Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00188/14.3BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Mário Rebelo
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
VALOR DA AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL QUE IMPUGNA O ACTO DE INSCRIÇÃO OFICIOSA NA MATRIZ
Sumário:1. Ao Autor cabe o ónus de suscitar ou deduzir o pedido de dispensa de apresentação de alegações, sendo que para que haja dispensa de apresentação de alegações (orais e escritas) no âmbito da acção administrativa especial é necessário que exista ainda o acordo das demais partes envolvidas nos autos.
2. Inexistindo aquele acordo, o juiz, em sede de despacho saneador, mesmo não havendo instrução probatória a realizar, não pode conhecer do mérito da causa porquanto terá, previamente, de permitir às partes o exercício do respectivo direito de apresentarem as alegações finais, determinando a sua notificação para esse efeito nos termos dos artigos 78.º, n.º 4 “a contrario”, 87.º, n.º 1, al. b) e 91.º, n.º 4, todos do CPTA, e só após poderá proferir decisão final.
3.Tal notificação para as partes apresentarem as respectivas alegações de direito sob forma escrita terá lugar também, por um lado, mesmo se, tendo havido produção de prova, venha a ser proferido despacho fundamentado a dispensar a realização de audiência pública prevista no artigo 91.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, e por outro, se vier a realizar-se aquela audiência pública na sequência de requerimento de uma das partes ou por decisão do juiz/relator e na qual as partes não hajam acordado na renúncia à apresentação de alegações de direito por escrito.
4.Omitido nos autos o acto de notificação das partes para produzirem, por escrito, as suas respectivas alegações de direito, quando as mesmas não hajam sido legalmente dispensadas, ocorre nulidade processual.
5.Tal nulidade constitui possível objecto de conhecimento em sede de recurso jurisdicional se estiver coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou a confirmou ainda que de forma implícita.
6. Do cotejo dos normativos em questão não deriva expressamente o sancionamento com o desvalor invalidante da nulidade em caso de prolação de sentença final em acção administrativa especial quando tenha ocorrido omissão da notificação das partes para a dedução de alegações escritas nos termos do artigo 91.º, n.º 4 do CPTA, pelo que importa aferir se “in casu” tal omissão é susceptível de gerar ou não nulidade na medida em que “possa influir no exame ou na decisão da causa”.
7. A parte que argua nulidade processual, não expressamente cominada ou fulminada pela lei como tal, terá de alegar e demonstrar que a nulidade ocorrida é susceptível de influir ou no exame ou na discussão/decisão da causa, não se podendo bastar com a sua mera invocação abstracta.
8. O valor da ação administrativa especial que impugne o acto de inscrição oficiosa na matriz é o que resulta da aplicação das regras do n.º2 do art. 34º do CPTA e não do art. 97-A/2 do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P..., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: P, SA.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Mirandela que julgou improcedente a ação deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação da matriz apresentada ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 3 do art. 130 do CIMI.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A) Discorda a Recorrente em absoluto do sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, por entender que o aerogerador em presença não é um prédio na acepção do artigo 2° do CIMI;
B) Entende a Recorrente padecer a sentença de nulidade por ter o Douto Tribunal a quo omitido a notificação das partes para produzirem por escrito as suas alegações de direito, conforme expressamente prevê o artigo 91°, n° 4, do [antigo] CPTA;
C) Discorda ainda a Recorrente do valor da causa fixado pelo Douto Tribunal a quo em conformidade o artigo 97°-A, n° 1, alínea c), do CPPT, uma vez que a acção na origem do presente recurso não tem por objecto qualquer acto de fixação de valores patrimoniais;
D) Perante o exposto, delimita-se o objecto do presente recurso à análise das seguintes questões jurídicas:
i) Se a sentença recorrida padece de nulidade processual decorrente da omissão do acto de notificação para apresentação de alegações, nos termos do artigo 91°, n° 4, do CPTA;
ii) Se, como defende o Douto Tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida, os aerogeradores de parques eólicos são prédios na acepção do artigo 2° do CIMI; e
iii) Se o valor da causa foi erradamente fixado pelo Douto Tribunal a quo, por errada aplicação do artigo 97°-A, n° 1, alínea c), do CPPT;
DA NULIDADE DECORRENTE DA OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES ESCRITAS, NOS TERMOS DO ARTIGO 91°. N.° 4, DO [ANTIGO] CPTA
E) Não tendo sido realizada audiência de julgamento e não tendo havido renúncia das partes à faculdade de apresentar alegações, sempre teria o Douto Tribunal a quo de ter notificado a Recorrente para o efeito antes de proferir a decisão final, nos termos do artigo 91°, n° 4, do CPTA, sob pena de nulidade processual;
F) Resulta evidente que o Douto Tribunal a quo entendeu erradamente que o objecto dos presentes autos seda o valor patrimonial tributário atribuído ao aerogerador em sede de avaliação, ao invés da sua inscrição indevida na matriz predial urbana, tendo também incorrectamente aplicado o artigo 2° do CIMI;
G) Caso a Recorrente tivesse tido a possibilidade de apresentar alegações escritas, teria podido manifestar a sua posição e, desse modo, teria podido sensibilizar o Douto Tribunal a quo para a necessidade de uma tomada de posição distinta;
H) Assim, necessariamente se conclui que a omissão do acto de notificação para apresentação de alegações nos termos do artigo 91°, n° 4, do CPTA teve influência directa no exame e decisão da causa, tendo a sentença recorrida constituído uma verdadeira decisão surpresa, situação expressamente vedada pelo artigo 3º, n° 3, do CPC, padecendo, por isso, a sentença de nulidade processual;
I) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que reconheça a nulidade de que padece a sentença recorrida, por violação dos artigos 91°, n.° 4, do CPTA, e 3°, n° 3, do CPC, tudo com as demais consequências legais;
DO ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA CONCERNENTE À PRETENSA SUBSUNÇÃO DO AEROGERADOR EM REFERÊNCIA NO CONCEITO DE PRÉDIO PREVISTO NO ARTIGO 2° DO CIMI
J) O Douto Tribunal a quo entende ser o aerogerador visado um prédio na acepção do artigo 2º do CIMI, sem que daí resulte qualquer violação das normas constitucionais oportunamente invocadas pela Recorrente isto é, os artigos 103°, n° 2, 165°, n° 1, alínea i), e 112° da CRP;
K) Discorda a Recorrente da posição adoptada pelo Douto Tribunal a quo, na medida em que claudicam os elementos atinentes à natureza física e económica ínsitos no conceito de prédio previsto no artigo 2° do CIMI, sendo certo que uma interpretação conforme à Lei fundamental - in casu, aos princípios constitucionais plasmados nos artigos 103º, n° 2, 165°, nº 1, alínea i), e 112.° da CRP pressupõe necessariamente a não aplicação deste preceito legal à realidade em presença;
L) No que especificamente respeita ao elemento atinente á natureza física, entende a Recorrente que o mesmo não se encontra preenchido uma vez que os aerogeradores de parques eólicos constituem conjuntos integrados de componentes - equipamentos necessários à produção de energia eléctrica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional intrínseca, não sendo subsumíveis nos conceitos de construção e edificação;
M) No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza económica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional relativamente aos demais componentes integrantes do aerogerador, também não a possui, pelos mesmos motivos e maioria de razão, a nível económico, claudicando, em consequência, o preenchimento do requisito em apreço, conforme já foi aliás expressamente decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores;
N) Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2° do CIMI, constituindo os seus diversos componentes bens de equipamento não enquadráveis nos conceitos de construção e edifício, carecendo igualmente de valor económico autónomo;
O) Em consequência, inversamente ao sentido decisório propalado na sentença recorrida, mantêm plena razão de ser os argumentos esgrimidos nos artigos 44.° a 57.° da petição inicial, os quais se dão por integralmente reproduzidos na presente sede, carecendo de fundamento a posição perfilhada pelo Douto Tribunal a quo relativa à alegada não preterição do regime ínsito nos artigos 103.°, nº 2, 165,°, n.° 1, alínea i), e 112.° da CRP;
P) Com efeito, a subsunção da realidade em presença no conceito de prédio previsto no artigo 2° do CIMI não pode deixar de ser vista como um meio inadmissível de determinação da incidência tributária em sede de III!, bulindo directamente com a tipicidade inerente ao escopo garantístico do princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103,°, nº 2, da CRP, e 8.º, n,° 1, da LGT;
Q) Ademais, provindo do entendimento vertido pela Administração Tributária na Circular n.° 8/2013, de 4 de Outubro de 2013, do Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, equivale a admitir como possível a definição de obrigações tributárias por meras orientações administrativas, hipótese que resulta manifestamente incompatível com o disposto no artigo 112°, n° 1, da CRP, com o referido princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103° da CRP e 8° da LGT e, de igual modo, com o princípio da reserva de lei previsto no artigo 165°, n° 1, alínea 1), da CRP;
R) Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2° do CIMI;
S) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida com fundamento em erro de julgamento por incorrecta aplicação do regime ínsito no artigo 2.° do CIMI e, nessa medida, nos artigos 103°, n° 2, 165°, n° 1, alínea i), e 112°, n° 1, da CRP, tudo com as demais consequências legais;
DO ERRO DE JULGAMENTO CONCERNENTE À INCORRECTA FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA NO DESPACHO RECORRIDO PROFERIDO A 16 DE DEZEMBRO DE 2016
T) Do despacho ora recorrido não cabia reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27°, n° 2, do CPTA, afirmando mesmo a jurisprudência recente que, ainda antes da entrada em vigor do novo CPTA, às decisões preferidas em processo tributário por juiz singular não se aplicava tal preceito legal;
U) Assim, o momento em que se recorre da decisão final é o momento adequado para recorrer de decisões proferidas em despachos interlocutórios, conforme resulta dos artigos 142.º, n.º 5, do CPTA e 644.º do CPC;
V) Discorda totalmente a Recorrente da posição assumida pelo Douto Tribunal a quo no despacho proferido a 16 de Dezembro de 2016 quanto à determinação do valor da acção proposta;
W) Diversamente do entendimento perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, a acção proposta não tem por objecto qualquer acto de fixação de valores patrimoniais, in casu do valor patrimonial tributário notificado à Recorrente a 2 de Janeiro de 2014 pelo Serviço de Finanças de Montalegre, no montante de EUR 414.910,00;
X) O objecto da acção incide antes sobre a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre a 12 de Março de 2014, a qual, indeferindo a reclamação apresentada pela Recorrente nos termos do artigo 130.º, n.° 3, alínea b), do CIMI, recusou eliminar da matriz o alegado prédio acima identificado;
Y) Assim, o valor da acção proposta não poderia ter sido determinado nos termos do artigo 97.°-A, nº 1, alínea c), do CPPT mas antes deveria ter sido determinado em conformidade com o artigo 97.°-A, n.° 2, do CPPT;
Z) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que diligencie pela revogação do despacho ora recorrido, com fundamento em erro de julgamento, por ter tido a sua prolação por premissa uma errónea determinação do valor da causa por parte do Douto Tribunal a quo e que fixe o valor da causa nos termos do artigo 97.°-A, n.° 2, do CPPT, tudo com as demais consequências legais.
Nestes termos e nos demais de Direito que esse Douto Tribunal ad quem suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se, por enfermar de erro de julgamento, a sentença recorrida e, bem assim, o despacho recorrido nos termos e com os fundamentos supra expostos, tudo com as demais consequências legais.
Mais se requer a esse Douto Tribunal ad quem, na exacta medida da procedência do presente recurso, a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas de parte, nos termos do artigo 26.° do Regulamento das Custas Processuais, tudo com as demais consequências legais.

CONTRA ALEGAÇÕES.
A Autoridade Tributária e Aduaneira contra alegou e concluiu:
A. No presente recurso invoca a Recorrente a existência de nulidade processual decorrente de omissão de notificação para apresentação de alegações, nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 91°, n.° 4 do CPTA, erro de julgamento no que concerne à subsunção do aerogerador como conceito de prédio para efeitos fiscais, nos termos do disposto no artigo 2° do CIMI e incorrecta fixação do valor da causa por errada aplicação do disposto no artigo 97-A n.° 1, alínea c) do CPPT
B. Alega que a colher-se o entendimento de que o aerogerador constitui um prédio para efeitos fiscais, não pode deixar de ser vista como um meio de determinação de incidência tributária em Sede de IMI, bulindo com o princípio da tipicidade inerente ao princípio da legalidade nos termos do disposto no artigo 103.° n.° 2 da CRP e do n.° 1 do artigo 8.° da LGT.
C. Entende a Requerida que o douto Tribunal a quo fez uma exacta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, máxime das normas legais aplicáveis, razão pela qual deverá ser mantido o entendimento constante da douta sentença de que os aerogeradores preenchem os elementos constantes do artigo 2.° do CIMI, para serem classificados como prédios para efeitos fiscais.
D. Sustenta a Recorrente a nulidade processual decorrente da violação dos artigos 91.º, n.° 4 do CPTA e 3°, n.° 3 do CPC.
E. O juiz se a questão for apenas de direito, ou sendo, de facto o processo contiver os elementos necessários para a decisão, depois de ordenada a vista ao Ministério público, pode conhecer imediatamente do pedido sem necessidade de serem produzidas alegações, nos termos do disposto no artigo 113.º do CPPT.
F. Não foram ordenadas quaisquer diligências de prova, posteriores ao articulado Contestação.
G. A questão em análise é uma questão exclusivamente de direito - saber se os aerogeradores se subsumem ao conceito de prédio para efeitos fiscais -, e contendo os autos os elementos necessários à decisão, o Tribunal a quo, decidiu em conformidade com o disposto no artigo 113.° do CPFT.
H. Nenhuma nulidade pode ser assacada à sentença recorrida.
I. A recorrente insurge-se contra a subsunção do aerogerador como prédio para efeitos do disposto no artigo 2.° do CIMI e vem, ainda, sindicar que na sua petição inicial invocou que a presença do aerogerador como prédio para efeitos fiscais, não pode deixar de ser Vista como um meio de determinação de incidência tributária em sede de IMI, mexendo com o princípio da tipicidade inerente ao princípio da legalidade, plasmado no artigo 103°, n°2 da CRP e artigo 8°, n.° 1 da LGT.
J. A douta sentença não se pronunciou acerca desta questão suscitada pela Recorrente.
K. A decisão perfilhada pela sentença a quo, relativamente à questão da legalidade e da subsunção do aerogerador como prédio para efeitos fiscais nos termos do disposto no artigo 2.° do CIMI, determinou que ficasse prejudicada a questão relacionada com a alegada violação do principio da legalidade por violação do disposto no n.° 2 do artigo 103.° da CRP e artigo 8.° da LGT.
L. Fica afastada a possibilidade desse venerando Tribunal conhecer do objecto do recurso na parte correspondente às alegações 54 a 64 e conclusões O a S.
M. O conceito fiscal de prédio afasta-se da noção civilista, o artigo 2° do CIMI estabelece um conceito específico para a determinação da incidência do IMI, mais amplo do que o constante no artigo 204° do Código Civil, explica NUNO SÁ GOMES que, parece resultar da comparação entre o conceito civil de imóvel consagrado no art. 204.° do Código Civil, com o conceito fiscal de prédio, previsto no art. 2.° do CIMI, que este último parece não abranger todas as realidades que são consideradas imóveis, para efeitos civis. É o que sucede, v.g., com OS direitos inerentes aos imóveis, que não tendo a referida estrutura física, nunca serão prédios. Sendo assim, parece que, para efeitos da Reforma de Tributação do Património, o conceito civil de imóvel não coincide com o conceito fiscal de prédio.
N. O conceito fiscal de prédio prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio: o elemento de natureza física, o elemento de natureza jurídica e o elemento de natureza económica, pois só da confluência destes três vectores podemos qualificar determinada realidade como “prédio” para efeitos de enquadramento em sede de IMI.
O. A douta sentença deu como verificados para efeitos de inscrição do aerogerador como prédio na matriz predial, o elemento de natureza física, o elemento de natureza jurídica e o elemento de natureza económica.
P. O parque eólico é constituído por aerogeradores assíncronos (torres eólicas), subestações (edifícios de comando), redes de cabos que ligam os primeiros aos segundos e respectivos acessos, dai que, cada aerogerador é uma unidade independente em termos funcionais, constituindo prédio urbano para efeitos do Código do IMI, e atendendo á sua natureza, é qualificado como prédio urbano do tipo “Outros”, preenchendo os requisitos estatuídos no art.° 2.° do CIMI.
O. Nos termos do art.° 203.° do Código Civil, as coisas podem ser, entre outras, móveis ou imóveis, simples ou compostas e de acordo com o art.° 206.° do mesmo Código, é havida como coisa composta, ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário.
R. Atendendo às definições de coisa simples e composta e, às realidades físicas em causa, é possível inferir que cada aerogerador constitui uma unidade independente e possui valor económico, na medida em que cada aerogerador admite um único direito e opera como uma unidade, tratando-se de coisa simples, que abrange uma coisa com várias peças que perderam a autonomia com a sua junção. Com vista à prossecução de um fim unitário: a produção de energia eléctrica.
S. Cada aerogerador (“Coisa simples” formada pela junção dos seus componentes: sapata de betão, torre, cabine e pás), constitui uma unidade funcional independente (dado que o aproveitamento energético do vento pode ser efectuado por uma só unidade), e o parque eólico, com os seus elementos e estruturas principais (torres eólicas, redes de cabos, acessos e edifício de comando) constitui uma “coisa composta”, isto é, engloba várias “cosas” simples, pertencentes à mesma pessoa e com um destino unitário, e embora possa ser objecto de actos jurídicos unitários.
T. Para efeitos de subsunção ao conceito de prédio ínsito no art.° 2.° do CIMI, cada aerogerador deve ser considerado como realidade distinta, constituindo realidades fisicas distintas ou autónomas dos terrenos em que se encontram implantadas, as quais possuem, claramente, valor económico.
U. Verifica-se, de forma clara, o preenchimento dos requisitos estatuídos na lei para o aerogerador ser considerado como prédio para efeitos fiscais, incluindo o elemento
económico.

V. O elemento de natureza económica encontra-se associado ao requisito de
patrimonialidade, o bem tem que ter valor económico, ser susceptível de gerar
rendimento ou outro tipo de utilidade para o seu titular, (v.d. ALFARO, Martins - O
conceito de prédio no IMI e algumas contradições normativas.)

W. Um aerogerador possui valor económico de per se, por força da sua natureza intrínseca e individual, bem como pela função que desempenha no conjunto, no parque eólico.
X. Um aerogerador, por si só, é um bem que, em circunstâncias normais, tem valor económico, susceptível de expressão monetária, seja qual for a perspectiva de análise
- o mercado, a utilidade económica potencial ou os fluxos rendimento esperados - por conseguinte preenche todas os requisitos legais que habilitam à qualificação ‘como ‘prédio’, para efeitos da incidência do IMI.

Y. A construção que consubstancia um aerogerador é uma realidade física e económica completa, que desempenha autonomamente uma função produtora, portanto, dotada de valor económico, e aliás, mesmo na perspectiva contabilística, o ‘parque eólico’ não é tratado individualmente como um activo.
Z. As estruturas que, no âmbito de um parque eólico têm como função a conversão da potência da energia eléctrica produzida pelo aerogerador e a sua injecção no ramal da rede pública de energia eléctrica, desempenham funções complementares da função nuclear que é a produção.
AA. O preenchimento do requisito da autonomia económica encontra-se verificado, traduzindo-se na susceptibilidade do aerogerador gerar rendimentos, através da comercialização da energia gerada com o parque eólico ou outro tipo de utilidades para o seu titular.
BB.O aerogerador deve ser qualificado como prédio, de acordo com o disposto no art.° 2.° do CIMI, constituindo uma realidade física distinta ou autónoma do terreno em que se encontra implantado.
CC. Segundo Vasco Branco Guimarães (in sobre o conceito fiscal de prédio, Estudo feito por ocasião da comemoração do L aniversário do Centro de Estudos Fiscais, publicado na Ciência e Técnica Fiscal, n.° 433 pág. 201) “uma vez que as torres eólicas não podem ser prédios rústicos terão de ser prédios urbanos. A doutrina publicada enquadra-os na qualificação: Outros. De entre os urbanos deverão ser considerados como Outros. Esta é a solução que corresponde á correcta interpretação do normativo em vigor.”
DD. A sentença a quo procede à correcta interpretação do disposto no art.° 2.° do CIMI, na medida em que um aerogerador preenche todos os pressupostos legais (elementos jurídico, económico e físico) para ser considerado como prédio para efeitos fiscais.
EE. O entendimento propugnado pela Recorrente enferma de um erro nas suas premissas, ofendendo claramente os mais basilares princípios constitucionais da equidade, justiça e segurança fiscais.
FF. O entendimento vertido pela Recorrente é transversal em países da União Europeia, desde logo, e a titulo meramente exemplificativo veja-se o caso de Espanha no qual os parques eólicos são tributados em sede de impuesto sobre Construcciones, Instalaciones y Obras (lnclusión en la base imponible del valor de las placas solares o de los aerogeradores), e em sede de BICES (Impuesto sobre Bienes lnmuebles de Caracteristicas Especiales, antes IBI), o qual se paga todos los años y se aplica al conjunto de la instalación. Se aplica sobre un valor catastral que determina Hacienda (ligado a las inversiones y las amortizacones), sobre el que los ayurtamientos aplican un impuesto que va del 0,4 al 1,3% (de entre 800 y 2.000 euros por Mwh al ano. Para un parque de 50Mw, supone entre 40.000 y 130.000 euros a año.)
GG. De igual modo, no ordenamento jurídico francês La cotisation fonciére des entreprises (CFE) constitui um imposto baseado em valores de aluguer de propriedade a que os parques eólicos se encontram sujeitos.
HH. Conclui-se que o aerogerador reúne todos os requisitos legais para que seja qualificado como prédio para efeitos das normas de incidência em sede de IMI, razão pela qual a sentença procede a uma errada interpretação e apreciação do art.° 2.° do CIMI, colidindo tal entendimento com os princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscal.
Nestes termos e nos mais de Direito, e com o douto suprimento de V. Ex.as, reitera-se tudo quanto peticionado em sede de Contestação, devendo o presente recurso ser julgado improcedente por correcta interpretação e aplicação do art.° 2.° do CIMI, com todas as legais consequências.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta não se pronunciou sobre o mérito do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se foi cometida nulidade processual por falta de notificação para alegações e se o despacho que fixou o valor da ação em € 414.910,00 errou na aplicação da norma respetiva.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial anónima, com sede e direcção efectiva em Portugal, que se dedica à produção, transporte, venda e distribuição de electricidade proveniente do sector das energias renováveis – art.º 1 da PI, não impugnado;
2. A Impugnante é titular e proprietária de parque eólico sito na Freguesia do Salto, no concelho de Montalegre, composto por oito geradores da marca e modelo GE-GEWE 1.5 S - cfr. doc 1 da PI;.
3. Cada um dos referidos aerogeradores é composto por uma sapata de betão ("fundação") com 132,25 m2; uma estrutura tubular metálica ("torre") constituída por seis pisos, com 11,00 m2 (junto à base) e 5,30 m2 (junto à nacelle); uma nacelle, um rotor e três pás - cfr. docs. 2 a 5 da PI;
4. Ao A. foi-lhe concedida a licença de exploração para o parque eólico em apreço – doc. n.º 6, que aqui se dá por reproduzido;
5. O dito parque eólico iniciou a sua exploração no ano de 2005- cfr. doc 6 da PI;
6. No dia 2 de Janeiro de 2014, a Impugnante foi notificada do ofício n.º 15.448.162, do Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre, contendo o seguinte:

«Em resultado da avaliação efectuada ao PRÉDIO TIPO "OUTROS” inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-1... da freguesia 170626 SALTO, foi atribuído o Valor Patrimonial Tributário abaixo descrito [EUR 414.910,00], apurado nos termos do n.º 2, do artigo 46.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis». – doc 7 da PI;
7. A Impugnante procurou determinar junto do serviço de finanças a realidade avaliada - isto é, o alegado prédio (tipo «outros») inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-1..., tendo constatado corresponder à torre eólica (aerogerador) do parque eólico denominado "PARQUE EÓLICO…",– art.º 6.º da PI, não contestado.
8. Ao alegado prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de EUR 414.910,00, determinado mediante a aplicação da seguinte fórmula: valor patrimonial tributário = valor do terreno + valor da construção - cfr. doc. 7. Da PI, que aqui se reproduz;
9. Por ter discordado da notificação recebida, a Impugnante solicitou perante o SF de Montalegre a realização de segunda avaliação, encontrando-se a aguardar a sua realização- cfr. doc 9 da PI;
10. Esta acção deu entrada em 16/4/2014 – cfr. fl. 1 do processo físico;

*
O despacho que fixou o valor da ação é do seguinte teor (fls. 190):
“Contrariamente ao sugerido na PI, e no requerimento de fls. 163 e ss, não estamos perante um processo cujo valor deva ser fixado pelo juiz da causa com recurso a critérios indeterminados nos termos do art.º 12º, al, f) do RCP, porque o valor atendível para efeitos de custas quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais é aquele valor contestado de € 414.910,00 (cfr. art. 5º e 8º da PI) – art.º 97º-A, n.º 1 al. c) do CPPT.
Pelo exposto, notifique a A. para pagar a taxa de justiça devida.
Prazo: 10 dias.”

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
P…, SA recorre da sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial instaurada contra o despacho do Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças datado de 11 de março de 2014 que indeferiu a reclamação apresentada pela A. peticionando a anulação da inscrição matricial oficiosa do Urbano P1..., da freguesia do Salto, no entendimento de que a torre eólica é “...uma instalação dotada de autonomia económica em relação ao prédio onde se encontra implantada (...) com caráter de permanência (...) sendo classificada como prédio urbano tipo outros, tudo como melhor consta do entendimento sancionado na circular n.º 8/2013....”.

Sustenta que a sentença errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao decidir que um aerogerador preenche o conceito de prédio e recorre ainda do despacho interlocutório de 16 de dezembro de 2016 que fixou em € 414.910,00 o valor da causa. Para além disso, argui a nulidade processual decorrente da omissão de notificação para apresentar alegações escritas, nos termos do art.º 91º/4 do CPTA, porquanto não foi facultada às partes o direito de apresentarem as competentes alegações finais por escrito ao abrigo daquele normativo (conclusões “E” a “H”).

O recorrido pugna pela improcedência da nulidade já que, segundo alega, “tendo sido apresentada a contestação, e em caso de não serem ordenadas quaisquer diligências em conformidade com o disposto no Arte. 114º do CPPT, o Juiz se a questão for apenas de direito, ou sendo de facto o processo contiver os elementos para a decisão, depois de ordenada a vista ao Ministério Público, pode conhecer imediatamente o pedido sem necessidade de serem produzidas alegações nos termos do disposto no Arte 113º do CPPT.

Sobre questão idêntica já este tribunal se pronunciou nos processos 185/14.9BEMDL de 29/06/2017 (1), e 203/14.0BEMDL de 28/09/2017 (2). Considerando a semelhança factual e jurídica com o caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º/3 do Código Civil), aderimos ao seu discurso fundamentador nos termos que passamos a transcrever:

Dispõe-se no n.º 4 do art. 78º do CPTA, que tem por epígrafe “Requisitos da petição inicial”, que:
O autor pode requerer, na petição, a dispensa da produção de qualquer prova, bem como da apresentação de alegações.
Por sua vez prevê-se no art. 83º, n.º 2 do mesmo código, relativo à contestação da entidade administrativa e dos contra-interessados, que:
“(…) A entidade demandada deve ainda pronunciar-se sobre o requerimento de dispensa de prova e alegações finais, se o autor o tiver feito na petição, valendo o seu silêncio como assentimento.
E no art. 87º, n.º 1, al. b), que tem por epígrafe “
Despacho saneador”, estipula-se que:
1- Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz ou relator, que profere despacho saneador quando deva:
(…)
b) Conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que, tendo o autor requerido, sem oposição dos demandados, a dispensa de alegações finais, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou, ouvido o autor no prazo de 10 dias, de alguma excepção peremptória; (…).”
Por fim decorre do art. 91º, que tem por epígrafe “Discussão da matéria de facto e alegações facultativas”, que:
1- Finda a produção de prova, quando tenha lugar, pode o juiz ou relator, sempre que a complexidade da matéria o justifique, ordenar oficiosamente a realização de uma audiência pública destinada à discussão oral da matéria de facto.
2- A audiência pública a que se refere o número anterior pode ter também lugar a requerimento de qualquer das partes, podendo, no entanto, o juiz recusar a sua realização, mediante despacho fundamentado, quando entenda que ela não se justifica por a matéria de facto, documentalmente fixada, não ser controvertida.
3- Quando a audiência pública se realize por iniciativa das partes, nela são também deduzidas, por forma oral, as alegações sobre a matéria de direito.
4- Quando não se verifique a situação prevista no número anterior e as partes não tenham renunciado à apresentação de alegações escritas, são notificados o autor, pelo prazo de 20 dias, e depois, simultaneamente, a entidade demandada e os contra-interessados, por igual prazo, para, querendo, as apresentarem.
5- Nas alegações pode o autor invocar novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente, ou restringi-los expressamente e deve formular conclusões.
6- O autor também pode ampliar o pedido nas alegações, nos termos em que, neste Código, é admitida a modificação objectiva da instância.” Do cotejo dos normativos reproduzidos supra temos, para nós, por um lado, que ao A. cabe o ónus de suscitar ou deduzir o pedido de dispensa de apresentação de alegações, sendo que aquele pedido importa ou comporta implicações em sede dos seus direitos processuais e de tutela (risco ou perigo de lhe não ser dada a possibilidade, nos termos do art. 91º, n.ºs 5 e 6 do CPTA, da arguição de outras ilegalidades que a junção do processo administrativo venha a revelar), da própria tramitação e competência para a decisão da acção administrativa, já que sem o mesmo não pode operar ou funcionar a previsão do n.º 2 do art. 83º do CPTA e uma vez deduzido e obtido o acordo das partes permite que a acção seja julgada por juiz ou relator em sede do despacho saneador visto não havendo aquele acordo das partes quanto à dispensa das alegações escritas o processo terá necessariamente de prosseguir, permitindo-se, desta feita, o exercício do direito processual a apresentar as competentes alegações finais e relegando-se para final o conhecimento do mérito da causa [cfr. al. b) do n.º 1 do art. 87º e arts. 91º e segs. todos do CPTA].
Refira-se, aliás, que a solução normativa vertida no art. 78º, n.º 4 do CPTA integra-se entre as medidas de simplificação e de aceleração processuais acolhidas em sede da Reforma Contencioso Administrativo de 2004. Tal como referem Prof. M. Aroso de Almeida e Dr. C. Fernandes Cadilha (in: ob. cit., pág. 396, nota 11) “(…) A dispensa (…) e a da apresentação de alegações são, assim, medidas simplificadoras do processo dirigidas a assegurar uma maior celeridade processual, mormente quando os factos sejam comprováveis documentalmente, inclusive mediante a junção do processo administrativo, e a discussão da causa se possa centrar nos articulados. (…).”
Importa, ainda, ter presente que para que haja dispensa de apresentação de alegações (orais e escritas) no âmbito da acção administrativa especial necessário é que exista acordo de todas as partes envolvidas nos autos (autor, réu-entidade administrativa e contra-interessados) (cfr. arts. 78º, n.º 4, 91º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 e 83º, n.º 2 do CPTA este último interpretado extensivamente quanto aos contra-interessados).
Assim, inexistindo aquele acordo, quer pelo facto do A. não haver formulado pedido de dispensa de apresentação e alegações quer pelo facto do mesmo pedido ter merecido a oposição por parte do R./entidade administrativa e demais contra-interessados em sede das respectivas contestações, temos que o juiz em sede de despacho saneador, mesmo não havendo instrução probatória a realizar, não pode conhecer do mérito da causa porquanto terá, previamente, de permitir às partes o exercício do respectivo direito de apresentarem as alegações finais, determinando a sua notificação para esse efeito à luz do que disciplinam os arts. 78º, n.º 4 “a contrario”, 87º, n.º 1, al. b) e 91º, n.º 4 todos do CPTA, e só após poderá proferir decisão final.
Note-se que a efectivação de tal notificação para as partes apresentarem as respectivas alegações de direito sob forma escrita terá lugar também, por um lado, mesmo se, tendo havido produção de prova, venha a ser proferido despacho fundamentado a dispensar a realização de audiência pública prevista no art. 91º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, e por outro, se vier a realizar-se aquela audiência pública na sequência de requerimento de uma das partes ou por decisão do juiz/relator e na qual as partes não hajam acordado na renúncia à apresentação de alegações de direito por escrito.
Aliás, como sustentam o Prof. M. Aroso de Almeida e o Dr. C. Fernandes Cadilha em anotação ao n.º 4 do art. 91º da CPTA (in: ob. cit., págs. 469 e 470, nota 2) “(…) A questão que se coloca é a de saber se apresentação de alegações orais sobre os aspectos jurídicos da causa, nos termos previstos na presente disposição, exige o acordo das partes por aplicação analógica do disposto nos artigos 78º, n.º 4 e 83º, n.º 2.
A ressalva contida na primeira parte do n.º 4 parece apontar no sentido afirmativo. (…) Ora, a primeira das situações versadas permite inferir que só haja lugar às alegações orais quando a iniciativa da audiência pública provenha de ambas as partes (e não apenas de uma delas), o que se afigura consentâneo com o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 78º, n.º 4 e 83º, n.º 2 (...).
A norma destina-se, portanto, a evitar que uma das partes, ao requerer a realização da audiência pública, venha a impedir a outra parte de apresentar alegações escritas. Trata-se, portanto, de uma solução análoga à prevista no artigo 657º do CPC (…).
A apresentação de alegações orais sobre a matéria de direito tem, pois, lugar quando ambas as partes tenham requerido a audiência pública, o que implica o reconhecimento implícito de que prescindem de alegações escritas.
(…) Poderá igualmente admitir-se a apresentação de alegações orais quando a audiência pública tenha sido requerida por uma das partes e, sendo deferida pelo juiz, haja acordo de ambas as partes para produzirem alegações orais também sobre os aspectos jurídicos da causa. Neste sentido se poderá interpretar a ressalva contida na primeira parte do n.º 4, que alude à possibilidade de renúncia à apresentação de alegações escritas, nada parecendo obstar a que tal renúncia ocorra em plena audiência pública. (…).” (vide, ainda, Dr. M. Esteves de Oliveira e outro in: “Código de Processo dos Tribunais Administrativos”, vol. I, págs. 467, nota XV, 534 e 535, notas VIII e IX).
E continuam aqueles autores (in: ob. cit., págs. 470 e 471, nota 3) “(…) A segunda das situações em que, nos termos do n.º 4, deverá proceder-se à notificação das partes para a apresentação de alegações escritas sobre a matéria de direito ocorre quando ‘as partes não tenham renunciado à apresentação de alegações escritas’.
Esta renúncia ocorre de acordo com o regime previsto nos artigos 78º, n.º 4, e 83º, n.º 2 (…). Havendo acordo das partes quanto à dispensa da produção de prova e de alegações, o juiz poderá conhecer do mérito da causa no despacho saneador (…). Nada obsta, no entanto, a que o processo prossiga quando o juiz se não sinta habilitado a decidir a causa no saneador, caso em que poderá ordenar as diligências de prova que julgue necessárias, nos termos do artigo 90º, n.º 1 (…). Neste caso, finda a produção de prova, mantém-se válida a renúncia das partes à apresentação de alegações escritas, pelo que o processo é de seguida concluso ao juiz para julgamento.
Desde que não haja renúncia das partes, nem se verifique o condicionalismo que justifica a apresentação de alegações orais, as alegações escritas podem ter lugar quer haja ou não produção de prova, quer haja ou não audiência pública. Não havendo produção de prova, as alegações escritas servem para as partes se pronunciarem sobre o direito aplicável em função da prova coligida documentalmente, através dos documentos juntos com os articulados e dos que constem do processo administrativo. Havendo produção de prova, têm como objecto interpretar e aplicar a lei aos factos que tiverem ficado assentes e que forem considerados provados em função das respostas do tribunal aos quesitos que constam da base instrutória ou que resultarem de diligências oficiosamente efectuadas pelo juiz. Havendo lugar à audiência pública, esta destina-se apenas à discussão da matéria de facto, após a produção da prova, pelo que a notificação das partes para apresentarem alegações escritas sobre os aspectos jurídicos da causa só não ocorre quando naquela audiência não possam ser produzidas também as alegações orais sobre a matéria de direito.
Assim, a notificação para a apresentação de alegações escritas, quando deva ter lugar, é efectuada, consoante os casos, após o despacho saneador que não conheça do mérito da causa, quando não haja lugar à realização de diligências de prova, após a fase de produção de prova, quando esta tenha lugar, ou após a audiência pública em que apenas se produzam os debates orais sobre a matéria de facto. (…)” (sublinhados nossos).
Cumpre ter presente, também, que face ao teor do art. 91º, n.º 4 do CPTA, as partes serão notificadas de per si para apresentarem, querendo, as competentes alegações por escrito, constituindo uma faculdade conferida às mesmas e de cuja falta de apresentação não derivam quaisquer consequências, mormente, deserção.
E, assim, começa-se pela notificação ao A., que disporá do prazo de 20 dias para apresentar as suas alegações nas quais poderá fazer uso dos poderes processuais previstos nos n.ºs 5 e 6 do mesmo normativo (restrição dos fundamentos ou alegação de novos fundamentos de pedido, novas causas de pedir, desde que de conhecimento superveniente, bem como ampliação do pedido), e, de seguida, depois de apresentadas aquelas ou decorrido o prazo legal para a sua dedução procederá a Secretaria à notificação (cfr. art. 91º, n.º 4 do CPTA e 152º, n.º 2 do CPC), em simultâneo, a todos os demandados para fazerem uso dessa faculdade no mesmo prazo.
Cientes estes considerandos e revertendo ao caso em presença, constata-se que efectivamente foi omitido nos autos o acto de notificação das partes para produzirem, por escrito, as suas respectivas alegações de direito, acto esse que, de harmonia com o disposto nos arts. 78º, n.º 4, 87º, n.º 1, al. b) e 91º, n.º 4 do CPTA e do atrás expendido, se impunha ter havido lugar na normal e adequada tramitação da acção “sub judice”, tendo, assim, sido impedidas as partes de produzirem aquelas alegações de direito antes da prolação da decisão judicial aqui ora em recurso.
Tal omissão constitui nulidade processual (art. 201º do CPC aplicável aos e nos autos “ex vi” art. 01º do CPTA), nulidade essa que constitui possível objecto de conhecimento em sede de recurso jurisdicional dado estar coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou a confirmou ainda que de forma implícita (cfr., v.g., Acs. do STA de 15/09/1999 - Proc. n.º 045312, de 13/01/2000 - Proc. n.º 045521 in: “www.dgsi.pt/jsta”).
Ora decorre do n.º 1 do art. 201º do CPC, sobre a epígrafe “
Regras gerais sobre a nulidade dos actos”, que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Prevêem-se neste normativo regras em matéria de nulidade dos actos processuais em geral, perpassando no regime consagrado uma preocupação de restringir os efeitos do vício que inquina o acto de modo que só nos casos em que há prejuízo para a relação jurídica litigiosa resultam ou advém efeitos invalidantes.
Tal como sustenta o Dr. J. Rodrigues Bastos (in: “Notas ao Código Processo Civil”, vol. I, 3ª edição, págs. 263 e 264) “(…) O princípio fundamental é o de que a declaração da nulidade só é de fazer em função do prejuízo que do vício do acto (por comissão ou omissão) resulte para o processo e para os fins que este visa. O reconhecimento da nulidade não é, pois, um direito das partes mas uma cautela da lei, assegurando a necessária eficácia e idoneidade ao processo.
Umas vezes a lei prescreve que a prática de certo acto ou omissão de um acto ou de uma formalidade acarretam nulidade; nesses casos está ínsito na cominação o reconhecimento do carácter prejudicial do vício; noutros casos, em que não é formulada, isto é, em que pode haver ou não prejuízo para a relação jurídica litigiosa, tem de ser o julgador a medir, com cautela, a projecção que o vício verificado pode ter no perfeito conhecimento e na justa decisão do pleito. (…).”
Já o Prof. J. Alberto dos Reis (in: “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487) em anotação ao normativo ora em referência sustentava que “(…) O que há característico e frisante no artigo 201º é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) Quando a lei expressamente a decreta;
b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
(…) O 2º caso em que a infracção formal tem relevância deixa o juiz um largo poder de apreciação. É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa.
(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.
É neste sentido que deve entender-se o passo ‘quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.’ O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa. (…).”
Também do Prof. Lebre de Freitas (in: “Introdução ao Processo Civil”, 1996, págs. 18 a 20) a este propósito sustenta que “(…) Verificado o vício, se a lei não prescrever expressamente que ele tem como consequência a invalidade do acto, segue-se verificar a influência que a prática ou omissão pode ter no exame ou na decisão da causa (…), isto é, na sua instrução, discussão e julgamento (…).
Constatada essa influência, os efeitos invalidantes do acto repercutem-se nos actos subsequentes da sequência processual que dele forem absolutamente dependentes (…).” (vide no mesmo sentido daquele Autor “Código de Processo Civil – Anotado”, vol. I, págs. 346 e 347, nota 2).
Cotejados os normativos em questão dos mesmos não deriva expressamente o sancionamento com o desvalor invalidante da nulidade em caso de prolação de sentença final em acção administrativa especial quando tenha ocorrido omissão da notificação das partes para a dedução de alegações escritas nos termos do art. 91º, n.º 4 do CPTA.
Assim, resta-nos aferir se “in casu” tal omissão é susceptível de gerar ou não nulidade na medida em que “possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Em tese afigura-se-nos que a omissão dum acto como o em causa (emissão de decisão final de processo sem que tivesse sido facultadas às partes, como era seu direito processual, a possibilidade de apresentação de alegações escritas em matéria de direito) é susceptível de influir na decisão da causa e isto pese embora o juiz não estar sujeito às alegações e enquadramento jurídico efectuados pelas partes (cfr. art. 664º do CPC).
Na verdade, é através daquela peça processual que as partes explanam o seu entendimento e enquadramento jurídico da causa, elaborando, nas palavras do Prof. J. Antunes Varela (in: “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 647), um “(…) projecto de decisão judicial, não só na exposição e justificação das razões da sua pretensão, como na refutação das razões opostas pela parte contrária (…)” (sublinhados nossos).
Nessa medida, conferindo a lei às partes, enquanto faculdade, da possibilidade de apresentarem as suas alegações de direito por escrito não pode deixar de se extrair a conclusão que tal não se trata de formalidade inútil e inócua para o desenvolvimento dum processo judicial, pois, então, teríamos que considerar que o legislador havia previsto formalidade irrelevante, dilatória, desnecessária.
Impõe-se, por conseguinte, conferir à faculdade em questão atribuída às partes a relevância que a mesma deve merecer na e para a economia da decisão do pleito, prestigiando-se e estimulando-se o seu uso, visto só dessa forma se pode atribuir alguma sentido e utilidade àquela formalidade.
Entender como irregularidade perfeitamente inócua e irrelevante para a discussão e decisão da causa a preterição da possibilidade das partes produzirem as suas alegações mais não será que desvalorizar o papel e responsabilidade que as partes, através dos seus mandatários ou representantes judiciários, terão de ter no normal e adequado desenvolvimento duma acção judicial, já que alegações escritas em matéria de direito adequada e empenhadamente elaboradas constituem uma inequívoca mais valia na e para a apreciação da questão em presença e prolação de decisão final do litígio, chamando à atenção para questões, entendimentos, interpretações e soluções que, muitas das vezes, o julgador só se vem a aperceber e a ser confrontado lendo as alegações de recurso jurisdicional produzidas após a prolação daquela decisão.
Aliás, a propósito do art. 91º, n.º 4 do CPTA e quanto à relevância da fase das alegações sustentam o Dr. M. Esteves de Oliveira e outro (in: ob. cit., pág. 535, nota IX) que “(…) entendemos que a fase de alegações é da maior importância para o debate contraditório da causa e que o seu sentido útil não se resume aos casos em que tenha havido diligências de prova na fase posterior aos articulados ou em que o processo gracioso traga algo de novo à instrução do processo e ao conhecimento das partes. (…)”.
Assente este posicionamento enquanto questão de princípio ou posicionamento em tese importa, todavia, ainda assim, por força do comando legal vertido no art. 201º, n.º 1 do CPC, aferir se em concreto aquela omissão ou preterição de formalidade terá efeitos invalidantes para o processo.
Como supra já fomos avançando a aferição da susceptibilidade de influência da omissão no exame e discussão/decisão da causa terá se ser realizada em concreto, ponderando as circunstâncias fácticas ocorridas no processo, a sua envolvência, natureza e implicações.
Ou seja, por outras palavras não podemos concluir pela verificação da nulidade processual e consequentes efeitos invalidantes numa perspectiva decisória meramente abstracta, antes se impondo ao julgador aferi-la no contexto em que a mesma ocorreu, seus contornos, suas implicações na e para a economia dos autos, utilidade da sua decretação em termos e para a tutela das posições jurídico-processuais das partes envolvidas.
Nesta sede importa, pois, que a parte que argua nulidade processual, não expressamente cominada ou fulminada pela lei como tal e decorrentes consequências legais, alegue e demonstre que a nulidade ocorrida é susceptível de influir ou no exame ou na discussão/decisão da causa, não se podendo bastar com a sua mera invocação abstracta. A parte que a invoca terá de demonstrar ou tornar verosímil que a nulidade ocorrida é susceptível de a afectar nos seus direitos adjectivos e/ou substantivos, obtendo vantagem e utilidade relevante com a decretação da nulidade e demais consequências.
No caso vertente temos para nós, que salvo melhor entendimento, a aqui recorrente não cumpriu o ónus decorrente ou imposto pelo art. 201º, n.º 1 do CPC, já que a mesma em lado algum alegou e muito menos demonstrou que a omissão ocorrida no desenvolvimento e discussão/decisão da causa, que supra já se reconheceu ter existido, de algum modo é ou foi susceptível de influir nos contornos que presidiram e nos quais assentaram a decisão judicial ora posta em crise.
Na verdade, analisada, por um lado, a pretensão em presença, as questões jurídicas em torno da mesma, posicionamento que cada uma das partes já havia assumido nos articulados e que veio a expender em sede de alegações de recurso jurisdicional, reiterando aqueles argumentos e posicionamentos interpretativos, e considerado, por outro, o entendimento que aquele tribunal “a quo” perfilhou , temos que aquela nulidade decorrente da omissão do acto de notificação das partes para apresentação de alegações escritas em matéria de direito in casu possui efeitos invalidantes do processo e da decisão judicial recorrida porquanto ficou demonstrado que a mesma foi susceptível de influir na discussão/decisão da causa.
Com efeito, ponderada a argumentação que a recorrente veio a desenvolver no âmbito das suas alegações de recurso jurisdicional, argumentação essa que, quanto à questão fulcral, rectius o efectivo objecto dos presentes autos (lembre-se, a inscrição na matriz predial urbana da realidade física denominada aerogerador), tendo presente a jurisprudência firmada pelos Tribunais superiores nesta sede, a anulação da decisão judicial recorrida decorrente da procedência da arguida nulidade terá como consequência mais provável e/ou expectável a prolação duma nova decisão, observados os legais formalismos, com conteúdo decisório distinto, desiderato que claramente está ínsito na previsão do n.º 1 do art. 201º do CPC.
Daí que se impõe qualificar a omissão ocorrida nos autos “sub judice” como relevante para efeitos de invalidação dos autos, pois, deveremos concluir pela verificação de preterição de formalidade que, no caso concreto, é manifestamente susceptível de influir na discussão/decisão da causa, gerando, assim, a nulidade dos autos, em especial, da decisão judicial em crise. (vide, entre outros, o douto Acórdão desde TCAN, de 09.02.2000, lavrado in Rec 01300/04.6BEVIS).

Destarte na procedência da nulidade ora apreciada o recurso merece provimento, resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos, com exceção do valor da causa que passamos a apreciar de seguida.

Com efeito, a Recorrente discorda do despacho interlocutório, proferido a 16 de dezembro (fls. 190), quanto à determinação do valor da causa que fixou em € 414.910,00, no entendimento de que a acção proposta não tem por objecto qualquer acto de fixação de valores patrimoniais, mas tão só, a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças que indeferiu a reclamação apresentada pela Recorrente nos termos do artigo 130.º, n.° 3, alínea b), do CIMI, recusando eliminar da matriz o Urbano P1....

Conclui, assim, que valor da acção proposta não poderia ter sido determinado nos termos do artigo 97.°-A, nº 1, alínea c), do CPPT mas antes deveria ter sido determinado em conformidade com o artigo 97.°-A, n.° 2, do CPPT.

Que o valor da ação não pode ser calculado pelas regras da alínea c) do n.º 1 do art. 97-A do CPPT parece-nos relativamente claro. Este preceito prevê que quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor da ação é o valor contestado. Mas como a (presente) ação não visa impugnar qualquer ato de fixação de valores patrimoniais, a aplicação desta norma deverá ser excluída.

Em vários arestos deste TCA tem sido decidido - em situações idênticas - a aplicação do art. 97-A/2 do CPPT, como também defende a Recorrente.

Mas também esta solução não parece corresponder à situação dos autos, como decidiu o recente acórdão deste TCA n.º 259/14.6 BEBRG de 22/2 (3), que o presente relator subscreveu como segundo adjunto e que com a devida vénia transcrevemos, também revendo posição sobre o assunto, aproveitando para estes autos a doutrina ali desenvolvida.

“O valor da acção é o valor que se pretende obter ou o valor em dinheiro equivalente ao benefício que se pretende obter (art.32º, n.ºs 1,2, e 4 do CPTA).

A Recorrente insurge-se contra o decidido pelo Tribunal a quo por entender que na fixação do valor da ação incorreu em errónea apreciação e interpretação das normas legais, máxime o n.º4 do art. 32º do CPTA, pois que o pedido na ação administrativa especial é a anulação da inscrição da matriz, não podendo o valor incidir sobre o somatório dos atos de avaliação como fez o despacho recorrido, mas antes no ato de inscrição oficiosa dos prédios que é um valor indeterminado, sendo aplicável as regras do art. 34º do CPTA, de acordo com o n.º1 do art. 24º da Lei 58/2008 de 28 de Agosto.

“É consabido que o STA tem vindo a esclarecer que a suscetibilidade de impugnação autónoma do ato de inscrição oficiosa na matriz da realidade física do aerogerador como prédio urbano decorre da lesividade do ato, tanto assim que, caso o contribuinte não tenha contra ele reagido no momento em que ele surgiu e se tornou lesivo, pode ainda vir a atacar esse mesmo ato quando ele se insira num procedimento de liquidação e venha a determinar um ato posterior de liquidação.

Por conseguinte quando se faz, como no presente caso, uma inscrição oficiosa na matriz de um bem que o contribuinte entende não ser um prédio e não podendo ser inscrito como tal na matriz, pode imediatamente impugnar essa inscrição por ela ser, em si mesma, suscetível de vir a determinar a liquidação de um ou vários tributos.

Mas, seguidamente, se o bem foi avaliado e lhe foi atribuído um valor, pode impugnar esse ato de avaliação e impugnar o tributo que venha a ser liquidado com base na avaliação.

Como refere o Acórdão do STA de 27 de Novembro de 2013 no âmbito do recurso n.º 1725/13 (4)«(…)O ato de inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física como prédio reconduz-se a ato imediatamente lesivo dado que provoca uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, dai a admissibilidade de ser formulado pedido de suspensão da sua eficácia (…),o facto de a imediata lesividade de tal ato permitir, querendo, a sua impugnação autónoma, não obsta a que, não o tendo sido, possa ser sindicado em sede de impugnação da liquidação do tributo…»

De igual modo refere-se no Acórdão do STA de 8 de Janeiro de 2014, no recurso n.º 01685/13 (5) «as eventuais ilegalidades praticadas nos atos prévios de fixação do valor patrimonial tributário do prédio, como o da inscrição oficiosa na matriz de determinada realidade física como prédio, podem ser objeto de impugnação autónoma - através de ação admirativa especial - ou invocados em impugnação de ato tributário ou em matéria tributária posterior, como o de segunda avaliação»

Deste modo, ainda que o ato de inscrição na matriz esteja inelutavelmente ligado ao ato de fixação do valor patrimonial do prédio inscrito, não se confundem; tanto assim é que a respetiva legalidade pode ser questionada autonomamente.
(...)

Todavia, o que está em questão não é a coisa em si, mas tão só o ato de inscrição oficiosa na matriz.

Como decorre do n.º4 do art. 32º (do CPTA) [critérios gerais para a fixação do valor] respeita especificamente quando ação diga respeito a uma coisa, o valor desta determina o valor da causa.

Resulta, assim, que a norma não tem aplicação ao caso concreto.

Não tendo aplicação os critérios gerais e especiais, ter-se-á que aplicar as regras supletivas a que alude o art. 34º do CPTA, ou seja, “1-Consideram-se de valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais e a normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, incluindo planos urbanísticos e de ordenamento do território.
2 - Quando o valor da causa seja indeterminável, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo”

Por conseguinte, tem razão a Recorrente quando pugna que o critério para o valor das ações administrativas especiais em que está em causa um ato de inscrição na matriz predial urbana é o supletivo, ou seja, o valor indeterminável pois que o ato de inscrição está desassociado do valor da coisa.

Na verdade o ato de inscrição na matriz configura um ato administrativo lesivo dos direitos e interesses do contribuinte e como tal, tratando-se de ação administrativa especial tem aplicação as regras do CPTA [art.97º, n.º1, al. p) e n.º2,do CPPT “ex vi” do 191º do CPTA].

Poder-se-á argumentar que estando perante questões tributárias o CPPT tem norma própria,[art. 97ºA, n.º2 do CPPT] como também refere a Recorrente, subsidiariamente.
Todavia, revendo posição quanto a esta questão (6), entendemos que o n.º2 do art. 97º-A do CPPT não tem aplicação para efeitos do valor do processo em matéria de alçada.

Como explica o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (7), «O texto do n.º1 deste art. 97º-A aponta manifestamente no sentido de os critérios de fixação dos valores que se prevêem terem em vista os processos impugnatórios de actos: de autoliquidação, (incluindo atos de liquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta e os impugnados atreves de oposição à execução fiscal), actos de fixação da matéria colectável, actos de fixação de valores patrimoniais e actos sobre isenções ou outros benefícios fiscais.

Por outro lado, embora no n.º2 se estabeleça um regime para os «casos não previstos nos números anteriores», a referência que nele se contém «à condição económica do impugnante» revela que também ele visa apenas a fixação de valor em processos de impugnação de actos.

Esta constatação conduz à conclusão de que os critérios de fixação do valor previstos neste art. 97º-A, não se aplicam a processos impugnatórios, designadamente às questões suscitadas nos processos de execução fiscal, que não se reconduzem à impugnação de actos. (…)

Nesta interpretação de que este art. 97º-A apenas visa determinar o valor dos processos impugnatórios de actos (…).
Sendo assim, relativamente aos processos a que não se aplica este art. 97º-A e para os quais não está especialmente previsto valor para efeitos de custas no art. 12º do RCP, o valor da causa, inclusivamente para efeitos de custas, será o que resulta da aplicação das regras de determinação do valor da causa previstas na lei do processo respetiva (art. 11º do RCP). Isto é, não estando previsto especificamente o valor para os processos tributários, ele será determinado nos termos do art. 31 e seguintes do CPTA ou 305º e seguintes do CPC, conforme a natureza do caso omisso, como impõe o art. 2º, alíneas c) e e) do CPPT. Essa natureza do caso omisso conduzirá a que sejam aplicáveis a regras do CPTA aos processos tributários que têm natureza idêntica aos processos próprios do contencioso administrativo (…) e as regras do CPC aos processos que não têm essa natureza (como execução fiscal, reclamação de créditos, arresto e arrolamento).

Por fim, o citado autor aborda também o âmbito de aplicação dos critérios de fixação do valor da causa pelo juiz: «Do texto do n.º 1 resulta que os critérios de fixação de valores da causa ai indicados visam «efeitos de custas e outros previstos na lei», pelo que o valor dai resultante valerá não só para efeitos de custas, mas para todos os outros relativamente aos quais o valor da acusa produz efeitos, como recorribilidade (art. 208º, n.º1. do CPPT) e exigência de representação por advogado (art. 6º do CPP).»

Mas esclarece ainda o referido Autor que “Essa referência à aplicação dos critérios de fixação do valor para efeitos diferentes das custas apenas é feito no n.º1, pelo que parece que não será de aplicar aos casos enquadráveis no n.º2, que são os outros meios impugnatórios. (sublinhado nosso)

Continuando, o Autor afirma que os critérios de fixação do valor previstos no n.º2, que são a «complexidade do processo e a condição económica do impugnante», apenas são adequados à fixação do valor para efeito de custas, pois a ponderação da complexidade tem em vista a adequada remuneração do serviço prestado pelo tribunal e a influência da condição económica do impugnante na fixação do valor apenas se justifica quando está em causa a exigência de um pagamento. (sublinhado nosso)

Vai mais longe o mesmo Autor quando diz que seria incompaginável com o princípio constitucional da igualdade que, por exemplo, pelo facto de o impugnante ter má condição económica não tivesse direito a recurso, por o valor ser fixado em montante inferior à alçada do tribunal tributário, enquanto o teria, em situação fáctica idêntica, um impugnante mais abastado.

Concluiu assim, que a fixação de valor pelo juiz, nos casos previstos no n.º2, apenas será relevante para efeitos de custas, sendo de aplicar, para outros efeitos, os critérios gerais subsidiários da determinação do valor do processo.

Ora a interpretação restrita a fazer ao art. 97º-A, n.º2, do CPPT, sugerida pelo Conselheiro Lopes de Sousa, afasta no caso das ações administrativas especiais a aplicação da norma sempre que esteja em causa apenas o valor do processo, remetendo para as normas específicas da providência [ou forma processual aplicada], no caso o CPTA.

Assim, tendo por referência o n.º2 do art. 34º do CPTA o valor da presente ação é de 30.000,01€, porque superior ao valor da alçada do Tribunal Central Administrativo, que é de 30.000,00€”.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, e, consequentemente, fixar o valor da causa em € 30.000,01, anular a sentença recorrida, ordenar a devolução dos autos à primeira instância para ali prosseguirem os seus demais termos, expurgada que seja a nulidade ora decidida.
Custas a cargo da Recorrida, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 22 de março de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles



(1) Relatora Ana Paula santos
(2) Relatora Ana Patrocínio
(3) Relatora Cristina da Nova
(4 Disponível em www.dgsi.pt
(5) Igualmente publicado no mesmo local.
(6) Uma vez que já subscrevi acórdão que decidiu pela aplicação a estas ações do art. 97ºA, n.º2 do CPPT, Ac. 193/14.0BEMDL, de 28/09/2017, o qual também cita acórdão no mesmo sentido, do TCA Norte de 29/06/2017, no processo 0185/14.9 BEMDL.
(7) Anotação ao art. 97º-A do CPPT, in CPPT Anotado, II Volume, 6ª edição, Áreas Editora, pág.74-75.