Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01278/17.6BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/27/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:RECLAMAÇÃO
CITAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A admissibilidade do recurso de decisões sobre reclamações de actos do órgão de execução fiscal segue as regras aplicáveis ao processo de execução onde foi praticado o acto reclamado.
II - Não há qualquer autonomia que possa retirar-se da lei, em matéria de admissibilidade de recurso para o processo de reclamação dos demais actos praticados pelo órgão de execução fiscal, face às regras legais aplicáveis a esse processo executivo.
III - Não se considera pessoalmente citado, ainda que presuntivamente, o executado por reversão a quem são enviadas, sucessivamente, duas cartas registadas com aviso de recepção para a morada por ele comunicada à entidade exequente se nada nos autos permite concluir que tenha sido deixado aviso ao destinatário para levantamento da carta que primeiro lhe foi dirigida.
IV - Nos termos do n.º 3 do artigo 48.º da LGT, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
V - É somente a relevância das causas de interrupção que se verifiquem apenas em relação ao devedor originário (e o consequente diferimento do termo do prazo que delas deriva) que é afastada em relação ao responsável subsidiário, se a sua citação não ocorrer até ao 5.º ano posterior ao da liquidação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

J..., contribuinte fiscal n.º 1…, com domicílio na Estrada.., em Lisboa, executado por reversão das dívidas da sociedade E…, S.A., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 21/04/2018, que julgou improcedente a reclamação formulada contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, proferido em 12-06-2017, no âmbito da execução fiscal n.º 0140200501022016, que lhe indeferiu a arguição de nulidade da citação e de prescrição, por si apresentada.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“a. O Recorrente não se conforma com a factualidade dada como não provada e considera que, atenta a prova documental e testemunhal produzida, devem ser acrescentados, como pontos 14 e 15 os factos provados descritos infra.
b. Quanto aos factos dados como não provados, considerou o Tribunal a quo que: “A correspondência postal a que se referem os pontos 6. e 7 supra não foi depositada no recetáculo postal do reclamante (…)”
c. Entende o Recorrente que da prova documental e testemunhal apresentada a conclusão alcançada pelo Tribunal mostra-se errada.
d. De facto, e por referência ao facto provado «5», o Tribunal a quo deu como provado que a correspondência referida no ponto que antecede foi devolvida ao remetente com as indicações:
“p.A. às 14:30 CC L… 250 11-12-13” e “objeto não reclamado” –fls. 194 e 194 vº do PEF”.
e. Porém, a informação prestada pelo distribuidor postal ao ser incompreensível é suscetível de permitir atropelos ao regime legal da notificação pessoal.
f. Na verdade, ao existir uma dúvida razoável quanto ao facto de ter sido deixado aviso no recetáculo postal, dando conta de que existiria correspondência para ser levantada, não se pode afirmar que essa correspondência foi devolvida ao remetente como «objeto não reclamado».
g. E, no caso dos autos, tanto mais que dos documentos juntos ao PEF a fls. 194 não consta como estando assinalado o campo «objeto não reclamado».
h. Adicionalmente, no facto 7) pode ler-se ““(…) Declaração – No dia 13-12-31 às 11:41 na Impossibilidade de Entrega depositei no recetáculo postal domiciliário na morada indicada a CITAÇÃO a ela referente. [ilegível] (assinatura) 150 (giro) 13-12-31 (data). – (fls. 204 a 205 vº do PEF apenso”.”.
i. Ora, quanto a este facto não pode o aqui Recorrente deixar de trazer aos autos a conclusão alcançada no âmbito do Processo n.º 1281/17.6BEAVR e que põe em causa a idoneidade das declarações prestadas pelo distribuidor postal.
j. Naquele processo o Tribunal deu como facto provado n.º 6 que constava do aviso de receção a seguinte declaração prestada pelo distribuidor postal: “No dia 13-12-31 às 11.41 Na impossibilidade de Entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a Citação a ela referente (…)”.
k. Ora, desde já se sublinhe o distribuidor postal é o mesmo em ambos os processos.
l. Porém, naquele processo, o Tribunal conclui que tanto a primeira carta, como a segunda carta dirigidas ao aqui Recorrente não foram dirigidas para a morada correta.
m. Não obstante, o distribuidor postal declarou (falsamente) que havia depositado as duas cartas no “recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a Citação a ela referente (…)”.
n. Ora, considerando que o distribuidor postal é o mesmo em ambos os casos, que a data em que as declarações são feitas por referência ao aqui Recorrente é precisamente a mesma, não pode o douto Tribunal deixar de questionar da veracidade da declaração constante nos presentes autos e daí extrair as necessárias consequências.
o. Ademais, face à prova testemunhal produzida e totalmente olvidada pelo Tribunal a quo teriam de ser dados como provados os seguintes factos, os quais foram, aliás, dados como provados no âmbito do acima referido Processo n.º 1281/17.6BEAVR :
14. Na Estrada…, em Lisboa, existem três prédios com o número [de polícia] 75, identificados respetivamente como n.º 75.º - A, 75.º - B, contíguos na mesma rua e 75.º - C, nas traseiras – cfr. depoimento da testemunha arrolada;
15. O prédio em causa [Estrada…, em Lisboa] é composto por dois blocos, A e B, sendo esses blocos interligados por um corredor grande com entrada de cada lado, junto às quais se encontram afixadas de um lado do corredor os recetáculos do correio das frações autónomas de cada bloco, havendo também uma prateleira destinada às correspondências para devolução (por não se destinar ao prédio ou ter sido depositado em recetáculo errado – cfr. depoimento da testemunha arrolada.
p. Quanto à matéria de direito, entende o Recorrente ser inequívoca a relevância que as declarações prestadas pelos distribuidores postais assumem no âmbito do regime legal da notificação pessoal.
q. Nesse sentido, e por referência à carta indicada no facto dado como provado «5» as declarações constantes da mesma são totalmente incompreensíveis.
r. Assim, não se pode extrair dessas declarações com uma margem razoável de segurança que a carta foi de facto colocada na esfera de cognoscibilidade do aqui Recorrente.
s. Ora, no caso dos autos, e em face dos elementos documentais constantes dos autos e, em especial, da prova testemunhal produzida nos autos, não se pode afirmar que a correspondência foi posta ao alcance do seu destinatário, ou seja, não se pode considerar ter havido um primeiro envio da citação.
t. E essa falta do primeiro envio da citação, implica necessariamente que a correspondência que o órgão de execução fiscal considerou como «segunda tentativa» de citação, e que consta dos pontos «6» e «7» do probatório, na verdade deveria ter sido a primeira tentativa.
u. Ou seja, deveria ter sido repetido o envio da primeira citação, por carta registada com A/R, só após podendo funcionar a presunção legal de citação.
v. Ora, não tendo tal sido feito, não se pode considerar o Recorrente citado da execução fiscal, por não ter sido cumprido o disposto no artigo 192.º, n.º 2 do CPPT.
w. Adicionalmente, e ainda que assim não se entendesse, sempre se diga que as declarações prestadas pelo distribuidor postal quanto à segunda citação não estão isentas de dúvidas.
x. Na verdade não pode o Recorrente olvidar que no dia 13 de dezembro de 2013, à mesma hora / giro, o mesmo distribuidor postal declarou ter depositado um conjunto de citações no recetáculo postal domiciliário do Recorrente.
y. Sendo que, no âmbito do Processo n.º 1281/17.6VEAVR, ficou demonstrado que o distribuidor postal declarou: “Na impossibilidade de entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a Citação a ela referente”.
z. Tendo ficado demostrado que a morada em que a citação foi depositada não corresponde à morada constante da própria citação.
aa. Ou seja, entende o Recorrente que as declarações prestadas pelo distribuidor postal no caso dos autos não merecem qualquer credibilidade.
bb. Tanto mais que, o depoimento da testemunha inquirida, a qual é vizinha do aqui Recorrente, sem prejuízo de não ter conhecimento concreto do que passou com os ofícios de citação dirigidos ao Recorrente, veio esclarecer como é composto o prédio sito na Estrada…e que o endereço em causa presta-se a muitos erros e extravios de correspondência, motivo pelo qual existe, inclusivamente, uma prateleira destinada às correspondências para devolução (por não se destinar ao prédio ou por ter sido depositado em recetáculo errado).
cc. O regime legal de citação do artigo 192.º do CPPT – que atribui manifesta relevância às declarações prestadas pelo distribuidor postal – não se compagina com as dúvidas suscitadas nos presentes autos em relação à atuação daquele desde logo por comparação com o sucedido no Processo n.º 1281/17.6VEAVR.
dd. E, a dúvida razoável existente quanto à atuação do distribuído postal, deve necessariamente ser valorada em beneficio do Recorrente.
ee. Tanto mais por, no entender do Recorrente, a determinação legal constante do artigo 190.º, n.º 6 do CPPT, segundo a qual cabe ao destinatário do ato (o aqui Recorrente) a prova de que não tomou conhecimento do ato por motivo que não lhe é imputável – que, no caso em apreço, foi efetuada pelo Reclamante – mostra-se ferida do vicio de inconstitucionalidade.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência ser revogada a sentença recorrida, assim se fazendo o que é de Lei e de Justiça!”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que não ocorreu a falta de citação do revertido e, consequentemente, que as dívidas exequendas não se encontravam prescritas.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
3.1. Atenta a prova documental produzida, com interesse para a decisão julga-se provados os seguintes factos:
1. Em 07-09-2005 foi instaurado, contra a sociedade E…, SA, no Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, o processo de execução fiscal n.º 0140200501022016, para cobrança coerciva de dívida de retenções na fonte de IRS de 2005, com prazos limite de pagamento de 20-05-2005 e 20-06-2005, no montante total de € 6.403,28 (fls. 1 a 6 do PEF apenso);
2. A devedora originária foi citada no processo a que se refere o ponto anterior por carta registada com AR, assinado em 26-09-2005 (fls. 2 do PEF apenso);
3. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, datado de 06-12-2013, que consta de fls. 181 a 183 v.º do PEF apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi determinada a reversão da execução, referida em 1., contra, além do mais, o aqui Reclamante;
4. Para citação do despacho a que se refere o ponto anterior foi enviado ao ora Reclamante, para a Estrada…, 1750-294 Lisboa, o ofício n.º 301693, de 09-12-2013, por carta registada com aviso de recepção, com data de 10-12-2013 (fls. 193 e ss. do PEF apenso);
5. A correspondência a que se refere o ponto anterior foi devolvida ao remetente, em 20-12-2013, com as seguintes menções: “p. A. às 14:30 CC L… 250 11-12-13” e “objecto não reclamado” (fls. 194 e 194 v.º do PEF apenso);
6. Através do ofício n.º 301781, de 30-12-2013, o qual tem aposta a menção “2.ª citação Art. 192 n.º 2 e 3 CPPT” e que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi novamente remetida a correspondência relativa à citação da reversão do ora Reclamante, a que se referem os pontos anteriores, para a Estrada…, 1750-294 Lisboa, por carta registada com aviso de recepção, com data de 30-12-2013 (fls. 204 a 205 v.º do PEF apenso);
7. Do aviso de recepção a que se refere o ponto anterior, devolvido ao remetente sem assinatura do destinatário em 02-01-2014, que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta a seguinte menção “Citação Via Postal 2ª Tentativa” e do verso o seguinte: “Declaração
No dia 13-12-31 às 11:41 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente.
[ilegível] (assinatura) 150 (giro) 13-12-31 (data)” (fls. 205 e 205 v.º do PEF apenso);
8. Em 22-12-2016 foi apresentado no Serviço de Finanças um requerimento do ora Reclamante, dirigido em Chefe do Serviço de Finanças, que aqui se dá por reproduzido, no qual arguiu a nulidade da citação e a prescrição, em termos, no essencial, idênticos aos da presente p.i., tendo arrolado as mesmas testemunhas (fls. 206 a 215 do PEF apenso);
9. Por despacho de 12-06-2017, do Chefe do Serviço de Finanças, foi indeferido o requerimento a que se refere o ponto anterior, tendo tal despacho o seguinte teor: “Revistos os autos e face à informação que antecede, verifica-se que contrariamente ao que defende o requerente, existe normativo específico no CPPT, quanto à forma de citação pessoal, nomeadamente no artigo 192.º, n.ºs 2 e 3, resultante das alterações legislativas operadas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, alterando o artigo 192.º onde passou a dispor no seu n.º 3 que a citação considera-se efectuada na data certificada pelo distribuidor postal, ou no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, num procedimento que é sim coincidente com aquele previsto no artigo 229.º n.º 5 do CPC.
No entanto, mostra-se fundamental referir que é do trecho presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, resulta claro que a intenção do legislador era a de que a citação levada a cabo poderia ser concretizada mediante depósito na caixa de correio do citando de elementos referentes à citação. E se a própria lei refere, expressamente, que quando um aviso é ali deixado tem como consequência que passados 8 dias o citando presumivelmente teve conhecimento desses elementos, não se vê como razoável se poderá entender que o depósito de uma carta de citação, sendo certificado pelo distribuidor postal, como um evento não previsto na lei e violador de formalismos legalmente exigidos.
Por outro lado, apreciando esta questão, evocar, como faz o requerente, a não aplicação do artigo 229.º do CPC, não se mostra pertinente, porquanto o regime previsto nas leis tributárias, no que a esta matéria respeita, é suficiente e adequado a prover fundadamente as ocorrências como aquela com que nos deparamos, ou seja, não há por isso necessidade de recorrermos ao que se dispõe no CPC, de aplicação supletiva de conformidade com o disposto no artigo 2º do CPPT.
De acordo com a parte final do n.º 3 do artigo 192.º do CPPT, cabe ao requerente, alegar e fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede, só ocorrendo falta de citação quando o destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato, por motivo que não lhe foi imputável, vide n.º 6 do artigo 190.º do CPPT.
No que se refere a este assunto, o requerente apresenta como prova, duas testemunhas, cuja inquirição requer. Contudo, considero dispensável a sua inquirição, uma vez que não se lobriga que o seu testemunho prove um facto negativo, face às provas existentes nos autos e que se encontram em consonância com o prescrito na lei.
No que concerne à invocação da prescrição, como foi exposto na informação que antecede, à data da citação, a dívida em questão encontrava-se dentro do prazo da prescrição (8 anos), previsto no art. 48.º da LGT, interrompendo e iniciando novo prazo de prescrição 2013-12-18 (data da citação) para o responsável subsidiário, quer para a originária devedora.
Face ao exposto, tendo sido praticado um acto de citação com observância dos requisitos previstos na lei, e assim não enferma de qualquer irregularidade, indefiro o pedido do requerente por falta de fundamentação legal.” (fls. 218 do PEF apenso);
10. O despacho supra foi enviado aos Exmos. Mandatários do Reclamante por correio registado com AR, assinado em 21-06-2017 (fls. 219 e 220 do PEF apenso);
11. Em 03-07-2017, por correio electrónico, o ora Reclamante apresentou reclamação, nos termos do art. 276.º e ss. do CPPT, contra o despacho que antecede, nas execuções fiscais n.º 0140200501022016, 0140200501020366, 0410200501018582 e ap., 0140200601000322, 01402005001029142, 0140200501021400 e ap., 0140200701018558 e 0140200601002422 e aps (cfr. sentença proferida na reclamação n.º 748/17.0BEAVR, a fls. 58 e ss. dos autos);
12. Por sentença, proferida em 11-10-2017 e notificada por correio registado de 12-10-2017, na reclamação que antecede, foi a FP absolvida da instância por verificação da excepção dilatória da ilegal cumulação de pedidos (fls. 58 e ss. dos autos); 
13. Em 07-11-2017 deu entrada no Serviço de Finanças a presente reclamação (fls. 35 e ss. dos autos).
3.2. Factos não provados
A. A correspondência a que se referem os pontos 6. e 7. supra não foi depositada no receptáculo postal do Reclamante (apesar de o Reclamante o ter invocado, a verdade é que, mesmo após a produção da prova testemunhal, produzida a seu pedido, não demonstrou que tal tenha acontecido. Com efeito, a única testemunha ouvida (a outra foi prescindida), vizinha do Autor, veio apenas dar nota, em abstracto, de que o endereço em causa se presta a muitas confusões e extravios de correspondência, já que há vários números 75 – A, B, C, … - e dois blocos – A e B –, sendo esses blocos separados por um corredor grande com duas entradas de cada lado, havendo, inclusivamente, uma prateleira para devoluções de correspondência enganada, aparecendo lá muitas devolvidas, mas nada dizendo de concreto quanto à correspondência em questão. De notar que, por dever de ofício, este Tribunal sabe que houve várias citações ao Autor noutros processos de execução fiscal nesse mesmo dia – 31-12-2013 – (a que correspondem as várias Reclamações que correm neste Tribunal) não sendo crível que o carteiro se tivesse enganado em todas elas ou que, pelo menos, as várias correspondências não tivessem aparecido na tal “prateleira de devoluções” a que se referiu a testemunha. Entende, por isso, que o Reclamante não logrou ilidir a presunção de que teve conhecimento dos elementos deixados pelo distribuidor do serviço postal).
Não há outros factos a dar como não provados com interesse para a presente decisão.
A convicção do Tribunal na fixação dos factos, provados e não provados, baseou-se nos documentos referidos em cada um dos pontos antecedentes, não impugnados, e na prova testemunhal produzida, a qual, como se deixou dito, não teve aptidão para ilidir a presunção de citação.”

2. O Direito

Tendo-se afigurado a este tribunal que o presente recurso poderia não ser admissível, atento o valor fixado à causa na sentença recorrida; foram ouvidas as partes, que não emitiram qualquer pronúncia a esse propósito.
Efectivamente, numa abordagem sumária e perfunctória, por lapso, esse despacho proferido em 21/06/2018 considerou, para aferir o valor da alçada, a data da instauração do presente processo de reclamação, que ocorreu em 28/12/2017, quando deveria ter tido por referência a data de instauração do processo de execução fiscal.
Com efeito, o valor da alçada, dos tribunais tributários, encontra-se fixado em €5.000,00, por força da alteração do artigo 105.º da LGT, realizada pela Lei do Orçamento de Estado - Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro - desde 01/01/2015.
Porém, o legislador estabeleceu no artigo 225.º da referida Lei um regime transitório, instituindo que “as alterações introduzidas pela presente lei às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas e constituição de advogados apenas produzem efeitos relativamente aos processos que se iniciem após a sua entrada em vigor.”
No caso sub judice, estamos perante uma reclamação de actos do órgão de execução fiscal que não tem autonomia, em matéria de admissibilidade de recurso, face às regras legais aplicáveis ao processo de execução fiscal.
Aliás, como é jurisprudência dos Tribunais Superiores, a admissibilidade de recurso das decisões sobre incidentes, oposição, pressupostos da responsabilidade subsidiária, verificação e graduação definitiva de créditos, anulação da venda e recursos dos demais actos praticados pelo órgão da execução fiscal – nomeadamente as reclamações dos demais actos praticados pelo órgão da execução fiscal, como no caso dos autos, seguirá as regras aplicáveis ao processo de execução onde foi praticado o acto reclamado (cfr. Acórdão do STA n.º 1295/16, de 18/01/2017 e n.º 079/18, de 28/02/2018).
Sucede que a presente reclamação de decisão do órgão de execução fiscal foi deduzida no âmbito da execução fiscal PEF n.º 0140200501022016, a qual, como resulta do ponto n.º 1 do probatório, se encontra pendente desde 07/09/2005.
Daí que seja abrangida pelo referido regime transitório, não lhe sendo aplicáveis as alterações introduzidas pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12 às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas.
A admissibilidade de recurso, por efeito das alçadas, é regulada pela lei em vigor à data em que seja instaurada a acção – cfr. artigo 6.º, n.º 6 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 24.º, n.º 3 da Lei de Organização e do Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ).
Ora, o presente processo de execução fiscal foi deduzido em 07/09/2005 e, nessa data, o valor da alçada dos tribunais tributários de primeira instância era de €935,25, uma vez que a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância foi fixada em €3.740,98 pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei de Organização e do Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/01, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17/12 – conjugado com o disposto no artigo 6.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (a alçada dos tribunais tributários corresponde a ¼ da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância).
Tendo o processo de execução sido instaurado em 07/09/2005 e fixado o valor em €3.293,69, sendo a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância, naquela data, de €935,25, o recurso é assim admissível.

Efectuada esta nota prévia, há agora que referir estar em causa a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação apresentada pelo ora Recorrente contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, no âmbito da execução fiscal n.º 0140200501022016, que indeferiu o pedido de reconhecimento de falta de citação e de prescrição da dívida exequenda.
O Recorrente não se conforma com tal decisão no entendimento condensado nas conclusões de recurso supra transcritas.

Da falta de citação
A questão que cumpre dilucidar é se no caso vertente ocorreu a falta de citação do Reclamante, ora Recorrente, o que inelutavelmente condiciona a contagem do prazo prescricional das respectivas dívidas exequendas – retenções na fonte IRS.
O Recorrente discorda da decisão recorrida, não se conforma com a factualidade não provada e sustenta que face à prova documental e testemunhal deviam, ainda, ser aditados os seguintes dois factos, com os n.ºs 14 e 15:
“14. Na Estrada…, em Lisboa, existem três prédios com o número [de polícia] 75, identificados respetivamente como n.º 75.º - A, 75.º - B, contíguos na mesma rua e 75.º - C, nas traseiras – cfr. depoimento da testemunha arrolada;
15. O prédio em causa [Estrada…, em Lisboa] é composto por dois blocos, A e B, sendo esses blocos interligados por um corredor grande com entrada de cada lado, junto às quais se encontram afixadas de um lado do corredor os recetáculos do correio das frações autónomas de cada bloco, havendo também uma prateleira destinada às correspondências para devolução (por não se destinar ao prédio ou ter sido depositado em recetáculo errado – cfr. depoimento da testemunha arrolada.”
Para além disso, advoga que a informação prestada pelo distribuidor postal na primeira carta é incompreensível e susceptível de permitir atropelos ao regime legal da notificação pessoal.
E que ao existir uma dúvida razoável quanto ao facto de ter sido deixado aviso no receptáculo postal, dando conta de que existiria correspondência para ser levantada, não se pode afirmar que essa correspondência foi devolvida ao remetente como «objeto não reclamado».
Tanto mais que no caso dos autos, dos documentos juntos ao PEF a fls. 194, não consta como estando assinalado o campo «objeto não reclamado» [cfr. conclusões e) a g) das alegações de recurso].
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso deve-se considerar mais vincado no actual artigo 640, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção resultante da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).
Esta prerrogativa não foi cumprida pelo Recorrente, pois, embora indique a matéria de facto que pretendia ver incluída no probatório e a matéria não provada com a qual não se conforma (que se resume, conforme decisão, a um único ponto), cumprindo desse modo o primeiro dos ónus que lhe é imposto na lei, já o mesmo não acontece quanto ao segundo ónus, uma vez que não indica para cada ponto concreto da matéria de facto os concretos elementos probatórios, sendo que a indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remete para os documentos dos autos e para o depoimento da testemunha inquirida, sem os identificar um a um e sem os relacionar com cada um dos pontos da matéria de facto, de modo que, não tendo o Recorrente cumprido o determinado na norma citada, o recurso nesta parte é rejeitado, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.
Quanto à regularidade da citação, designadamente saber se a citação do Reclamante/Recorrente se pode considerar efectuada, antes de mais, importa enunciar os preceitos legais vigentes à data.
Dispunha o artigo 191.º, n.º 3 do CPPT, na redacção à data vigente (dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31-12) que “Nos casos não referidos nos números anteriores, bem como nos de efectivação de responsabilidade subsidiária ou quando houver necessidade de proceder à venda de bens, a citação é pessoal.” (realce e sublinhado nosso)
Por seu turno, o artigo 192.º do CPPT preceituava que:
1 - As citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil, sem prejuízo, no que respeita à citação por transmissão electrónica de dados, do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo anterior.
2 - No caso de a citação pessoal ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.º, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.
3 - A citação considera-se efectuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.
4 - Sendo desconhecida a residência, prestada a informação de que o interessado reside em parte incerta ou devolvida a carta ou postal com a nota de não encontrado, será solicitada, caso o órgão da execução fiscal assim o entender, confirmação das autoridades policiais ou municipais e efectuada a citação ou notificação por meio de éditos, nos termos do disposto neste artigo. (…)”
No que concerne ao regime legal previsto no Código de Processo Civil (CPC), uma vez que as diligências promovidas pelo órgão de execução fiscal para a citação do responsável subsidiário ocorreram em Dezembro de 2013, enunciaremos as normas plasmadas no novo CPC, concretamente na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho.
Assim, dispõe o artigo 225.º, n.º 2 do novo CPC (artigo 233.º anterior) que:
“(...)
2 - A citação pessoal é feita mediante:
a) Transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º;
b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;
c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando. (…)”
O artigo 228.º (anterior 236.º), por sua vez, dispõe que:
1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.
4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.
5 - Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado. (…)”

Regressando ao caso vertente e perscrutado o probatório, verifica-se que, em 10/12/2013, com vista à citação do Reclamante como responsável subsidiário, ora Recorrente, o órgão de execução fiscal competente procedeu ao envio de carta registada com aviso de recepção (cf. ponto 4. do probatório), nos termos e para os efeitos do vertido nos artigos 191.º, n.º 3 e 192.º, n.º 1 do CPPT e 225.º, n.º 1, b) e 228.º, n.º 1 do CPC.
Todavia, tal correspondência foi devolvida ao remetente com a menção “p. A. às 14:30 CC L… 250 11-12-13” e “objecto não reclamado” (ponto 5. do probatório).
Através do ofício n.º 301781, de 30/12/3013, o qual tem aposta a menção “2.ª citação Art. 192 n.º 2 e 3 CPPT” foi novamente remetida a correspondência relativa à citação da reversão do ora Recorrente, por carta registada com aviso de recepção, com data de 30/12/2013.
O aviso de recepção foi novamente devolvido ao remetente sem assinatura do destinatário em 02/01/2014, com a menção “Citação Via Postal 2ª Tentativa” e no verso o seguinte: ¯Declaração –
“No dia 13-12-31 às 11:41 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente. [ilegível] (assinatura) 150 (giro) 13-12-31 (data)” (cf. pontos 6. e 7. do probatório).
Ora, com base nestes factos considera a decisão a quo que, com esta denominada “2ª citação”, o Recorrente foi efectiva e validamente chamado à execução.
Os argumentos usados na sentença são os seguintes:
“Retomando o caso concreto, como emerge da factualidade vertida no probatório, face à devolução da carta de citação enviada para o domicílio do revertido, aqui reclamante, com a indicação de “objeto não reclamado”, o órgão de execução fiscal, dando cumprimento ao n.º 2 do aludido preceito legal, repetiu a citação, mediante a remessa de nova carta registada com aviso de recepção para o mesmo domicílio (ponto 6. do probatório).
O aviso de recepção a que se refere o ponto anterior foi devolvido ao remetente sem assinatura do destinatário em 02/01/2014, dele constando a seguinte menção: “Declaração No dia 13-12-31 às 11:41 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente. [ilegível] (assinatura) 150 (giro) 13-12-31 (data)” (ponto 7. dos factos provados).
De acordo o disposto no artigo 192.º n.º 3 do CPPT, a citação considera-se, assim, efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, ou seja, em 31/12/2013, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.
Ora, como se viu no probatório supra (facto não provado), o reclamante não logrou ilidir esta presunção. Na verdade, para tal apenas arrolou uma testemunha que, de concreto, nada sabia, tendo-se limitado a descrever a situação física do prédio correspondente ao domicílio do reclamante, justificativa, em abstracto, da possível ocorrência de trocas e enganos no depósito da correspondência nas caixas de correio.
Daqui não pôde o Tribunal concluir pelo não depósito da correspondência na caixa de correio do Reclamante, como se deixou consignado na motivação do probatório.
E, assim sendo, funcionando a presunção, o reclamante considera-se citado, legal e regularmente, em 31/12/2013, improcedendo, por isso, a invocada nulidade da falta de citação para a execução fiscal.”
No entanto, permitimo-nos adiantar que tal decisão não merece acolhimento, porquanto a denominada “2ª citação” não logra alcançar o desiderato que o legislador almejou ao impor a repetição da citação, ou seja, garantir que a citação entrou na esfera de cognoscibilidade do citando.
Pois bem, é necessário que tenha sido deixado aviso para o levantamento da carta no estabelecimento postal. Se não foi deixado aviso no receptáculo postal, o destinatário não sabe que deve proceder ao levantamento da carta. E, concomitantemente, também não poderá afirmar-se que o objecto postal não foi reclamado e daí retirar as consequências legais.
De facto, atento o total desconhecimento pelo Recorrente da primeira tentativa para proceder à sua citação, e face à devolução da correspondência denominada “2ª Citação”, enviada em 31-12-2013, ainda que se considere que nesta data foi deixado o aviso postal alertando para o respectivo levantamento, para que dúvidas não existissem que o destinatário tomou conhecimento da mesma, impunha-se que se tivesse repetido, agora sim, a almejada citação, por carta registada com AR nos termos do artigo 192.º, n.º 2., sendo que só após esta poderia funcionar a presunção legal de citação, nos termos do artigo 192.º, n.º 3 do CPPT. Assim, não tendo o órgão de execução fiscal procedido à repetição da citação não se pode considerar ter o Recorrente sido citado da reversão da execução fiscal, uma vez que não se mostra cumprido o preceituado no artigo 192.º, n.º 2 do CPPT.
Isto é, o não levantamento da carta contendo a “2ª citação” não pode ter o efeito cominatório previsto no n.º 3 do artigo 192.º do CPPT, como foi entendido na sentença recorrida. Desde logo porque tal pressuporia que a carta contendo a “1ª citação” fosse devolvida ao remetente nas condições previstas no n.º 2 daquele artigo, ou seja, que ao destinatário fosse deixado aviso e ele não tivesse procedido ao levantamento da carta na sua estação dos CTT no prazo legal.
O que os autos não indicam minimamente, salientando-se que o sobrescrito apenas contem a informação postal de “não reclamado”, nada elucidando nos restantes dizeres de modo a poder afirmar-se inequivocamente que foi deixado aviso para levantamento da correspondência.
Nesta conformidade, perante a devolução da correspondência em 31/12/2013 e uma vez que aí já constava o depósito no receptáculo postal, deveria ter sido repetido o seu envio por carta registada com A/R, só após podendo funcionar a presunção legal de citação.
Neste sentido, entre outros, o Acórdão deste TCAN, de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo n.º 358/14.4 BECBR, onde se pode ler no sumário, o seguinte:
“Não se considera pessoalmente citado, bem que presuntivamente, o executado por reversão a quem são enviadas, sucessivamente, duas cartas registadas com aviso de recepção para a morada por ele comunicada à entidade exequente se nada nos autos permite concluir que tenha sido deixado aviso ao destinatário para levantamento da carta que primeiro lhe foi dirigida.” (destaque nosso).
Assim sendo, quanto a este fundamento, o recurso merece provimento.

Da prescrição das quantias exequendas
Vem, ainda, o Recorrente insurgir-se contra a sentença recorrida, pugnando pela verificação da prescrição das quantias exequendas, por considerar não ter sido citado para a reversão.
Vejamos.
A prescrição, enquanto causa extintiva da relação jurídica obrigacional, é matéria de direito substantivo, pelo que ter-se-á de atender, por regra, ao regime prescricional vigente no momento da constituição da relação jurídico-tributária.
Está em causa dívida exequenda de IRS, referente ao ano de 2005, sendo, por isso, de aplicar o regime estabelecido na LGT, que estabelece um prazo de prescrição de 8 anos (artigo 48.º da LGT).
A respeito da prescrição da prestação tributária dispõe o artigo 48.º, n.º 1 da LGT que “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou do facto tributário.”
Releva, ainda, o disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 48.º da LGT:
“2 - As causas de suspensão e de interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários e subsidiários;
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.”
A Lei n.º 100/99, de 26/7 alterou os nºs 1 e 3 da redacção inicial do artigo 49.º, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
(…)
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”.
Entretanto, a Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, veio alterar o citado artigo 49.º da LGT, o qual passou a ter a seguinte a redacção:
“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”
Assim, não podemos abstrair da existência de eventuais factos interruptivos e suspensivos da prescrição.
O IRS, sendo um imposto periódico, o prazo prescricional inicia-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Acontece, porém, como vimos pela transcrição normativa efectuada supra, que a contagem do prazo é influenciada por factos que a lei configura como causas de interrupção e/ou suspensão que “são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil”, conforme decidiu o STA em Acórdão de 03/08/2011, recurso n.º 0639/11.
Assim, com a redacção introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho ao n.º 1 do artigo 49º da LGT, a citação passou também a interromper o prazo prescricional.
Quanto aos efeitos da interrupção da prescrição decorrente da citação chamamos à colação os doutos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa, lavrados in “Sobre a prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas 2ª Edição”, segundo o qual “No que concerne à citação, não estando previsto um regime especial sobre os seus efeitos, seria de lhe atribuir os que lhe reconhece o CC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 2º, alínea d) da LGT. Esse efeito é não só o instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (arts.326º, n.º1 e 327.º, n.º 1 do CC).”
Elencados supra os preceitos legais respectivos, vejamos, então, face à factualidade vertida no probatório se, conforme esgrime o Recorrente, as quantias exequendas estão prescritas.
Desde já adiantamos que, neste conspecto, também merece acolhimento a alegação do Recorrente, dado que, não se verificando a citação do revertido, nem outro facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, iniciando-se o decurso da marcha prescricional em 01/01/2006, o respectivo prazo completar-se-ia em 01/01/2014.
Embora as causas de suspensão ou interrupção da prescrição relativas ao devedor principal (no caso, a devedora originária foi citada em 26/09/2005 – cfr. ponto 2 do probatório) se comuniquem aos responsáveis solidários ou subsidiários (cfr. artigo 48.º/2 LGT), o n.º 3 do mesmo preceito afasta essa “comunicação” quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
Sendo a liquidação do ano de 2005, o quinto ano posterior é o ano de 2010.
O Reclamante/Recorrente não foi citado até essa data, nem posteriormente até 01/01/2014.
Efectivamente, a citação da devedora originária em 26/09/2005 não produziu efeitos interruptivos do prazo de prescrição quanto ao Recorrente. Pelo que, contando o prazo de 8 anos desde o início do ano seguinte ao do facto tributário, ou seja, desde 01/01/2006, e não tendo ocorrido qualquer facto com efeito suspensivo do prazo de prescrição nesse período, verifica-se que o mesmo se completou em 01/01/2014, sem que tenha ocorrido a citação do ora Recorrente.
Relembramos que o efeito daquele n.º 3 do artigo 48.º da LGT é apenas de tornar irrelevante em relação ao responsável subsidiário as causas de interrupção que se verifiquem em relação ao devedor originário – cfr. Acórdão do STA, de 27/08/2008, proferido no âmbito do processo n.º 719/08.
Concluindo e tendo em conta tudo o que se deixa exposto, dúvidas não subsistem de que na situação decidenda há muito que se consumou o prazo de prescrição das dívidas exequendas.
Neste sentido, vide os Acórdãos deste TCAN, de 12/07/2018, proferidos no âmbito dos processos n.º 1279/17.4BEAVR e 1280/17.8BEAVR.
Destarte, na procedência da totalidade das conclusões das alegações de recurso, a sentença recorrida terá de ser revogada.

Conclusões/Sumário

I - A admissibilidade do recurso de decisões sobre reclamações de actos do órgão de execução fiscal segue as regras aplicáveis ao processo de execução onde foi praticado o acto reclamado.
II - Não há qualquer autonomia que possa retirar-se da lei, em matéria de admissibilidade de recurso para o processo de reclamação dos demais actos praticados pelo órgão de execução fiscal, face às regras legais aplicáveis a esse processo executivo.
III - Não se considera pessoalmente citado, ainda que presuntivamente, o executado por reversão a quem são enviadas, sucessivamente, duas cartas registadas com aviso de recepção para a morada por ele comunicada à entidade exequente se nada nos autos permite concluir que tenha sido deixado aviso ao destinatário para levantamento da carta que primeiro lhe foi dirigida.
IV - Nos termos do n.º 3 do artigo 48.º da LGT, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
V - É somente a relevância das causas de interrupção que se verifiquem apenas em relação ao devedor originário (e o consequente diferimento do termo do prazo que delas deriva) que é afastada em relação ao responsável subsidiário, se a sua citação não ocorrer até ao 5.º ano posterior ao da liquidação.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a reclamação.
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 27 de Julho de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Cristina da Nova
Ass. Frederico Branco