Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00651/11.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/09/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Anabela Ferreira Alves Russo
Descritores:DISPENSA DE GARANTIA
MANIFESTA FALTA DE MEIOS ECONÓMICOS
PROVA
ART. 52º LGT
ART. 74º DA LGT
Sumário: I - É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia que incumbe alegar e provar que não é responsável pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (artigos 52.º, n.º 4, e 74.º, n.º 1, ambos da L.G.T.).
II - Sendo certo que a maior dificuldade de prova do facto a que alude o número anterior justifica uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, não é menos certo que tal se não pode, a final, reconduzir a uma dispensa ao executado de alegar as razões concretas dessa insuficiência ou inexistência de bens;
III - Se uma sociedade se limita a invocar o financiamento integral, como o capital de terceiros, de projecto no sector imobiliário de luxo, sem explicar o impacto dos respectivos encargos financeiros nos resultados globais de exploração, e a remeter para pressão financeira não mensurada, de outros credores da sociedade que também não identifica, e para a conjuntura desfavorável da economia nacional e até internacional, cujos reflexos no desenvolvimento do projecto, quer ao nível da construção quer do ritmo ou valor das vendas, nunca concretizou forçoso é concluir que não alegou factos suficientes para justificar a insuficiência de bens penhoráveis.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:R..., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
R… – Empreendimentos Imobiliários, S.A., n.i.f. … … …, com sede na Rua …, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação por si apresentada (a coberto do disposto nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante sob a abreviatura «C.P.P.T.»), e que teve por objecto o despacho proferido pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2 no processo de execução fiscal n.º 3182201001109561, que indeferiu o requerimento ali entrado em 22-10-2010 em que pedia a dispensa da prestação de garantia.
A rematar as alegações do seu recurso, apresentou as seguintes conclusões:
«1ª A Recorrente logrou demonstrar a manifesta falta de meios económicos susceptível de justificar a dispensa de prestação de garantia já que da documentação aduzida e do testemunho apresentado resulta claramente que a empresa apenas dispunha de um único activo, para venda no âmbito da sua actividade, cujo valor contabilístico era € 120.000.
2ª A Recorrente tem pendentes mais três processos de execução fiscal, cujo valor global em dívida é superior a € 900.000.
3ª Em 20 de Setembro de 2011, no âmbito do processo de execução fiscal nº 318220100119375 (IRC de 2006), cujo valor em dívida ascende a € 507.625,90, a administração tributária penhorou o único bem imóvel propriedade da Recorrente e que se encontra avaliado em cerca de € 120.000.
4ª Ao contrário da conclusão do Tribunal a quo o Resultado Líquido do Exercício (RLE) da Recorrente não foi positivo. Como decorre do Relatório e Contas do exercício de 2009, a Recorrente apurou no exercício de 2009 um resultado líquido do exercício (RLE) negativo de € 490.341,32, isto é, um verdadeiro prejuízo.
5ª Neste contexto, resulta claro que é manifesta a falta de meios económicos susceptível de justificar a dispensa de prestação de garantia, seja pela falta de bens susceptíveis de garantir o pagamento da dívida, seja pelo
6ª A Reclamante sendo uma sociedade comercial cujo objecto social consiste na “compra, venda, permuta e troca de prédios rústicos ou urbanos e construção de imóveis”, a venda de imóveis, activos por excelência de uma empresa com este objecto social, traduz-se no exercício normal da sua actividade.
7ª A Recorrente provou, como assume a Sentença ora recorrida, que adquiriu pelo valor de € 4.489.181,00 dois prédios urbanos (artigos matriciais … e …) e um rústico (artigo matricial …) contíguos situados na freguesia de Aldoar, Porto, com vista à construção de um empreendimento habitacional, localizando-se os referidos prédios junto à Avenida da Boavista e destinando-se a que a Reclamante actuasse no sector imobiliário de luxo.
8ª A Recorrente, provou ainda que para financiar a aquisição dos prédios e a construção do referido empreendimento contraiu uma linha de crédito junto do Banco Bilbao e Vizcaya Argentaria no valor de € 21.000.000, tendo sido constituída, a título de garantia a favor daquela instituição financeira uma hipoteca voluntária sobre o empreendimento.
9ª Isto é e em suma, quando confrontados os valores do capital social da Recorrente, os valores de aquisição dos aludidos prédios, assim como os custos de construção do empreendimento, com o montante da linha de crédito contratada, resulta evidente que a Recorrente se financiou integralmente ab initio para o desenvolvimento desta actividade.
10ª Neste contexto, fruto das circunstâncias económicas quer endógenas, quer, essencialmente, exógenas e transversais a todo o sector da construção, que afectaram os exercícios de 2006 a 2009, por maior que fosse o esforço, quer comercial, quer ao nível da gestão, os resultados apresentados pela Recorrente não poderiam ter sido diferentes daqueles que foram efectivamente apurados.
11ª Assim, a falta de bens penhoráveis decorre, efectivamente, não só da total alavancagem da actividade da Recorrente no financiamento bancário, mas também da própria actividade da sociedade vista obviamente de forma contextualizada, ou seja, integrada na conjuntura da economia nacional e internacional que penalizava e ainda vem penalizando em especial o sector de actividade da Recorrente.
12ª Algumas vendas dos lotes do empreendimento “Quinta da …” envolveram a permuta de outros bens imóveis que acabaram por ser vendidos pela Recorrente por um preço inferior àquele que tinha sido ficcionado pelas partes aquando da alienação dos lotes do empreendimento. Em rigor, este mesmo facto foi analisado pelos próprios serviços de inspecção tributária, que até questionaram a estratégia seguida pela Recorrente. Em resultado da referida acção inspectiva, verificaram os serviços de inspecção tributária que a Requerente não obteve qualquer ganho, nem tão pouco recuperou o valor da permuta, evidenciando sempre prejuízo.
13ª Perante a dificuldade para vender os imóveis permutados, em 31 de Outubro de 2008, a Recorrente celebrou um contrato-promessa de compra e venda de três imóveis à sociedade I…, ao abrigo do qual a Recorrente autorizou a Invictus a utilizar os meios publicitários necessários à comercialização dos imóveis em questão. Em contrapartida, e como resulta da Cláusula Quinta do contrato-promessa de compra e venda, aos imóveis em questão foi atribuído um valor global de € 930.000, valor este que decorre do facto do contrato incluir mais do que um lote do referido empreendimento, fazendo com que o valor unitário de cada lote seja inferior àquele que Requerente entendia como correcto / justo.
14ª A celebração do referido contrato-promessa assentou na necessidade, como acima se mencionou, da Recorrente de gerar liquidez financeira. Ora, admite a Recorrente que a venda dos imóveis permutados poderá ser classificada, do ponto de vista económico, como um negócio abaixo do seu padrão de exigência, porém, a Recorrente não poderia manter-se como proprietária daqueles bens até os conseguir vender por um preço superior ou igual à permuta, já que as suas obrigações financeiras e as enormes dificuldades que atravessavam os sectores imobiliário e bancário, impunham a necessária realização de liquidez financeira.
15ª Aliás, considerando que a Recorrente foi constituída com o capital social de € 5.000 e que se financiou integralmente junto a terceiros para poder desenvolver a sua actividade, liquidando as suas responsabilidades à medida que ia vendendo os imóveis construídos, torna-se evidente que não houve sequer, em momento algum, uma diminuição do seu património, porquanto as componentes activa e passiva do mesmo foram evoluindo em idêntico sentido e ao exacto ritmo do desenvolvimento normal da sua actividade, tendo em conta o contexto económico envolvente.
16ª Recorrendo ao relatório de inspecção junto aos presentes autos e cujas correcções estão na origem das alegadas dívidas de IRC de 2006 a 2008, a Recorrente obteve, após a alienação da totalidade dos lotes do referido empreendimento, um rendimento final de € 22.844.170. Sem prejuízo do alegado nos diversos processo judiciais em curso em que a ora Recorrente contesta as conclusões da administração tributária, com as correcções em questão o resultado do rendimento final obtido pela Recorrente com a alienação da totalidade dos referidos lotes ascende a € 25.649.170. Neste contexto, temos que entre o rendimento obtido e o valor pago ao BBVA sobraram somente € 4.649.170. Uma vez que, como resulta provado, o empreendimento “Quinta da Avenida” se enquadra nos imóveis de luxo, a diferença entre o financiamento obtido e o rendimento auferido é manifesta e claramente baixo.
17ª Acresce, ainda, que, ao longo de todo o processo de construção e alienação dos lotes do empreendimento, que se arrastou entre 2004 e 2009, o sócio da Recorrente teve que efectuar diversos e avultados empréstimos. Este mesmo facto consta do referido relatório de inspecção, onde é tratado como se se tratasse de uma dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores. Na verdade, atento os números em questão, a conclusão é diametralmente oposta, isto é, até 2008, o sócio da Recorrente tinha um saldo credor sobre esta no valor de € 1.100.795,79, daqui se retirando que os valores finais das alienações dos lotes do empreendimento “Quinta da Avenida” não permitiram à Recorrente fazer face às dificuldades financeiras que o mesmo apresentou, daqui resultando inequívoco que a manifesta falta de meios económicos decorre do normal exercício da actividade da Recorrente e do momento em que o mesmo foi levado a cabo.
18ª A especial dificuldade da prova de factos negativos impõe, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, no mínimo, e em casos como aquele que nos ocupa, a dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado.
19ª E no caso, como se demonstrou, a Recorrente logrou fazer prova suficiente.».
A Recorrida FAZENDA PÚBLICA não apresentou contra-alegações.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo - pelas razões já amplamente expendidas em recentes acórdãos proferidos por este Tribunal (para os quais remete), relativos às mesmas partes e em que as questões de facto e direito apreciadas são as ora colocadas para esta decisão - pela improcedência do recurso
Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos – «C.P.T.A.» – e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – «C.P.C.»), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.
II – O Objecto do Recurso
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo o já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões da alegação de recurso apresentadas, temos por seguro que, in casu, o objecto do presente recurso está circunscrito a duas questões: (i) saber se o Tribunal a quo errou no julgamento que realizou sobre a matéria de facto e (ii) se esse erro foi determinante no subsequente erro de julgamento em matéria de direito cometido na sentença recorrida por aí se ter concluído que não estavam reunidos os pressupostos a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (doravante L.G.T.) para a dispensa da prestação de garantia.
III – Os Factos
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fixou como relevante para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
A). Em 18/12/2010, pelo Serviço de Finanças do Porto 2 foi instaurada a execução fiscal n°31822010011091561 contra a sociedade ora reclamante para cobrança de dívida referente a IRC do ano de 2008, no valor global de €34.706,18.
B). Em 11/1/2011, a reclamante requereu ao Serviço de Finanças do Porto 2 a dispensa de prestação de garantia nos termos e com os fundamentos que melhor constam de fls. 165 a 168 que se dão por reproduzidos.
C). Com base na informação constante de fls. 235 a 237 cujo teor se dá por reproduzido, em 08/2/2011, foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe do SF do Porto 2:
“Concordo, pelo que indefiro o pedido de dispensa de garantia ao abrigo do artigo 52° da LGT. Não estando reunidas as condições para a suspensão da execução, nos termos do artigo 169° do CPPT, determino o prosseguimento dos seus termos, nomeadamente com a penhora do prédio urbano referido no ponto 6 da informação”.
D). Na informação referida em E) consignou-se, além do mais, o seguinte:
(...) 10- Os requisitos que a lei exige para isentar o executado da prestação de garantia são: - a prestação de garantia causar prejuízo irreparável ao executado; ou - manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescidos; e - a insuficiência ou inexistência de bens não ser da responsabilidade do executado.
11-(...) Relativamente aos dois primeiros requisitos referidos no ponto anterior, estamos perante requisitos alternativos, ou seja basta verificar-se apenas um dos dois.
12. No que concerne ao pressuposto “causar prejuízo irreparável ao executado”, traduz-se numa situação de diminuição dos proveitos resultantes da actividade desenvolvida pelo executado, deixando este de poder fazer face aos compromissos económico - financeiros de que depende a manutenção e desenvolvimento da actividade económica por si levada a cabo, podendo, em última análise determinar a interrupção dessa actividade.
13. O pressuposto “manifesta falta de meios económicos”, requisito alternativo ao supra referido, pressupõe que a prestação da garantia coloque o executado numa situação de carência económica, chegando mesmo a por em causa a sua subsistência, mesmo tratando-se de um pessoa colectiva, como é o caso no processo em apreço. O indício mais revelador da falta de meios económicos é a ausência de bens penhoráveis, sendo que, é de suma importância referir, que deve existir um nexo de causalidade adequado entre a manifesta carência económica e a insuficiência de bens, quando verificada.
14. O requisito referido no ponto anterior nunca poderia estar preenchido pois, como já foi anteriormente referido, a executada possui um prédio urbano.
15. Finalmente, de forma a terminar a análise dos pressupostos de que depende a dispensa de apresentação de garantia, falta referir o requisito da “irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens. “cabe referir que o pressuposto que agora se analisa, ao contrário dos anteriores, não é alternativo mas sempre de verificação necessária. O executado não poderá ter sido responsável pela eventual situação de insuficiência ou inexistência de bens. Deste modo, quando aplicamos este requisito a sociedades traduz-se na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representa na dissipação dos bens, podemos dar como exemplo os referidos no já mencionado Oficio - Circulado, o caso da catástrofe natural ou humana imprevisível, sendo que, fora estes casos a Administração Fiscal não reconhece a irresponsabilidade da sociedade. 16. Cabe ainda referir que do requerimento apresentado pelo executado tem de constar a prova da irresponsabilidade da sociedade na dissipação dos bens, segundo os arts. 74º, n° 1 da LGT e 324° do C. Civil Prova essa que o requerente não logrou apresentar. Presumindo-se, deste modo, a sua responsabilidade na inexistência de bens. (...)“- cfr. fls. 235 e 236 dos autos.
E). A presente reclamação foi apresentada em 24/02/2011- cfr. fls. 5 dos autos.
F). A ora reclamante é uma sociedade comercial, constituída em 04.01.2002, com a natureza jurídica de sociedade por quotas, com um capital social de € 5.000 e tem como objecto social a “compra, venda, permuta e troca de prédios rústicos ou urbanos e construção de imóveis”.
G). Mais concretamente, a actividade da ora reclamante tinha como objectivo a construção do empreendimento designado por “Quinta da …”, bem como a alienação dos imóveis pertencentes a esse empreendimento.
H). Através de escritura pública de compra e venda celebrada em 25/01/2002, a ora reclamante adquiriu, pelo valor de €4.489.181,00, três prédios; dois urbanos (artigos matriciais … e …) e um rústico (artigo matricial …°), contíguos, situados na freguesia de Aldoar, Porto, com vista a construção de um empreendimento habitacional, cfr. fls. 27 a 36 dos autos.
I). Os prédios referidos em H) localizam-se junto à Avenida da Boavista e destinavam-se a que a ora reclamante actuasse no sector imobiliário de luxo.
J). Com vista a obter o financiamento necessário para assegurar a aquisição dos terrenos e a construção do empreendimento, a ora reclamante contraiu uma linha crédito junto do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria no valor de € 21.000.000, tendo sido constituída, a título de garantia, uma hipoteca voluntária sobre o referido empreendimento a favor do Banco, cfr. fls. 36 a 70.
L). Do balanço analítico incluído no relatório de contas relativo ao exercício de 2009, consta um resultado líquido do exercício (RLE) da ora reclamante de €490.341,3- cfr. fls. 75 a 134 dos autos.
M). No exercício de 2009 a ora reclamante apresentou resultados transitados no valor de €370.530,91, cf. fls. 75 a 134 dos autos.
N). As contas 421 (terrenos e recursos naturais) e 422 (edifícios e outras construções) do balanço analítico incluído no relatório de contas relativo ao exercício de 2009, não têm qualquer registo, cf. fls. 82 dos autos.
O). A reclamante é proprietária de um bem imóvel sito na Perafita, com um valor patrimonial de € 117.390,00, cf. fls. 75 a 134 dos autos.
P). O imóvel referido em N) está registado contabilisticamente como existência e não como imobilizado corpóreo, cf. fls. 75 a 134 dos autos.
Q). A venda do imóvel referido em N) não chegou a concretizar-se por força da intervenção da Administração Tributária no âmbito dos processos de execução fiscal pendentes contra a reclamante.
Tendo-se ademais consignado que «não se provaram outros factos além dos supra referidos».
Na motivação da decisão de facto consignou o Tribunal recorrido que «formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como no depoimento da testemunha inquirida e no posicionamento assumido pelas partes nos seus articulados».
III – O Direito
Como deixamos supra consignada [ponto I – Objecto do recurso], a Recorrente pretende que este Tribunal modifique a decisão sobre a matéria de facto quanto à alínea “L)” dos factos provados na douta sentença que constitui objecto do presente recurso e que julgue que, in casu, face aos factos apurados, estão verificados os pressupostos legalmente enunciados relativos à dispensa de prestação de garantia peticionada.
Vejamos, pois, de per si, cada uma das questões, adiantando desde já que, conforme muito bem salientado pelo Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer, sobre esta matéria, mais precisamente sobre as mesmas questões e entre as mesmas partes, este Tribunal já se pronunciou recentemente pelo menos duas vezes (Acds. do TCAN de 24-10-2011 e 20-12-2011, respectivamente nos processos n.ºs 596.11.1BEPRT e 650/11.0BEPRT), em moldes que aqui acolhemos uma vez que, repita -se, não há, neste, qualquer traço de facto distintivo que, relevado que seja, determine julgar de forma distinta.
3.1. Da reapreciação da prova e alteração da matéria de facto
Enfrentemos então o primeiro fundamento do recurso e a questão que lhe está subjacente: deve ou não este Tribunal proceder à alteração da matéria de acto da alínea I do ponto II (probatório) ?
A Recorrente, como vimos, defende que sim, alegando que, contrariamente ao que consta da alínea em referência, do balanço analítico incluído no relatório de contas relativo ao exercício de 2009, consta um resultado liquido do exercício (RLE) da ora reclamante de €490.341,3 mas negativo e não positivo como aí se considerou.
Também já o dissemos e aqui reafirmamos: tem razão quanto a este ponto.
Efectivamente, resulta manifesto da simples leitura do balanço em causa e que consta dos autos que esse exercício foi, em termos de resultado, negativo pelo que não podia a M.mª Juiz ter deixado de o considerar como tal.
Afigura-se-nos porém, o que também tem vindo a ser salientado nos vários acórdãos a que vimos fazendo referência, que a forma como tal resultado surge em sede de matéria de facto constituirá mai um lapso de escrita e menos um erro de julgamento (e dizemos afigurando-se -nos porque a factualidade em evidencia nem sequer chega a ser valorada e/ou equacionada em sede direito pelo que a certeza da distinção entre lapso e erro de julgamento não é passível de ser efectuada).
O que, de todo o modo, não afasta a já reconhecida razão da ora Recorrente pelo que, considerando que dos autos constam todos os elementos de prova necessários à reapreciação da prova respectiva e ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do C.P.C. (aplicável ex vi do artigo 281.º do C.P.P.T.), decide-se alterar a alínea “L)” dos factos provados, da qual passará a constar:
«L) Do balanço analítico incluído no relatório de contas relativo ao exercício de 2009, consta um resultado líquido do exercício (RLE) da ora reclamante de € -490.341,32».
3.2. Estabilizada, nos termos preconizados pela Recorrente, a factualidade relevante, vejamos, então, agora, se também quanto à segunda pretensão lhe assiste razão, isto é, se este Tribunal, distintamente do decidido na sentença recorrida, deve julgar reunidos os pressupostos a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária e consequentemente deferir o pedido de dispensa de prestação de garantia oportunamente formulado pela Recorrente.
Na sentença recorrida, após a realização de um breve enquadramento jurídico do litigio por referência ao seu objecto (e, ainda que de forma menos rigorosa, por referência ao alegado pela Recorrente, já que foram tidos em consideração alegações de facto apresentadas perante a Administração fiscal mas que posteriormente foram deixadas cair em sede de reclamação judicial, o que, naturalmente, não tem razão de ser), decidiu-se pelo indeferimento, em especial ou, pelo menos, com relevância atenta a reclamação deduzida, por «(…) dos elementos probatórios juntos aos autos não resulta, desde logo, demonstrado que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade da requerente, ora reclamante. Com efeito, a este nível, a ora reclamante nada provou, limitando-se a alegar que a sua situação económica e financeira não decorre da dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, mas sim, do exercício normal da sua actividade. Ora, como supra referimos, impunha-se que a reclamante fizesse tal prova (cfr., por todos, Acórdão do STA de 02.202.2011, Processo 016/11).»
É, pois, com o assim decidido que a Recorrente se não conforma.
Mas, adiantemos desde já, sem razão.
Como ficou apreciado no Acórdão supra que aqui acolhemos, na esteira aliás da interpretação que a jurisprudência têm vindo unanimemente a assumir face a lei, os requisitos legais para a concessão dessa dispensa, que emanam do artigo 52.º, n.º 4, da L.G.T. podem ser enunciados do seguinte modo: por um lado, o prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia ou manifesta falta de meios económicos e, por outro, a irresponsabilidade do executado.
Todavia, sendo seguro que a Recorrente não invoca o prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia e que assenta a sua pretensão de dispensa de prestação da mesma tão só na manifesta falta de meios económicos e no facto de não lhe ser imputável a responsabilidade por tais meios se terem tornado insuficientes e que na sentença recorrida essa falta de meios também não foi questionada tendo-se, tão só, como supra deixamos transcrito, julgado a reclamação improcedente por a Recorrente não ter logrado demonstrar a sua falta de responsabilidade por essa falta ou insuficiência a este Tribunal apenas se impõe responder à seguinte questão: os factos avançados pela Recorrente e que foram dados como provados na douta sentença são ou não suficientes para concluir que não tem responsabilidades na insuficiência de bens?
A resposta a esta questão, num enquadramento inteiramente aplicável aos presentes autos, encontramo-la no Acórdão de 24-10-2010, que subscrevemos:
«A dispensa da prestação de garantia tem como propósito evidente a salvaguarda do interesse do executado nos casos em que se deva sobrepor ao interesse do Estado na cobrança da prestação tributária. Estipulou-se que tal sobreposição ocorre, em primeiro lugar, quando seja necessária à salvaguarda da sua integridade patrimonial, que não possa ser reposta pela eventual revogação ou anulação do acto. E, em segundo lugar, quando seja necessária à salvaguarda de um processo justo e equitativo, que não se poderia conceber se só pudesse aceder à suspensão do processo executivo quem tivesse meios para prestar a garantia.
Ter-se-á ponderado, no entanto (e no segundo caso, o único que aqui nos interessa abordar), que a demanda por um processo justo equitativo poderia redundar, afinal, numa profunda injustiça e iniquidade se por esta via pudessem ser tutelados os interesses de quem dissipou o seu património sem acautelar os interesses do credor Estado ou até com o propósito de frustrar a cobrança da prestação tributária. Porque não merecem ser acautelados os interesses patrimoniais de quem não se preocupa com os interesses patrimoniais dos outros ou até age deliberadamente contra eles.
A «responsabilidade do executado» a que alude a parte final do n.º 4, do artigo 52.º do C.P.P.T. é, por isso uma responsabilidade subjectiva, culposa. O executado será responsável pela insuficiência patrimonial se esta resultar de comportamento que lhe possa ser imputado e que pudesse e devesse ter evitado.
É seguro, no entanto, que é sobre o executado que recai o ónus de provar que não lhe é subjectivamente imputável a insuficiência de bens penhoráveis, isto é, que não tem culpa pelo facto de o património penhorável se ter tornado insuficiente para a garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Basicamente porque recai sobre quem invoca o direito o ónus de provar os factos constitutivos desse direito. E a inexistência de responsabilidade pela insuficiência patrimonial é um facto constitutivo do direito à dispensa de garantia – artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º 1, da L.G.T.
Este entendimento já foi firmado no douto acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. de 2008.12.17 (processo n.º 0327/08, com redacção integralmente disponível in www.dgsi.pt.). Com uma ressalva: atendendo à dificuldade acrescida da prova de factos negativos e considerando o princípio constitucional da proporcionalidade deverá haver «uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis de tal dificuldade não existisse», devendo, no mínimo, «considerar-se provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado».
Ressalvamos nós, no entanto, que este abaixamento de grau se reconduz à menor exigência probatória, e não a uma menor exigência na alegação concreta das causas da insuficiência ou inexistência de bens.
Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.
A Recorrente vinha invocando a irresponsabilidade pela insuficiência de bens penhoráveis com base nos seguintes indicadores: (1) financiamento integral do projecto com o capital de terceiros; (2) pressão financeira (encargos com o pagamento de juros) e dos demais credores da sociedade, que a levou a aceitar valores de alienação inferiores aos pretendidos no ano de 2006; (3) Conjuntura desfavorável da economia nacional e até internacional.
Exceptuado, no entanto, o recurso ao financiamento integral para a realização do projecto (onde se aludiu concretamente a um empréstimo no montante total de € 21.000.000,00, concedido em 2004.04.05), a Recorrente não forneceu dados concretos que permitissem confirmar externamente aqueles indicadores.
Nunca se fez alusão ao valor total dos encargos com o pagamento dos juros suportados (fosse em 2006 ou ao longo da execução de todo o projecto), às disponibilidades financeiras para lhes fazer frente e ao modo como a conjugação destes factores resultou numa pressão financeira para gerar resultados rapidamente. Nunca se fez alusão à identidade dos restantes credores, ao valor dos respectivos créditos, à data dos respectivos vencimentos ou a qualquer interpelação para o cumprimento das obrigações dos respectivos contratos. E nunca se fez alusão aos imóveis concluídos e vendidos naquele ano, ao valor por que foram colocados no mercado, ao valor porque se venderam, ao valor de mercado que então tinham, ao valor porque foram vendidos imóveis da mesma tipologia e do mesmo empreendimento e em anos subsequentes, à data em que ficaram concluídos e ao período de tempo que, eventualmente, estiveram em venda.
De concreto – de acordo com a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida e corrigida no ponto 2.2 supra – apenas sabemos que a Recorrente partiu para o projecto com uma linha crédito junto do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria no valor de € 21.000.000, tendo sido constituída, a título de garantia, uma hipoteca voluntária sobre o referido empreendimento a favor do Banco, e que chegou a 2009 com um resultado negativo de € 490.341,32.
Podendo assim dizer-se que a ora Recorrente não se acomodou apenas a uma menor exigência probatória no alijamento das responsabilidades pela insuficiência de bens penhoráveis, tendo-se também dispensado de alegar factos concretos essenciais que o Tribunal pudesse confirmar objectivamente e que pudessem validar essa conclusão. E quanto ao ónus de alegação não há razão para sermos menos exigentes, porque é a Recorrente quem está em contacto directo com a fonte produtora e quem tem realmente a obrigação de saber o que tinha, o que deixou de ter e a razão porque tal aconteceu. Sobretudo se levarmos em conta que estamos perante uma sociedade enquadrada no regime de contabilidade organizada.
E também não nos custa assumir, com toda a clareza e frontalidade, que uma sociedade que anuncia vendas de milhões de euros pelo menos nos anos de 2007, 2008 e 2009, não se pode limitar a encaixar no quadro macroeconómico e remeter para uma inefável crise do sector. Até porque, de acordo com o relatório de fiscalização junto aos autos, a actividade empresarial desenvolveu-se à volta da constituição de um loteamento em «localização de excelência na cidade do Porto (junto à Av. Da Boavista, perto do Parque da Cidade» (fls. 16 dos autos), para a construção de moradias, tendo como responsável pelo projecto de loteamento e arquitectura o Arq. Souto Moura, estando-se assim «perante um empreendimento de qualidade construtiva elevada» que a própria Recorrente enquadra «no sector imobiliário de luxo». E, à luz do mesmo critério de notoriedade a que apela a referência à crise do sector, também se pode dizer que é muito menos sentida no segmento de mercado em que se coloca.
Mas há mais: à luz dos critérios de justiça e de equidade que o legislador relevou para conceder a dispensa de garantia, não se pode tratar do mesmo modo quem foi toda a vida indigente e quem gravitou em negócios de milhões, transaccionado imóveis por valores de sete dígitos e contando com margem de comercialização declarada (segundo o relatório de fiscalização, fls. 45 dos autos) de 15,72% em 2006, 18,94% em 2007 e 41,74% em 2008. Bem vemos que a Recorrente se insinua como alguém que nunca teve nada de seu, porque recorreu a empréstimo avultado e trabalhou, por assim dizer, com dinheiro da Banca. Mas se é certo, porque nunca foi posto em causa, que a operação de loteamento se concretizou e gerou vendas em valores avultados e com margens de comercialização médias de 25% em três anos, é porque, em princípio, não foram rentáveis apenas para a Banca. Importaria, por isso, que se avançasse com uma explicação concreta e cabal para a situação financeira em que se apresenta e que não remetesse apenas, enfaticamente, para «circunstâncias económicas quer endógenas quer, essencialmente, exógenas e transversais a todo o sector de construção».
Razão pela qual a sentença destes autos, em tudo idêntica àquela, também não pode deixar de ser confirmada por nenhum juízo de censura, ou reparo, dever, em nosso entender, ser-lhe realizado.
V - Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em
Negar provimento ao presente recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 9-2-2012
Ass. Anabela Russo
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos