Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00181/12.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE RODOVIÁRIO EM AUTO-ESTRADA; ATRAVESSAMENTO POR JAVALI; RESPONSABILIDADE; CUMPRIMENTO DAS REGRAS DE SEGURANÇA; PRESUNÇÃO DE ILICITUDE; PRESUNÇÃO DE CULPA;
ARTIGO 12º Nº 1 DA LEI Nº 24/2007, DE 18.07; ARTIGO 493.º, N.º1 DO CÓDIGO CIVIL; DANOS MORAIS; DANOS PATRIMONIAIS; INDEMNIZAÇÃO POR RECONSTITUIÇÃO NATURAL; ARTIGO 562º DO CÓDIGO CIVIL; INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO – N.ºS 1 E 2 DO ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL; JUÍZOS DE EQUIDADE; N.º3 DO ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL LIQUIDAÇÃO EM INCIDENTE PRÓPRIO; ARTIGOS 378º, N.º2, E 661º, N.º2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:1. Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.

2. Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

3. Se, no acidente provocado pela presença de um javali na faixa de circulação, quanto aos estragos verificados no veículo sinistrado nada de seguro e de concreto se extrai das declarações do proprietário e da sua cônjuge, a condutora do veículo na altura, que permita estabelecer uma relação directa entre os danos invocados e os valores constantes da factura da reparação apresentada nos autos não se pode retirar apenas da apresentação da factura que se verificaram os estragos aí descritos como consequência do acidente e menos ainda que foi paga a reparação, na ausência de recibo ou outro documento de quitação.

4. Em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, no caso concreto um javali, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é de todo imputável, sendo atribuível a outrem, a caso fortuito ou de força maior, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, a seja alheia, que determinou o sinistro, face ao disposto no artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18.07.

5. Sendo de presumir também a culpa da concessionária nestas situações, face ao disposto no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil.

6. A indemnização por danos patrimoniais deve revestir, em primeiro lugar, a forma de reconstituição natural - artigo 562º do Código Civil. Apenas quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor tem lugar a indemnização em dinheiro que tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos – n.ºs 1 e 2 do artigo 566º do Código Civil. Só se pode recorrer a juízos de equidade no caso de não ser possível determinar o montante exacto dos prejuízos – n.º3 do artigo 566º do Código Civil. Sendo possível liquidar posteriormente o respectivo valor, em incidente próprio, deve ser este o meio utilizado para se obterá indemnização devida, sem prejuízo de aí se concluir pela necessidade de fixar a indemnização por recurso aos critérios de equidade – artigos 378º, n.º2, e 661º, n.º2, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

7. Não resulta das regras de experiência comum que uma pessoa sinta, necessariamente e por simpatia, todo o sofrimento, angústia e nervosismo que o cônjuge normalmente sente num acidente de viação. Não se tendo verificado qualquer lesão na condutora do veículo, e devendo os danos morais ser aferidos por uma mediana e não por uma especial sensibilidade, não é de supor que o cônjuge tenha sentido angústia e sofrimento merecedores da tutela do direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 496º, do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J. e A., SA
Recorrido 1:A., SA e J.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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J. veio interpor RECURSO PRINCIPAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 28.12.2020, pela qual foi julgada apenas parcialmente procedente a acção que intentou contra a A. S.A. e em que foi admitida a intervenção principal provocada da G. S.A. – para condenação da concessionária demandada a pagar-lhe a quantia de 5.002€94 a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Invocou para tanto, em síntese, que: a decisão recorrida errou quanto ao julgamento da matéria de facto pois deu como não provados factos (pontos 1 e 2) matéria deveria ter dado como provados, face à prova produzida, o que deverá conduzir a um aumento do valor de indemnização a título de danos patrimoniais, o valor total pedido pela reparação do carro sinistrado no acidente dos autos; a decisão recorrida errou também ao não considerar a indemnização por danos morais pedida pelo Autor.

Tanto a A. como a Generali, cada uma por si, contra-alegou, defendendo a improcedência deste recurso.

Também a A. S.A interpôs RECURSO SUBORDINADO da mesma decisão invocando (para além de lapsos de escrita já corrigidos): foram erradamente desconsiderados na decisão recorrida factos invocados nos pontos 19º a 22º e 32º da contestação relevantes para a decisão do pleito e que ficaram provados em julgamento; desses factos resulta o afastamento da culpa presumida da Ré; em todo o caso, verifica-se, pelos factos dados como provados, concorrência de culpa efectiva da condutora do veículo sinistrado, ignorada pelo Tribunal a quo, e apenas culpa presumida da Ré, pelo que excluída está a sua responsabilidade pelos prejuízos invocados, do que se conclui que a decisão recorrida errou ao julgar a acção (embora apenas parcialmente) procedente.

Não foram apresentadas contra-alegações a este recurso.

O Ministério Público não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I.I. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso principal:

A. Vem o presente recurso interposto de uma sentença que considerou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré, A., a pagar ao aqui Recorrente, a quantia de 1.000€00 (mil euros) acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

B. O presente recurso versa, somente, sobre o quantum indemnizatório determinado pelo Tribunal a quo, porquanto entende o Recorrente que a prova carreada para os autos é suficiente, cabal e permitiria ao Tribunal ter aferido do valor peticionado pelo Autor a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

C. O Tribunal a quo não curou sindicar e ponderar adequadamente as declarações do Autor, da sua esposa e de todos os elementos do conspecto probatório com relevo, de modo a poder decidir corretamente quanto à verificação da totalidade dos danos e sua ressarcibilidade.

D. Entende o Autor, aqui Recorrente, que o Tribunal a quo dispunha de elementos de prova tendentes a dar como provados a totalidade dos danos patrimoniais peticionados, pelo que o decidido pelo Tribunal, no nosso modesto entendimento, não constitui a solução jurídica correta no caso sub judice, por erro de julgamento.

E. No que aos danos do veículo EP diz respeito, as declarações, fotografias, depoimentos e documentos juntos aos autos foram, na perspetiva do Tribunal a quo, suficientes e cabais para dar como provado que aquele (veículo) EP sofreu danos na parte frontal e inferior, mas já não foram suficientes para se dar como provado os concretos danos e valor da sua reparação.

F. O Tribunal a quo deu como não provado, sob os pontos 1 e 2 que:

“1. Os danos sofridos pela viatura ET determinaram a necessidade das seguintes reparações,”
2. O A. suportou cerca de € 1.452,94 pela reparação.”

G. O Tribunal a quo afirmou que:

“(…) Refira-se que, nem o A., nem a sua esposa lograram concretizar de forma convincente a correspectividade desses danos com a descrição constante da fatura de fls. 25, razão pela qual não se deu como provada a matéria constante do ponto 1 dos Factos não provados”.

H. As declarações do Autor - que se reportam aos pontos 1 e 2 da matéria de facto dada como não provada - prestadas em audiência de julgamento, no dia 27 de novembro de 2020, gravadas no sistema informático em uso no TAF, no período de 00h15:01 a 00h19:13, que aqui se transcrevem:

“Mandatário: Olhe, relativamente aqui à situação dos danos no carro, portanto, a fatura com que foi confrontado, confirma que foi essa que liquidou e a que pagou?
Autor: Sim.”
Depoimento do Autor, J., a instâncias da Mm.ª Juiz, no período de 00h25:55 a 00h30:04:
“Juiz: Quando o senhor viu a sua viatura como é que ela estava? O senhor espreitou por baixo, é isso? Ou seja, visivelmente ela não tinha danos?
Autor: Assim da parte da estrutura, por assim dizer, no chassi, na parte da chaparia não.
Juiz: Era só por baixo do carro, ou seja, não viam nada à frente, não?
Autor: É assim, o para-choques da frente, depois, claro, a posteriori… naquele momento não vi, mas os apertos também estavam soltos, do impacto, também. O carro era baixinho, por assim dizer, um Peugeot 308. Mas foi mais a parte danificada da minha viatura, realmente…
Juiz: Ou seja, o para-choques parecia-lhe solto, era isso?
Autor: Sim, um bocadinho, mas nada também que eu olhasse assim com grande evidência. Eu depois é que me apercebi porque tirei fotografias, porque o senhor, o meu agente de seguros na altura disse “Jorge, chama a autoridade, tenta tirar algumas fotografias do que está a acontecer”, e depois recordo-me, tenho assim uma ideia, acho eu.
Juiz: E por baixo o que é que viu? Espreitou, foi, com o telefone?
Autor: Sim, vi algumas partes danificadas, vi eu acho que aquela parte do depósito de partículas também todo danificado, havia óleos, água… estava assim bastante danificado até, por baixo.
Juiz: Por baixo… Olhe, então e a sua mulher usava esta viatura… Não, vamos voltar atras. Depois o carro foi então rebocado para esta garagem, é isso?
Autor: Sim.
Juiz: E quando lhe apresentaram esta fatura, disseram-lhe o que é que era preciso fazer ao carro?
Autor: Sim.
Juiz: E como é que lhe explicaram, então? O que é que lhe disseram? O que é que estava estragado?
Autor: Agora assim já não me lembro… Sei que era a parte do filtro de partículas, era a parte também lá de umas proteções que tinha na parte posterior… Já não me recordo assim muito bem, sinceramente.
Juiz: Mas disseram-lhe que estava estragada qualquer coisa das partículas, era isso?
Autor: O filtro de partículas, sim, e não só….
Juiz: Como é que chama? Não percebi.
Autor: Filtro de partículas. E outras partes também… A proteção tinha desaparecido.”

I. Impunha-se, destarte, que o Tribunal a quo tivesse dado como provados os pontos 1 e 2 da matéria de facto considerada não provada, passando os mesmos a constar do conspecto fáctico dado como assente na sentença proferida.

J. Salvo melhor entendimento, não consegue vislumbrar o Recorrente de que modo pretendia o Tribunal a quo que fosse efetuada a correspectividade dos danos resultantes do acidente/impacto com o javali e com as peças e trabalhos discriminados na factura junta com a petição inicial.

K. Consta do elenco dos factos dados como não provados uma factura emitida pela oficina de Reparação Automóvel denominada A., em 22.03.2011, com um conjunto de peças e trabalhos de mão-de-obra, para um veículo de marca Peugeot, com a matrícula XX-XX-XX, cujo valor se computa em 1.452€94.

L. Dada a inexistência de documento comprovativo de pagamento, o Tribunal a quo entendeu como insuficientes as meras declarações do Autor.

M. Devido à distância temporal, o Requerente não tem em sua posse, nem tem como obter o comprovativo de pagamento do montante descrito.

N. Ficou claro, em sede de declarações de parte, que o Requerente liquidou a factura com a qual foi confrontado, e que o veículo de que é proprietário sofreu danos vários, cuja reparação ascendeu a montantes elevados.

O. Os danos provocados no veículo propriedade do Requerente eram visíveis, a olho nu, em especial aqueles provocados por baixo da viatura.

P. Tratam-se de danos patrimoniais sofridos pelo Requerente, em consequência dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo.

Q. Entende-se ter sido produzida prova bastante para dar os danos patrimoniais, o seu quantum e correspondente correspectividade como provados, pelo que urge que o Tribunal ad quem corrija este erro de julgamento.

R. Destarte, dando-se estes pontos (1 e 2 supra identificados no ponto F das conclusões) como provados, impõe-se, em consequência, a modificação da sentença, condenando-se o Réu no pagamento ao Autor da quantia de 1.452€94 acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

S. Deve outrossim ser corrigida a decisão condenatória, devendo o Réu ser condenado a pagar ao aqui Requerente a quantia que doutamente for arbitrada, relativamente aos danos não patrimoniais por si sofridos, em consequência do acidente dado como provado.

I.II. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso subordinado:

I. Ocorre manifesto lapso de escrita nas respostas decididas pela sentença do tribunal a quo aos pontos nºs. 8, 13 e 29 dos factos provados, uma vez que não é minimamente exacto (porque, como facilmente se pode ver dos autos, o acidente deflagrou no dia 13 de Janeiro de 2011) que as datas constantes daqueles pontos da matéria de facto aludam ao ano de 2010;

II. Assim, nos dois primeiros pontos referidos (nºs. 8 e 13) a data a considerar e a corrigir é a de 13.01.2011 e quanto ao ponto 29 a data em ter em conta e também a corrigir é a de 14.01.2011, o que, naturalmente, se propõe e se sugere.

Dito isto,

III A omissão de pronúncia em que incorreu a sentença, nomeadamente sobre a matéria de facto alegada pela R./recorrente nos artigos 19º, 20º, 21º, 22º e 32º da sua contestação, não tem, salvo o devido respeito, qualquer justificação plausível, considerando a prova produzida a esse respeito (depoimento de A. transcrito no corpo destas alegações), o diploma legal relevante (DL nº 248-A/99, de 6 de Julho - Bases nºs. XXIX, nº 4 alínea a), XXX nº 1 e XXXVII nºs. 3 e 4) e sobretudo a constatação evidente que aquela matéria é simultaneamente importante para a defesa da R. e sobretudo para a boa decisão da causa;

IV. Na verdade, não se vislumbra como pode ser possível concluir que a R./recorrente cumpriu as suas obrigações de segurança (ou deixou de o fazer) num acidente com animal, quando nem sequer se trata de apurar se a vedação existente nas imediações do local do acidente era ou não aquela que ali devia ter sido instalada;

V. Ora, quer com apoio legal, quer especialmente com base no depoimento da testemunha A., dúvidas não restam que devia ter sido (e deve ainda, ao abrigo dos poderes conferidos a este tribunal ad quem) dada como provada a seguinte matéria de facto (a acrescer, portanto, ao rol de factos provados destes autos):

a) “As vedações daquela auto-estrada A7 merecem a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português) através dos organismos competentes.” (artigo 19º da contestação);

b) “À data do sinistro as vedações que se encontravam colocadas no local do sinistro e suas imediações respeitavam o respectivo projecto e mereceram prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português, designadamente no que se refere às suas características, tais como a sua dimensão e altura, por exemplo, pois se assim não fosse a auto-estrada A7 não teria aberto ao tráfego.” (artigos 20º, 21º e 22º da contestação);

VI. Depois, o mesmo depoimento de A., ademais de acolitado pelos docs. nºs. 1 e 2 juntos com a contestação da ré e bem assim pelo diploma legal relevante in casu (DL nº 248-A/99, de 6 de Julho), é apto a provar o seguinte:

- A ré obrigou-se, regra geral, ou seja, em condições de normalidade de tráfego/circulação, a efectuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de três horas (quanto ao artigo 32º da contestação da ré sobre o qual – é manifesto – o tribunal a quo também não se pronunciou. E devia, como evidente se torna.).

Isto posto,

VII. Na óptica da ré, é, no mínimo, muito difícil (para não dizer mesmo mais que isso até) perceber a razão pela qual o tribunal a quo desvalorizou muito claramente (e em “poucas linhas”, o mesmo é dizer com uma argumentação que, salvo o respeito devido, é, na opinião da ré, muito pouco consistente e nada convincente) a conduta da motorista do veículo do Autor bem presente, de resto, nos factos confessados constantes do ponto 16;

VIII. É que, desde logo, será (é) certamente insofismável a conclusão de que quanto menor for a distância dita de segurança para o veículo da frente, menor é também a antecipação e o tempo de reacção dos condutores, bem como, naturalmente, a (in)capacidade de evitar a eclosão de sinistros, motivo pelo qual se impunha avaliar como um outro rigor se o modo como a condução era exercida nessa altura era a mais indicada/adequada;

VIII. Ora, atendendo ao disposto no artigo 18º nº 1 do Cód. da Estrada, e circulando o veículo do Autor naquela ocasião à velocidade de 90 Kms/h e a apenas uma distância de 20 metros do veículo que o precedia, dúvidas não restam desde logo que o veículo tripulado pela esposa do Autor rodava naquela altura, talvez não em excesso de velocidade (e isto visto apenas pelo prisma dos “números”), mas seguramente animado de velocidade excessiva, dada a distância muito imprudente e perigosa a que rodava dessoutro veículo;

IX. De modo que é nítido o erro do tribunal, pois que àquela velocidade, e de acordo com o doc. nº 3 junto com a contestação da R. e com origem no I. M. T., a distância de segurança do veículo da frente devia ser de não menos 67,5 metros (mais do triplo, portanto), por ser esta a distância média de paragem necessária para, àquela velocidade, poder evitar/ter evitado a eclosão do sinistro dos autos.

Segue-se que

X. É indiscutível que sempre que o lesado contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos, o tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes, nomeadamente, deve decidir se a indemnização deve ser concedida na totalidade, reduzida ou até excluída (cfr. Cód. Civil, artigo 570 nº 1);

XI. Porém, já assim não sucede quando a responsabilidade se basear (como é o caso – e a sentença do tribunal a quo di-lo de forma absolutamente indiscutível) numa presunção de culpa, pois então a culpa do lesado exclui muito claramente o dever de indemnizar (vide Cód. Civil, artigo 570º nº 2 e igualmente o disposto no artigo 4º do RRCEEP);

XII. Ora, neste caso, e lembrando o sempre actual Antunes Varela - (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 92: “Agir com culpa significa actuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.” (itálico nosso) -, é absolutamente indiscutível que existe culpa da motorista do veículo do A. na produção do sinistro dos autos, nomeadamente porque rodava com velocidade excessiva;

XIII. De sorte que, verificando-se, por um lado, a culpa efectiva da esposa do Autor e condutora do veículo na produção do sinistro (com base na regra geral presente no artigo 487º do mesmo Cód. Civil) como acontece neste caso, e, por outro, ocorrendo a responsabilização da R./recorrente apoiada numa presunção de culpa (o que a sentença defende inequivocamente), dúvidas não restam que a única solução possível é exactamente a exclusão de qualquer dever de indemnizar por parte da R.;

XIV. Pelo que ocorre violação da lei neste caso, porquanto a sentença não respeitou e nem observou o disposto nos artigos 487º nº 2 (particularmente o critério do bonus pater familiae) e 570 nº 2, ambos do Cód. Civil, mas também o artigo 4º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro e ainda o já mencionado artigo 18º nº 1 do Cód. da Estrada;

XV. Para além de que uma semelhante decisão é perigosa, uma vez que dá um claro sinal de “facilitismo”, dando pelo menos a entender que afinal não sobrevém nenhuma consequência pelo facto de se incumprir a lei (civil e estradal, nomeadamente), pela circunstância de haver “dedo” (e culpa) do eventual lesado na produção de sinistros.

Posto isto,

XVI. A sentença não valorizou devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que a R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, os pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8 (com a correcção que se impõe), 9, 10 e 29 (igualmente com a correcção que se impõe respeitante à data), bem como aqueles factos que, de acordo com a primeira parte deste recurso, devem constar do acervo a considerar na decisão;

XVII. Com efeito, e salvo o devido respeito, em vez de o fazer optou por “embarcar” numa linha de argumentação “redonda” e inconsistente, argumentação essa não concreta, não concretizável e sobretudo irrazoável que, além do mais, não tem o mínimo apoio legal, mormente na legislação relevante (p. ex. do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho);

XVIII. Sucede, porém, que não é certamente ao “sabor das conveniências argumentativas” ou da ideia que se possa ter sobre o que será eventualmente correcto e/ou justo que nos temos de movimentar em matéria de fundamentação de direito, mas é antes atendo-nos ao direito (positivo) que, no caso, é constituído nomeadamente pelo disposto no Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho;

XIX. Curiosamente, a “evolução” que tem vindo a registar aquele diploma legal, em especial, e para o que aqui interessa, a sua Base LXXIII (redacção do DL nº 109/2015, de 18 de Junho) que prevê claramente uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu nº 2, mostra-nos até que p. ex. a periodicidade dos patrulhamentos passou a obedecer a critérios “mais largos” ou “menos apertados” (uma periodicidade de 4 em 4 horas em vez de 3 em 3 horas e sem obrigatoriedade de patrulhamento durante o turno nocturno entre as 23 h e as 7 h), sem que p. ex. se tenha deixado cair (leia-se: retirado do texto legal) o advérbio de modo – permanentemente (cfr. Base XLIV) – de que frequentemente se lança mão;

XX. Ora, considerando que se trata de avaliar, neste como em qualquer outro acidente ocorrido numa auto-estrada concessionada, nomeadamente em que consistem (e qual será, por assim dizer, o respectivo conteúdo) as obrigações de segurança cuja demonstração de cumprimento lhe cabe, entende a ré que esta alteração à mencionada Base LXXIII (conferida pelo Decreto-Lei nº 109/2015, de 5 Junho) é claramente interpretativa e, portanto, aplicável aos sinistros anteriores à sua entrada em vigor (ou, no mínimo, deverá ser vista como um importante – decisivo mesmo – subsídio para uma tal avaliação/interpretação necessariamente mais correcta e mais conforme à lei);

XXI. Sucede, porém, e como, aliás, é manifesto, que a sentença não o fez, “preferindo” um raciocínio e uma linha de argumentação/fundamentação que não tem o mínimo suporte legal e que não permite sequer (por nítida falta de informação/concretização) que se possa perceber em que circunstâncias concretas (e não, aqui sim, meramente “genéricas”) poderia a ré legitimamente (sim, porque é natural que tenha essa expectativa) aspirar a ser absolvida do pedido formulado.

Isto posto,

XXII. É verdade que com o advento da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual;

XXIII. Contudo, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa (ou de incumprimento, ou de ilicitude, ou do que quer que seja) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil;

XXIV. Com efeito, e quanto à dita presunção de culpa nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho (com as alterações subsequentes), podendo tão-só concluir-se que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de auto-estradas (e nada mais que isso, tal como se pode concluir do ac. RG de 23.09.2010, relatado por Amílcar Andrade). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1); XXV. De outra parte, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a auto-estrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na auto-estrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade (ainda que não o diga de forma expressa), considerou a sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais;

XXVI. O artigo 12º nº 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e à conformidade desta com as normas em vigor e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro nos moldes que lhe podiam ser exigíveis;

XXVII. Efectivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações ali instaladas eram aquelas que ali deviam estar e que se encontravam intactas e sem rupturas nas imediações (contiguidade, arredores, etc.) do local do acidente – e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./recorrente; XXVIII. A não ser assim – i. e., a situarmo-nos num plano em que acaba por se colocar (mesmo que de forma pouco esclarecida) a sentença em matéria de exigência probatória (p. ex. de ter de se provar por onde o animal entrou na AE) -, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objectiva, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na lei citada (cfr. também e a este propósito o ac. da RC de 10.01.2006, www.dgsi.pt );

XXIX. É, por isso, visível que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque p. ex. as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for);

XXX. Por outro lado, a Ré também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento;

XXXI. De modo que, e não podendo a recorrente (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico e totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios. E não, portanto, obrigações de resultado, como acaba por concluir – sem o dizer, no entanto - a sentença do T. A. F. de Mirandela (e isto sim, ou seja, a natureza das obrigações da concessionária, merecia uma outra análise bem mais ponderada por parte do tribunal, o que, como se vê, não sucedeu de todo);

XXXII. De resto, não sendo possível à recorrente evitar em absoluto que os animais ingressem na AE (cfr. p. ex. Carneiro da Frada, “Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, Setembro de 2005, pgs. 407 – 433) e, face ao que ficou provado e também ao que decorre do diploma legal que versa sobre a sua concessão, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu de forma positiva, em concreto (e não apenas “genericamente” – o que quer que isso signifique) com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança;

XXXIII. Para além dos outros normativos anteriormente mencionados (artigo 18º nº 1 do Cód. da Estrada, artigo 570º nº 2 do Cód. Civil e artigo 4º do RRCEEP), a sentença violou, salvo o devido respeito, o nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, os artigos 483º e 487º nº 2 do Cód. Civil, os artigos 7º, 9º e 10º do RRCEEP e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 109/2015, de 18 de Junho, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.
*

II –Matéria de facto.

Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil de 2013, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Na interpretação do equivalente preceito do Código de Processo Civil anterior (o artigo 712º), foi pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.2005, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07.3 PNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05.8 VIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:

“Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

Dito isto, vejamos.

Invoca o Autor, agora Recorrente, quanto ao julgamento da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como não provado, sob os pontos 1 e 2 que:

“1. Os danos sofridos pela viatura ET determinaram a necessidade das seguintes reparações,”
2. O A. suportou cerca de € 1.452,94 pela reparação.”

Tais factos, defende, deveriam ter sido dados como provados face às “declarações, fotografias, depoimentos e documentos juntos aos autos”.

Em particular no que diz respeito às declarações do Autor, transcreve:

“Mandatário: Olhe, relativamente aqui à situação dos danos no carro, portanto, a fatura com que foi confrontado, confirma que foi essa que liquidou e a que pagou?
Autor: Sim.”
Depoimento do Autor, J., a instâncias da Mm.ª Juiz, no período de 00h25:55 a 00h30:04:
“Juiz: Quando o senhor viu a sua viatura como é que ela estava? O senhor espreitou por baixo, é isso? Ou seja, visivelmente ela não tinha danos?
Autor: Assim da parte da estrutura, por assim dizer, no chassi, na parte da chaparia não.
Juiz: Era só por baixo do carro, ou seja, não viam nada à frente, não?
Autor: É assim, o para-choques da frente, depois, claro, a posteriori… naquele momento não vi, mas os apertos também estavam soltos, do impacto, também. O carro era baixinho, por assim dizer, um Peugeot 308. Mas foi mais a parte danificada da minha viatura, realmente…
Juiz: Ou seja, o para-choques parecia-lhe solto, era isso?
Autor: Sim, um bocadinho, mas nada também que eu olhasse assim com grande evidência. Eu depois é que me apercebi porque tirei fotografias, porque o senhor, o meu agente de seguros na altura disse “Jorge, chama a autoridade, tenta tirar algumas fotografias do que está a acontecer”, e depois recordo-me, tenho assim uma ideia, acho eu.
Juiz: E por baixo o que é que viu? Espreitou, foi, com o telefone?
Autor: Sim, vi algumas partes danificadas, vi eu acho que aquela parte do depósito de partículas também todo danificado, havia óleos, água… estava assim bastante danificado até, por baixo.
Juiz: Por baixo… Olhe, então e a sua mulher usava esta viatura… Não, vamos voltar atras. Depois o carro foi então rebocado para esta garagem, é isso?
Autor: Sim.
Juiz: E quando lhe apresentaram esta fatura, disseram-lhe o que é que era preciso fazer ao carro?
Autor: Sim.
Juiz: E como é que lhe explicaram, então? O que é que lhe disseram? O que é que estava estragado?
Autor: Agora assim já não me lembro… Sei que era a parte do filtro de partículas, era a parte também lá de umas proteções que tinha na parte posterior… Já não me recordo assim muito bem, sinceramente.
Juiz: Mas disseram-lhe que estava estragada qualquer coisa das partículas, era isso?
Autor: O filtro de partículas, sim, e não só….
Juiz: Como é que chama? Não percebi.
Autor: Filtro de partículas. E outras partes também… A proteção tinha desaparecido.”

Ora nem as declarações do Autor nem qualquer documento junto ao processo contrariam o juízo feito pelo Tribunal a quo quanto a estes pontos da matéria de facto:

“No que aos danos concerne o Tribunal apenas logrou extrair do auto de ocorrência e dos documentos de fls. 21 e ss., que o embate no animal determinou a imobilização do veiculo e danos da parte frontal e inferior do veiculo. Refira-se que, nem o A., nem a sua esposa lograram concretizar de forma convincente a correspetividade desses danos com a descrição constante da fatura de fls. 25, razão pela qual não se deu como provada a matéria constante do ponto 1 dos Factos não provados.

E atenta a inexistência de documento comprovativo do pagamento do montante ali descrito, designadamente o recibo, o tribunal entendeu como insuficientes para esse efeito as meras declarações do A., dando como não provada a matéria constante do ponto 2 dos Factos não provados.”

Quanto aos estragos no veículo nada de seguro e de concreto se extrai das suas declarações – a merecerem uma atitude especialmente crítica dado o seu directo interesse na causa – que permita estabelecer uma relação directa entre os danos referidos e os valores constantes da factura apresentada nos autos.

O próprio Recorrente confessa a sua ignorância – e da sua esposa – sobre o assunto, nas alegações:

“Pois, não só o Autor, como a sua esposa, são enfermeiros, pelo que ignoram saber as peças do veículo automóvel que concretamente foram destruídas e danificadas na sequência do acidente, mas que são as que constam da fatura de fls. 25 dos autos, pois foi esse orçamento que a oficina de reparações mecânicas lhes forneceu para a viatura ET poder voltar a circular normalmente e em segurança!”.

Menos ainda fazem prova do pagamento na ausência de qualquer recibo junto aos autos.

Se o Autor pretendia fazer prova dos estragos verificados na viatura com consequência do acidente e de que pagou os valores em causa bastava-lhe apresentar como testemunha o mecânico que procedeu à reparação - ou juntar aos autos declaração do mecânico descrevendo pormenorizadamente a intervenção feita no veículo – e juntar documento comprovativo do pagamento, o recibo de quitação.

O que podia e, portanto, devia ter feito com a petição inicial apresentada em 30.05.2012 (veja-se folhas 2 desta peça processual), ou seja, pouco mais de um ano e quatro meses depois do acidente.

Como é imposto pelo n.º4 do artigo 78º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

Quando o autor pretenda apresentar rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, deve fazê-lo na petição inicial, podendo indicar, quando seja caso, disso, que os documentos necessários à prova constam do processo administrativo”.

No que diz respeito aos alegados danos morais, transcreve o Recorrente:

“(…)
Contudo, se se atentar nas declarações que o Autor prestou em audiência de julgamento, no dia 27 de novembro de 2020, gravadas no sistema informático em uso no TAF, conforme infra se transcreve, podemos concluir que:

Depoimento do Autor, J., a instâncias do seu mandatário, no período de 00h15:01 a 00h19:13:

Mandatário: Ou seja, teve que utilizar então carros de familiares, carros de terceiros, para poder ir trabalhar, não é?
Autor: Claro.
Mandatário: Referiu aqui, eu queria que me explicitasse isso, que nos primeiros tempos chegou mesmo a transportar a sua esposa para o local de trabalho, foi isso?
Autor: Sim.
Mandatário: Mas isso porquê?
Autor: Porque ela tinha receios, tinha medos, não sei muito bem o que é que se passava.
Mandatário: Ou seja, sentiu que essa situação também lhe trouxe a ela, de alguma forma, algum trauma do que se tinha passado?
Autor: Sim.
Mandatário: No dia em que chegou, quando chegou ao pé dela, como é a que a sentiu? Como é que ela estava?
Autor: Nervosa, a chorar, naquele momento ela ficou assim bastante triste, não é, com toda a situação.
Mandatário: Só mais um pequeno esclarecimento. Depois, relativamente à situação de atualmente, e não só, estamos a falar desde 2011 até hoje, portanto já decorreram 9 anos, mais de 9 anos, efetivamente em termos de comportamento dela como condutora notou alguma diferença, ela sente-se mais insegura? O que é que se passou aí?
Autor: Depois falamos, de vez em quando vamos falando, esta situação vem já de há muito tempo, ela agora anda sempre de máximos, ela com o controlo da velocidade não é pessoa de andar com muita aceleração, cumpre os limites, e… acho que ela vai conduzindo. Tem de fazer os turnos dela normais, de dia e assim, e também tem que ganhar confiança, porque realmente a vida não pode parar, e dada a circunstância...
Mandatário: Teve de se adaptar, não é? Olhe, referiu aqui que ela circula agora de máximos
Autor: A maior parte das vezes, ela diz “quando posso, à noite”, nem sempre mas claro.
Mandatário: Porque o percurso que ela faz diariamente é exatamente o mesmo, certo?
Autor: Sim. Ela ainda mantém-se no mesmo local de trabalho.

E acrescenta:

“Na sequência do acidente, o Autor e a sua mulher ficaram perturbados, com receio de fazer este percurso durante algum tempo, sendo que quando o Autor refere que a esposa ficava apreensiva e tinha algum receio, este também o tinha, pois contactava-a constantemente para saber se estava a correr tudo bem e se a viagem estava a ser segura.

Daí que, até socorrendo-nos das regras da experiência comum, possamos inferir que toda esta situação provocou algum desgaste psicológico ao autor, que merece a tutela do direito e ser, por este motivo, compensado.

Razão pela qual, devem os pontos 3 a 6 da matéria de facto dada como não provada, ser alterados, fazendo constar os mesmos da matéria de facto assente, sendo o quantum do valor indemnizatório doutamente decidido pelo Tribunal ad quem.”.

Mas nem estas declarações nem qualquer regra de experiência comum impõe concluir que houve erro, menos ainda grosseiro, no julgamento feito pelo Tribunal “a quo”:

“Quanto aos pontos 3 a 6 dos Factos não Provados não foi feita qualquer prova, não se extraindo das declarações do A. o alegado sofrimento, nervosismo e angustia que alegou ter sofrido. Na realidade o que o A. veio afirmar foi que a sua esposa teria ficado nervosa com o sinistro e, nos meses posteriores, com algum receio na condução. Mas quanto ao A. nada se provou, opostamente o A. nada referiu quanto ao atraso da sua esposa, nem tao pouco a ansiedade que isso lhe causou ou o seu telefonema. De resto, se o A. conseguiu falar telefonicamente com a esposa, certamente que esta lhe disse que se encontrava bem, tranquilizando-o quanto ao seu estado de saúde, não se reputando sequer verosímil a alegação de angustia e terror no percurso. E, igualmente, o A. nada referiu quanto ao receio que teria pela sua esposa, após o sinistro”.

Para além de que as declarações do Autor e da sua esposa merecem uma análise especialmente crítica porque, como se disse, são parte directamente interessada no pleito, das mesmas não resultou que o Autor tenha sentido sofrimento, angústias e nervosismo em consequência do acidente.

Não resulta das regras de experiência comum que uma pessoa sinta, necessariamente e por simpatia, todo o sofrimento, angústia e nervosismo que o cônjuge normalmente sente num acidente de viação.

Aliás, lendo a petição inicial, em particular o artigo 27º, percebe-se que a angústia do Autor resultou de não conseguir contactar a sua esposa por esta ter o telemóvel sem bateria.

Facto que, como é evidente, não é da responsabilidade da concessionária demandada e, logo, não tem relevo para a solução do pleito.

Por outro lado, não se percebe que se tenha mantido angustiado depois de entrar em contacto telefónico com a esposa se esta não sofreu qualquer ferimento no acidente.

Não há, portanto, que alterar o julgamento da matéria de facto, quanto aos factos julgados não provados.

Insurge-se também a Recorrente A. contra o julgamento da matéria de facto, resumindo este segmento do seu recurso, subordinado, na conclusão III das suas alegações:

“A omissão de pronúncia em que incorreu a sentença, nomeadamente sobre a matéria de facto alegada pela R./recorrente nos artigos 19º, 20º, 21º, 22º e 32º da sua contestação, não tem, salvo o devido respeito, qualquer justificação plausível, considerando a prova produzida a esse respeito (depoimento de A. transcrito no corpo destas alegações), o diploma legal relevante (DL nº 248-A/99, de 6 de Julho - Bases nºs. XXIX, nº 4 alínea a), XXX nº 1 e XXXVII nºs. 3 e 4) e sobretudo a constatação evidente que aquela matéria é simultaneamente importante para a defesa da R. e sobretudo para a boa decisão da causa”.

São estes os artigos indicados, da sua contestação:

“(…)
19º
Importa dizer que as vedações das AE concessionadas em geral e daquela denominada A7 em particular merecerem a prévia aprovação superior por parte do concedente (Estado Português), através dos organismos competentes, o que, aliás, resulta claramente do Decreto-Lei n.º 248ºA/99, de 6 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 44/E/2010, de 5 de Maio,
De forma que,
20º
Tanto à data do sinistro, como actualmente, as vedações que se encontram implementadas naquela A7, em particular aquelas existentes nas proximidades do local onde terá eclodido o sinistro em apreço, respeitavam integralmente o respectivo projecto e, como dito, mereceram a prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português.
Sendo que,
21º
Isso tanto é válido no que se refere às características das vedações, ou seja, dimensões, altura, etc., como igualmente no que respeita à respectiva extensão e ainda à forma como devem ser colocadas.
Pois,
22º
Se assim não fosse, sempre aquela A7 (ou, aliás, outra qualquer AE concessionada) não seria considerada em condições de ser aberta ao tráfego e à utilização pelos respectivos utentes, como, é patente, aconteceu há já vários anos.”

(…)

32º
A Concessionária, aqui R., obrigou-se regra geral, i.e., em condições normais, a efectuar de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 3 (três) horas, salvo naturalmente, e as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes, incidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem – vide doc. n.º1.

“(…)”.

Trata-se, no entanto, de matéria de direito e conclusiva, insusceptível de prova a que o Tribunal de Primeira Instância deva atender em sede de julgamento da matéria de facto.

Nada se refere aí, de concreto, quanto às “características das vedações, ou seja, dimensões, altura, etc., como igualmente no que respeita à respectiva extensão e ainda à forma como devem ser colocadas.

E, como parece por demais evidente, não pode ser o Tribunal a substituir-se à Ré e conjecturar quais as características das vedações, a sua extensão e a forma como estão colocadas no local do acidente e nas proximidades.

Matéria de facto aparece articulada na contestação da Ré Acendi nos artigos 23º e 24º.

“(…)
Acresce dizer que
,
23º
As vedações da A7 encontravam-se à data do sinistro, e no local em que o A. diz que este eclodiu e suas imediações, em boas condições de segurança e conservação
I.e.:
24º
As ditas vedações apresentavam-se sem quaisquer falhas, rupturas, aberturas deficiências ou anomalias de qualquer espécie.”

Ora sobre a desconsideração destes factos na sentença a A. nada diz.

Nem indica, como lhe competia, os concretos meios de prova e, sendo o caso, as passagens de declarações que impusessem dar como provados tais factos, nos termos exigidos pelas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Quanto ao demais, não se vê razão para alterar ou aditar o que se fixou, em julgamento da matéria de facto, nos pontos 3 a 10 da matéria de facto dada como provada.

“(…)

3. Em 2011 a Ré, através da sua equipa realizava diariamente patrulhamentos à via, em turnos das 7h às 15h, das 15h às 23h e das 23h às 7h, realizando por turno três passagens em cada sentido de trânsito.

4. Esses patrulhamentos são realizados através da circulação de um colaborador em viatura, que procede à inspeção visual da via e seus elementos.

5. A Ré realiza anualmente inspecções à vedação das vias.

6. A operação da A7 inclui um centro de controlo de tráfego através do qual é feita a gestão da operação, designadamente recebendo informações sobre incidentes e procedendo aos contatos para os agentes de patrulhamento se dirigirem ao local dos incidentes.

7. A A7, no troço entre Cabeceiras de Basto e Vila Pouca de Aguiar, é ladeada por vedação, a qual ao km 88,250 atinge os 2 metros de altura, dispondo de arame farpado nos seus topos inferior e superior.

8. No dia 13.01.2011 o colaborador da Ré realizou patrulhamento à via, tendo passado ao km 88,250 no sentido oeste/este entre as 18.39 e as 19.18h – fls. 406 e ss. do processo físico.

9. Aquando dessa passagem o colaborador da R não detectou a presença de qualquer animal, incluindo javali, na via.

10. Até às 20h27m não tinha sido recebida na central de comunicações da Ré a informação de existência de qualquer animal na via.

(…)”.

Não se vislumbra qualquer erro, menos ainda grosseiro, deficiência ou excesso no julgamento da matéria de facto.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida (com a rectificação feita pelo despacho de 07.0.6.2021):

1. A Ré é concessionária, além do mais, dos lanços de autoestrada e conjuntos viários associados na zona norte de Portugal, designada Concessão Norte, incluindo a autoestrada A7, e o lanço Fafe-Vila Pouca de Aguiar - facto não controvertido, Bases da Concessão publicada pelo DL 248-A/99 e alterada pelo DL 44-E/2010.

2. A Ré celebrou com a Companhia de Seguros (...) S.A. o contrato de seguro, tendo por objeto a responsabilidade civil extracontratual decorrente da atividade de exploração de lanços de autoestradas, titulado pela apólice 0002581811, e que se rege pelas condições gerais e particulares cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, prevendo uma franquia por sinistro de 10% com o valor mínimo de € 3.000,00 – fls. 213 e ss. do suporte físico dos autos.

3. Em 2011 a Ré, através da sua equipa realizava diariamente patrulhamentos à via, em turnos das 7h às 15h, das 15h às 23h e das 23h às 7h, realizando por turno três passagens em cada sentido de trânsito.

4. Esses patrulhamentos são realizados através da circulação de um colaborador em viatura, que procede à inspeção visual da via e seus elementos.

5. A Ré realiza anualmente inspeções à vedação das vias.

6. A operação da A7 inclui um centro de controlo de tráfego através do qual é feita a gestão da operação, designadamente recebendo informações sobre incidentes e procedendo aos contatos para os agentes de patrulhamento se dirigirem ao local dos incidentes.

7. A A7, no troço entre Cabeceiras de Basto e Vila Pouca de Aguiar, é ladeada por vedação, a qual ao km 88,250 atinge os 2 metros de altura, dispondo de arame farpado nos seus topos inferior e superior.

8. No dia 13.01.2011 o colaborador da Ré realizou patrulhamento à via, tendo passado ao km 88,250 no sentido oeste/este entre as 18.39 e as 19.18h – fls. 406 e ss. do processo físico.

9. Aquando dessa passagem o colaborador da R não detectou a presença de qualquer animal, incluindo javali, na via.

10. Até às 20h27m não tinha sido recebida na central de comunicações da Ré a informação de existência de qualquer animal na via.

11. Nas proximidades do km 88,250 não existia sinalização de alerta da presença de animais na via, nem redução do limite de velocidade.

12. O Autor é proprietário da viatura ligeira de passageiros, marca Peugeot, com a matricula XX-X-XX.

13. No dia 13.01.2011, pelas 20.20h, a viatura XX-XX-XX circulava na autoestrada A7, no sentido Cabeceiras de Basto – Vila Pouca de Aguiar, sendo tripulada pela esposa do Autor, S..

14. Era de noite e ao km 88,250 não existe iluminação.

15. A esposa do Autor seguia pela hemifaixa da direita,

16. A uma velocidade de 90km/h e a uma distância de 20 metros do veículo da frente, de marca Audi - factos confessados na petição inicial.

17. Por volta do km 88,250, o veiculo que seguia à frente do EP travou devido à presença de um javali de grandes dimensões que circulava na faixa de rodagem e, não se conseguindo desviar, embateu no animal,

18. Que ficou inanimado na hemifaixa de rodagem direita,

19. Indo o Audi imobilizar-se na berma à direita.

20. A esposa do Autor seguia no EP atrás do Audi,

21. E, não se apercebendo do motivo da travagem daquele, nem da presença do animal na hemifaixa direita de rodagem,

22. Não se desviou, nem travou e passou com o EP por cima do corpo do animal,

23. E imobilizou a viatura mais à frente, na berma direita da faixa de rodagem.

24. Em consequência do exposto o EP sofreu danos na parte da frente e inferior,

25. Ficando paralisado, necessitando de reboque para remoção do local.

26. A GNR deslocou-se ao local e lavrou auto de ocorrência, cujo teor aqui se dá por reproduzido - fls. 291 e ss. dos autos.

27. A patrulha da Ré deslocou-se ao local, tendo procedido à remoção do animal.

28. No mesmo dias pelas 21h, aproximadamente ao km 87, na faixa de rodagem de sentido ocorreu outro acidente, resultante do embate de um veiculo com 3 javalis pequenos.

29. No dia 14.01.2011 os colaboradores da Ré verificaram a vedação entre os k.ms 88,750 e 87,750, nos dois sentidos de circulação, não tendo detetado qualquer buraco ou deficiência na mesma.

30. O Autor procedeu à reparação da viatura.
*

III - Enquadramento jurídico.

1. A responsabilidade da A. (recurso subordinado).

A haver alguém responsável pelos danos emergentes do sinistro objecto dos presentes autos esse alguém é a Rá A., S.A.. por ser concessionária da A7 onde o sinistro ocorreu, o que significa que, por força do disposto no artigo 1º, nº 5, do anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, está submetida às normas aplicáveis à responsabilidade civil das entidades públicas, competindo-lhe entre outras funções a manutenção e a prestação do serviço público no local onde o sinistro ocorreu, como aliás decorre da Base IV aprovada pelo Decreto-Lei nº 189/2002, de 28.08.

A Ré A., S.A.. rege-se no âmbito da concessão, no exercício de poderes administrativos, regulados por normas e princípios de direito administrativo, pelo que não há dúvidas de que lhe é aplicável o regime de responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas – cfr. relativamente à EP – Estradas de Portugal, S.A., mas cuja argumentação é transponível para a situação em apreço, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.05.2013, Proc. nº 017.13.

Nos termos do artigo 7º do Anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, “o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa por causa desse exercício”.

Decorre dos artigos 7º a 10º do Regime em análise e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

Assim a A., S.A. será responsável na medida em que se encontrem verificados os pressupostos; facto, ilícito, culposo, gerador de danos e verificação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo um juízo de causalidade adequada.

Vem imputada à A., S.A. uma actuação omissiva – não tomada de providências no sentido de assegurar a segurança da circulação dos veículos automóveis na A7, em concreto não ter assegurado que não entrava na autoestrada, como entrou, um javali, o que esteve na origem do acidente.

Da matéria dada como provada não resulta que a A., S.A. tivesse actuado no sentido de avisar os condutores e de evitar a presença do javali na auto estrada.

Consta, pelo contrário, do ponto 11 da matéria dada como provada, não impugnado:

“Nas proximidades do km 88,250 não existia sinalização de alerta da presença de animais na via, nem redução do limite de velocidade”.

E não basta, nem releva, para afastar a ilicitude da sua conduta omissiva, que a concessionária vigie regularmente a vedação ao longo de toda a autoestrada nem que a vedação cumpra os requisitos legais.

A Ré teria de demonstrar que o javali entrou na autoestrada por facto que lhe é alheio ou por motivo fortuito ou de força maior, o que não logrou fazer.

Pelo contrário: não reagiu a que não se tenha dado como provado o que invocou nos artigos 23º e 24º da sua contestação:

“(…)
23º
As vedações da A7 encontravam-se à data do sinistro, e no local em que o A. diz que este eclodiu e suas imediações, em boas condições de segurança e conservação
I.e.:
24º
As ditas vedações apresentavam-se sem quaisquer falhas, rupturas, aberturas deficiências ou anomalias de qualquer espécie.”

(…)”.

Está, pois, preenchido o pressuposto primeiro pressuposto legal da responsabilidade da A., a culpa, dado não ter afastado a presunção de culpa que resulta do no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil:

“Quem tiver em seu poder coisa móvel o imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

E, ao contrário do que pretende a Ré, também Recorrente, não se verifica culpa concorrente da condutora do veiculo do Autor.

Não releva, nem o Tribunal recorrido relevou, a velocidade a que seguia o veículo do Autor, a 90Km/hora, dentro dos limites legais para o local, nem a distância para o veículo da frente, 20 metros.

Pela simples e evidente razão de que o veículo do Autor não embateu no veículo da frente; antes embateu no javali que estava na autoestrada e passou-lhe por cima, no que se traduziu o acidente, e de que resultaram os danos que aqui se querem ver ressarcidos.

O 2º pressuposto é a ilicitude.

A Lei nº 24/2007, de 18.07 veio definir “direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis” (artigo 1º).

O artigo 12º do referido diploma estabelece o seguinte:

“1. Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais;

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.

3. São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afectem as actividades de concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:

a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;

b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;

c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.”

O legislador resolveu no artigo 12º a problemática da repartição do ónus da prova dos elementos constitutivos da obrigação de indemnizar: quando esteja em causa um sinistro numa auto-estrada concessionada, provocado pelo atravessamento de um animal e que a autoridade policial competente tenha verificado no local as causas do acidente (v.g. a viatura acidentada e o animal), a entidade concessionária fica onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar, cabendo-lhe, portanto, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança.

Conforme já decidiu o Tribunal Constitucional, esta opção legislativa não está desprovida de fundamento material bastante, já que o legislador cometeu “o ónus em causa à parte que se encontra em melhores condições para antecipadamente poder lançar mão dos meios ou instrumentos materiais aptos à prova dos factos, quer pelo domínio material que tem sobre as auto-estradas e os meios de equipamento e de infra estruturas adequadas a conferir maior segurança na circulação rodoviária, quer pela sua capacidade económica para se socorrer desses meios” – acórdão do Tribunal Constitucional nº 596/2009; cfr. também acórdão do mesmo Tribunal com o nº 629/2009.

No mesmo acórdão citado, o Tribunal Constitucional sustenta que “o tipo de bens oferecido através da oferta da via das auto-estradas, diferentemente do que se passa com as demais estradas, pressupõe níveis elevados e especiais de segurança, traduzidos desde logo na concepção, construção, manutenção e exploração das vias segundo padrões materiais ou normativos de grande exigência, e que a sua utilização é feita em termos massivos e mediante o pagamento de uma taxa (ainda que nas SCUT esta seja assumida pelo Estado), não se vê que possa considerar-se existir qualquer violação do princípio da proporcionalidade ao atribuir-se ao concessionário da auto-estrada o ónus de demonstrar que cumpriu, em concreto relativamente a cada utilizador, a obrigação de segurança cuja pressuposta existência real se apresenta como determinante para que uma grande massa de consumidores opte pela sua utilização.”

E acrescenta que “estando-se perante especiais actividades económicas geradoras de riscos elevados de lesão de bens e direitos de terceiros, muitas vezes ínsitos ao próprio tipo de bens cuja aquisição se oferece, afigura-se como previsível que o legislador possa submeter essa actividade concreta a especial regime de responsabilidade e isso principalmente quando ela é levada a cabo em regime de concessão pública, pois dela poderá sobrar para o Estado a emergência de ter de suprir as consequências danosas para os utilizadores desses bens, mormente através do cumprimento dos deveres de prestação dos serviços de saúde e de segurança social.”

Conclui que “a norma constante do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, na acepção segundo a qual, «em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é de todo imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento», não padece de inconstitucionalidade.”

Descendo de novo ao caso concreto, a A. não logrou provar, como se disse, que tenha feito o que lhe era exigível para evitar a entrada do javali na autoestrada em particular que vedações da A7 se encontravam à data do sinistro, e no local em que ocorreu, e suas imediações, em boas condições de segurança e conservação, nem que as ditas vedações se apresentavam- sem quaisquer falhas, rupturas, aberturas deficiências ou anomalias de qualquer espécie.

Menos ainda logrou provar que a entrada do javali se deveu a conduta de terceiro, a caso fortuito ou de força maior que não pudesse ter evitado.

Resta, portanto, verificar quais os danos que resultaram, como consequência directa e necessária do acidente, o que nos conduz à apreciação do recurso do Autor.

2. O recurso principal.

2.1. Os danos materiais.

Tendo em conta a matéria de facto dada como provada e não provada, impõe-se manter o decidido.

Poderia eventualmente colocar-se a questão de relegar para ulterior liquidação a indemnização pelos danos na viatura.

A indemnização por danos patrimoniais deve revestir, em primeiro lugar, a forma de reconstituição natural - artigo 562º do Código Civil.

Apenas quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor tem lugar a indemnização em dinheiro que tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos – n.ºs 1 e 2 do artigo 566º do Código Civil.

Só se pode recorrer a juízos de equidade no caso de não ser possível determinar o montante exacto dos prejuízos – n.º3 do artigo 566º do Código Civil.

Sendo possível liquidar posteriormente o respectivo valor, em incidente próprio, deve ser este o meio utilizado para se obterá indemnização devida, sem prejuízo de aí se concluir pela necessidade de fixar a indemnização por recurso aos critérios de equidade – artigos 378º, n.º2, e 661º, n.º2, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

No caso concreto, porém, tendo em conta o tempo decorrido entretanto, muito dificilmente se poderá fazer prova dos danos verificados em concreto, designadamente através de depoimento escrito ou declarações do mecânico que procedeu à reparação.

Não se vê, por isso, razões para alterar neste ponto o decidido.

2.2. Os danos morais.

Tendo em conta a matéria de facto dada como provada e não provada, impõe-se, também nesta parte, manter o decidido.

Em todo o caso, ainda que se desse como provada a matéria invocada pelo Autor quanto a esta parcela indemnizatória, sempre seria de julgar improcedente o pedido nesta parte.

Dispõe o artigo 496º, do Código Civil, sob a epígrafe “Danos não patrimoniais” que:
“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Não são, portanto, quaisquer danos morais que dão origem ao dever de indemnizar.

Como sustentam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil anotado, volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, página 499:

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”.

No caso concreto embora se perceba que o Autor tenha sentido alguma angústia e sofrimento com o sucedido, não se afigura que, sobretudo num caso em que a lesada directa não vem pedir qualquer indemnização a este título, o cônjuge tenha sentido, de acordo com os padrões médios de sensibilidade, tal angústia e sofrimento que mereçam a tutela do direito.

Termos em que aqui também se mantém o decidido.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO a ambos os recursos, o principal e o subordinado, pelo que mantém a decisão recorrida.
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Custas por cada um dos Recorrentes em cada um dos recursos.
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Porto, 22.10.2021

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Hélder Vieira