Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00095/19.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:STAL/MUNICÍPIO;
TRABALHO SUPLEMENTAR;
NULIDADE DA SENTENÇA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
O SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL - STAL, em representação de um conjunto de trabalhadores melhor identificados na PI e que, por desistência dos pedidos de alguns, se quedam nos associados AA, BB, CC, DD e EE, com sede na rua ..., em ..., instaurou AÇÃO ADMINISTRATIVA, contra o MUNICÍPIO ..., melhor identificado nos autos, alegando, em síntese, que:
1) No dia 11 de julho de 2018 o autor, em representação de um conjunto identificado de trabalhadores, requereu ao Presidente da Câmara Municipal ... o gozo de dias de descanso remunerados pelo trabalho suplementar prestado, ou o reconhecimento da impossibilidade de proporcionar o seu gozo efetivo e, em consequência, o pagamento de um dia de remuneração por cada dia de descanso não remunerado;
2) Os associados do autor estão vinculados ao MUNICÍPIO ... com CTFP, ocupando postos de trabalho do mapa de pessoal, nas categorias de assistente operacional e encarregado operacional, trabalhando na divisão do ambiente e saúde pública;
3) O horário de trabalho dos associados do autor, até 2013, era de segunda-feira a sábado, sendo que, neste último dia, o serviço terminaria às 12h30;
4) O domingo era dia de descanso semanal obrigatório;

5) Mas, por falta de pessoal, os associados do autor eram obrigados à prestação de serviço suplementar, ou seja, para além do horário diário de trabalho e em dia de feriado;
6) O trabalho suplementar feito foi sempre pago aos associados do autor, mas não gozaram qualquer dia de descanso remunerado por esse trabalho suplementar prestado, em dia de descanso obrigatório, tendo este trabalho sido acumulado até 1 de janeiro de 2013;
7) Pela informação n.º 061/2012, de 24 de agosto de 2012, o chefe de divisão do ambiente e saúde pública referiu que se procedeu à recolha de todos os documentos existentes relativos ao trabalho prestado pelos trabalhadores e sobre o qual existia o direito ao dia de descanso compensatório, tendo sido remetido para análise para o serviço de recursos humanos, mas, depois de procurada a informação relevante foi entendido tratar-se de matéria já decidida, pelo que iria ser indeferida a pretensão;
8) O chefe de divisão do ambiente e saúde pública, em 30 de março de 2012, remeteu ao diretor do departamento de ambiente e qualidade de vida a informação com o assunto “tempo de gozo acumulado”, informação em que se explicita que os números de funcionários dos antigos serviços urbanos de higiene da divisão de saúde pública apresentaram um número elevado de dias de férias e horas por gozar - por acumulação de vários anos;
9) No dia 12 de novembro de 2018, o autor dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal requerimento a impugnar o ato notificado pelo ofício n.º ...31, de 26 de setembro de 2018, tendo a divisão de gestão de recursos humanos informado que, em 2012, este mesmo pedido fora indeferido, concluindo que, por isso, a questão já fora apreciada;
10) O ato impugnado nenhuma referência fez ao ato do diretor municipal e a ordem de serviço referida, de 11 de setembro de 2012, nunca foi notificada aos interessados, aqui associados do autor, portanto, por força da ordem de serviço de 11 de setembro de 2012, que regulou o gozo dos dias de descanso remunerado de 2012 e que, quanto aos dias de descanso remunerado, referentes a anos anteriores, se aguardaria decisão superior;

11) O artigo 33.°, n.° 2, do DL 259/98, de 18 de agosto e artigo 163.° do RCTFP, referente ao trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal obrigatório, conferia, além da remuneração, o direito a um dia de descanso remunerado na semana seguinte e, a partir da entrada em vigor do RCTFP, nos 3 dias úteis seguintes a que acrescia descanso por trabalho extraordinário nos 90 dias seguintes.
Pediu:
a) o reconhecimento do direito dos associados do autor ao gozo dos dias e horas como descanso remunerado por trabalho suplementar prestado além do horário normal de trabalho em dia de descanso semanal complementar e descanso obrigatório;
b) condenação do réu a determinar os períodos em que os sócios do autor possam gozar dias de descanso e horas remuneradas;
c) caso não possam gozar os referidos dias, condenação do réu a pagar 1 dia de remuneração, ou 30 avos da RBM por cada dia de descanso remunerado não gozado, acrescido de juros.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada parcialmente procedente a ação e condenado o Réu/Município assim:
a) Proceder ao cálculo médio, para cada um dos associados presentes na presente ação, do n.° de dias de trabalho suplementar realizados, por mês, nos anos de 2004 a 2013, ou, em caso de impossibilidade, nos últimos 3 anos desde o ano de 2013;
b) Após, para efeitos ressarcitórios, deve proceder ao pagamento de 25% do total de dias de trabalho suplementar encontrado [que será um produto médio], nos termos da condenação em a), por não ser possível assegurar, hoje, o gozo real dos dias a que teriam tido direito, como descanso complementar remunerado;
c) Improcedentes os demais pedidos.
Desta vem interposto recurso pelo Réu.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida erra na apreciação da causa e nos pressupostos de facto e de direito, sendo certo que a condenação do Recorrente com base no instituto do enriquecimento sem causa e com recurso à equidade, viola o disposto nos artigos 473.º e seguintes e n.º 3 do 566.º do Código Civil.
2. A douta sentença recorrida enferma ainda de nulidade, nos termos do disposto nas alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, na medida em que a decisão está em oposição com os fundamentos da mesma, sendo certo que é igualmente ambígua e obscura, o que torna a decisão ininteligível, para além de condenar em objecto diverso do pedido.

3. Na sua fundamentação, a douta sentença recorrida refere que, face à falta de factos relevantes, o Tribunal considera adequado, por equidade, ordenar o Réu o cálculo médio, para cada um dos associados presentes na ação, do n.º de dias de trabalho suplementar realizados por mês, nos anos de 2004 a 2013, ou não sendo possível, pelo menos nos três anos antecedentes a 2013 (portanto desde 2010).
4. Mas já o corpo dispositivo da sentença proferida condena o Réu a proceder ao cálculo médio, para cada um dos associados presentes na ação, do n.º de dias de trabalho suplementar realizados, por mês nos anos de 2004 a 2013, ou, em caso de impossibilidade, nos últimos 3 anos desde o ano de 2013.
5. Ou seja, os últimos 3 anos desde o ano de 2013 incluem os anos de 2013, 2014 e 2015, o que, notoriamente, está em contradição com a fundamentação da sentença, que se refere aos três anos antecedentes a 2013 (referindo-se o início da contagem ao ano de 2010, o que parece excluir o ano de 2013), o que tudo determina a nulidade da decisão recorrida, que se invoca para todos os devidos efeitos legais, por manifesta contradição entre os fundamentos da decisão e a decisão.
6. Como resulta da sentença ora recorrida, o Tribunal “a quo” concluiu pela improcedência do pedido do Autor ao reconhecimento do direito dos associados ao gozo dos dias e horas como descanso remunerado por trabalho prestado além do horário normal de trabalho em dia de descanso semanal complementar e descanso obrigatório, pela impossibilidade do seu gozo agora, por violação do artigo 33.º do DL n.º 259/98, de 18/8 e em violação do artigo 163.º do RCTFP.

7. Mais julgou improcedente o pedido do Autor de condenação do Réu a determinar os dias em que os sócios do Autor podem gozar esses dias de descanso e horas remuneradas.
8. Por fim, julgou parcialmente improcedente o pedido subsidiário de condenação do Réu a pagar um dia de remuneração ou 30 avos da RBM por cada dia de descanso remunerado não gozado acrescido de juros, por falta de prova dos dias de descanso compensatórios remunerados não gozados.
9. Em face da improcedência dos pedidos formulados pelo Autor não se compreende a condenação do Réu, sendo a mesma ambígua e ininteligível, nos termos proferidos pela sentença recorrida, não correspondendo a qualquer pedido do Autor, nem ao pedido subsidiário, sendo que este devia, igualmente, ser julgado totalmente improcedente, por falta de indicação do número de dias de descanso remunerado não gozado ou fração, o que tudo viola manifestamente o princípio do dispositivo, o que se invoca para todos os devidos efeitos legais e consubstancia nulidade da decisão, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e e) do CPC.
10. De acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 95.º do CPTA (enquanto emanação do princípio do dispositivo do processo administrativo, que se proclama de partes iguais conforme artigo 6.º do CPTA), o juiz tem o dever de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se se não das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.

11. O que significa que o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pediu, constituindo a decisão recorrida uma decisão surpresa.
12. Ademais, o Tribunal julgou improcedentes os pedidos, por falta de prova, mas também pela impossibilidade do seu gozo dos descansos compensatórios, por violação do artigo 33.º do DL n.º 259/98, de 18/8 e em violação do artigo 163.º do RCTFP, e decidiu condenar o Réu em pedido substancialmente diverso do pedido do Autor - sendo que a condenação do Réu é manifestamente contraditória com as decisões de improcedência dos pedidos e também da improcedência parcial do pedido subsidiário, o que tudo determina a nulidade da sentença, o que se invoca para todos os devidos efeitos legais.
13. Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá, como o Tribunal também concluiu, que não foram provados os factos constitutivos da situação jurídica que o Autor pretendia fazer valer em juízo ou os elementos constitutivos do facto jurídico cuja existência afirma, o que sempre determinaria a absolvição do Réu de todos os pedidos.
14. Constitui princípio geral que cabe àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que competia ao Autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir da sua pretensão e, de acordo com a regra da repartição do ónus da prova, incumbia ao Autor concretizar o pedido em relação a cada um dos associados, ou seja, indicar o número de dias de trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal obrigatório por cada um dos seus associados, bem como especificar o número de horas de trabalho suplementar prestado por cada um dos trabalhadores, se o mesmo foi autorizado ou não pela entidade empregadora e qual o número de dias correspectivos e referentes ao descanso compensatório a que alegadamente teriam direito a usufruir.

15. O Autor não alegou, nem consequentemente provou, o número de dias de trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal obrigatório por cada um dos seus associados, nem especificou o número de horas de trabalho suplementar prestado por cada um dos trabalhadores, nem a autorização para prestação desse trabalho suplementar pela entidade empregadora e nem o número de dias correspectivos e referentes ao descanso compensatório a que alegadamente os associados teriam direito.
16. Competia ao Autor o ónus de alegar os factos concretizadores da causa de pedir e do pedido, não podendo eximir-se dessa alegação, sob pena de não poderem ser julgados procedentes os seus pedidos, por manifesta falta de prova dos factos alegados, o que se verificou com caso em apreciação.
17. Consequentemente e como concluiu a sentença recorrida, os pedidos do Autor não podiam proceder, por “falta de factos relevantes” para a condenação do Réu, por falta de prova dos dias e horas de trabalho suplementar prestados e dos dias de descanso compensatórios remunerados não gozados pelos associados.

18. E nem se pode dizer que a impossibilidade de identificar os dias de trabalho suplementar e dos dias de descanso compensatório se deveu a culpa imputável à entidade empregadora, não tendo sido provado qualquer facto fundamentador dessa imputação culposa.
19. Salienta-se que o que resulta da matéria de facto provada é a impossibilidade de determinar esses dias de prestação de trabalho suplementar, da sua autorização e dos descansos compensatórios gozados ou por gozar, também pelo decurso do tempo e da ausência de registo do mesmo.
20. Como tudo melhor consta da matéria de facto provada, que assenta unicamente nos elementos/documentos constantes do PA junto aos autos, não foi possível efectuar uma relação entre o trabalho prestado e o descanso compensatório eventualmente gozado por cada um dos trabalhadores. Ou seja, não foi possível aos serviços camarários aferir se o descanso compensatório contabilizado na informação da DASP n.º 12479, de 30/03/2012 foi ou não já realizado (cfr. pontos 2), para além de que não foram cumpridos os prazos legalmente estabelecidos para a marcação/gozo de descanso compensatório eventualmente adquirido pelos trabalhadores em causa (pontos 3., 4., 5., 6., 7. e 9.)
21. Como consta das informações e despachos transcritos na matéria de facto dada como provada, não foi possível aos serviços identificar o dia em que o trabalho foi prestado e que eventualmente originou o descanso compensatório, sendo certo que dos boletins de “Comunicação de Ausência” constantes do PA apenas identificavam o ano, sem identificar o dia em que o trabalho foi prestado.

22. Ou seja, não é possível identificar - nem o Autor indica - quais os dias em que o trabalho foi prestado e que eventualmente determinaria o descanso compensatório, nem se os descansos compensatórios já gozados respeitam ao trabalho suplementar prestado e em que dia foi o mesmo prestado e/ou autorizado.
23. Em face da matéria de facto provada e dada a ausência de qualquer prova quanto aos dias e horas de trabalho suplementar prestado e dos dias de descanso compensatório não gozados, não podia o Tribunal recorrido condenar o Réu a proceder a esse cálculo (que, aliás, é impossível, dada a ausência de quaisquer registos) e, muito menos, em pedido diverso dos pedidos formulados pelo Autor.
24. Errou também o Tribunal na condenação do Réu com base no instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que não se pode falar em enriquecimento sem causa do ente público, desde logo porque a prestação de trabalho suplementar obedece ao princípio da prossecução do interesse público.
25. De qualquer forma, o Autor não provou em que medida se verificou enriquecimento do Réu e em que medida tal enriquecimento determinou o empobrecimento dos associados do Autor.
26. Ora, perante a matéria de facto provada e inexistindo prova concreta quanto ao número de dias de trabalho suplementar prestado e se o mesmo foi autorizado e prestado em dias de descanso semanal ou em dia feriado, assim como na ausência de prova quanto ao alegado número de dias de descanso compensatório a que os associados do Autor alegadamente teriam direito ou se os descansos foram ou não gozados, não é possível determinar qual o enriquecimento do Réu e o correspectivo empobrecimento do Autor, logo, não podia o tribunal condenar o Réu, ainda que com recurso à equidade (a qual não é aplicável), a calcular o número médio de dias de trabalho suplementar prestado e os eventuais descansos compensatórios.

27. Tal contabilização é impossível, dado que, nos termos do disposto no 4.º § da Portaria n.º 609/2009, de 6/6, os suportes documentais de registo de trabalho extraordinário (a existirem) devem ser conservados em arquivo pelo prazo mínimo de cinco anos, prazo esse largamente ultrapassado, não sendo possível aferir quais os dias de trabalho prestado pelos associados do Autor em dia de descanso semanal obrigatório, sendo certo que tal prova incumbia ao Autor.
28. Também não foram cumpridos os prazos legalmente estabelecidos para a marcação/gozo de descanso compensatório eventualmente adquirido pelos trabalhadores em causa.
29. Não tendo sido provada a existência de danos aos associados do Autor (na medida em que não se provou qual o número de dias ou horas de trabalho suplementar prestado, nem o número de dias de descanso compensatório não gozado), não podia o Tribunal condenar o Réu, muito menos com recurso à equidade.

30. Não se provando os danos, não podia o Tribunal condenar o Réu no ressarcimento desses mesmos danos com recurso à equidade.
31. Ao não decidir nos termos expostos, violou a decisão recorrida, entre outros, o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. c) e e) do CPC, artigos 342.º, 473.º e ss e 566.º, n.º 3 do Código Civil e 6.º e 95.º do CPTA.

Termos em que e nos mais de direito, deve ser dado integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências, com o que se fará JUSTIÇA.
Não foram juntas contra-alegações.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

x

Delimitação do objeto de recurso:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA e dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, nºs. 4 e 5, e 639.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.
Importa, assim, aferir se a decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, als. c) e e) do CPC, artigos 342.º, 473.º e ss e 566.º, n.º 3 do Código Civil e 6.º e 95.º do CPTA.
Fundamentos
De Facto -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. A 30 de março de 2012, com a referência n.° ...12, o MUNICÍPIO ... elabora informação onde refere, em especial:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(facto provado por documento, a fls ... dos autos eletrónicos)
2. A 29 de maio de 2012 é proferido despacho pela chefe de divisão da DGRH no documento timbrado de MUNICÍPIO ..., com a referência n.° ...12, onde consta, em especial:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(facto provado por documento, a fls .. dos autos - paginação eletrónica)
3. A 22 de junho de 2012 é subscrito documento timbrado do MUNICÍPIO ..., com a referência ...12, ali constando, designadamente:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(facto provado por documento, a fls . dos autos - paginação eletrónica)
4. A 26 de junho de 2012, a Diretora da DSRH proferiu despacho no documento timbrado de MUNICÍPIO ..., com a referência n.° ...12, onde consta, em especial:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(facto provado por documento, a fls .. dos autos - paginação eletrónica)
5. A 24 de agosto de 2012 é subscrito documento, denominado de “Informação com referência ...12, onde consta, em especial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(facto provado por documento, a fls .. dos autos - paginação eletrónica)
6. A 26 de setembro de 2018, o MUNICÍPIO ... comunica ao mandatário do autor, por ofício n.º ...31, onde consta em especial que:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(facto provado por documento, a fls ... dos autos eletrónicos)
7. A 4 de outubro de 2012 consta de documento timbrado do MUNICÍPIO ..., subscrito pelo chefe de divisão da DASP, com a referência n.º ...12, em especial que:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(facto provado por documento, a fls ... dos autos eletrónicos)
8. A 8 de outubro de 2012, o Diretor do DAQV decidiu:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(facto provado por documento, a fls ... dos autos eletrónicos)
9. A 21 de novembro de 2018 é subscrita informação do MUNICÍPIO ..., com a referência ...18, onde consta:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


(facto provado por documento, a fls ... dos autos eletrónicos)
Em termos de factualidade não provada o Tribunal consignou:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.
E, em sede de motivação da factualidade assente, exarou:
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes do processo administrativo apenso, bem como dos documentos juntos pelas partes, cuja força probatória é de apreciação livre pelo Tribunal, não obstante o disposto no artigo 83.º/4 do CPTA relativamente à não contestação dos factos alegados pela entidade demandada.
O CPTA adota uma conceção ampla de objeto do processo, que abrange a causa de pedir. Estabelece-se, deste modo, que o objeto do processo corresponde à pretensão do interessado e não ao ato de deferimento (artigo 66.º n.º 2 CPTA). Daqui se retira que o objeto do processo nunca será o ato administrativo, mas antes o direito do particular a uma determinada conduta da Administração.
Por isso, é importante ter presente que resulta igualmente do n.º 2 do 66.º do CPTA que o efeito anulatório é implícito pelo que dispensar-se-ia a referência expressa à anulação. Facilmente se compreende inerente: a análise do pedido condenatório implica o conhecimento da legalidade da recusa (ou omissão).
No fundo, o Tribunal recorreu à análise das várias fontes de prova, a histórica [quando o facto que queremos provar está registado, representado ou reproduzido (através de documentos, por exemplo)] e a prova indiciária (ou crítica).
A prova indiciária, enquanto prova crítica ou lógica, sugere uma probabilidade séria da existência do direito. Com efeito, aqui não relevam registos, reproduções, representações, mas sim, indícios, que mais uma vez, permitem a extração de presunção sobre o acontecimento de um facto. São necessárias operações lógicas realizadas por intermédio do juiz, que, a partir de um facto se consegue chegar ao facto a apurar: é o caso das presunções judiciais (vide artigo 351.º do CC).

Recorda-se o que preceitua o artigo 607°, n.° 5, do CPC, sob a epígrafe “Sentença”, que determina que “... o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes...”.
Na verdade, a livre valoração da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou de conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação. A livre apreciação da prova exige, pois, um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência, recorrendo a conhecimentos de ordem geral que as pessoas normalmente inseridas na sociedade possuem, bem como a observância das regras da experiência comum, da ciência, dos critérios da lógica e da argumentação.
Os factos julgados provados na ação resultaram da apreciação dos documentos juntos pelas partes e dos constantes do PA, cujas declarações foram julgadas credíveis e fieis representações da realidade, tendo por isso sido decisivos para se julgarem provados os factos provados 1. a 9..

De Direito -

É objecto de recurso a sentença que julgou improcedente a excepção de ineptidão inicial da p.i. e, a final, julgou parcialmente procedente a acção administrativa e, em consequência, condenou o MUNICÍPIO ..., ora recorrente, a:
a) Proceder ao cálculo médio, para cada um dos associados presentes na presente ação (AA, BB, CC, DD e EE), do número de dias de trabalho suplementar realizados, por mês, nos anos de 2004 a 2013, ou, em caso de impossibilidade, nos últimos 3 anos desde o ano de 2013;
b) Após, para efeitos ressarcitórios, deve proceder ao pagamento de 25% do total de dias de trabalho suplementar encontrado [que será um produto médio], nos termos da condenação em a), por não ser possível assegurar, hoje, o gozo real dos dias a que teriam tido direito, como descanso complementar remunerado.

Mais decidiu julgar improcedentes os demais pedidos.
Na acção intentada pelo STAL, em representação dos seus associados, melhor identificados na p.i., pretendia o Autor o reconhecimento do “direito a gozar dias e horas como descanso remunerado por trabalho suplementar prestado além do horário de trabalho e em dia de descanso semanal complementar e obrigatório e o direito a ver serem determinados pela entidade demandada os períodos em que os seus associados possam gozar tais dias. Subsidiariamente, caso não fosse possível determinar os dias em que os associados do autor não possam gozar os dias referidos, o direito a receber 1 dia de remuneração ou 30 avos da RBM por cada dia de descanso remunerado não gozado”.
Sustentou o Tribunal recorrido para concluir pela procedência parcial da acção que os trabalhadores podem, efetivamente, ser obrigados a prestar trabalho extraordinário, mas têm o direito a gozar os dias e horas como descanso remunerado por trabalho suplementar prestado, sendo que o gozo destes direitos não carece de prévio requerimento do trabalhador.
De acordo com o Tribunal a quo, o Réu/Município violou o princípio da confiança e da boa-fé já que ordenou a prestação de serviços e não cuidou de programar o exercício do direito ao descanso a que cada trabalhador teria direito, para além de que, de acordo com o Tribunal, o MUNICÍPIO ... beneficiou do trabalho, sem ter compensado os trabalhadores com os descansos compensatórios reclamados, o que consubstancia enriquecimento sem causa.

Todavia, considerou o Tribunal a quo que não podia proceder o pedido do Autor ao reconhecimento do direito dos associados ao gozo dos dias e horas como descanso remunerado por trabalho prestado além do horário normal de trabalho em dia de descanso semanal complementar e descanso obrigatório, pela impossibilidade do seu gozo agora, por violação do artigo 33.º do DL n.º 259/98, de 18/8, e em violação do artigo 163.º do RCTFP, ainda que por culpa imputável ao Município, assim como não podia proceder o pedido de condenação do Réu a determinar os dias em que os sócios do Autor podiam gozar esses dias de descanso e horas remuneradas.
E quanto ao pedido subsidiário de condenação do Réu a pagar 1 dia de remuneração ou 30 avos da RBM por cada dia de descanso remunerado não gozado acrescido dos juros, decidiu igualmente o Tribunal que o pedido tem um “problema de base” que é a falta de prova dos dias de descanso compensatórios remunerados não gozados pelos associados do Autor que se mantiveram na ação.
Mais se entendeu na sentença que não foi possível identificar, por culpa imputável à entidade empregadora, que dias cada associado do Autor na ação teria direito a gozar, o que determinou a improcedência parcial do pedido subsidiário.

Contudo, concluiu o Tribunal recorrido pela condenação do aqui recorrente no pagamento de uma indemnização a título de enriquecimento sem causa. Para cálculo do valor indemnizatório, o Tribunal decidiu que, nos casos de prestação de facto, e atenta a impossibilidade de restituição em espécie [que se traduziria no gozo efetivo dos dias de descanso complementar a que cada trabalhador teria direito], haveria que restituir o valor correspondente.
Dada a impossibilidade de saber quantos dias, em que dias, e quantas horas foram prestados de trabalho suplementar que deveriam dar direito, também, a descanso complementar, entendeu o Tribunal que nada obsta a que a medida da restituição, consistindo numa obrigação de “indemnização em valor”, seja calculada por recurso à equidade, ao abrigo do nº 3 do artigo 566º do CC.
Decidiu, assim, o Tribunal a quo, com recurso à equidade, ordenar ao Réu a proceder ao cálculo médio, para cada um dos associados presentes na presente ação, do n.º de dias de trabalho suplementar realizados por mês, nos anos de 2004 a 2013, ou não sendo possível, pelo menos nos três anos desde o ano de 2013.
Após, para efeitos ressarcitórios, condenou o Réu a proceder ao pagamento de 25% do total de dias de trabalho suplementar encontrado [que será um produto médio], nos termos acima referidos, por não ser possível assegurar, hoje, o seu gozo em dias de descanso complementar remunerados.

Na óptica do Recorrente a decisão recorrida erra na apreciação da causa e nos pressupostos de facto e de direito, sendo certo que a condenação do Recorrente com base no instituto do enriquecimento sem causa e com recurso à equidade, viola o disposto nos artigos 473.º e seguintes e n.º 3 do 566.º do Código Civil.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos,
Da nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, na medida em que a decisão está em oposição com os fundamentos da mesma, sendo certo que é igualmente ambígua e obscura, o que torna a decisão ininteligível -
Como é sabido, a nulidade da decisão judicial por oposição dos fundamentos com o decidido, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º CPC, é um vício que afecta a estrutura lógica da decisão, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, motivo por que não lhe são subsumíveis meras discordâncias do recorrente com que o foi decidido.
Não ocorre nulidade da sentença recorrida se esta é coerente entre os fundamentos e a decisão, sem prejuízo da eventual ocorrência de erro de julgamento quanto às questões a apreciar - Acórdão do STA de 11/7/2012, no proc. 0235/12.
Esta nulidade (contradição entre os fundamentos e a decisão) ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão.
Na verdade, a sentença pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação.
Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC.
Ora, nos termos do supracitado preceito legal, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154º, nº 1, do CPC.
O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar, como referimos, somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
Quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziram ao resultado expresso na decisão, inexistindo uma real contradição entre os fundamentos e a decisão pois que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue esse caminho não se verifica a nulidade p. na al. c) do nº 1 do artº 615º do CPC.

Voltando ao caso concreto, desde logo, na sua fundamentação, a sentença recorrida refere que, face à falta de factos relevantes, o Tribunal considera adequado, por equidade, ordenar ao Réu o cálculo médio, para cada um dos associados presentes na ação, do n.º de dias de trabalho suplementar realizados por mês, nos anos de 2004 a 2013, ou não sendo possível, pelo menos nos três anos antecedentes a 2013 (portanto desde 2010).
Mas já o corpo dispositivo da sentença proferida condena o Réu a proceder ao cálculo médio, para cada um dos associados presentes na ação, do n.º de dias de trabalho suplementar realizados, por mês nos anos de 2004 a 2013, ou, em caso de impossibilidade, nos últimos 3 anos desde o ano de 2013. Ou seja, os últimos 3 anos desde o ano de 2013 incluem os anos de 2013, 2014 e 2015, o que, notoriamente, está em contradição com a fundamentação da sentença, que se refere aos três anos antecedentes a 2013 (referindo-se o início da contagem ao ano de 2010, o que parece excluir o ano de 2013).
O que determina a nulidade da decisão recorrida por contradição entre os fundamentos da decisão e a decisão.
Acresce que, tal como o Tribunal chegou a concluir, não existem factos relevantes para determinar o número, ainda que médio, de dias de trabalho suplementar realizados nos anos de 2004 a 2013, não sendo possível, face à ausência de prova, concluir pelo número de dias de trabalho suplementar prestado pelos trabalhadores associados do Autor na presente ação, o que determinou a improcedência de todos os pedidos principais formulados pelo Autor, como resulta da sentença.
Com efeito, na sentença julgaram-se improcedentes os principais pedidos formulados pelo Autor e julgou-se parcialmente improcedente o pedido subsidiário.
O Autor formulou os seguintes pedidos, peticionando a condenação do Réu a emitir ato administrativo com os seguintes segmentos essenciais:
I - Que reconheça o direito dos sócios do Autor ao gozo dos dias e horas, como descanso remunerado decorrente da prestação de trabalho suplementar, para além do horário normal de trabalho em dias de descanso semanal complementar e descanso semanal obrigatório;

II - Que determine os períodos em que os sócios do Autor possam efectivamente gozar os dias de descanso e horas remuneradas em causa;
III - Que, em caso de impossibilidade justificada de propiciar o gozo efectivo, determine o pagamento de um dia de remuneração ou trinta avos da remuneração base mensal por cada dia de descanso remunerado não gozado ou fração;
IV - O pagamento de juros de mora à taxa legal sobre as quantias que forem pagas nos termos do segmento antecedente.
Como resulta da sentença recorrida, o Tribunal concluiu pela improcedência do pedido do Autor ao reconhecimento do direito dos associados ao gozo dos dias e horas como descanso remunerado por trabalho prestado além do horário normal de trabalho em dia de descanso semanal complementar e descanso obrigatório, pela impossibilidade do seu gozo agora, por violação do artigo 33.º do DL n.º 259/98, de 18/8 e em violação do artigo 163.º do RCTFP.
Mais julgou improcedente o pedido do Autor de condenação do Réu a determinar os dias em que os sócios do Autor podem gozar esses dias de descanso e horas remuneradas.
Por fim, julgou parcialmente improcedente o pedido subsidiário de condenação do Réu a pagar um dia de remuneração ou 30 avos da RBM por cada dia de descanso remunerado não gozado acrescido de juros, por falta de prova dos dias de descanso compensatórios remunerados não gozados.

Em face da improcedência dos pedidos formulados pelo Autor não se compreende a condenação do Réu, sendo a mesma ambígua e ininteligível, nos termos proferidos pela sentença recorrida, não correspondendo a qualquer pedido do Autor, nem ao pedido subsidiário, sendo que este devia, igualmente, ser julgado totalmente improcedente, por falta de indicação do número de dias de descanso remunerado não gozado ou fração.
O que representa violação do princípio do dispositivo e consubstancia nulidade da decisão, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e e) do CPC.
Com efeito, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 95.º do CPTA (enquanto emanação do princípio do dispositivo do processo administrativo, que se proclama de partes iguais conforme artigo 6.º do CPTA), o juiz tem o dever de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
O que significa que o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pediu, o que constitui uma decisão surpresa.
A convocação do poder inquisitório do Tribunal não pode, assim, colidir com o princípio da legalidade e da tipicidade que norteia toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da autorresponsabilidade das partes e o da preclusão.

Todavia, o princípio do inquisitório tem de ser conjugado com o princípio do pedido e com o ónus de alegação dos factos, condições de eficácia do processo.
Nos termos do n.º 1 do artigo 95.º do CPTA o tribunal está vinculado às concretas questões e pretensões que vêm trazidas a litígio, que aprecia e resolve, decidindo sobre as mesmas. Exige-se que a sentença respeite o pedido, substancial e quantitativamente, o que não se verificou no caso sub judice.
Ademais, o Tribunal julgou improcedentes os pedidos, por falta de prova, mas também pela impossibilidade do seu gozo dos descansos compensatórios, por violação do artigo 33.º do DL n.º 259/98, de 18/8 e em violação do artigo 163.º do RCTFP, decidiu condenar o Réu em pedido substancialmente diverso do pedido do Autor - sendo que a condenação do Réu é contraditória com as decisões de improcedência dos pedidos e também da improcedência parcial do pedido subsidiário, o que determina a apontada nulidade da sentença.
Sempre se dirá ainda, como o Tribunal também concluiu, que não foram provados os factos constitutivos da situação jurídica que o Autor pretendia fazer valer em juízo ou os elementos constitutivos do facto jurídico cuja existência afirma, o que sempre determinaria a absolvição do Réu dos pedidos.

Constitui princípio geral que cabe àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que competia ao Autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir da sua pretensão e, de acordo com a regra da repartição do ónus da prova, incumbia ao Autor concretizar o pedido em relação a cada um dos associados, ou seja, indicar o número de dias de trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal obrigatório por cada um dos seus associados, bem como especificar o número de horas de trabalho suplementar prestado por cada um dos trabalhadores, se o mesmo foi autorizado ou não pela entidade empregadora e qual o número de dias correspectivos e referentes ao descanso compensatório a que alegadamente teriam direito a usufruir.
O Autor não alegou, nem consequentemente provou, o número de dias de trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal obrigatório por cada um dos seus associados, nem especificou o número de horas de trabalho suplementar prestado por cada um dos trabalhadores, nem a autorização para prestação desse trabalho suplementar pela entidade empregadora e nem o número de dias correspectivos e referentes ao descanso compensatório a que alegadamente os associados teriam direito.
O ora Recorrido limitou-se a alegar, genericamente, que os associados prestaram trabalho suplementar, sobretudo em dia de descanso semanal obrigatório e que têm direito a dias de descanso remunerado, sem indicar quais os trabalhadores abrangidos para prestar trabalho suplementar nos dias de descanso semanal obrigatório, em que dias foi prestado esse trabalho e se o mesmo foi autorizado e, em caso de impossibilidade de proporcionar o gozo do descanso remunerado, qual o valor da remuneração alegadamente devida a cada um dos associados.

Como se disse, competia ao Autor o ónus de alegar os factos concretizadores da causa de pedir e do pedido, não podendo eximir-se dessa alegação, sob pena de não poderem ser julgados procedentes os seus pedidos, por manifesta falta de prova dos factos alegados, o que se verificou no caso em apreço. Consequentemente e como concluiu a sentença recorrida, os pedidos do Autor não podiam proceder, por “falta de factos relevantes” para a condenação do Réu, por falta de prova dos dias e horas de trabalho suplementar prestados e dos dias de descanso compensatório remunerado não gozados pelos associados.
Essa prova incumbia ao Autor e não ao Réu.
E nem se pode dizer que a impossibilidade de identificar os dias de trabalho suplementar e dos dias de descanso compensatório se deveu a culpa imputável à entidade empregadora, não tendo sido provado qualquer facto fundamentador dessa imputação culposa.

De salientar que o que resulta da matéria de facto provada é a impossibilidade de determinar esses dias de prestação de trabalho suplementar, da sua autorização e dos descansos compensatórios gozados ou por gozar, também pelo decurso do tempo e da ausência de registo do mesmo.
Como tudo consta da matéria de facto provada, que assenta unicamente nos elementos/documentos constantes do PA junto aos autos, não foi possível efectuar uma relação entre o trabalho prestado e o descanso compensatório eventualmente gozado por cada um dos trabalhadores. Isto é, não foi possível aos serviços camarários aferir se o descanso compensatório contabilizado na informação da DASP n.º 12479, de 30/03/2012 foi ou não já realizado (cfr. pontos 2), para além de que não foram cumpridos os prazos legalmente estabelecidos para a marcação/gozo de descanso compensatório eventualmente adquirido pelos trabalhadores em causa (pontos 3., 4., 5., 6., 7. e 9.).
Como consta das informações e despachos transcritos na matéria de facto dada como provada, não foi possível aos serviços identificar o dia em que o trabalho foi prestado e que eventualmente originou o descanso compensatório, sendo certo que dos boletins de “Comunicação de Ausência” constantes do PA apenas identificavam o ano, sem identificar o dia em que o trabalho foi prestado. Ou seja, não é possível identificar - nem o Autor indica - quais os dias em que o trabalho foi prestado e que eventualmente determinaria o descanso compensatório, nem se os descansos compensatórios já gozados respeitam ao trabalho suplementar prestado e em que dia foi o mesmo prestado e/ou autorizado.
Em face da matéria de facto provada e dada a ausência de qualquer prova quanto aos dias e horas de trabalho suplementar prestado e dos dias de descanso compensatório não gozados, não podia, pois, o Tribunal recorrido condenar o Réu a proceder a esse cálculo (que, aliás, é impossível, dada a ausência de quaisquer registos) e, muito menos, em pedido diverso dos pedidos formulados pelo Autor.
E o que dizer da condenação do Réu com base no instituto do enriquecimento sem causa?
A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de quatro requisitos (artigos 473.º, n.º 1, e 474.º, ambos do Código Civil), tornando-se necessário que: a) Haja um enriquecimento; b) O enriquecimento careça de causa justificativa; c) O enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição; d) A lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado
A 1ª das situações previstas no nº 2 do artº 473º do C.Civil é a da restituição daquilo que for indevidamente recebido (“condictio indebiti”).
No que diz respeito ao enriquecimento, este pode consistir “na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista (…)”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento” - Ac. da RC de 11/10/2016 no proc. nº 681/15.0TBACB.C1.

1 - Nada obsta que, em princípio, gorada a acção com base no mútuo nulo por falta de forma, venha o mesmo autor, agora com fundamento no enriquecimento indevido, pedir ao mesmo réu o reembolso da mesma quantia.
2 - O instituto do enriquecimento sem causa surge-nos como fonte autónoma das obrigações, sendo certo que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, o empobrecido só pode recorrer à acção de enriquecimento à custa de outrem, quando não tenha outro meio para cobrir os seus alegados prejuízos.
3 - Tendo o autor estruturado a sua acção com base no enriquecimento sem causa, compete-lhe alegar e provar os seus respectivos pressupostos, ou seja:
a) a existência de um enriquecimento;
b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;
c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
4 - Tendo, assim, a falta de causa de ser não só alegada, como também provada por quem pede a restituição.
5 - Traduzindo-se a falta de causa justificativa na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento.
6 - E, se o onerado com o ónus em apreço não fizer a prova dos factos que lhe são impostos, a causa será julgada contra ele.

(…) - Acórdão do STJ de 02/7/2009 no proc. 123/07.5TJVNF.S1
No caso vertente a proibição do enriquecimento sem causa não pode ser vista simplesmente como está regulado no Código Civil, porque o “princípio da prossecução do interesse público ou do bem comum” e o “princípio de que a lei é o fundamento e o limite da actividade da Administração (legalidade)” são o núcleo deste ramo do Direito, assim se sobrepondo ao regime do direito civil.
Não se pode falar em enriquecimento sem causa do ente público, desde logo, porque a prestação de trabalho suplementar obedece ao princípio da prossecução do interesse público.
De qualquer forma, o Autor não provou em que medida se verificou enriquecimento do Réu e em que medida tal enriquecimento determinou o empobrecimento dos associados do Autor.
Ora, perante o probatório e inexistindo prova concreta quanto ao número de dias de trabalho suplementar prestado e se o mesmo foi autorizado e prestado em dias de descanso semanal ou em dia feriado, assim como na ausência de prova quanto ao alegado número de dias de descanso compensatório a que os associados do Autor alegadamente teriam direito ou se os descansos foram ou não gozados, não é possível determinar qual o enriquecimento do Réu e o correspectivo empobrecimento do Autor; logo, não podia o Tribunal condenar o Réu, ainda que com recurso à equidade, a calcular o número médio de dias de trabalho suplementar prestado e os eventuais descansos compensatórios.

Ademais tal contabilização é impossível, dado que, nos termos do disposto no 4.º § da Portaria n.º 609/2009, de 6/6, os suportes documentais de registo de trabalho extraordinário (a existirem) devem ser conservados em arquivo pelo prazo mínimo de cinco anos, prazo esse largamente ultrapassado, não sendo possível aferir quais os dias de trabalho prestado pelos associados do Autor em dia de descanso semanal obrigatório, sendo certo que tal prova incumbia, repete-se, ao Autor.
Salientando-se que também não foram cumpridos os prazos legalmente estabelecidos para a marcação/gozo de descanso compensatório eventualmente adquirido pelos trabalhadores em causa.
Ora, não tendo sido provada a existência de danos aos associados do Autor (na medida em que não se provou qual o número de dias ou horas de trabalho suplementar prestado, nem o número de dias de descanso compensatório não gozado), não podia o Tribunal condenar o Réu, muito menos com recurso à equidade.

O juízo de equidade a que se reporta o artigo 566º, n.º 3, do Cód. Civil, para determinação do montante da justa indemnização destinada a ressarcir os danos perante a constatação da impossibilidade de averiguar o valor concreto dos danos, faz-se a partir dos elementos de facto apurados, conjugados com diversos critérios de cálculo de natureza instrumental.
Como alegado, não se destina a suprir a falta de prova de factos que pudessem ser provados e que o Autor não provou.
I - A equidade traduz, no nosso sistema jurídico, um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “à luz de diretrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas”.
II - A necessidade de fazermos apelo aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º da lei civil, segundo a qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, surge quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos - Acórdão do STJ de 10/12/2019, no proc. 1087/14.4T8CHV.G1.S1



In casu, não se provando os danos, não podia o Tribunal condenar o Réu no ressarcimento desses mesmos danos com recurso à equidade.
Ao não decidir nos termos expostos, violou a decisão recorrida, o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alíneas c) e e) do CPC, artigos 342.º, 473.º e ss e 566.º, n.º 3 do Código Civil e 6.º e 95.º do CPTA.
Conhecendo-se agora em substituição, desatendem-se na íntegra as pretensões do Autor.
Decisão
Termos em que se concede provimento ao recurso, anula-se a sentença recorrida e conhecendo-se em substituição, julga-se totalmente improcedente a acção.

Custas pelo Autor e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.

Porto, 21/04/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro