe é oposta.

Pelo exposto julga-se improcedente a autoridade de caso julgado invocada pelo Autor.

3. O período de baixa médica do Autor; o vencimento de créditos neste período.

A resposta a esta questão apresentada na decisão recorrida é judiciosamente correcta, pelo que a transcrevemos a ela aderindo integralmente:

«…no que tange aos créditos abrangidos pelo período de referência (14/08/2007 a 14/02/2008), ou até mesmo aos créditos vencidos após o referido período (cf. artigo 319.º, n.º 2, do RCT) - sem esquecer que o limite dos créditos assegurados pelo FGS é até ao montante equivalente a seis meses de retribuição (cf. artigo 320.º, n.º 1, do RCT) - não podem os mesmos ser abonados ao A., já que, dizem respeito a supostos subsídios que se venceram num período não efectivo de trabalho, pois, como se viu já pelo probatório, o Impetrante esteve na situação de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença no período de 09/04/2006 a 24/10/2008.

Ora, estando o A. durante todo aquele tempo na situação de doença, passou então a beneficiar do sistema de “protecção social na eventualidade doença no âmbito do subsistema previdencial”, que se efectiva mediante a atribuição de subsídio de doença, segundo o artigo 4.º, n.º 1, do DL n.º 28/2004, de 04/02. Mas não só. Este sistema de protecção garante igualmente a atribuição de “prestações pecuniárias compensatórias de subsídios de férias, de Natal ou outros de natureza análoga”, conforme decorre do n.º 2, do mesmo comando legal. Deste modo, caso o FGS viesse a assumir o pagamento dos subsídios de férias e de Natal do período de referência ou até mesmo os posteriores, dar-se-ia uma duplicação inadmissível de protecção social ao Autor»

Na verdade pagamento pelo sistema de protecção social de remunerações no período de baixa por doença e pelo Fundo de Garantia Salarial relativamente ao mesmo período de tempo traduziria um duplo pagamento, não justificado.

4. Os créditos laborais vencidos antes do início do período de referência a que alude o artigo 319º, nº 1, da Lei nº 35/2004, de 29.07.

O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites ao montante global pago.

São as seguintes as normas com relevo para apreciação da validade do acto impugnado:

Do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03, consta, sobre o “Fundo de Garantia Salarial”:

“Artigo 316.º

Âmbito

O presente capítulo regula o artigo 380.º do Código do Trabalho.

Artigo 317.º

Finalidade

O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 318.º

Situações abrangidas

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.

2 - O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro.

3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4.º e 9.º, respectivamente, do Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.

4 - Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:

a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;

b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento.

Artigo 319.º

Créditos abrangidos

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.

Artigo 320.º

Limites das importâncias pagas

1 - Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.

2 - Se o trabalhador for titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição.

3 - Às importâncias pagas são deduzidos os valores correspondentes às contribuições para a segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que forem devidos.

4 - A satisfação de créditos do trabalhador efectuada pelo Fundo de Garantia Salarial não libera o empregador da obrigação de pagamento do valor correspondente à taxa contributiva por ele devida.”

O período de referência a que alude o artigo 319º nº 1 da referida Lei ocorreu entre 14.08.2007 e 14.02.2008, já que o processo de insolvência foi instaurado em 14.02.2008.

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.10.2015, no processo 00066/12.0 BRG, do qual o ora relator foi subscritor:

A jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição administrativa tem vindo reiteradamente a entender que no caso da entidade empregadora vir a ser judicialmente declarada insolvente o Fundo de Garantia Salarial assegurará os créditos salariais que se hajam vencido nos seis meses que antecederam a data de propositura da ação de insolvência ou da data de entrada do requerimento relativo ao procedimento de conciliação (previsto no DL n.º 316/98)- cfr. Acs. do STA de 17.12.2008 - Proc. n.º 0705/08, de 04.02.2009 - Proc. n.º 0704/08, de 07.01.2009 - Proc. n.º 0780/08, de 10.02.2009 - Proc. n.º 0820/08, de 11.02.2009 - Proc. n.º 0703/08, de 25.02.2009 - Proc. n.º 0728/08, de 12.03.2009 - Proc. n.º 0712/08, de 25.03.2009 - Proc. n.º 01110/08, de 02.04.2009 - Proc. n.º 0858/08, de 10.09.2009 - Proc. n.º 01111/08; de 10.09.2015, Processo n.º 0147/15, todos disponíveis inwww.dgsi.

Importa ainda ter presente que o âmbito de abrangência do art.º 319.º, nº1 da Lei n.º 35/2004, nos termos em que a jurisprudência nacional o tem entendido, foi considerado como não violador da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, por Acórdão do TJUE de 28/11/2013, proferido no Processo n.º C-309/12, que fixou o seguinte entendimento: “A Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva” – cfr. Acórdão do TCAN de 14.02.2014, processo n.º 00756/07.0BEPRT.

Assim, é inequívoco que o Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento, até determinado montante, dos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua cessação que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso. Ou, caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no n.º1 do art.º 319, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1, do artigo 320.º, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência (conforme n.º 2 do art.º 319.º).

Em conclusão, é pacífico, e a jurisprudência nacional tem-no reiteradamente afirmado, que o momento que releva para determinar se os créditos reclamados pelo trabalhador ao Fundo de Garantia Salarial se encontram dentro do prazo de abrangência de 6 meses estabelecido no art.º319.º, n.º2 da Lei n.º 35/2004, é o momento do vencimento dos créditos laborais e não o trânsito em julgado da sentença proferida com vista ao seu reconhecimento judicial.

Nesse sentido, veja-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 11/11/08, no processo n.º 0858/08 onde se afirma que «uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação; outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha»

Como tal, apenas se mostra necessário que os créditos salariais reclamados ao Fundo de Garantia Salarial sejam exigíveis, e como afirma Galvão Teles, in “Direito das Obrigações”, 5.ª Edição, pág. 217: «A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do momento em que a obrigação deve ser cumprida)».

Conforme se sumariou no recente Acórdão do STA de 10.09.2015, processo n.º 0147/15:

«I - O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho “que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2.ºanterior " – art.º 319.º/1 da Lei 35/2004.

II - Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento».

Sublinhe-se, porém, que os créditos salariais, como a indemnização pelo despedimento, apenas se consideram vencidos a contar do trânsito em julgado de decisão judicial que os reconheça, conforme decorre do artigo 435.º do CT/03 (aplicável aos autos).”

O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo.

O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional, em concreto o princípio da igualdade, na sua vertente laboral – artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

Sendo este o nosso entendimento, é inequívoco que concordamos integralmente com a decisão recorrida, que vai no mesmo sentido que sustentamos.

Não merece, pois, provimento o presente recurso, impondo-se manter a decisão recorrida.


*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


Porto, 07.10.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro