Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00881/08.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/15/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I- Não se verifica o nexo de prejudicialidade ou dependência entre duas causas, quando a decisão da alegada causa prejudicial não tem qualquer influência na decisão a proferir na causa subordinada.
II- Se da impugnação da liquidação resulta que o contribuinte percebeu as razões que determinaram o acto, então este deve considerar-se fundamentado.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:G..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
G…, LDA., com sede na Zona Industrial,…, Viana do Castelo, não se conformando com sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 2006, interpôs o presente recurso concluindo da seguinte forma as suas alegações:
A. O presente processo reporta-se a uma impugnação judicial apresentada pela g… contra uma liquidação adicional efectuada pela Administração Fiscal de IRC e de juros compensatórios do exercício de 2006.
B. A liquidação adicional impugnada resulta de uma “correcção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis do exercício de 2006”, como resultado da Inspecção Tributária relativa ao IRC do ano de 2002, através da qual a Administração Fiscal procedeu a diversas correcções à matéria colectável declarada, tendo desconsiderado os prejuízos fiscais efectivamente suportados pela g… nesse período.
C. Por sentença notificada à g… foi julgado não ocorrer fundamento para, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 279.º do CPC, ser ordenada a suspensão da instância, assim como se decidiu pela improcedência da impugnação e, em consequência, absolveu-se a Fazenda Pública do pedido de anulação da liquidação do imposto e dos juros moratórios e do pedido de indemnização por indevida prestação de garantia.
D. A liquidação impugnada nos presentes autos estriba-se exclusivamente nas correcções à matéria colectável declarada no exercício de 2002, porquanto foram estas correcções que forçaram os necessários ajustamentos aos prejuízos fiscais deduzidos em 2006, uma vez que na óptica da Administração Fiscal já não haveria possibilidade de deduzir prejuízos fiscais.
E. A confirmação da ilegalidade das correcções à matéria colectável declarada no exercício de 2002 implicará a invalidade do acto tributário agora impugnado, como, de resto, reconhece o Tribunal “a quo” na sentença ora posta em crise: “É certo que, se aquela liquidação relativa ao exercício de 2002 for anulada por decisão transitada em julgado isso mesmo reflectir-se-á na liquidação que constitui objecto da presente impugnação”.
F. A g… apresentou impugnação judicial do acto relativo ao exercício de 2002, onde obteve, em primeira instância, decisão favorável, processo que corre os seus termos na 3.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga sob o n.º 467/07.6BEBRG.
G. Estamos perante uma situação enquadrável no n.º 1 do artigo 279.º do CPC, razão pela qual o meritíssimo juiz “a quo” deveria ter ordenado a suspensão da instância até que houvesse decisão transitada em julgado no processo cuja decisão é fundamental para a apreciação dos presentes autos.
H. Nos termos do n.º 2 do artigo 284.º do CPC, uma causa é prejudicial a outra quando a decisão daquela pode fazer desaparecer o fundamento ou razão de ser desta, o que se verifica inteiramente nos presentes autos: a ilegalidade da liquidação relativa ao exercício de 2002 determinará a ilegalidade da liquidação relativa ao exercício de 2006.
I. A prejudicialidade que se invoca nos presentes autos tem a virtualidade de se enquadrar na ratio do n.º 1 do artigo 279.º do CPC, pois a decisão no processo de que dependem os presentes autos é, por si só, não apenas susceptível de modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada, como é indispensável para a decisão do presente pleito.
J. Assim, uma vez que a decisão de procedência da impugnação judicial do acto relativo ao exercício de 2002 acarreta a inutilidade da presente lide, por lhe retirar o seu fundamento - ou a sua razão de ser -, esta última deve ser suspensa até que se profira decisão transitada em julgado no outro processo – artigo 279.º, n.º 1, do CPC.
K. Para que a fundamentação de um acto tributário cumpra o referido desiderato será necessário que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido do acto e das razões que o sustentam, permitindo-lhe apreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa e optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.
L. A fundamentação da liquidação objecto da impugnação que deu origem aos presentes autos é manifestamente insuficiente, porquanto apenas contém uma mera remissão para elementos que apenas são do conhecimento da Administração Fiscal.
M. Esta fundamentação não cumpre com a função exógena, externa ou garantística que devem ter as fundamentações dos actos tributários, porquanto não permite ao contribuinte “a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo” e não é apta a transmitir as razões de facto que justificaram a emanação da liquidação adicional.
N. Entendimento diverso do que se defende seria subverter toda a lógica do instituto do dever de fundamentação dos actos administrativos que, no domínio tributário ganha especial relevância, “dada a conhecida complexidade da maioria das normas fiscais”, violando-se, inclusivamente, o disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, que determina a obrigatoriedade de uma “fundamentação expressa e acessíveldos actos administrativos que “afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
O. A fundamentação do acto tributário objecto da impugnação que deu causa aos presentes autos é obscura, o que, nos termos do n.º 2 do artigo 125.º do CPA, aplicável ex vi da alínea d) do artigo 2.º do CPPT, equivale a falta de fundamentação, o que redunda na ilegalidade do acto tributário.
Termos em que deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, ordenar-se a suspensão da instância, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 279.º do CPC, até decisão transitada em julgado no processo n.º 467/07.6BEBRG que corre os respectivos termos na 3ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Caso assim não se entenda – no que não se concede – deve a presente impugnação ser julgada totalmente procedente por provada, anulando-se, em consequência, a liquidação adicional impugnada, com todas as consequências legais.».
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso dizendo que «A decisão recorrida fez correcta apreciação e valoração dos factos que analisa de forma exemplar e faz uma correcta interpretação dos preceitos legais que a fundamentam não sendo passível de qualquer reparo».
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir já que a tal nada obsta.
Questão a decidir:
- Saber se o Tribunal recorrido errou o julgamento ao decidir não existir fundamento para a suspensão da instância.
- Saber se o Tribunal recorrido errou o julgamento ao decidir que a liquidação está fundamentada.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como provados os seguintes factos:
a) A Impugnante declarou em sede de IRC e relativamente ao ano de 2002, um prejuízo fiscal de 7.422.633,81 euros.
b) Em Novembro de 2006, a impugnante foi notificada do Relatório de inspecção Tributária relativo ao IRC do ano de 2002, através do qual procedeu a diversas correcções à matéria colectável declarada por força das quais a Impugnante deixou de ter, na óptica da administração tributária, prejuízos fiscais para deduzir.
c) Em consequência das correcções referidas na alínea anterior, a administração tributária corrigiu o prejuízo fiscal declarado no ano de 2006 no montante de 1.010.039,61 euros.
d) A Impugnante foi notificada da correcção do valor dos prejuízos fiscais dedutíveis relativamente ao exercício de 2006 nos termos seguintes: “Nos termos do n° 10 do artigo 83° do Código do IRC, a administração fiscal procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimento modelo 22. O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 47° do Código do IRC, evidenciado por v. Exa. na declaração modelo 22 do exercício de 2006, não se encontra de acordo com os elementos constantes da base de dados da administração fiscal e vai ser objecto de correcção na respectiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo. (...) Prejuízo fiscal declarado: 1.010.039,61 € - prejuízo fiscal corrigido: 0,00€.
e) Na sequência desta correcção, a administração tributária procedeu à liquidação de IRC cuja demonstração consta de fls. 17 e aqui se dá por reproduzida no seu teor.
f) Ademais a administração procedeu à liquidação de juros moratórios nos termos que constam da demonstração cujo teor se encontra a fls. 19 e aqui se dá por reproduzido.
g) Dessa demonstração da liquidação constam os seguintes elementos:
-Juros moratórios (artigo 101° do CIRC)
- Período de tributação: 2006-01-01 a 2006-12-31
- Valor base: 222.208,71
- Período de cálculo: 2007-06-01 a 2008-03-04
- Taxa(%): 1,00
- Valor: 22.220,87
h) O prazo para pagamento voluntário da liquidação terminou em 9 de Abril de 2008.
i) A presente impugnação foi apresentada em 5 de Junho de 2008.
j) Em 6 de Junho de 2008, a impugnante apresentou garantia bancária no montante de 492.754,90 euros no âmbito da execução fiscal n°2356200801001515 que corre termos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Cerveira para cobrança coerciva da dívida que tem origem na liquidação aqui impugnada.
2.2. Matéria de facto não provada
Da que era relevante para a decisão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.
2.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental junta aos autos.»
2.2. De direito
2.2.1. A suspensão da instância
Precedendo a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, o Tribunal recorrido proferiu despacho no qual indeferiu o pedido da impugnante de suspensão da instância até à decisão do processo de impugnação judicial n.º 467/07.6BEBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
A recorrente não se conforma com o assim decidido por entender que existe uma relação de prejudicialidade entre os presentes autos e aquele processo n.º 467/07.6BEBRG.
Alega, para tanto, em síntese, que a liquidação impugnada nos presentes autos estriba-se exclusivamente nas correcções à matéria colectável declarada no exercício de 2002, porquanto foram estas correcções que forçaram os necessários ajustamentos aos prejuízos fiscais deduzidos em 2006, uma vez que na óptica da Administração Fiscal já não haveria possibilidade de os deduzir. E que a confirmação da ilegalidade das correcções à matéria colectável declarada no exercício de 2002, implicará a invalidade do acto tributário agora impugnado, situação enquadrável no n.º 1 do artigo 279.º do CPC, acarretando a inutilidade da presente lide, por lhe retirar o seu fundamento - ou a sua razão de ser.
Vejamos.
Dispõe o artigo 279.º, n.º 1 do CPC que «O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta …».
Nos termos da norma a suspensão da instância apenas será de ordenar se a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta.
A expressão legal “… a decisão de uma causa está dependente do julgamento de outrasignifica que a decisão de uma causa (principal), depende do julgamento de outra (prejudicial) quando nesta se aprecia uma questão, cujo resultado pode influir substancialmente na decisão daquela - Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, p. 45.
Tal como o Tribunal recorrido decidiu o julgamento da presente impugnante não depende do que for decidido no processo n.º 467/07.6BEBRG.
Isto porque, o julgamento das questões que se colocam na presente impugnação - saber se a liquidação impugnada padece de ilegalidade derivada e está ou não fundamentada - pode ser feito independentemente da decisão que venha a recair sobre a primeira impugnação, porque os vícios que são imputados à liquidação de 2006 são vícios próprios, que não comunga com a liquidação de 2002.
O que for decidido no processo n.º 467/07.6BEBRG sobre a legalidade das correcções efectuadas ao lucro tributável de 2002, não tem qualquer interferência no julgamento sobre as questões destes autos nos quais aquela discussão não se coloca.
Não há, pois, uma dependência jurídica entre a solução de uma e a solução da outra causa – cfr. Acórdão do STA de 24-11-2012, processo n.º 759/10.
É certo que, como refere a recorrente, a procedência da impugnação relativa à liquidação do ano de 2002 terá consequências na liquidação de 2006, assunto ao qual não fugiu o Tribunal recorrido, que de forma clara e acertada assinalou:
«Nem se diga que, a ser julgada improcedente a presente impugnação, isso impedirá que, no futuro, na hipótese de ser anulada a liquidação do ano de 2002, seja afectada a liquidação aqui impugnada por força do caso julgado que eventualmente se forme no presente processo se o sentido da decisão a proferir for o da respectiva improcedência.
Não é assim. O caso julgado restringe-se aos vícios que são objecto de apreciação jurisdicional e, como tal, não obstará à nulidade superveniente que afectará a liquidação relativa ao ano de 2006 caso a anulação da liquidação do ano 2002 venha a ser judicialmente determinada por sentença transitada em julgado, nos termos do art. 133° n° 2 alínea i) do Código de Procedimento Administrativo (com efeito, parece claro que a liquidação adicional de IRC respeitante ao IRC de 2006, na medida e na parte em que resultou da dedução de prejuízos fiscais declarados em 2002 é um acto consequente em relação ao acto que corrigiu esses prejuízos fiscais pois foi essa correcção que determinou a alteração das deduções efectuadas nos anos subsequentes nos termos que decorrem do art 47° n° 4 do CIRC. Sobre o conceito de acto consequente e da conexão cuja existência se exige para que a queda de um acto administrativo possa comprometer a subsistência do outro, veja-se Mário Aroso de Almeida, Regime Jurídico dos actos consequentes de actos administrativos anulados, Cadernos de Justiça Administrativa, n° 28, pag. 16 e, na jurisprudência, entre outros, acórdão STA 3 Mar. 2000, processo 040673, acórdão STA de Dez. 2007, processo 0385/07; acórdão STA 8 Jan. 2009, processo 0962/08, www. dgsi.pt).
Conclui-se, assim, que não estando a decisão da presente impugnação dependente do que for decidido no processo n.º 467/07.6BEBRG, não há fundamento para a suspensão da instância, pelo que não merece censura o Tribunal recorrido que assim decidiu.
2.2.2. A fundamentação
O Tribunal recorrido julgou improcedente o vício de falta de fundamentação imputado à liquidação.
Não se conforma a recorrente com o decidido dizendo que a fundamentação da liquidação é manifestamente insuficiente porquanto apenas contém uma mera remissão para elementos que apenas são do conhecimento da Administração Fiscal, e é obscura, o que, nos termos do n.º 2 do artigo 125.º do CPA, aplicável ex vi da alínea d) do artigo 2.º do CPPT, equivale a falta de fundamentação e redunda na ilegalidade do acto tributário.
O Tribunal recorrido considerou que o acto estava fundamentado exarando o seguinte:
«O segundo fundamento trazido pela impugnação é constituído pela alegada falta de fundamentação da liquidação impugnada.
Com pertinência para a delimitação do campo normativo relevante para a apreciação desta questão apresentam-se as normas do art 268° n° 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), do art. 77° da LGT e do art. 125° do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Estabelece o art. 268° n°3 da CRP:
“Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez, o art. 77° da LGT tem o seguinte teor:
1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Finalmente, o artigo 125° do Código de Procedimento Administrativo estatui o seguinte:
“1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale a falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
O dever de fundamentação dos actos administrativos em geral e tributários em particular tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao contribuinte a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.
Essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos é que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” - assim, acórdão STA de 25 Jun. 9., Ciência e Técnica Fiscal n.° 391, pág. 236.
Como se refere no acórdão STA 24 Mar. 2004, Recurso 01868/02, www.dgsi.pt, “o dever de fundamentação visa, esclarecer o destinatário do acto acerca do seu itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe ficar a saber quais as razões, de facto e de direito, que levaram à sua prática e porque motivo a Administração se decidiu num sentido e não noutro. E, se assim é, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal — o bonus pater familiae de que fala o art. 487, n° 2 do CC — fica a conhecer as razões que estão na sua génese, de forma a que, se o quiser, o possa indicar de uma forma esclarecida” — neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão STA 19 Mar. 81, recurso 13.031, acórdão STA 27 Out. 82, Acórdão Doutrinais (AD) 256, pág. 528, acórdão STA de 25 Jul 84, AD 288 pág. 1386, acórdão STA 4 Mar. 87, AD 319, pág. 849, acórdão 15 Dez. 87, AD 318 pág. 813, acórdão STA 21 Mar. 91, recurso 25.426, acórdão 28 Abr. 94, recurso 32.352, acórdão 30 Jan. 02, recurso 44.288 e acórdão 7 Mar. 2002, recurso 48.369.
No caso dos autos, a administração tributária, para fundamentar a correcção que fundamentou a liquidação agora impugnada disse o seguinte: “Nos termos do n° 10 do artigo 83° do Código do IRC, a administração fiscal procedeu ao controlo dos prejuízos fiscais indicados na declaração periódica de rendimento modelo 22, O valor do prejuízo fiscal deduzido nos termos do artigo 47° do Código do IRC, evidenciado por v. Exª na declaração modelo 22 do exercício de 2006, não se encontra de acordo com os elementos constantes da base de dados da administração fiscal e vai ser objecto de correcção na respectiva liquidação, conforme evidenciado no quadro anexo. (...) Prejuízo fiscal declarado: 1.010.039, 61 € - prejuízo fiscal corrigido: 0,00 €.“
Sendo esta a fundamentação externada da liquidação, afigura-se-nos que a mesma permite ao seu destinatário atingir a o desiderato que está por detrás da exigência legal da fundamentação dos autos tributários e que é a apreensão das razões de facto e de direito que justificaram a correcção dos elementos declarados e a Motivação da liquidação adicional.
Ficou a Impugnante, pressuposta destinatária normal do acto, em condições de compreender que a correcção do lucro tributável foi determinada pela não aceitação da dedução do prejuízo fiscal declarado por aquela na declaração modelo 22 e que, por via dessa correcção, que resultou da total desconsideração do prejuízo fiscal deduzido, foi efectuada a liquidação aqui impugnada.
Por outro lado, importa considerar que a Impugnante estava em especiais condições de compreender o sentido do acto praticado pela administração tributária porquanto tinha conhecimento pleno do Relatório de Inspecção Tributário que tinha sustentado a correcção ao prejuízo fiscal declarado no exercício de 2002 e que determinou as subsequentes correcções às deduções de tais prejuízos nos exercícios subsequentes.
Finalmente, os próprios termos em que a impugnante desenha a presente impugnação judicial demonstram suficientemente que a mesmo compreendeu perfeitamente o sentido da decisão e a sua motivação, como resulta de modo dano em especial dos artigos 15° e 16° da douta petição inicial.».
Tal como referido pelo Tribunal a quo a fundamentação tem como objectivo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito que determinaram o acto de modo a que com ele se possa conformar ou, então, reagir contra ele judicialmente.
Ora, tendo em conta esta função instrumental da fundamentação, o acto deve considerar-se fundamentado quando deu a conhecer ao seu destinatário os elementos bastantes que lhe permitiram em tempo reagir contra ele, como foi o caso dos autos e faz notar o tribunal a quo.
É que a fundamentação é um conceito relativo, devendo ser aferida caso a caso, tendo em conta as circunstâncias que levaram à prática do acto e o conhecimento que delas tem o seu destinatário que lhe permitem perceber ou apreender as razões que o determinaram. E no caso, esta percepção ou apreensão pela recorrente das razões que determinaram a liquidação impugnada está patenteada nos termos em que deduziu a petição inicial.
A sentença recorrida não nos merece censura.
3. Decisão
Assim, em conformidade com o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Porto, 15 de Fevereiro de 2012
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Nuno Bastos