Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00451/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/17/2005
Relator:Valente Torrão
Descritores:RECURSO APLICAÇÃO COIMA - LEI Nº 51-A/96, DE 09/12 - MESMO FACTO CRIME E CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
Sumário:1. Quando o mesmo facto constitua crime e contra-ordenação, atento o disposto no artigo 82º, nº 1 do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima caduca quando o arguido venha a ser condenado em processo criminal pelo mesmo facto. No entanto, se, como sucede nos autos, nem sequer chegou a ser recebida acusação por crime fiscal, é inaplicável aquela norma.
2. O disposto na Lei nº 51-A/96, de 9 de Dezembro é apenas aplicável aos crimes fiscais nela previstos, não sendo admissível a interpretação extensiva ou analógica, pelo que não pode aplicar-se a contra-ordenações fiscais, sendo, por isso, irrelevante para efeitos de extinção do procedimento contra-ordenacional o facto de a arguida ter aderido ao regime do DL nº 124/96.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. O MºPº veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Coimbra que anulou a decisão administrativa de aplicação de coima à recorrida ”L.., SA” por infracção ao disposto no artigo 26º, nº 1 do CIVA, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
a) À Sociedade “L.., SA”, foi aplicada uma coima, pela prática de factos que integram a contra-ordenação referenciada nos autos.
b) Não se conformando com o despacho através do qual foi aplicada aquela coima, a dita sociedade interpôs dele recurso contencioso para este tribunal, pedindo a respectiva anulação, alegando, para o efeito, além do mais, que é estranho ao objecto deste recurso, alegando, em síntese que, mostrando-se aqueles factos susceptíveis de integrar o crime de abuso de confiança fiscal e tendo-se extinto a sua responsabilidade criminal em virtude deter, entretanto, ao regime de regularização de impostos em atraso, previsto no DL nº 124/96, de 10.8, tal como foi declarado num inquérito que decorreu termos do DIAP de Coimbra, para conhecer daquele eventual crime, tal extinção de responsabilidade criminal determina, por consumpção, a extinção da responsabilidade contra- ordenacional.
c) A Srª Juíza recorrida, invocando as normas constantes dos artigos 82º do DL nº 433/82, de 27/10, 231º e 193º alínea d), ambos do CPT, 61º, alínea d) do RGIT e 2º e 3º do DL nº 51-A/96, de 9/112, decidiu julgar extinto o procedimento contra-ordenacional em causa, desse modo dando provimento ao aludido recurso contencioso “por força da conjugação de todos os supra-mencionados preceitos legais”.
d) Sucede, por um lado, que a decisão a proferir neste processo, nada tem a ver com a proferida no inquérito crime, desde logo porque o objecto deste processo é diverso do do citado inquérito, pois diversos são os factos que originaram os mesmos, circunstância que, de per si, põe. Desde logo em crise a conexão que, de forma ilegal se estabeleceu entre ambos.
e) Mas, ainda que assim se não entendesse, sempre se deveria concluir, por outro lado, que as normas, aludidas na conclusão 3ª são inaplicáveis “in casu”.
f) Efectivamente, no que concerne às normas constantes dos nºs. 1 dos artigos 82º do DL nº 433/82 e 213 do CPT – onde se preceitua que a “decisão da autoridade (...) que aplicou a coima caduca quando o arguido for condenado em processo criminal pelo mesmo facto” – são as mesmas inaplicáveis ao caso em apreço, desde logo porque a citada sociedade não chegou sequer, a ser objecto de qualquer acusação, pelo que não poderia ter sido condenada, como efectivamente não foi.
g) Também as normas dos artigos 193º, alínea d) do CPT e 61º alínea d) do RGIT – onde se dispões que o procedimento contra-ordenacional se extingue em resultado do recebimento de acusação em processo crime – se não aplicam neste caso, visto que, como atrás se referiu, nem sequer foi deduzida acusação, no supra-citado inquérito.
h) Finalmente, para decidir como decidiu, a Srª Juíza “ a quo” também aplicou, ao caso objecto destes autos, as normas dos artigos 2º e 3º da Lei 51-A/96, de 9.12, sustentando, para o efeito, que “embora não contendo uma referência expressa aos procedimentos contra-ordenacionais estes preceitos, na medida em que se aplicam os crimes fiscais e ao processo penal, devem aplicar-se igualmente ao processo “Sub judice”, por maioria de razão, na medida em que o mais engloga o menos”.
i) E não observou, como devia, o consignado no artigo 1º da mesma Lei que é imperativo ao preceituado, e inequivocamente, que tal diploma só é aplicável “aos crimes de fraude fiscal, abuso de confiança fiscal e frustração de créditos fiscais” e não também às contra-ordenações sendo certo que, se o legislador quisesse que tal diploma abrangesse, também, estas, tê-lo-ia referido expressamente, ao invés de restringir a sua aplicação aqueles crimes
j) Efectivamente, tratando-se de norma excepcional, e especial, é insusceptível de aplicação analógica ou, sequer, de interpretação extensiva.
l) Em conclusão, a Srª Juíza violou, e por erro de aplicação e de interpretação, as normas referenciadas na conclusão 3ª bem assim a constante do artigo 1º da lei nº 51-A/96, por se tratar unicamente de um diploma aplicável a certos crimes fiscais e não também às contra-ordenações.
m) Daí que a decisão recorrida deva ser revogada e substituída por douto acórdão, através do qual se negue provimento ao recurso contencioso interposto pela mencionada sociedade.

2. Contra-alegando, a recorrente vio defender a manutenção do decidido (v. fls. 81).

3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir,.

4. São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância:
a) Foi levantado o auto de notícia de fls. 2 , em 12/11/96, que aqui se dá por reproduzido e condenada a recorrente, por decisão de 27/9/2000, na coima de 270.000$00(duzentos e setenta mil escudos) por não ter entregue a prestação tributária do IVA de Março de 1996, no montante de 1.053.547$00, cujo prazo de pagamento terminou em 31.5.1996 – cfr. fls. 2 e 9.
b) Em 2.12.96 a recorrente requereu o pagamento das dívidas ao abrigo do regime do DL nº 124/96, de 10 de Agosto, sendo que o plano de pagamento prestacional ao Estado foi deferido por despacho de 17/4/97 – cfr. fls. 22 dos autos.
c) A recorrente foi notificada para efeitos do artigo 199º do CPT em 14.2.97 – cfr. fls. 4 dos presentes autos.
d) O imposto foi pago em 31.3. 00, ao abrigo do DL nº 124/98 – cfr. fls. 8.
e) O processo crime foi arquivado em 12.5.000 – cfr. fls. 27.

5. A única questão a apreciar no presente recurso e resultante das conclusões das alegações é a de saber se a decisão de julgar extinto o procedimento contra-ordenacional tem ou não apoio legal .

No entanto, referiu a recorrida nas suas contra-alegações que a decisão que aplicou a coima é nula porque não contém os elementos que contribuíram para a fixação da coima nomeadamente a situação económica do agente.
Sendo esta questão de conhecimento oficioso, cabe dela também conhecer.

Ora, examinando os autos desde já diremos que a recorrente não tem razão. Na verdade, quanto aos factos a decisão remete para o auto de notícia e para a informação prestada nos termos do artigo 190º do CPT (v. fls. 9 e 2 e 3). Quanto à falta de referência à situação económica ela não constitui nulidade, já que é à arguida que cabe demonstrar a sua situação económica; se a autoridade administrativa não puder apurar tal situação, nomeadamente, como foi o caso dos autos, quando o arguido nada alega em sua defesa, isso não constitui qualquer nulidade ou irregularidade.

Quanto ao objecto do recurso cabe dizer o seguinte.

Conforme se refere na conclusão 3ª das alegações “a Srª Juíza recorrida invocou as normas constantes dos artigos 82º do DL nº 433/82, de 27/10, 231º e 193º alínea d) ambos do CPT, 61º alínea d) do RGIT e 2º e 3º ambos da Lei nº 51-A/96, de 9.12, tendo julgado extinto o procedimento contra-ordenacional em causa, desse modo dando provimento ao aludido recurso contencioso por força da conjugação de todos aqueles preceitos legais.

Porém, tal como se refere na conclusão 5ª tais normas são inaplicáveis “in casu”.

Com efeito, estando dado como provado na alínea e) do probatório supra que o processo crime foi arquivado, o artigo 82º citado é inaplicável , uma vez que não houve acusação e, por conseguinte condenação. E, pela mesma razão não tem aqui aplicação o disposto nos artigos 231º e 193º, alínea d) do CPT e no artigo 61º da LGT..

Quanto ao artigo 2º da Lei nº 51-A/96, e tal como a jurisprudência tem salientado uniformemente, este é apenas aplicável a crimes fiscais e não a contra- ordenações fiscais, não sendo aqui admissível a interpretação extensiva ou analógica (neste sentido, entre outros, v. os acórdãos do STA (2ª Secção), de 15.11.2000-Recurso nº 25.382 e de 28.2.2001 –Recurso 25.725 e do TCA (2ª Secção), de 8.10.2002 – Recurso nº 6681/2002)

Deste modo, procedem as conclusões das alegações acima referidas e, em consequência, o recurso.

6. Nestes termos e pelo exposto concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se a coima aplicada pela autoridade administrativa à recorrida.

Custas pela recorrida em ambas as instâncias, fixando-se nesta a taxa de justiça de duas UC.
Porto, 17 de Março de 2005
João António Valente Torrão
Moisés Moura Rodrigues
Dulce Manuel Conceição Neto