Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00104/18.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:TRATADO DE AMIZADE, COOPERAÇÃO E CONSULTA ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL;
[TRATADO DE PORTO SEGURO]; ESTATUTO DE IGUALDADE DE DIREITOS E DEVERES;
ACESSO E INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO; ESTUDANTE INTERNACIONAL; ACÇÃO SOCIAL ESCOLAR;
Sumário:1 - O Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março, veio regular o estatuto do “estudante internacional“ a que se refere o artigo 16.º, n.º 7 da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, que estabelece as bases do financiamento do ensino superior, dispondo no seu artigo 3.º, n.º 1 [tempus regit actum], que é “estudante internacional”, aquele que não tem a nacionalidade portuguesa.

2 - O “estatuto de igualdade” que seja reconhecido a cidadãos brasileiros ao abrigo do Tratado de Porto Seguro concede apenas igualdade em geral no gozo dos mesmos direitos e sujeição aos mesmos deveres dos nacionais por parte dos cidadãos brasileiros, nos termos e condições dispostas nos artigos seguintes do Tratado [Cfr. artigo 12.º do Tratado], não resultando vertida no Tratado nenhuma norma de onde possa extrair-se que pela assinatura do Tratado, ambos os Estados quiseram reconhecer aos cidadãos de um Estado quando aí estiverem e lhes seja reconhecido o estatuto de igualdade, o direito a usufruírem em sede de acção social directa, de bolsa de estudo e de propinas em termos idênticos aos concedidos aos cidadãos dos seus respectivos Estados.

3 - Para que o direito do Autor fosse por si alcançável nos termos que assim entende ser-lhe aplicável, necessário se tornaria que o legislador do Tratado fosse concretizador, como assim o foi em torno da isenção de visto [Cfr. artigo 7.º, n.º 1 do Tratado], sem que persistisse a necessidade da interposição do legislador ordinário para efeitos da densificação das suas normas [do Tratado] em torno do acesso a bolsas de estudo e à fixação de propinas como para os nacionais.

4 - O cidadão brasileiro que ingressou no ensino superior público ao abrigo do regime jurídico de acesso e ingresso para estudantes internacionais, e a que vem a ser atribuído, na pendência do ciclo de estudos que frequenta, o “estatuto de igualdade de direitos e deveres“ ao abrigo do Tratado de Porto Seguro não pode assim ser equiparado ao estudante nacional, para os efeitos que daí pretende extrair, atinente à atribuição de uma bolsa de estudo e à fixação de uma propina de inscrição de valor igual ao que se encontra fixado para os estudantes nacionais, sem que exista legislação ordinária de densificação para esse efeito.

5 – O “estatuto de igualdade de direitos” de que goza o Autor, e que o mesmo invoca, não se compagina com o facto de ter ingressado no ciclo de estudos do curso de licenciatura ministrado na Ré, ao abrigo do concurso especial de acesso e ingresso [Cfr. alíneas B) e C) do probatório], sendo que enquanto durar esse ciclo de estudos, o Autor não poderá deixar de ser tido e havido como estudante internacional, de acordo com o regime jurídico aprovado pelo legislador ordinário seja em sede das bases do financiamento do ensino superior, seja pela definição de “estudante internacional” e do seu estatuto.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


AA, Autor na acção que intentou contra a Universidade ... [ambos devidamente identificados nos autos], onde formulou pedido no sentido de que o acto de indeferimento de atribuição da bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018 que requereu junto da U... “a) se[ja] anulado por falta ou insuficiência de fundamentação (art. 152.º e 153.º do CPA); b) se[ja] declarado nulo ou anulado por violar os arts. 12.º e 14.º do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, os arts. 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho, o artigo 3.º, n.º 1, al. c), sub. Als. iii) e iv) do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, bem como o art.º 8.º, n.º 2, art.º 7.º, n.º 4, art.º 15.º, n.ºs 1 e 3 e art.º 13.º, todos da CRP, que se invocam para os devidos e legais efeitos, designadamente para cumprimento do disposto no art.º 72.º, n.º 2 da LTC, tendo ainda pedido que a Ré seja condenada a emitir decisão de atribuição de bolsa de estudos para o ano lectivo de 2017/2018, num valor não inferior a € 5.697,99, por o A. ser considerado estudante nacional ou equiparado”, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra pela qual, a final e em suma, foi a acção julgada totalmente improcedente e a Ré absolvida do pedido, veio interpor recurso jurisdicional de Apelação.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:


“[…]
CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Recorrida do pedido.
2. O Recorrente, estudante na faculdade de Direito da Universidade ... (Recorrida) e cidadão brasileiro a quem foi concedido o estatuto de igualdade ao abrigo do Tratado de Porto Seguro, impugnou o acto da Recorrente que indeferiu o seu requerimento de atribuição de bolsa de estudos para o ano lectivo de 2017/2019.
3. O Recorrente, alegando a falta de fundamentação do acto administrativo impugnado, bem como a violação de lei e da Constituição da República Portuguesa pediu:
a) a declaração de nulidade ou anulação do acto por falta ou insuficiência de fundamentação (art. 152.º e 153.º do CPA);
b) a declaração de nulidade ou anulação do acto por violar os arts. 12.º e 14.º do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, os art. 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho, o artigo 3.º, n.º 1, al. c), sub. als. iii) e iv) do Decreto- Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, bem como o art.º 8.º, n.º 2, art. 7.º, n.º 4, art. 15.º, n.ºs 1 e 3 e o art. 13.º, todos da CRP, que se invocam para os devidos e legais efeitos, designadamente para cumprimento do disposto no art. 72.º, n.º 2 da LTC.
c) a condenação da Ré/Recorrida a emitir decisão de atribuição de bolsa de estudos para o ano lectivo de 2017/2018, num valor não inferior a € 5.697,99, por o A./Recorrente ser considerado estudante nacional ou equiparado.
4. O Tribunal a quo não especificou os fundamentos de direito que justificaram a sua decisão. Remeteu e transcreveu a sentença proferida no âmbito do processo n.º 441/17.4.BECBR, que correu termos neste Tribunal, ainda não transitada em julgado, que por sua vez fundamentou-se na sentença proferida no processo cautelar que correu termos sob o n.º 441/17.4BECBR-A.
5. O aresto citado não tem efeito de caso julgado, não se trata de uma acção que verse sobre aspectos que têm sido analisados pela jurisprudência de forma uniforme e reiterada, carecendo da necessária estabilidade na ordem jurídica para ser movida como fundamento, o que resulta na falta de fundamentação de direito da sentença recorrida.
6. A sentença recorrida viola o disposto no n.º 3 do art. 94.º do CPTA, padecendo de nulidade, conforme disposto na als. b), do n.º 1 do art. 615.º do CPC ex vi do art. 1.º e n.º 3 do art. 140.º do CPTA, devendo assim ser declarada com as devidas e legais consequências.
7. Mais é nula a sentença por não haver pronúncia sobre questões que devia apreciar.
8. O Recorrente, na petição inicial, invocou e alegou a falta de fundamentação do acto impugnado.
9. O acto praticado pela Recorrida omite em absoluto todos os factos antecedentes, essenciais e instrumentais, carreados para o procedimento administrativo que conduziram à decisão, tornando praticamente impossível ao Recorrente, ou a qualquer destinatário, compreender quais os fundamentos em que se sustentou para concluir nos termos em que o fez.
10. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta causa de invalidade invocada, pelo que padece de nulidade, conforme disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC ex vi do art. 1.º e n.º 3 do art. 140.º do CPTA, devendo assim ser declarada com as devidas e legais consequências.
11. Grande parte da sentença recorrida consiste na transcrição, quase na íntegra, da sentença proferida no âmbito do processo n.º 441/17.4BECBR (que correu termos no TAF de Coimbra), que, por sua vez, havia remetido expressamente para a sentença proferida no processo cautelar n.º 441/17.4BECBR-A, bem como remete e cita o acórdão proferido em sede de recurso (cautelar) pelo Tribunal Central Administrativo Norte.
12. São extraídos inadmissíveis e ilegais efeitos de caso julgado dos arestos cautelares, ao invés de confinar tais efeitos ao procedimento cautelar, como devido, havendo um claro prejuízo ou preconceito em relação à matéria a decidir e ao Recorrente.
13. A douta sentença recorrida viola, deste modo, o disposto no n.º 4 do art. 364.º do CPC (aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA), devendo ser revogada, com as devidas e legais consequências.
14. O Tribunal a quo, ou a sentença transcrita, formou a sua convicção com base num parecer junto pela Recorrida emitido pela Professora Doutora BB e desconsiderou as informações, juntas pelo Recorrente, da Direcção-Geral do Ensino Superior, da Universidade ..., da Universidade ... e da Universidade ....
15. A aceitação do parecer e a rejeição das informações administrativas, conduziram à errada interpretação e aplicação do Decreto-Lei n.º 36/2014 ao caso e, consequentemente, à preterição do princípio da igualdade e da proibição do arbítrio (art. 13.º da CRP), pelo que a douta sentença deve ser revogada, com as devidas e legais consequências.
16. O Tratado de Porto Seguro é um acordo entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil sobre direitos civis e políticos de conteúdo materialmente constitucional, e como tal, apesar de infraconstitucional, contém um valor supralegislativo.
17. Atendendo à recepção e vigência do Tratado e à hierarquia das normas de Direito Internacional Público convencional, o estatuto de igualdade constitui uma excepção à aplicabilidade do estatuto de estudante internacional.
18. O estatuto de igualdade concede o direito de exercício da cidadania do país de residência, tendo os mesmos direitos e deveres de um aluno português.
19. Considerar-se ou ficcionar-se que para efeitos de acção social escolar o Tratado é afastado, esvazia de conteúdo o mesmo, bem como o princípio da igualdade, despindo-o da sua eficácia e projecção. O que constitui uma inadmissível violação do princípio da igualdade e, consequentemente, do disposto no art. 13.º e 15.º, n.ºs 1 e 3 da CRP.
20. O art. 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, na medida em que exclui os estudantes titulares do estatuto de igualdade do acesso à ação social direta, não os equiparando a estudantes nacionais, deve ser declarado inconstitucional por violação dos arts. 7.º, n.º 4, 8.º, n.º 2, 13.º, 15.º, n.ºs 1 e 3 da CRP.
21. A douta sentença recorrida concluindo pela aplicação do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março e pela não aplicação do art. 3.º, n.º 1, al. c), sub. als. iii) e iv) do Decreto- Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, viola os arts. 12.º e 14.º do Tratado de Porto Seguro, os art. 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho, os arts. 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o art. 3.º, n.º 1, al. c), sub. als. iii) e iv) do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, bem como os arts. 7.º, n.º 4, 8.º, n.º 2, 13.º, 15.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, que se invocam para os devidos e legais efeitos, designadamente para cumprimento do disposto no art. 72.º, n.º 2 da LTC, devendo a sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências.
22. A douta sentença recorrida arrima-se nos n.ºs 1 e 5 do art. 3.º do Dec-Lei n.º 36/2014, alterado pelo Dec-Lei n.º 62/2018, violando o princípio tempus regit actum e o princípio da não retroactividade, plasmado no n.º 1 do art. 12.º do CC, devendo ser revogada, com as legais consequências.
23. A concluir-se pela aplicação aos presentes autos dos n.ºs 1 e 5 do art. 3.º do Dec-Lei n.º 36/2014 (na redacção dada pelo Dec-Lei n.º 62/2018), estas normas são manifestamente inconstitucionais, por não equiparem os titulares do estatuto de igualdade aos estudantes nacionais, excluindo-os do acesso à acção social directa, violando o disposto nos arts. 7.º, n.º 4; 8.º, n.º 2, 13.º, 15.º, n.ºs 1 e 3 todos da CRP, o que, à cautela por mero dever de patrocínio, se invoca para os devidos e legais efeitos.
24. Deve a douta sentença recorrida ser revogada por se verificarem os vícios que lhe são imputados, proferindo-se Acórdão que julgue a acção provada e procedente e, em consequência condene a Recorrida a reconhecer o Recorrente como estudante equiparado aos nacionais, designadamente para efeitos de recebimento de bolsa e pagamento de propina; bem como condenada a emitir decisão de atribuição de bolsa de estudos para o ano lectivo de 2016/2017 num valor não inferior a € 5.674,89, tudo com as devidas e legais consequências e com custas pela Recorrida.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve ser proferido Acórdão que, acolhendo as conclusões tecidas, declare nula a sentença recorrida ou a revogue, concedendo, deste modo, provimento ao presente recurso e fazendo a acostumada
JUSTIÇA!

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A Ré Universidade ... veio apresentar Contra alegações, onde a final elencou as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
VII. CONCLUSÕES
1.ª Uma vez que o aresto recorrido sufraga na íntegra a fundamentação de direito plasmada na sentença proferida no âmbito do processo n.º 441/17.4BECBR, de 10/02/2018, e uma vez que transcreve tal fundamentação, é manifesto que carece de total sustentação a invocada falta de fundamentação, por omissão, que o Recorrente imputa à sentença a quo e, assim, a nulidade que lhe é imputada nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
2.ª Resulta bem claro das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, e nas quais rebate ponto por ponto a argumentação de direito vertida no aresto recorrido, que o Recorrente bem percepcionou as razões de direito em que se estribou a decisão judicial recorrida, pelo que não colhe o argumento de que a fundamentação de direito é insuficiente e em termos tais que não permitem ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de direito da decisão judicial.
3.ª Carece de total sustentação atendível o invocado vício de falta de fundamentação, em violação do art. 94.º n.º 3 do CPTA, assacado ao aresto recorrido e a invocada nulidade nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
4.ª A decisão a quo também não viola o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 95.º do CPC, e não padece de nulidade nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, pois o Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes, enumerando os factos relevantes para a decisão.
5.ª O Tribunal a quo identificou na sentença, como questão a decidir, saber se o Autor, por ter adquirido o Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres com os nacionais portugueses, tem direito, à luz da interpretação conjugada do regime previsto no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000, de 14 de Dezembro e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho), na CRP e no Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março (que regula o Estatuto do Estudante Internacional), a que lhe seja atribuída, pela Ré, uma bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018, bem como a ser-lhe fixada, pela Ré, uma propina anual igual à que é exigida, por esta, aos estudantes nacionais. (cf. págs. 7, 8 e 13 do aresto recorrido) – questão que foi integralmente objecto de análise na sentença, como se pode constatar pela leitura das páginas 13 a 20, nas quais não só transcreve, tornando sua, toda a fundamentação plasmada na sentença proferida no âmbito do processo n.º 441/17.4BECBR, em abono da interpretação e aplicação uniformes do direito, como também reforça essa fundamentação com juízo produzido a propósito da entrada em vigor, em 07.08.2018, do Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de Agosto, que veio proceder à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, que regula o Estatuto do Estudante Internacional.
6.ª O Recorrente confunde questões a decidir com argumentos em discussão, que são coisas distintas, pelo que carecem de sustentação, e terão por isso que improceder, as conclusões 7. a 10. do recurso do Recorrente.
7.ª Não obstante, e sem prescindir, tendo a M. Juiz a quo considerado que não tem acolhimento legal a pretensão do Autor, sobre si não impedia o dever de se pronunciar sobre o argumento da alegada falta de fundamentação, por ser essa apreciação irrelevante, pois atendendo ao quadro legal aplicável in casu, a decisão a proferir pela entidade recorrida apenas poderia ser, como foi, a de indeferimento da pretensão do Autor, pelo que ainda que se viesse a concluir que o acto administrativo carecia de fundamentação – o que não se concede mas se equaciona como mera hipótese de trabalho – da possibilidade de suprimento desse alegado vício não resultaria qualquer vantagem para o Autor que sempre continuaria com a prolação de uma decisão desfavorável – cf. art. 163.º n.º 5 do CPA.
8.ª Ainda que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre a alegada falta de fundamentação imputada ao acto impugnado, sempre teria concluído pela improcedência do referido vício formal, porquanto o facto de constar do acto impugnado o teor do art. 10.º do Estatuto do estudante internacional, preenche de forma inequívoca os requisitos do art. 153.º do CPA, e da argumentação expendida a propósito do invocado vício de violação de lei e da Constituição da República Portuguesa – item IV da petição inicial, artigos 19.º a 49.º – o Autor revela conhecer os motivos subjacentes à decisão, apenas se recusando a aceitar os fundamentos da mesma.
9.ª O iter cognoscitivo subjacente ao acto de indeferimento da concessão da bolsa foi, não só, claramente exposto e é perfeitamente cognoscível, como resulta da presente acção que o Autor/Recorrente bem o compreendeu, pelo que se impõe a este Venerando Tribunal julgar improcedente tudo quanto vem alegado nos pontos 7. a 10. das conclusões, confirmando a decisão recorrida quanto à improcedência da alegação do vício de falta de fundamentação do acto impugnado.
10.ª Também não assiste razão ao Recorrente quanto ao vício imputado à sentença a quo, de violação do disposto no n.º 4 do art. 364.º do CPC, desde logo porque a sobredita disposição legal não tem qualquer aplicabilidade ao caso dos presentes autos, na medida em que estamos perante um processo distinto do processo n.º 441/17.4BECBR e do processo cautelar n.º 441/17.4BECBR-A, estando aqui em causa um acto administrativo distinto do acto administrativo ali em causa.
11.ª A M. Juiz a quo não se fez valer da matéria de facto dada como provada naqueles processos para dar como provados os factos que considerou provados na presente acção. O que se verifica é que estamos, naqueles processos e no âmbito do presente processo, perante actos administrativos que se pronunciam sobre a mesma questão de direito – saber se o Autor, estudante de nacionalidade brasileira, tem direito a concessão de bolsa de estudo por ter adquirido o estatuto de igualdade de direitos previsto no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta celebrado entre a República Portuguesa e o Brasil. Confrontada com a mesma questão de direito suscitada e já decidida naqueles processos, a qual de resto sufraga integralmente, a M. Juiz a quo sustentou a sua decisão e respectiva fundamentação na decisão proferida no processo n.º 441/17.4BECBR, que optou por transcrever, em abono da interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8º., n.º 3 do Código Civil).
12.ª A citação (por transcrição) do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no âmbito do processo cautelar em que foi Requerente o ora Recorrente, consubstancia a sustentação da decisão de primeira instância na jurisprudência proferida pelos tribunais administrativos superiores, o que é, de resto, prática corrente.
13.ª O facto de as decisões citadas no aresto recorrido (por transcrição) terem sido proferidas em processo em que o Autor foi parte, não consubstancia qualquer extracção de efeitos de caso julgado, nem daí se infere que possa ter existido qualquer preconceito em relação à matéria a decidir e ao Recorrente, pois atendendo ao contexto legislativo em causa, a referida decisão poderia perfeitamente ter sido proferida no âmbito de outro processo, em que as partes litigantes fossem distintas das que no presente processo figuram como Autor/Recorrente e Ré/Recorrida.
14.ª Termos em que terá este Venerando Tribunal que julgar improcedentes, por falta de sustentação, a matéria sobre a qual versam os pontos 11. a 13 das conclusões do recurso do Recorrente.
15.ª No que diz respeito ao parecer jurídico emitido pela Professora Doutora BB, o mesmo consubstancia uma reflexão fundamentada sobre o enquadramento dos direitos reconhecidos aos beneficiários do estatuto da igualdade ao abrigo do Tratado de Amizade, e foi junto pela Ré ao abrigo do direito que lhe é reconhecido pelo art. 426.º do CPC, com o propósito de contribuir para esclarecer o espírito do julgador e, in casu, cumpriu esse desígnio, na medida em que o julgador considerou que o mesmo assumiu relevância ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica em causa no presente pleito, sem que no entanto influenciasse, como não poderia ter influenciado, e não influenciou, a
apreciação da matéria de facto alegada e a prova junta aos autos, com vista à fixação dos factos provados.
16.ª A rejeição das informações administrativas provenientes da Direcção-Geral do Ensino Superior e da Universidade ... corresponde à decisão que seria expectável que a M. Juiz a quo adoptasse face ao enquadramento legislativo aplicável ao caso concreto, o qual de resto foi integralmente respeitado pela Recorrida, ao indeferir a pretensão do Autor.
17.ª Vigorando na ordem jurídica portuguesa o regime legal especial estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 36/2016 – Estatuto do Estudante Internacional – do qual se destacam, com relevo para o caso concreto, as disposições vertidas nos arts.10.º, 7.º, 3.º n.ºs 5, 6 e 7, a adopção do entendimento vertido naquelas informações, contrário ao legalmente estipulado, não conduz ao tratamento diferenciado de situações iguais, mas a uma violação daquelas disposições por parte das Instituições de ensino superior que adoptarem aquele entendimento, pelo que se conclui, de forma inequívoca, que como se confia que também este Venerando Tribunal concluirá, pela inexistência do erro de julgamento alegado nas conclusões 14. e 15. do recurso do Recorrente.
18.ª Também não merece censura o entendimento plasmado no aresto recorrido, que sustenta a inequívoca improcedência da pretensão do Autor, por não se verificarem os invocados vícios de violação de lei que lhe são imputados.
19.ª A interpretação que é feita pelo Recorrente do quadro legal aplicável in casu está eivada de manifestos erros de interpretação, porquanto:
- o Tratado de Amizade não prevê que aos beneficiários do estatuto de igualdade sejam concedidos os benefícios de apoio social de acção directa nas instituições de ensino superior;
- o Tratado de Amizade não atribui nacionalidade portuguesa aos beneficiários do estatuto de igualdade;
- o Tratado de Amizade não faz parte do elenco de excepções previstas no art. 3.º do Estatuto do estudante internacional; e
- a situação do Autor não se enquadra em nenhuma das excepções previstas no art. 3.º do Estatuto do estudante internacional, como é por ele próprio reconhecido,
20.ª pelo não pode de forma alguma o Recorrente ser elegível para efeitos de atribuição de bolsa de estudo, nos termos do art. 5.º do Regulamento de atribuição de bolsas de estudo, nem ser equiparado a estudante nacional, nos termos do Decreto-Lei n.º 36/2014, para efeitos de benefício de apoios directo de acção social, designadamente para atribuição de bolsa de estudo.
21.ª A satisfazer-se a pretensão do Recorrente, nos termos e pelos fundamentos em que a mesma é por ele sustentada, a Universidade ... estaria a criar uma situação de desigualdade, reconhecendo mais direitos aos estudantes brasileiros do que aos portugueses. O mecanismo de entrada do Recorrente no ensino superior previsto no Decreto-Lei n.º 36/2014 está vedado aos cidadãos nacionais portugueses. Ele existe para os estudantes brasileiros e outros estudantes internacionais, porquanto estes têm de pagar por inteiro os custos da sua formação; é isso que justifica que o Estado Português tenha permitido a criação de vagas adicionais para esse canal de entrada, que o Estado Português não financia.
22.ª Também não merece qualquer juízo de censura o entendimento plasmado no aresto recorrido, de que a actuação administrativa em causa não contraria de forma alguma as normas de direito internacional convencional, nem de direito constitucional invocadas pelo Recorrente, nem merece qualquer juízo de inconstitucionalidade ou ilegalidade por aplicação de uma lei que viola normas de grau hierarquicamente superior.
23.ª Atendendo a que o Recorrente não tem nacionalidade portuguesa, que ingressou na Universidade ... ao abrigo de um concurso especial, com vagas próprias, que a atribuição do estatuto de igualdade não lhe atribui nacionalidade portuguesa, nem consubstancia uma das excepções elencadas no art. 3.º do Estatuto do Estudante Internacional, e que a situação do Recorrente também não se enquadra em nenhuma das excepções ali previstas, não sendo legalmente possível reconhecer-lhe o direito à equiparação a estudante nacional para efeitos de atribuição de bolsa, o
Recorrente terá que manter o estatuto de estudante internacional até ao final do ciclo de estudos – cf. art. 3.º n.º 5 do D.L. n.º 36/2014 e o art. 1.º n.º 6 do Regulamento n.º 135/2014.
24.ª A Recorrida apreciou o requerimento apresentado pelo aqui Recorrente, tendo por base toda a legislação aplicável in casu, sem que tenha incorrido em violação dos arts. 12.º e 15.º do Tratado, dos arts. 16.º e 16.º do D.L. n.º 154/2003, de 15 de Julho, do art. 3.º n.º 1 al. c), sub. als. iii) e iv) do D.L. n.º 129/93, de 22 de Abril, e dos arts. 7.º n.º 4, 8.º n.º 2 e 15.º n.º 3 da CRP, ou sequer dos arts. 26.º e 27.º da Convenção de Viena, agora invocada em sede de recurso, pelo que também este Venerando Tribunal concluirá, como se confia, que o acto de indeferimento em causa no presente pleito foi proferido de acordo com o quadro legislativo aplicável à situação concreta, e que não merece qualquer censura o julgamento vertido no aresto recorrido, devendo ser julgada improcedente toda matéria alegada nos pontos 16. a 21. Das conclusões de recurso do Recorrente.
25.ª Carece igualmente de qualquer fundamentação atendível a invocada violação do art. 12.º do CC imputada à sentença a quo, porquanto a sentença recorrida não aplicou ao caso concreto a redacção dos n.ºs 1 e 5 do art. 3.º do D.L. n.º 36/2014, introduzida pelo D.L. n.º 62/2018, pelo que devem improceder as alegações vertidas nas conclusões 22. e 23. do recurso.
26.ª A sentença recorrida apenas consolidou a fundamentação jurídica da decisão
com a menção à referida alteração legislativa que, de forma inequívoca, vem esclarecer o espírito do legislador e confirmar, sem deixar margem para dúvidas, que a decisão da Requerida é conforme a esse espírito e, assim, à lei, e que a pretensão do Requerente se sustenta numa errada interpretação do quadro legislativo aplicável à sua situação concreta, e sem qualquer correspondência nesse regime.
27.ª Considerando que não se verificam os vícios assacados à sentença recorrida, e que o Tribunal a quo julgou bem ao decidir pela total improcedência da acção, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamentação de facto e de direito atendível, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, assim se fazendo, inteira Justiça!

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.



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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se reconduzem, a final, em saber se a Sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo: padece das nulidades a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC, por não terem sido especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e por omissão de pronúncia [Cfr. conclusões 4 a 10 das Alegações de recurso]; na invocação de erros de julgamento em matéria de direito, por violação do disposto no artigo 364.º, n.º 4 do CPC [Cfr. conclusões 11 a 13 das Alegações de recurso]; por violação do princípio da igualdade e da proibição do arbítrio, a que se reportam os artigos 13.º e 15.º, n.ºs 1 e 3 da CRP [Cfr. conclusões 14 e 15, e 16 a 19 das Alegações de recurso]; por ter sido aplicado o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março e não o artigo 3.º, n.º 1, al. c), subalíneas iii) e iv) do Decreto- Lei n.º 129/93, de 22 de abril, em violação dos artigos 12.º e 14.º Tratado de Porto Seguro, dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, e dos artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de julho [Cfr. conclusão 21 das Alegações de recurso]; e finalmente, por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1 do Código Civil, por ter o Tribunal a quo aplicado o artigo 3.º, n.ºs 1 e 5 do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março [Cfr. conclusões 22 e 23 das Alegações de recurso].
Sustentou também o Recorrente que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, d 10 de março, deve ser declarado inconstitucional, por excluir os estudantes titulares do estatuto de igualdade do acesso à acção social directa, não os equiparando a estudantes nacionais, por violação do disposto nos artigos 7.º, n.º 4, 8.º, n.º 2, 13.º, 15.º, n.ºs 1 e 3 da CRP [Cfr. conclusão 20 das Alegações de recurso]

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Consideram-se provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
A) O Autor tem nacionalidade brasileira – cfr. informações constantes nos docs. ...0 e ...1, juntos com a petição inicial (doravante, p.i.);
B) O Autor iniciou a frequência no curso de licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade ... no ano lectivo de 2015/2016 – cfr. doc. de fls. 23 do PA e docs. ... e ..., juntos com a p.i.;
C) Tendo ingressado no referido curso ao abrigo do concurso especial de acesso e ingresso do estudante internacional – cfr. docs. ... e ..., juntos com a contestação;
D) O Autor solicitou a atribuição do Estatuto de igualdade de direitos e deveres com os nacionais portugueses ao abrigo do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000, de 14 de Dezembro, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 79/2000, de 14 de Dezembro, e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho – facto admitido por acordo entre as Partes;
E) Por despacho n.º ...16, datado de 08/07/2016, publicado no Diário da República em 09/08/2016, o Secretário de Estado da Administração Interna determinou o seguinte: “foi concedido Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres previsto no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil (…) aos cidadãos brasileiros: Nome: AA (…)” – cfr. doc. ..., junto com a p.i.;
F) O Estatuto concedido ao Autor, descrito na alínea anterior, encontra-se registado na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, sob o n.º ...01 “do ano de 2016” – cfr. doc. ...0, junto com a p.i.;
G) Em 08/04/2016 foi remetido pelo endereço de correio electrónico acesso@dges.mctes.pt, para o destinatário ..., uma mensagem de correio electrónico do qual resulta, com relevância, o seguinte: “Afigura-se que, o estatuto de igualdade entre portugueses e brasileiros concede o direito de exercício da cidadania do país de residência e, nessa medida, o nacional brasileiro a residir em Portugal, a quem aquele tenha sido concedido, tem o direito de acesso ao ensino superior português, assim como o direito a ser aluno nas instituições de ensino superior portuguesas nos mesmos termos que um cidadão português, beneficiando dos mesmos direitos e deveres.
Assim, em cumprimento do disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março, o aluno que venha a adquirir o estatuto de igualdade no âmbito do Tratado de Amizade, tem o direito à cessação da aplicação do estatuto de estudante internacional, produzindo essa cessação efeitos no ano lectivo subsequente à data da aquisição do estatuto de igualdade, momento a partir do qual poderá ser um aluno com direito a frequentar o ensino superior português nas mesmas condições dos alunos portugueses. (…)” – cfr. doc. ...2, junto com a p.i.;
H) Em 21/08/2017 o Autor submeteu à Ré pedido de atribuição de Bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018, nos termos e ao abrigo do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior (Despacho n.º ...12, de 22 de Junho) – cfr. doc. ..., junto com a p.i.;
I) Em 27/11/2017 o Autor foi notificado da decisão final da Ré, no sentido do indeferimento do pedido de atribuição de bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018, e da qual decorre, com relevância, o seguinte: “O Despacho n.º ...12, de 22 de junho, sucessivamente alterado, na sua actual redacção, aprovou o regulamento de atribuição de bolsas de estudo a estudantes do ensino superior. Considerando o requerimento de atribuição de bolsa de estudo para o ano lectivo 2017/2018 que submeteu no dia 21/8/2017. Considerando as informações recolhidas junto dos serviços competentes para avaliação das condições de elegibilidade previstas. Considerando o cálculo do rendimento per capita efectuado de acordo com o previsto no regulamento de atribuição de bolsas de estudo a estudantes do ensino superior; (…) Face ao exposto, de acordo com o previsto:
Estatuto do estudante internacional, Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março.
Artigo 10.º
Os estudantes internacionais beneficiam exclusivamente da acção social indirecta.
É indeferido o requerimento de atribuição de bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018 apresentado (…) pelo(s) seguinte(s) motivo(s):
Estudante internacional” – cfr. doc. ..., junto com a p.i.;
J) Por mensagem de correio electrónico datada de 11/07/2018 a Ré informou ao Autor, entre o mais, que “(…) os prazos Académicos a vigorar no ano lectivo de 2018/2019 foram publicados através do Despacho Reitoral n.º ...18, de 10 de julho (…). Avisam-se ainda os estudantes da U... inscritos em 2017/2018 dos prazos para a inscrição em frequência e alteração de inscrição no ano lectivo de 2018/2019:
- Prazo normal de inscrição: 22 de agosto a 15 de setembro, 2018
- Prazo adicional de inscrição (emolumento de 15€): 16 de setembro a 08 de outubro, 2018
- Prazo adicional de inscrição (emolumento de 30€): 09 a 29 de outubro, 2018
(…)” – cfr. doc. ...0, junto com o p.i.;
K) A p.i. da presente acção deu entrada em juízo no dia 23/02/2018 – cfr. registo SITAF (referência n.º ...51).
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Não existem outros factos com relevância para a decisão da causa.
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Os factos que se consideraram provados resultaram da análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo, que foram específica e respectivamente identificados, bem como do acordo das Partes, conforme indicado em cada alínea do probatório.”

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IIIii – DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 11 de setembro de 2018, que com referência ao pedido formulado pelo Autor a final da Petição inicial, julgou pela sua total improcedência.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Cumpre apreciar e decidir.

Conforme assim deflui das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, o mesmo sustenta que a Sentença recorrida padece de duas nulidades [Cfr. conclusões 4 a 10] e de vários erros em matéria de direito [Cfr. conclusões 11 a 19, e 21 a 23].

Não constitui objecto do presente recurso qualquer erro em matéria de facto, porquanto, como assim julgamos e por decorrência das conclusões das Alegações apresentadas, com a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo se conformou o Autor ora Recorrente.

Cumpre então apreciar e decidir, e desde já em torno das duas invocadas nulidades a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC, sendo que para tanto para aqui extraímos o artigo 615.º do CPC, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [sublinhado da autoria deste TCA Norte] ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Quanto à invocada nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, sustentou o Recorrente [Cfr. conclusões 4 a 6 das Alegações de recurso], que na Sentença recorrida não especificou o Tribunal a quo os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida a final, violando ainda o disposto no artigo 94.º, n.º 3 do CPTA. por se ter limitado a Mm.ª Juíza a transcrever a Sentença proferida no Processo n.º 441/17.4BECBR, ainda não transitada em julgado, carecendo assim da necessária estabilidade na ordem jurídica para efeitos de ser movida como fundamento.

Como resulta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo identificou como questão a decidir, para efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPTA “... apreciar se o Autor, à luz do regime jurídico aplicável, tem direito a obter, junto da Ré, uma bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018, bem como a ser-lhe fixada uma propina anual igual à que é exigida, na U..., aos estudantes nacionais.“.

E para tanto [e para efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 3 do CPTA], fundamentou entre o mais, que “... o objecto do presente processo não é o acto de indeferimento per se – na globalidade dos vícios que o Autor lhe assaca, isto é, na averiguação das ilegalidades que o Autor imputa ao acto ou à conduta da Administração –, mas sim a pretensão do Autor em obter a sobredita bolsa, bem como na fixação de uma propina de estudos anual igual à que é exigida aos estudantes nacionais, nos termos que veicula ao longo da sua petição inicial.

Ora, as causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento (error in judicando) de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

A nulidade assacada pelo Recorrente à Sentença recorrida nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, tem subjacente a alegação de que o julgador não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Vejamos.

A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional, mostrando-se expressamente prevista no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sendo que é pela fundamentação da decisão que se permite o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se desse modo qualquer livre arbítrio do julgador.

Em obediência a esta exigência constitucional, o legislador ordinário consagrou no artigo 154.º do CPC o “Dever de fundamentar a decisão”, estipulando no seu n.º 1 que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. E, por outro lado, cominou com a nulidade a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC)].

Esta nulidade está relacionada com o comando a que se reporta o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de “… discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.

Isto posto, regressemos ao caso dos autos.

Analisada a Sentença recorrida constatamos que a Mmª. Juiza a quo, depois de fixar a factualidade que entendeu por relevante, com referência aos elementos de prova que a suportam, enunciou as razões que conduziram ao julgamento da improcedência da acção.

E a final da fundamentação aportada na Sentença recorrida, a Mm.ª Juíza referiu que “Em face ao exposto, não podendo o Autor ser equiparado aos estudantes nacionais, para os efeitos que daí pretende extrair, soçobra a sua pretensão, de condenação da Ré à atribuição de uma bolsa de estudo para o ano de 2017/2018 e de fixação de uma propina de inscrição de valor igual ao que se encontra fixado para os estudantes nacionais.“

Esta foi, em suma, a fundamentação que o Tribunal a quo expendeu para a final da Sentença vir a fixar o segmento decisório em torno da improcedência da acção.

O facto de o ter feito com apoio no teor de uma Sentença proferida num outro Processo judicial, ainda que sem que tenha ocorrido o trânsito em julgado, não configura por si qualquer nulidade, designadamente por falta de fundamentação.

Cotejada a Sentença recorrida, daí extraímos que o Tribunal a quo especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão enunciada, e o que mais dela se retira, é que a relação jurídica controvertida de que tratavam os autos a que se reporta a Sentença proferida no Processo n.º 441/17.4BECBR tinham os mesmos sujeitos processuais dos presentes autos [neste sentido, Cfr. a informação prestada nos autos pelo Autor, sob o ponto 54.º da Petição inicial], ou seja, o Autor e a Universidade ..., sendo a questão a decidir a mesma, tendo a Mm.ª Juíza invocado o artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, ou seja, teve a mesma em consideração, segundo o julgamento por si prosseguido, que a situação dos autos merecia tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Assim, não se podendo apontar à Sentença recorrida a invocada nulidade, já realidade diversa é a do eventual erro de julgamento, por discordância do Autor ora Recorrente com a posição jurídica assumida pelo Tribunal a quo, o que aporta efeitos e consequências processuais diversas do regime da nulidade das Sentença.

Quanto à invocada nulidade por omissão, a que se reporta a alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, tem a mesma subjacente que o julgador deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nulidade essa que está intrinsecamente ligada ao imperativo inserto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC que consagra o dever do tribunal resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Como assim resulta da posição jurídica assumida pelo Tribunal a quo, mormente, da fundamentação vertida na Sentença recorrida, o mesmo julgou que o que importava era a apreciação e decisão da pretensão do Autor, atinente à obtenção de bolsa, assim como na fixação de uma propina de estudos anual igual à que é exigida aos estudantes nacionais, e nesses termos, que o objecto do processo não era o acto de indeferimento, na globalidade dos vícios que o Autor lhe assaca, isto é, na averiguação das ilegalidades que o Autor imputa ao acto ou à conduta da Administração, mas apenas a pretensão dirigida contra a Ré ora Recorrida.

Como refere M. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, págs. 220 e 221 – que se reporta ao anterior CPC - o “[…] tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. [...] Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados [...] ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor [...].
Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. [...]
Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder.[…]”

Vejamos.


O Recorrente sustenta que o Tribunal a quo não apreciou a falta de fundamentação que havia invocado na Petição inicial relativamente ao acto sob impugnação, sustentando nesse domínio que dessa forma se tornou praticamente impossível compreender os fundamentos em que a Universidade ..., ora Recorrida se fundou para efeitos de lhe indeferir o pedido.

E por aqui assiste razão ao Autor, pois que, como assim decorre da fundamentação aportada na Sentença, o Tribunal a quo julgou ser legalmente indevido prosseguir na apreciação dos fundamentos das invalidades invocadas.

Neste conspecto, para aqui extraímos parte do artigo 95.º do CPTA, como segue:

“Artigo 95.º
Objeto e limites da decisão
1 - A sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação [sublinhado da autoria deste TCA Norte] e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
[…]
3 - Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, [sublinhado da autoria deste TCA Norte] exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório.
[…]”

O erro congénito em que vem a derivar a nulidade por omissão de pronúncia assenta em que o Tribunal a quo julgou que apenas importava apreciar e decidir a pretensão deduzida pelo Autor face à Ré, tendo subjacente entre o mais o disposto no artigo 66.º do CPTA.

E nesse domínio apreciou o Tribunal a quo que “... atendendo à natureza do acto objecto dos presentes autos (de conteúdo negativo) e aos termos em que foi formulado o pedido (ainda que imperfeitamente expresso), a presente acção terá de ser configurada como de condenação à prática de acto devido, nos termos da leitura conjugada dos artigos 51.º, n.º 4, 66.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, alínea b), e 71.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPTA. Outrossim, não estamos diante de um “processo feito a um acto”, mas sim de um meio ou processo de plena jurisdição, cujo objecto diz respeito à pretensão material do interessado, à relação material controvertida que se constituiu e que remete para o tribunal o dever de analisar e decidir do mérito daquela pretensão.“, tendo nesse pressuposto julgado que não tinham de ser por si apreciadas as invalidades que o Autor assacava ao acto sob impugnação.

É certo que com a entrada em vigor do CPTA, a impugnação do acto e a sua apreciação pelos Tribunais deixou de ter em vista unicamente esse acto, mas também e principalmente a pretensão formulada, neste caso pela Autor, que a final da Petição inicial, para além da anulação do acto por falta de fundamentação [Cf. alínea a) do pedido]“, requereu ainda “[...] se[ja] declarado nulo ou anulado por violar os arts. 12.º e 14.º do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, os arts. 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho, o artigo 3.º, n.º 1, al. c), sub. als. iii) e iv) do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, bem como o art.º 8.º, n.º 2, art.º 7.º, n.º 4, art.º 15.º, n.ºs 1 e 3 e art.º 13.º, todos da CRP, que se invocam para os devidos e legais efeitos, designadamente para cumprimento do disposto no art.º 72.º, n.º 2 da LTC. [Cfr. alínea b) do pedido], e ainda “Se[ja] a Ré condenada a emitir decisão de atribuição de bolsa de estudos para o ano lectivo de 2017/2018, num valor não inferior a € 5.697,99, por o A. ser considerado estudante nacional ou equiparado”. [Cfr. alínea c) do pedido]

Decorre do novo contencioso administrativo, resultante da aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA] pela Lei nº 15/2002, de 19 de fevereiro, que os actos administrativos de indeferimento expresso deixam de ser objecto de processos de estrita impugnação judicial destinados a obter a sua anulação ou declaração de nulidade, para passarem a ser objecto de processos de condenação à prática de acto administrativo devido, sendo o que assim resulta dos artigos 66.º n.º 2, 67.º n.º 1 alínea b), 71.º n.º 1 e 51.º nº. 4, todos do CPTA.

Com a reforma do contencioso administrativo, operada pela aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, concretizou-se o principio constitucionalmente consagrado da plenitude da jurisdição e da tutela jurisdicional efectiva, e sobretudo, deixa de ser um contencioso centrado no acto administrativo, um contencioso de ataque ao acto, para ser um contencioso centrado na relação jurídica administrativa.

Como refere Mário Aroso de Almeida – O objecto do processo no novo contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 36, Nov/Dez 2002, página 9], o objecto do processo de condenação não se definirá assim por referência ao acto de indeferimento (expresso ou tácito) mas à posição subjectiva de conteúdo pretensivo do demandante.

Em conformidade com o disposto no artigo 51.º n.º 4 e 66.º, n.º 2, ambos do CPTA, daí resulta que, porque os Tribunais deixaram de proferir meras sentenças de anulação ou de declaração de nulidade de actos administrativos, por não estarmos perante um processo cassatório, mas antes perante um processo de plena jurisdição, ele tem necessariamente de terminar, sempre que seja julgado procedente, com uma sentença de condenação à prática de um acto administrativo.

Aqui chegados.

Sendo a falta de fundamentação do acto administrativo, “uma questão“ [para efeitos do disposto no artigo 95.º, n.º 1 do CPTA] que incumbia ao Tribunal a quo resolver, para efeitos de saber da [in]validade do acto e assim poder depois pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido, em conformidade até com o disposto no artigo 95.º, n.º 3 do CPTA, o Tribunal deve emitir pronúncia efectiva sobre todas as causas de invalidade invocadas pelo Autor e mais ainda, tem o poder/dever de identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido por si alegadas.

Face ao que deixamos enunciado supra, julgamos assim pela ocorrência da invocada nulidade por omissão de pronúncia quanto ao vício de falta de fundamentação assacado pelo Autor ao acto impugnado, pelo que, em substituição, importa conhecer da ocorrência desse vício de forma.

Para tanto, para aqui extractamos o que a esse respeito referiu o Autor na Petição inicial.

Início da transcrição
“[…]
1.º
Constitui objecto da presente acção a decisão final de indeferimento, emitida pela Ré em 27.11.2017, sobre o requerimento de atribuição de bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018, que se junta como doc. ... e se dá por integralmente reproduzido, como por reproduzidos se são todos os documentos adiante juntos e sempre que referidos.
[…]
11.º
Em 21.08.2017, o A. requereu junto da Ré a atribuição da bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018, nos termos e ao abrigo do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior., boletim de candidatura que aqui se junta – doc. ...1.
12.º
Em 27.11.2017 o A. foi notificado da decisão final (referida em 1.º) “fundamentada” da seguinte forma: “Estudante internacional” e mera remissão para o art. 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março - cfr. doc ....
III – DA FALTA OU INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
14.º
O acto praticado pela Ré (cfr. doc. ...) omite em absoluto todos os factos antecedentes, essenciais e instrumentais, carreados para o procedimento administrativo que conduziram à decisão.
15.º
Sendo impossível ao A., ou aliás, a qualquer destinatário, compreender quais os fundamentos em que se sustenta a Ré para concluir nos termos em que o fez.
16.º
Como decidiu o Acórdão do STA, de 09.09.2015, processo n.º 01173/14 (in www.dgsi.pt), “[o] acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro.”.
17.º
Deste modo, o acto não cumpre “um dos seus objetivos essenciais que é o de permitir ao destinatário reagir eficazmente contra a mesma, ficando deste modo comprometido o seu direito de defesa” (vd. Acórdão do STA de 17.10.2012, processo n.º 0383/12, disponível em www.dgsi.pt).
18.º
Atenta a falta ou insuficiência de fundamentação apontada, o acto viola o disposto no art. 152.º e 153.º do CPA, devendo ser anulado, com as devidas e legais consequências.
[...]“
Fim da transcrição.

Portanto, em sede da invocada falta de fundamentação do acto impugnado [junto com a Petição inicial sob o doc. ...] sustentou o Autor ora Recorrente, em suma, que o acto que lhe foi notificado em 27 de novembro de 2017 deve ser anulado por omitir factos antecedentes que foram carreados para o procedimento administrativo, e que lhe é impossível a ele, como a qualquer destinatário abstractamente considerado, compreender quais os fundamentos em que se sustenta a Ré para concluir nos termos em que o fez e para efeitos de reagir eficazmente em sua defesa, e que por essa razão, considerando a falta ou insuficiência de fundamentação apontada ao acto administrativo, que o mesmo viola o disposto nos artigos 152.º e 153.º do CPA, devendo ser anulado, com as devidas e legais consequências.

Mas como assim julgamos, não assiste razão ao Autor.

A jurisprudência e a doutrina tem sido firme no sentido de que a fundamentação dos actos administrativos é clara quando é permitido ao seu destinatário, na posse do acto que lhe foi dirigido, compreender sem incertezas, qual o caminho seguido pelo respectivo decisor, sobre os pressupostos valorados e como o foram, como uma espécie de percurso cognoscitivo, em que a decisão surge de forma lógica e necessária face aos factos e razões que lhe estão na base. Neste sentido, Cfr. Freitas do Amaral, e Outros, in Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 3ª. Edição, pág. 230, e Vieira de Andrade, in, O dever de fundamentação expressa dos actos administrativos, Almedina, Coimbra, pág. 232 e seguintes.

O artigo 152.º do CPA, na esteira do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, consagra um dever geral de fundamentação dos actos administrativos, dever que o artigo 153.º do CPA concretiza.

Os artigos 152.º e 153.º do CPA cumprem o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP, no qual se consagra o dever de fundamentação, consistindo este no dever de serem enunciadas, de forma explícita, as razões ou motivos que foram determinantes para a prática do acto, sendo relevante que se conheçam as premissas do acto e que nele se achem enunciados todos os motivos que conduziram ao conteúdo da decisão, tida e havida como clara, concreta, congruente e contextual.

A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o interessado e permitir-lhe o controlo do acto. Traduz-se isto, a final, em dizer que o interessado deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar-se-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada de decisão.

Só assim o interessado pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo, e também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão, pois só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não, isto é, só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma, e por outro lado, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.

Pretende-se, pois, que o destinatário do acto fique ciente do modo e das razões por que se decidiu num ou noutro sentido, para decidir se se conforma com essa decisão, ou se a vai sindicar perante os Tribunais.

Ora, em face do que resultou provado, julgamos ser manifesto que a decisão corporizada na notificação datada de 27 de novembro de 2017, que surge na relação jurídica administrativa estabelecida entre o Autor e o Réu, já por uma 2.ª vez, pois que no Processo n.º 441/17.4BECBR se discutiu igual matéria de base, atinente ao ano académico 2016/2027 [e os presentes autos são relativos à relação jurídica administrativa referente ao ano de 2017/2018] está fundamentada de facto e de direito que a torna inteligível em temos de permitir ao Autor compreender a fundamentação aí aduzida.

Com efeito, depois de cotejado o acto impugnado, o que julgamos é que pese embora a autora do acto tenha sido parca na fundamentação aportada, que de todo o modo dele consta, com suficiência, quais os pressupostos de facto e de direito que conduziram à emissão do acto e por que termos, os quais bem foram compreendidos pelo Autor, quer em face do que deixou vertido na Petição inicial, quer em face do constante nas Alegações do recurso jurisdicional ora em apreço.

De modo que, julgamos improcedente o apontado vício de forma por falta de fundamentação, pois que, inequivocamente, ela consta enunciada no acto administrativo que foi objecto de notificação ao Autor, em termos que lhe permitiu, de forma eficaz, atacar contenciosamente esse acto.

Aqui chegados.

Cumpre agora apreciar da ocorrência dos invocados erros de julgamento em matéria de direito.

E neste patamar, julgamos que o cerne da pretensão recursiva do Recorrente quanto à generalidade dos erros de julgamento invocados, se encerra na sua discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo em torno de não ser tido e havido pela Ré como estudante nacional, por se encontrar a coberto do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil [doravante, também por nós referido como Tratado de Porto Seguro], em igualdade de direitos civis e políticos com os cidadãos nacionais, e como tal, que errou o Tribunal a quo por várias razões e fundamentos, nesse julgamento que veio a fazer a final, mormente e em suma, no sentido de que sendo estudante internacional não pode ser equiparado a estudante nacional para efeitos da atribuição de uma bolsa de estudo para o ano de 2017/2018 assim como para a fixação de uma propina de inscrição, que a sua pretensão não podia proceder.

Atentando pois no teor da essencialidade da fundamentação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, daí retiramos que foi julgado que “… a pretensão do Autor não merece prosperar.”, e para tanto foi referido que “A questão que anima os presentes autos já foi objecto de decisão por este Tribunal no âmbito do processo n.º 441/17.4BECBR (intentado pelo Autor) – cuja fundamentação reproduz aquela que havia sido tecida na sentença proferida no respectivo processo cautelar (proc. n.º 441/17.4BECBR-A), e que foi, nestes autos cautelares, confirmada pelo TCA Norte (cfr. acórdão de 30/11/2017).
Assim, uma vez que sufragamos in totum o entendimento plasmado na sentença proferida no âmbito do processo n.º 441/17.4BECBR, de 10/02/2018, passamos a transcrever tal fundamentação, fazendo-a aqui nossa por facilidade de exposição e em abono da interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil):

Ou seja, no que assim prosseguiu o Tribunal a quo foi em acolher na sua totalidade a fundamentação aportada no Processo n.º 441/17.4BECBR, datada de 10 de fevereiro de 2018.

E quanto a este Processo n.º 441/17.4BECBR [que a ele tivemos acesso por consulta que fizemos ao SITAF], o que dele extraímos como assim já enunciamos supra, é que é respeitante a uma idêntica relação jurídica controvertida entre o Autor e a Ré, mas visando o ano escolar académico anterior, ou seja, 2016/2017, e em que o pedido aí deduzido, assim como a Contestação eram em tudo similares à matéria aqui em apreço, questão que o Recorrente não refere ser despicienda.

Daí que, como assim julgamos, tendo o Tribunal a quo acolhido na sua totalidade o entendimento prosseguido na Sentença proferida no Processo n.º 441/17.4BECBR, tal exercício comporta, para efeitos do disposto nos artigos 205.º, n.º 1 da CRP, 154.º do CPC e 94.º, n.º 3 do CPTA, a fundamentação necessária que deve estar contida nas Sentenças.

De resto, dispõe o n.º 5 do artigo 94.º do CPTA, “Quando o juiz ou relator considere que a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada, a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia.”

Sendo certo que o Tribunal a quo não julgou que a questão de direito a resolver era simples, e que também não remeteu para decisão precedente e dela juntando cópia, de todo o modo, julgamos que a técnica decisória por si prosseguida em torno da apropriação dos fundamentos da Sentença em causa ainda que sem que tenha ocorrido o seu transito em julgado, não é merecedora de censura jurídica, nem violadora do disposto no artigo 364.º, n.º 4 do CPC, pois que a transcrição prosseguida visou a facilidade na exposição da fundamentação e para efeitos da interpretação e aplicação uniformes do direito, como assim invocou a Mm.ª Juíza na decorrência do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

Tendo o Tribunal a quo fixado a matéria de facto que julgou provada, e tendo fixado ainda a questão que lhe cumpria decidir, se a fundamentação de direito que vem a verter por extracção de uma outra Sentença vem a ser, a final, erradamente julgada, a consequência é que se os termos e pressupostos subjacentes ao julgamento tomados na Sentença de referência vêm a ser alvo de censura jurídica em sede de recurso jurisdicional, e se afecta assim o aí decidido, de igual forma também afectará a Sentença proferida nestes autos, dada a similitude da questão de fundo a decidir.

Improcede assim, o invocado erro de julgamento em torno do disposto no artigo 364.º, n.º 4 do CPC. [Cfr. conclusões 11 a 13].

Mas para lá da transcrição de parte da Sentença proferida no Processo n.º 441/17.4BECBR, o Tribunal apreciou e decidiu ainda como segue:

Início da transcrição
“[…]
Acresce ao que vimos de expor, a fortiori ratione, a recentíssima alteração efectuada ao Estatuto do Estudante Internacional.
Efectivamente, se dúvidas ainda persistiam quanto à questão de saber se um cidadão brasileiro, a quem seja concedido o Estatuto de Igualdade ao abrigo do sobredito Tratado de Amizade, tinha direito, mercê desse Estatuto, a beneficiar da acção social directa ou a ser-lhe fixada uma propina de estudos igual à que é exigida aos cidadãos nacionais – questão que constitui, justamente, o objecto dos presentes autos -, tais dúvidas acabaram por ser definitivamente superadas e dissipadas com a entrada em vigor, em 07/08/2018, do Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de Agosto, que veio proceder à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, que regula o Estatuto do Estudante Internacional (cfr. artigos 1.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2018).
Com efeito, o próprio legislador, sob o ensejo de “esclarecer alguns aspectos do regime”, vem ditar a título preambular, nesse Decreto-Lei n.º 62/2018 , o seguinte: “[o]s estudantes internacionais ingressam ao abrigo de um concurso especial, com regras diferenciadas face aos estudantes nacionais e aos estudantes da União Europeia, especificamente concebidas para reconhecer o seu percurso formativo prévio nos países de origem, e realizam provas de ingresso distintas. Sem este regime de acesso seria muito mais difícil ou, em alguns casos, inviável, o seu acesso ao ensino superior português. É, por isso, adequado que o mesmo estatuto que agilizou o seu ingresso em determinado ciclo de estudos, e que compreende determinados deveres intimamente relacionados com os direitos que confere, se mantenha durante a frequência da totalidade desse ciclo de estudos, não se alterando em função de circunstâncias supervenientes, com excepção da aquisição de nacionalidade. Sendo necessário compatibilizar este princípio com os direitos decorrentes da concessão do estatuto de igualdade de direitos e deveres atribuído a cidadãos estrangeiros, clarifica-se o regime aplicável a estas situações.” (sublinhado nosso) – Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de Agosto.
Assim, e nessa senda, foram introduzidas alterações ao n.º 5, do artigo 3.º do dito Estatuto, passando a dele constar expressamente que, “sem prejuízo do disposto no número seguinte [estudantes internacionais que adquiram a nacionalidade de um Estado membro da União Europeia], os estudantes que ingressem no ensino superior ao abrigo do disposto no presente diploma mantêm a qualidade de estudante internacional até ao final do ciclo de estudos em que se inscreveram inicialmente ou para que transitem, ainda que, durante a frequência do ciclo de estudos, lhes venha a ser concedido o estatuto de igualdade de direitos e deveres ao abrigo de tratado internacional outorgado entre o Estado Português e o Estado de que são nacionais.” (sublinhado e realce nossos).
Portanto, a menos que o estudante internacional adquira a nacionalidade de um Estado da União Europeia (cfr. artigo 3.º, n.º 6, do Estatuto do Estudante Internacional) – o que só ocorrerá nos casos previstos no artigo 3.º, n.º 2, do Estatuto do Estudante Internacional –, manterá essa qualidade (de estudante internacional), até ao final do ciclo de estudos em que se inscreveu inicialmente ou para que transite, ainda que, durante a frequência do ciclo de estudos, lhe venha a ser concedido o estatuto de igualdade de direitos e deveres ao abrigo de Tratado internacional (como o é o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil).
Assim, o Autor, cidadão com nacionalidade brasileira, tendo ingressado na licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da U... em 2015/2016, na qualidade de Estudante Internacional, deterá este estatuto até ao final de tal ciclo de estudos (artigo 3.º, n.ºs 1 e 5, do Estatuto do Estudante Internacional), com as consequências legais daí advenientes, a saber:
a) Beneficia exclusivamente da acção social indirecta (artigo 10.º, n.º 2, do Estatuto do Estudante Internacional) – que compreende o acesso à alimentação, ao alojamento, ao acesso a serviços de saúde, ao apoio a actividades culturais e desportivas e a outros apoios educativos (cfr. artigo 20.º, n.º 3, da Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto, que define as Bases do Financiamento do Ensino Superior);
b) E, no que se refere ao valor das propinas, está sujeito ao valor fixado pelo Conselho Geral da U..., órgão legal e estatutariamente competente para a sua fixação (cfr. artigo 9.º do Estatuto do Estudante Internacional e alínea i), do n.º 2, do artigo 41.º, dos Estatutos da Universidade ..., aprovados pelo Despacho Normativo n.º 43/2008, de 1 de Setembro de 2008), o qual, por Deliberação n.º 5/2014, de 24 de Março, deliberou que “[a] propina anual para estudantes internacionais na Universidade ... é fixada em sete mil euros por ano, para todos os cursos de licenciatura, mestrado integrado e mestrado de continuidade.”.
E, note-se, pese embora o Autor venha a preencher alguma das hipóteses normativas plasmadas nas alíneas a) a e), do n.º 2, do artigo 3.º, do Estatuto do Estudante Internacional, ainda assim manterá o estatuto de estudante internacional até ao final do ciclo de estudos no qual ingressou na U... em 2015/2016, uma vez que, de acordo com o n.º 2, do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de Agosto, “o disposto nos n.ºs 2, 8 e 9 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, com a redacção dada pelo presente decreto-lei, só é aplicável a candidaturas para acesso e ingresso no ensino superior a partir do ano lectivo de 2019-2020, inclusive, não se aplicando aos estudantes que beneficiem do estatuto de estudante internacional à data de entrada em vigor do presente decreto-lei.” (sublinhado nosso).
Em face ao exposto, não podendo o Autor ser equiparado aos estudantes nacionais, para os efeitos que daí pretende extrair, soçobra a sua pretensão, de condenação da Ré à atribuição de uma bolsa de estudo para o ano de 2017/2018 e de fixação de uma propina de inscrição de valor igual ao que se encontra fixado para os estudantes nacionais.
[…]”
Fim da transcrição

Ou seja, tendo presente a fundamentação por si aportada na Sentença recorrida por remissão do julgamento de direito prosseguido na Sentença proferida no Processo n.º 441/17.4BECBR, que a final culminou em que o pedido do Autor tem de improceder por ser estudante internacional e por tal motivo, ainda que ao abrigo do Tratado de Porto Seguro possa ser titular do estatuto de igualdade de direitos e deveres, não pode todavia ser equiparado a estudante nacional, para os efeitos que daí pretende o Autor extrair, atinente à atribuição de uma bolsa de estudo para o ano de 2017/2018 e de fixação de uma propina de inscrição de valor igual ao que se encontra fixado para os estudantes nacionais, sem que exista legislação ordinária de densificação para esse efeito, o Tribunal a quo veio a depois a invocar um argumento a fortiori ratione.

O Tribunal a quo referiu neste âmbito, em acréscimo ao que deixou extraído a partir da Sentença proferida no Processo n.º 441/17.4BECBR, isto é, de que pese embora estar reconhecido ao Autor o estatuto de igualdade [Cfr. alíneas D), E) e F) do probatório], decorrente do Tratado de Porto Seguro, que dele não decorre todavia o reconhecimento de nenhum direito ao autor, enquanto estudante internacional que é [Cfr. alíneas A), B) e C) do probatório], e para efeitos da apreciação do pedido de atribuição de uma bolsa de estudo para o ano lectivo 2017/2018, assim como na fixação de uma propina anual de montante anual à que é exigida aos estudantes nacionais, tendo enfatizado que se existissem dúvidas nesse domínio face ao direito invocado [já patenteada na fundamentação da Sentença, por apropriação da fundamentação vertida na Sentença proferida no Processo n.º 441/17.4BECBR], que o legislador veio clarificar a situação com a alteração introduzida ao Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, que regula o Estatuto do Estudante Internacional, por via do Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de agosto.

Neste conspecto - Cfr. conclusões 22 e 23 das Alegações de recurso -, o Recorrente sustenta que a Sentença padece de erro de julgamento em matéria de direito, por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1 do Código Civil, ao ter o Tribunal a quo aplicado o artigo 3.º, n.ºs 1 e 5 do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de agosto, e ainda que as mesmas são manifestamente inconstitucionais.

Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai a redação do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, na redacção anterior àquela que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de agosto, e de seguida se extrai a redacção que por este diploma legal lhe veio a ser conferida.

“Artigo 3.º
Estudante internacional
1 - Para os efeitos do disposto no presente diploma, estudante internacional é o estudante que não tem a nacionalidade portuguesa. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Não são abrangidos pelo disposto no número anterior:
a) Os nacionais de um Estado membro da União Europeia;
b) Os que, não sendo nacionais de um Estado membro da União Europeia, residam legalmente em Portugal há mais de dois anos, de forma ininterrupta, em 31 de agosto do ano em que pretendem ingressar no ensino superior, bem como os filhos que com eles residam legalmente;
c) Os que requeiram o ingresso no ensino superior através dos regimes especiais de acesso e ingresso regulados pelo Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro.
3 - Não são igualmente abrangidos pelo disposto no n.º 1 os estudantes estrangeiros que se encontrem a frequentar uma instituição de ensino superior portuguesa no âmbito de um programa de mobilidade internacional para a realização de parte de um ciclo de estudos de uma instituição de ensino superior estrangeira com quem a instituição portuguesa tenha estabelecido acordo de intercâmbio com esse objetivo.
4 - O tempo de residência com autorização de residência para estudo não releva para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2.
5 - Os estudantes que ingressem no ensino superior ao abrigo do disposto no presente diploma mantêm a qualidade de estudante internacional até ao final do ciclo de estudos em que se inscreverem inicialmente ou para que transitem. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
6 - Excetuam-se do disposto no número anterior os estudantes internacionais que adquiram a nacionalidade de um Estado membro da União Europeia.
7 - A cessação da aplicação do estatuto de estudante internacional em consequência do disposto no número anterior produz efeitos no ano letivo subsequente à data da aquisição da nacionalidade.”

“Artigo 3.º
Estudante internacional
1 - Para os efeitos do disposto no presente diploma, estudante internacional é o estudante que não tem a nacionalidade portuguesa. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Não são abrangidos pelo disposto no número anterior:
a) Os nacionais de um Estado membro da União Europeia;
b) Os familiares de portugueses ou de nacionais de um Estado membro da União Europeia, independentemente da sua nacionalidade;
c) Os que, não sendo nacionais de um Estado membro da União Europeia e não estando abrangidos pela alínea anterior, residam legalmente em Portugal há mais de dois anos, de forma ininterrupta, em 1 de janeiro do ano em que pretendem ingressar no ensino superior, bem como os filhos que com eles residam legalmente;
d) Os que sejam beneficiários, em 1 de janeiro do ano em que pretendem ingressar no ensino superior, de estatuto de igualdade de direitos e deveres atribuído ao abrigo de tratado internacional outorgado entre o Estado Português e o Estado de que são nacionais;
e) Os que requeiram o ingresso no ensino superior através dos regimes especiais de acesso e ingresso regulados pelo Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro.
3 - Não são igualmente abrangidos pelo disposto no n.º 1 os estudantes estrangeiros que se encontrem a frequentar uma instituição de ensino superior portuguesa no âmbito de um programa de mobilidade internacional para a realização de parte de um ciclo de estudos de uma instituição de ensino superior estrangeira com quem a instituição portuguesa tenha estabelecido acordo de intercâmbio com esse objetivo.
4 - O tempo de residência com autorização de residência para estudo não releva para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2.
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os estudantes que ingressem no ensino superior ao abrigo do disposto no presente diploma mantêm a qualidade de estudante internacional até ao final do ciclo de estudos em que se inscreveram inicialmente ou para que transitem, ainda que, durante a frequência do ciclo de estudos, lhes venha a ser concedido o estatuto de igualdade de direitos e deveres ao abrigo de tratado internacional outorgado entre o Estado Português e o Estado de que são nacionais. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
6 - Excetuam-se do disposto no número anterior os estudantes internacionais que adquiram a nacionalidade de um Estado membro da União Europeia.
7 - A cessação da aplicação do estatuto de estudante internacional em consequência do disposto no número anterior produz efeitos no ano letivo subsequente à data da aquisição da nacionalidade.
8 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2, são familiares os que assim forem considerados nos termos da Lei n.º 37/2006, de 9 de agosto.
9 - O ingresso nas instituições de ensino superior por aqueles que se encontrem abrangidos pelas alíneas a) a d) do n.º 2 é realizado nos mesmos termos que os estudantes com nacionalidade portuguesa.”

Vejamos então.

A alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de agosto, ao Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, entrou em vigor no dia 07 de agosto de 2018, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 1 daquele diploma legal, sendo que face ao n.º 2 deste mesmo artigo [que dispõe sobre a sua entrada em vigor e aplicação no tempo], nenhuma das suas nomas é aplicável ao Autor, por ter o mesmo iniciado o seu ciclo de estudos no curso de licenciatura em direito já no ano lectivo 2015/2016 [Cfr. alínea B) do probatório].

E depois de compulsada a Sentença recorrida, dela não se extrai que a Mm.ª Juíza tenha aplicado norma que ainda não estivesse em vigor, mormente, o artigo 3.º, n.ºs 1 e 5 do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 62/2018, de 6 de agosto.

Desde logo, e como é patente, porque o n.º 1 do artigo 3.º não sofreu nenhuma alteração legislativa. Quanto à redação introduzida ao seu n.º 5, a mesma em nada contende com a situação do Autor, enquanto detentor de estatuto de estudante internacional, pois não retira nem acrescenta à sua esfera jurídica qualquer vantagem. E como assim julgamos, o Tribunal a quo não aplicou nenhuma dessas normas de forma indevida.

Conforme já enunciamos supra, do que o Tribunal a quo deitou mão foi de um argumento a fortiori.

Como assim apreciou, e consta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu que face ao regime jurídico que lhe é aplicável em torno do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março, em vigor à data da apresentação do requerimento [Cfr. alínea H) do probatório] que não tem o mesmo direito à atribuição quer da bolsa quer da fixação de propina em igualdade de condições com os cidadãos portugueses, e que mesmo em face de possíveis dúvidas de interpretação que se suscitem/suscitassem, que nem com a alteração introduzida pelo legislador pelo Decreto-Lei n.º 62/2018, de 06 de agosto, o Autor veria alcançado esses pretensos direitos.

Portanto, pelo recurso ao argumento a fortiori, quis o Tribunal explicitar, mais claramente, que a solução jurídica a que tinha chegado [e decorrente do prolatado na Sentença proferida no Processo n.º 441/17.4BECBR, que acolheu na fundamentação por si aportada nestes autos] encontra um forte argumento no facto de o legislador ter vindo a alterar a lei, por termos que não chegam a atribuir a um estudante internacional, que reunisse iguais condições de facto e de direito como o Autor, qualquer direitos em termos de acção social directa, na vertente de bolsa e propinas como atribuídas aos nacionais.

A apreciação a fortiori tomada pelo Tribunal a quo é assim, um “argumento de força” para a formação da solução jurídica decorrente da formação da sua convicção, que não passando pela aplicação da norma, ancora o raciocínio jurídico no novo dispositivo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 62/2018, de 06 de agosto, mas que leva a que com a referência ao que o legislador veio a aprovar, para o futuro, que a situação a que se reporta o Autor no passado recente, nunca teria cabimento nas normas por si [Autor] invocadas em ordem ao deferimento pela Ré da sua pretensão, apenas com base nas disposições do Tratado de Porto Seguro, ou da concessão do estatuto de igualdade. Do que o Tribunal a quo fez uso foi do pensamento do legislador para sustentar a sua argumentação e fundamentação com referência a uma situação de facto e/ou de direito passada.




Cada vez mais a interpretação da lei passa essencialmente por investigar e extroverter o seu conteúdo, fixando o seu sentido, na medida em que há a necessidade de estabelecer um juízo decisório de um concreto problema normativo-jurídico, ou como melhor diria Castanheira Neves no seu estudo sobre "O Actual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica" (RLJ 117/129 e ss.), impõe-se "a realização da intencionalidade prática do direito" -, prosseguindo na interpretação da lei, e na obrigação de julgar em obediência à lei [Cfr. artigos 8.º e 9.º do Código Civil].

A letra da lei [e do regulamento] embora seja um elemento condicionante da interpretação jurídica, impedindo a adopção de interpretações que não tenham um mínimo de correspondência no texto legal [Cfr. artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil], não sendo todavia o elemento mais importante, é imposto pelo n.º 1 do mesmo artigo que o intérprete não se deve cingir à letra da lei, antes reconstituir, se for caso disso, a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta sobretudo a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei [e o regulamento] foi elaborada e as condições específicas do tempo e modo em que é aplicada.

Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. O que é de dizer que o legislador procura sempre as melhores soluções legislativas para efeitos da ordenação da vida em sociedade, e quando seja interpretado o seu pensamento, essa interpretação deve ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que possa estar imperfeitamente expresso [Cfr. n.º 2 do referido artigo 9.º do mesmo Código], o que não se afigura necessário ser aqui levado a cabo, no âmbito das normas em apreço, aplicáveis à situação do Autor [tempus regit actum], tanto mais que o pensamento do legislador, que veio a ser vertido em norma [pela redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 62/2018, de 06 de agosto, e como assim decorre do respectivo preâmbulo de aprovação], foi o de clarificar situações como as do Autor.

Ou seja, o legislador quis clarificar as normas que no seu entender careciam de mais evidência, e desse exercício não resulta, nem a retirada nem a concessão de direitos ao Autor enquanto estudante internacional a quem foi reconhecido o estatuto de igualdade de direitos por força do Tratado de Porto Seguro, por despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, datado de 08 de julho de 2016 [Cfr. alíneas E) e F) do probatório].

De modo que, em torno do vertido nas conclusões 22 e 23 das Alegações de recurso, não assiste razão ao Recorrente.

E neste patamar, quanto aos demais invocados erros de julgamento, como assim alinhavou o Tribunal a quo na Sentença recorrida em torno de qual era a questão a apreciar e decidir nos autos, ou seja, de que “… ao abrigo do disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPTA, a questão de mérito que ao Tribunal cumpre solucionar, na presente lide, consiste em apreciar se o Autor, à luz do regime jurídico aplicável, tem direito a obter, junto da Ré, uma bolsa de estudo para o ano lectivo de 2017/2018, bem como a ser-lhe fixada uma propina anual igual à que é exigida, na U..., aos estudantes nacionais.”, julgamos que o julgado pelo Tribunal a quo é de manter, por não ser merecedor da censura jurídica que lhe faz incidir o Recorrente, determinante da revogação da Sentença.

De resto, em situação em que a questão a decidir era em tudo idêntica à que ora é trazida sob este recurso, pois que se trata de uma acção interposta pelo Autor contra a Ré, a que se reportam ambas as partes, é atinente ao referido Processo n.º 441/17.4BECBR, onde era visado igual pedido e com igual causa de pedir, reportado à concessão de bolsa e fixação e propina para o ano lectivo anterior, ou seja, 2016/2017, já se pronunciou este TCA Norte no Acórdão datado de 03 de dezembro de 2021 [já transitado em julgado [em que as Alegações de recurso e respectivas conclusões, assim como as Contra alegações são em tudo idênticas], a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que se mostrem devidas, designadamente em termos de matéria de facto, e tendo em vista , designadamente, as conclusões 11 a 13, 14 e 15 e 16 a 19], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], e que aqui reiteramos como segue:


Início da transcrição
“[...]
Do erro de julgamento por violação do artigo 364º, n.º 4, do CPC:
Entende o Recorrente que o tribunal a quo, ao remeter expressamente, na sentença recorrida, para a sentença que proferiu em sede cautelar, e ao remeter e citar o acórdão proferido em sede de recurso por este TCAN nesse processo “revela um claro prejuízo ou preconceito em relação à matéria a decidir e ao Recorrente” e viola o n.º 4 do artigo 364º do CPC.
Sem razão.
Dispõe o n.º 4 do artigo 364º do CPC: “Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal.” Significa isto que o juiz não está vinculado ao que se decidiu no processo cautelar (processo onde, em princípio, é feita quer a nível dos factos, quer do direito, uma análise perfunctória, destinada a apurar a “aparência do bom direito”).
Nada mais.
No julgamento da presente ação principal, não teve qualquer influência nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no processo cautelar. Pois o tribunal a quo não se fez valer da matéria de facto dada como provada no processo cautelar para dar como provados os factos que considerou provados na presente ação. A apreciação da pretensão do Autor resultou do teor dos documentos juntos pelas partes e das posições assumidas nos respectivos articulados destes autos, tal como se infere das referências que constam a propósito de cada facto dado como provado.
Por outro lado, a decisão final proferida no processo cautelar também nada influenciou a decisão proferida na presente ação, não podendo considerar-se como violação do artigo 364º, n.º 4, do CPC, ou sequer como preconceito, o facto de o juiz a quo ter apreciado os fundamentos desta ação principal da mesma forma como apreciou os fundamentos da providência cautelar.
Como bem aponta a Recorrida, nas suas contra-alegações, estranho seria que o tribunal a quo não revelasse coerência na sua tarefa de interpretação e aplicação do direito.
Ao citar e remeter para o acórdão deste TCAN proferido no âmbito do processo cautelar em que foi Requerente o ora Recorrente, o tribunal a quo apenas pretendeu sustentar a sua decisão sobre a questão de direito na jurisprudência proferida pelos tribunais superiores, o que é prática corrente e desejável para a boa e uniforme aplicação do direito.
Do erro de julgamento por indevida valoração de parecer e indevida não valoração de informações administrativas:
Nas conclusões 17. a 19, o Recorrente afirma que o Tribunal a quo forma a sua convicção com base num parecer junto pela Recorrida emitido pela Professora Doutora BB. E diz que aquele parecer foi por si impugnado por carecer da necessária isenção uma vez que foi emitido por quem desempenha ou desempenhou funções de Subdiretora da Faculdade de Direito da Universidade ..., Membro do Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade ... e atendo o evidente receio da Recorrida em perder o financiamento que os estudantes brasileiros representam. Conclui que, por essa razão, o tribunal a quo não deveria ter integrado tal parecer na sua fundamentação, mas deveria sim tê-lo desconsiderado.
Com esta alegação o Recorrente pretende abalar o parecer em que se apoiou a sentença recorrida.
Quanto à junção de pareceres estabelece o artigo 426º do CPC o seguinte “Os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de 1ª instância, em qualquer estado do processo.”
O parecer em causa trata-se de um parecer jurídico, mera fonte de exposição de argumentos jurídicos tendentes a convencer o juiz da bondade das conclusões do autor do parecer.
Não de um parecer técnico.
Não se justifica, nem está previsto na lei, que a parte questione a isenção do autor de um parecer jurídico junto ao processo pela contraparte. O mesmo não sucede no caso dos pareceres técnicos. Veja-se o n.º 2 do artigo 601º do CPC onde se prevê que “Ao técnico podem ser opostos os impedimentos e recusas que é possível opor aos peritos…”
Para que melhor se perceba a razão desta distinção no tratamento legal entre o parecer jurídico e o parecer técnico, transcreve-se o seguinte excerto do acórdão do TRP, de 08.11.2012, no processo 6439/07.3TBMTS.P1:
“Quando ao direito, o juiz é por definição tão apto como o autor do parecer, ou seja, em princípio conhece tão bem o direito, as normas, os critérios de interpretação ou os princípios jurídicos como o autor do parecer e por isso não se lhe levanta qualquer dificuldade em discordar deste e fundamentar opinião diversa – o que se afirma, evidentemente, sem questionar a autoritas e a sapiência que os doutrinadores emprestam muitas vezes aos seus pareceres, elevando a discussão científica a um nível que não será próprio de uma sentença –. Mas em relação aos conhecimentos técnicos as coisas não se passam da mesma maneira: o juiz, em condições normais, não dispõe de conhecimentos bastantes para poder inverter ou recusar as conclusões do parecer quando estas se baseiam e fazem aplicação de conhecimentos técnicos ou científicos.”
Fim da transcrição.
E é precisamente porque o juiz, em princípio, não domina as questões técnicas sobre as quais incide o parecer, que a lei adotou um mecanismo tendente à garantia da isenção do autor do parecer técnico, consagrando que aos técnicos podem ser opostos os impedimentos e recusas que é possível opor aos peritos. Tendo como escopo a prolação de uma decisão judicial, que apoiando-se nesse parecer, seja justa e imparcial.
No caso do parecer jurídico tal não se justifica pois o juiz domina a ciência jurídica e é, por isso, capaz de ter completo sentido crítico sobre o teor do parecer, podendo, esclarecidamente, seguir, ou não, e no todo, ou só em parte, o entendimento do autor do parecer.
Tanto basta para improceda o alegado.
Nas conclusões 20. e 21. o Recorrente insurge-se quanto ao facto de a sentença recorrida não ter considerado as informações administrativas da Direcção-Geral do Ensino Superior e da Universidade ... por si juntas.
Quanto a esta conclusão diremos apenas que o tribunal tem liberdade para julgar, não estando vinculado a pareceres ou opiniões, estando apenas sujeito à Lei (cfr, artigo 203º da CRP).
Relativamente ao erro na interpretação e aplicação do Decreto-Lei n.º 36/2014 e à violação do princípio da igualdade e da proibição do arbítrio (conclusão 23) pronunciar-nos-emos adiante até porque é também em momento ulterior das conclusões de recurso que o Recorrente os substancia.
Do erro de julgamento por violação dos artigos 12º e 14º do Tratado de Porto Seguro, dos artigos 15º e 16º do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de julho, do artigo 3º, n. º 1, alínea c), sub. als. iii) e iv) do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de abril, 26º e 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e dos artigos 7º, n.º 4, 8º, n. 2, 13º, 15º, n.ºs 1 e 3 da CRP:
A questão que o Autor/Recorrente colocou ao Tribunal de 1ª instância foi a seguinte: saber se tem direito à concessão de bolsa de estudo por força dos direitos concedidos pelo estatuto de igualdade previsto no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000, de 14.12, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 79/2000, de 14.12) e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho, e pelo art. 8.º, n.º 2, da Constituição.
Melhor dito, o Autor pede um tratamento igual para efeitos de acção social escolar, nomeadamente para atribuição de bolsa (que é uma modalidade de ação social escolar direta), que lhe será devido por força dos direitos concedidos pelo Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres previsto no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil (que doravante designaremos simplesmente de Tratado).
A sentença entendeu que o Autor não tinha razão. Basicamente referiu que o estatuto de igualdade invocado pelo A. concede apenas igualdade em geral no gozo dos mesmos direitos e sujeição aos mesmos deveres entre cidadãos portugueses e cidadãos brasileiros em Portugal. E que, a esta luz, não contendo o Tratado, maxime os artigos 33.º a 38.º, sobre a cooperação no domínio do ensino, qualquer preceito que atribua aos cidadãos beneficiários do estatuto de igualdade o direito à bolsa não pode deixar de relevar o demais regime legal. E que este regime legal também não atribui ao Autor o direito àquela bolsa (ou à ação social escolar direta). Julgou, portanto, a ação improcedente.
Insurge-se o Recorrente alegando ser errado o entendimento feito na sentença de que a lei especial (DL n.º 36/2014) derroga a lei geral (Tratado). E que estes dois diplomas legais se encontram em posições hierárquicas diferentes de acordo com as regras do direito internacional público, tendo o tratado supremacia sobre a lei interna.
O Recorrente faz uma errada apreciação do que foi entendido na sentença.
A sentença não nega a superioridade hierárquica formal do Tratado, relativamente à legislação ordinária nela invocada.
O que diz é que o estatuto de igualdade invocado pelo Autor concede apenas igualdade em geral no gozo dos mesmos direitos e sujeição aos mesmos deveres entre cidadãos portugueses e cidadãos brasileiros em Portugal. E di-lo com acerto.
Pois o que o artigo 12º do Tratado refere é apenas isto: “Os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal, beneficiários do estatuto de igualdade, gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados, nos termos e condições dos artigos seguintes.” (sublinhado nosso).
O Tratado contém depois diversas disposições que permitem compreender o alcance do disposto neste artigo.
E, lidas essas disposições, não pode deixar de se concluir (como já concluíra este TCAN no âmbito da ação cautelar) que o Tratado não atribui directamente aos cidadãos nacionais das duas Partes Contratantes todos os direitos concebíveis nas duas ordens jurídicas, sem intermediação de legislação ordinária de densificação apropriada.
Na verdade, o Tratado distingue diversas áreas de cooperação, com soluções diversas. Estabelece, por exemplo no Artigo 50º (cooperação económica e financeira) que “…as Partes Contratantes procurarão definir, relativamente aos diversos sectores de actividade, regimes legais que permitem o acesso das pessoas singulares e colectivas ou pessoas físicas e jurídicas nacionais de cada uma delas a um tratamento tendencialmente unitário”.
E no artigo 5º: “A consulta e a cooperação nos domínios cultural e científico, económico e financeiro e em outros domínicos específicos processar-se-ão através dos mecanismos para tanto previstos no presente Tratado e nos acordos sectoriais relativos a essas áreas”.
A própria existência de uma Comissão Permanente de Acompanhamento e execução do presente, à qual compete, além do mais, segundo o Artigo 73º do Tratado “sugerir as modificações tendentes a aperfeiçoar a realização dos objectivos deste instrumento” mostra bem que este é programático e não auto-suficiente nos seus desígnios.
No que se refere à área da segurança social, em que se insere a temática dos presentes autos, dispõe o Artigo 62.º do Tratado que “As Partes Contratantes darão continuidade e desenvolverão a cooperação no domínio da segurança social ou seguridade social, a partir dos acordos sectoriais vigentes”.
Em momento algum o Tratado prevê a aplicação de benefícios da ação social escolar direta aos beneficiários do estatuto de igualdade.
Há, pois, que recorrer à legislação ordinária para a solução do caso, como a sentença entendeu e bem.
Refere o Recorrente que, nos termos do artigo 5º do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior, considera-se elegível, para efeitos de atribuição de bolsa de estudo, o estudante que satisfaça uma das condições fixadas pelo n.º 1 do artigo 3.º do Decreto- Lei n.º 129/93, de 22 de Abril (Bases do sistema de acção social no âmbito das instituições de ensino superior). E que esses requisito são preenchidos pelo Recorrente, por lhe ter sido concedido o estatuto de igualdade, encontrando-se ao abrigo do Tratado.
Vejamos o que estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto- Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, na redação do Decreto-Lei n.º 204/2009, de 31 de agosto.
“Artigo 3.º
Âmbito de aplicação pessoal
1 - Beneficiam do sistema de apoios directos da acção social no ensino superior e do regime de apoios específicos para estudantes portadores de deficiência, nas condições definidas pela lei, os estudantes matriculados e inscritos em instituições de ensino superior portuguesas que sejam:
a) Cidadãos nacionais;
b) Cidadãos nacionais de Estados membros da União Europeia com direito de residência permanente em Portugal e seus familiares, nos termos da Lei n.º 37/2006, de 9 de Agosto;
c) Cidadãos nacionais de países terceiros:
i) Titulares de autorização de residência permanente, nos termos do artigo 80.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho;
ii) Beneficiários do estatuto de residente de longa duração nos termos do artigo 125.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho;
iii) Provenientes de Estados com os quais hajam sido celebrados acordos de cooperação prevendo a aplicação de tais benefícios;
iv) Provenientes de Estados cuja lei, em igualdade de circunstâncias, conceda igual tratamento aos estudantes portugueses;
d) Apátridas;
e) Beneficiários do estatuto de refugiado político.”
Sendo o Autor cidadão nacional de país terceiro, apenas poderia beneficiar de apoios diretos da ação social no ensino superior (no âmbito do qual se inserem as bolsas de estudo) se se encontrasse em alguma das situações previstas nas sub-alíneas i a iv.
E o certo é que não se encontra, pois nada foi provado nesse sentido.
Nem está na situação da sub-alínea iii), pois compulsado o Tratado não se encontra nenhum preceito que atribua tal benefício aos cidadãos brasileiros beneficiários do estatuto de igualdade.
Já vimos que, ao contrário do que o Recorrente pretende, tal benefício não decorre sem mais do Tratado.
Sendo o núcleo essencial do Tratado o reconhecimento do princípio da igualdade, a verdade é que como também já dissemos, e decorre dos próprios termos do Tratado, o mesmo carece de densificação, nomeadamente através de acordos sectoriais.
E não existe qualquer violação do princípio da igualdade no regime legal ordinário aplicável ao caso concreto no âmbito da ação social escolar.
Ao autor é aplicável o regime do Estatuto do Estudante Internacional.
Como se pode ler na sentença, com a qual concordamos na íntegra:
“Este Estatuto (aplicável ao Autor por força do art. 3.º, n.º 1, do DL 36/2014, de 10.3), ao abrigo do qual o A. ingressou na licenciatura em causa (cf. ponto 2. do probatório), prevê expressamente, no art. 10.º, que «Os estudantes internacionais beneficiam exclusivamente da ação social indirecta», que comporta o acesso à alimentação e ao alojamento, o acesso a serviços de saúde, o apoio a actividades culturais e desportivas e o acesso a outros apoios educativos – cf. art. 20.º, n.º 3, da Lei n.º 37/2003, de 22.8 (lei de bases do financiamento do ensino superior).
Ora, ingressando no ensino superior ao abrigo de um concurso especial de acesso e ingresso, beneficiando, aliás, de vagas próprias (cf. art. 7.º do referido decreto-lei), a situação do A. subsume-se num regime legal especial, cuja ratio legis assenta no pressuposto de criação de mais vagas sem comprometimento do financiamento das instituições de ensino superior (cf. preâmbulo do DL n.º 36/2014, de 10.3: «Os estudantes admitidos através deste novo regime não serão considerados no âmbito do financiamento público das instituições de ensino superior. Em contrapartida, e de acordo com o previsto na lei do financiamento do ensino superior, as instituições públicas poderão fixar propinas diferenciadas, tendo em consideração o custo real da formação.» cf. também o art. 11.º, que derroga o regime geral. Estas normas estabelecem uma diferenciação em função de um regime legal especial, ao abrigo do qual o A. frequentou o curso em questão.
Esta diferenciação está longe de ser arbitrária. Como se explica no parecer da Prof. ANA RAQUEL MONIZ, junto aos autos, ela «procura equilibrar a flexibilidade das condições de ingresso no ensino superior português (prescindindo dos requisitos exigidos no concurso nacional de acesso) com o financiamento através de taxas pagas pelo utente (...)».
A satisfazer-se a pretensão do Recorrente, nos termos e pelos fundamentos em que a mesma é por ele sustentada, a Universidade ... estaria a criar uma situação de desigualdade, reconhecendo mais direitos aos estudantes brasileiros do que aos portugueses. O mecanismo de entrada do Recorrente no ensino superior previsto no Decreto-Lei n.º 36/2014 está vedado aos cidadãos nacionais portugueses. Ele existe para os estudantes brasileiros e outros estudantes internacionais, porquanto estes têm de pagar por inteiro os custos da sua formação; é isso que justifica que o Estado Português tenha permitido a criação de vagas adicionais para esse canal de entrada, que o Estado Português não financia.
Não merece qualquer juízo de censura o entendimento plasmado na sentença recorrida, de que a actuação administrativa em causa não contraria de forma alguma as normas de direito internacional convencional, nem de direito constitucional invocadas pelo Recorrente, nem merece qualquer juízo de inconstitucionalidade ou ilegalidade por aplicação de uma lei que viola normas de grau hierarquicamente superior.
Não se verifica portanto o invocado erro de julgamento por violação dos artigos 12º e 14º do Tratado de Porto Seguro, dos artigos 15º e 16º do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de julho, do artigo 3º, n. º 1, alínea c), sub. als. iii) e iv) do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de abril, 26º e 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e dos artigos 7º, n.º 4, 8º, n.º 2, 13º, 15º, n.ºs 1 e 3 da CRP.
[…]”
Fim da transcrição

O Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março, veio regular o estatuto do estudante internacional a que se refere o artigo 16.º, n.º 7 da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, que estabelece as bases do financiamento do ensino superior.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março [tempus regit actum], o Autor é “estudante internacional”, porque desde logo, é um estudante que não tem a nacionalidade portuguesa, e face ao seu n.º 5, porque o seu acesso e ingresso no ciclo de estudos da Ré o foi sob o regime de estudante internacional, mantendo por isso o Autor a qualidade de “estudante internacional” até ao fim desse ciclo de estudos, ou de outro para que tenha transitado.

O Decreto-Lei n.º 204/2009, de 31 de agosto veio alterar o Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de abril, e designadamente o seu artigo 3.º, que o Autor refere ser a norma aplicável, mais concretamente o seu n.º 1 alínea c), subalíneas iii) e iv), sustentando que a Sentença recorrida erra ao decidir pela aplicação do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março.

Esta norma é-lhe aplicável assim como o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014 [tempus regit actum] como assim decorre da apreciação do Tribunal a quo, por ser um “estudante internacional”, sendo que o Autor invoca o erro de julgamento por sustentar que a sua situação cai no disposto no artigo 3.º, n.º 1 alínea a), subalíneas iii) e iv) do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de abril, o que é de todo errado, e improcedente.

O Tribunal a quo apreciou e decidiu que poderia colocar-se a questão da aplicação à situação do Autor, da subalínea iv) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de abril, mas que tanto assim não demonstrou o Autor ora Recorrente, no plano dos factos e do direito, no sentido de que existe no ordenamento jurídico do Brasil e por efeito do Tratado de Porto Seguro, um regime jurídico idêntico que concede igualdade de tratamento aos estudantes portugueses em igualdade de circunstâncias.

A Sentença recorrida não viola o disposto nos artigos 12.º e 14.º do Tratado de Porto Seguro [ficando assim inquinada a leitura que o Recorrente faz, “em cascata”, quer do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de julho, quer da Constituição da República Portuguesa, assim como da Convenção de Viena sobre o direito dos tratados], porque a leitura destes normativos não pode ser feita desacompanhada da leitura integrada e sistemática das demais disposições do Tratado.

Atentemos pois.

O Tratado está disposto por VII Títulos, sendo que o Título I, atinente a “Princípios fundamentais”, compreende dois pontos [fundamentos e objectivos do Tratado; cooperação política e estruturas básicas de consulta e cooperação]; o Título II, atinente a “Dos portugueses no Brasil e dos brasileiros em Portugal“, compreende dois pontos [entrada e permanência de portugueses no Brasil e de brasileiros em Portugal; estatuto de igualdade entre portugueses e brasileiros]; o Título III, atinente a “Cooperação cultural, científica e tecnológica”, compreende seis pontos [princípios gerais; cooperação no domínio da língua portuguesa; cooperação no domínio do ensino e da pesquisa; reconhecimento de graus e títulos académicos e de títulos de especialização; acesso a profissões e seu exercício; direitos de autor e direitos conexos]; o Título IV, atinente a “Cooperação económica e financeira“, compreende cinco pontos [princípios gerais, cooperação no domínio dos investimentos, cooperação no domínio comercial, cooperação no domínio financeiro e fiscal, propriedade industrial e concorrência desleal]; o Título V, atinente a “Cooperação em outras áreas”, compreende sete pontos [meio ambiente e ordenamento do território, segurança social ou seguridade social, saúde, justiça, forças armadas, administração pública, acção consular]; o Título VI, atinente a “Execução do Tratado“; e o o Título VII, atinente a “Disposições gerais“.

Como apreciou o Tribunal a quo, e bem, o “estatuto de igualdade” concede apenas igualdade em geral no gozo dos mesmos direitos e sujeição aos mesmos deveres dos nacionais por parte dos cidadãos brasileiros, nos termos e condições dispostas nos artigos seguintes do Tratado. [Cfr. artigo 12.º do Tratado].

Como sublinhou o Tribunal a quo, disposição de teor idêntico/análogo/similar ao disposto pelo artigo 12.º do Tratado de Porto Seguro, é o do artigo 15.º, n.º 1 da CRP, e que em torno da cooperação no domínio do ensino, a que se reporta o título III atinente a “Cooperação cultural, científica e tecnológica”, sob o seu ponto 3 [Cfr. artigos 33.º a 38.º], não resulta vertida nenhuma norma de onde possa extrair-se que pela assinatura do Tratado, ambos os Estados quiseram reconhecer aos cidadãos de um Estado quando aí estiverem e lhes seja reconhecido o estatuto de igualdade, o direito a usufruírem em sede de acção social directa, de bolsa de estudo e de propinas em termos idênticos aos concedidos aos cidadãos do respectivo outro Estado.

Para que o direito do Autor fosse por si alcançável nos termos que assim entende ser-lhe aplicável, necessário se tornaria que o legislador do Tratado fosse concretizador, como assim o foi em torno da isenção de visto [Cfr. artigo 7.º, n.º 1 do Tratado], sem que persistisse a necessidade da interposição do legislador ordinário para efeitos da densificação das suas normas em torno do acesso a bolsas de estudo e à fixação de propinas.

Ou seja, o “estatuto de igualdade de direitos” de que goza o Autor, e que o mesmo invoca, não se compagina com o facto de ter ingressado no ciclo de estudos do curso de licenciatura, ao abrigo do concurso especial de acesso e ingresso [Cfr. alíneas B) e C) do probatório], sendo que enquanto durar esse ciclo de estudos, o Autor não poderá deixar de ser tido e havido como estudante internacional, de acordo com o regime jurídico aprovado pelo legislador ordinário, seja em sede das bases do financiamento do ensino superior, seja pela definição de “estudante internacional” e do seu estatuto.

Efectivamente, como assim resulta dos autos, o Autor ingressou no ciclo de estudos da licenciatura em direito ministrado na Ré sob o regime especial de estudante internacional, tendo assim sido graduado ao abrigo de um regime que cai fora do regime de contingente geral, e porque não é cidadão português, nem cidadão de um Estado membro da União Europeia, esse seu estado mantém-se enquanto não terminar o ciclo de estudos.

Questão diversa seria se o Autor, munido do estatuto de igualdade que lhe advém da concessão por despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, concorresse ao ciclo de estudos da licenciatura em direito da Ré, por igualdade de direitos e deveres dos cidadãos nacionais, sob o regime do contingente geral, sujeitando-se tal como todos os cidadãos ao regime altamente concorrencial de acesso ao ensino que decorre dessa via de acesso.

Nesses termos e pressuposto, já estaríamos no domínio da igualdade de direitos e deveres que o Autor ora Recorrente reclama para si.

Não tendo ingressado no ciclo de estudos ao abrigo do concurso de contingente geral, a que se candidatam os cidadãos nacionais, pois que estes, não podem candidatar-se sob o regime do contingente especial para estudantes internacionais, e como é do conhecimento público, há vagas abertas no ensino superior público que não chegam sequer a preencher-se [neste contingente especial], o que traduz, sumariamente, que tomando por critério a média das avaliações do ensino secundário [se for esse o critério adoptado para a graduação], e se o candidato tiver 10 valores, que mesmo assim tem aberta a via de acesso ao ciclo de estudos, enquanto estudante internacional, pagando as propinas que forem legal e regulamentarmente devidas, o que de outra forma, isto é, por via do concurso pelo contingente geral lhe seria impossível aceder.

Como assim julgamos, tudo seria diferente na relação jurídica administrativa que o Autor tem com a Ré, se o mesmo, ao abrigo do estatuto de igualdade, tivesse acedido ao ciclo de estudos, não pelo contingente especial do concurso internacional, mas pelo contingente geral, como o faz qualquer cidadão português.

Em conformidade com o julgamento do Tribunal a quo tirado na Sentença recorrida, o Autor não conseguiu demonstrar o que alegou sob o ponto 21.º da Petição inicial, nem que o Tratado de Porto Seguro não permita a aplicação a si do estatuto de estudante internacional, e na decorrência do que refere sob o ponto 26.º da Petição inicial, que o estatuto de igualdade lhe atribuiu o estatuto de cidadão português, razão porque não lhe pode assim ser aplicado o disposto no artigo 3.º n.ºs 6 e 7 do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março, porquanto não adquiriu a nacionalidade de um Estado membro da União Europeia [Cfr. o teor dos referidos n.ºs 6 e 7].

Daí que têm de ser julgadas improcedentes, as conclusões das alegações de recurso sob os pontos 14 e 15, por não padecer a Sentença recorrida do invocado erro de julgamento em matéria de direito, tendo por base a violação do princípio da igualdade e da proibição do arbítrio, a que se reporta o artigo 13.º da CRP, por ter o Tribunal a quo, para efeitos da formação da sua convicção, aceitado um parecer jurídico e rejeitado informações de outras instituições [que não são intervenientes jurídicos e processuais nos autos] que por si foram juntas aos autos; improcedentes as conclusões das alegações de recurso sob os pontos 16 a 19, por não padecer a Sentença recorrida do invocado erro de julgamento em matéria de direito, tendo por base a violação do princípio da igualdade e da proibição do arbítrio, por violação dos artigos 13.º e 15.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, por ter o Tribunal a quo afastado o Tratado de Porto Seguro; improcedentes as conclusões das alegações de recurso sob os pontos 21 a 23, por não padecer a Sentença recorrida dos invocados erros de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo julgado pela aplicação do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março e pela não aplicação do artigo 3.º, n.º 1, alínea c), subalíneas iii) e iv) do Decreto- Lei n.º 129/93, de 22 de abril, tendo pro base a violação dos artigos 7.º, n.º 4, 8.º, n.º 2, 13.º, 15.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, assim como dos artigos 12.º e 14.º do Tratado de Porto Seguro, dos artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho, e dos artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, nem violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 12.º, n.º 1 do Código Civil, sendo ainda que não se prefigura de forma alguma a invocada inconstitucionalidade do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março [Cf. conclusão 20].

E assim se decidirá a final.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil [Tratado de Porto Seguro]; Estatuto de igualdade de direitos e deveres; Acesso e ingresso no ensino superior público; Estudante Internacional; Acção social escolar.

1 - O Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de março, veio regular o estatuto do “estudante internacional“ a que se refere o artigo 16.º, n.º 7 da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, que estabelece as bases do financiamento do ensino superior, dispondo no seu artigo 3.º, n.º 1 [tempus regit actum], que é “estudante internacional”, aquele que não tem a nacionalidade portuguesa.

2 - O “estatuto de igualdade” que seja reconhecido a cidadãos brasileiros ao abrigo do Tratado de Porto Seguro concede apenas igualdade em geral no gozo dos mesmos direitos e sujeição aos mesmos deveres dos nacionais por parte dos cidadãos brasileiros, nos termos e condições dispostas nos artigos seguintes do Tratado [Cfr. artigo 12.º do Tratado], não resultando vertida no Tratado nenhuma norma de onde possa extrair-se que pela assinatura do Tratado, ambos os Estados quiseram reconhecer aos cidadãos de um Estado quando aí estiverem e lhes seja reconhecido o estatuto de igualdade, o direito a usufruírem em sede de acção social directa, de bolsa de estudo e de propinas em termos idênticos aos concedidos aos cidadãos dos seus respectivos Estados.

3 - Para que o direito do Autor fosse por si alcançável nos termos que assim entende ser-lhe aplicável, necessário se tornaria que o legislador do Tratado fosse concretizador, como assim o foi em torno da isenção de visto [Cfr. artigo 7.º, n.º 1 do Tratado], sem que persistisse a necessidade da interposição do legislador ordinário para efeitos da densificação das suas normas [do Tratado] em torno do acesso a bolsas de estudo e à fixação de propinas como para os nacionais.

4 - O cidadão brasileiro que ingressou no ensino superior público ao abrigo do regime jurídico de acesso e ingresso para estudantes internacionais, e a que vem a ser atribuído, na pendência do ciclo de estudos que frequenta, o “estatuto de igualdade de direitos e deveres“ ao abrigo do Tratado de Porto Seguro não pode assim ser equiparado ao estudante nacional, para os efeitos que daí pretende extrair, atinente à atribuição de uma bolsa de estudo e à fixação de uma propina de inscrição de valor igual ao que se encontra fixado para os estudantes nacionais, sem que exista legislação ordinária de densificação para esse efeito.

5 – O “estatuto de igualdade de direitos” de que goza o Autor, e que o mesmo invoca, não se compagina com o facto de ter ingressado no ciclo de estudos do curso de licenciatura ministrado na Ré, ao abrigo do concurso especial de acesso e ingresso [Cfr. alíneas B) e C) do probatório], sendo que enquanto durar esse ciclo de estudos, o Autor não poderá deixar de ser tido e havido como estudante internacional, de acordo com o regime jurídico aprovado pelo legislador ordinário seja em sede das bases do financiamento do ensino superior, seja pela definição de “estudante internacional” e do seu estatuto.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em julgar verificada a nulidade por omissão de pronúncia, e apreciando e decidindo em substituição, em julgar totalmente improcedente o pedido deduzido a final da Petição inicial, e em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente AA, mantendo a Sentença recorrida, com a fundamentação enunciada supra.

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Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

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Notifique.

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Porto, 10 de fevereiro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro