Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00048/19.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ACIDENTE VIAÇÃO PILARETE HIDRÁULICO; APERFEIÇOAMENTO DA PI; LITISCONSÓRCIO PASSIVO
Sumário:1 – No contencioso administrativo a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que “obsta ao prosseguimento do processo” e que dá lugar à aplicação do regime dos artigos 88.º e 89.º do CPTA.
Num caso em que a petição inicial revela uma insuficiência ou omissão na identificação das entidades demandadas, mormente quando o Autor foi induzido em erro pelo próprio demandado em falta na Ação, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação das entidades que pretende demandar.

2 – Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 87.º/2 do atual CPTA, quando a correção oficiosa não seja possível, incumbe ao juiz proferir despacho a convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício.
À luz do referido regime, não pode afirmar-se, sem mais, que no contencioso administrativo a deficiente identificação do demandado é insanável e que tem sempre como consequência necessária a sua absolvição da instância.
O juiz constatando uma deficiência notória deve exercer o seu poder/dever de convidar ao aperfeiçoamento da petição.
Por força dos princípios da promoção do acesso à justiça (in dubio pro actione), do aproveitamento dos atos e da economia processual, justifica-se convidar ao aperfeiçoamento da petição quando, nomeadamente, o único erro verificado respeite à indicação/identificação das entidades demandadas.

3 - Neste quadro legal, assim interpretado, impunha-se ao tribunal a quo, previamente ao prosseguimento da Ação e verificando que o Município estava em falta como demandado, sendo o titular e gestor da sistema que terá determinado o acidente participado, que tivesse convidado o autor a suprir esse obstáculo, apresentando nova petição inicial dirigida já também contra o Município.

4 - Efetivamente, deve intervir o princípio do favorecimento do processo, validando o entendimento enunciado, atenta até a circunstância de se estar perante um litisconsórcio passivo que acrescidamente sempre permitiria e aconselharia a um convite ao aperfeiçoamento da petição no que que concerne à indicação e identificação dos demandados.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:F.
Recorrido 1:S., SA E OUTROS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

F., devidamente identificado nos autos, intentou Ação Administrativa contra a agora S. SA, tendo por interveniente a E., SA, tendente à condenação das Rés, aqui Recorridas, a “pagar ao Autor a quantia de € 7.529,57, acrescida dos juros à taxa legal a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento”, em resultado de acidente de viação ocorrido “no dia 20.12.2015, pelas 22h/22h30m, (…) no local designado por Cais Guindais, (…), em que foi interveniente o veículo de matrícula XX-XX-XX, sua propriedade e por si conduzido, quando circulava entre dois veículos automóveis a cerca de 2/3 Km/hora, e sem que nada o fizesse prever, sentiu um forte embate na parte inferior do veículo, com origem na subida de um meco em metal, integrante de uma estrutura que se encontrava localizada no centro da via, debaixo do solo, e que subiu já depois do automóvel se encontrar em cima do mesmo”, inconformado com a Sentença proferida no TAF do Porto em 13 de abril de 2020, que julgou a Ação improcedente, veio em 7 de maio de 2021 recorrer para este instância, tendo concluído:

“DO ERRO DO JULGAMENTO DE FACTO DA SENTENÇA RECORRIDA-
1. Os factos dados como NÃO PROVADOS constantes das alíneas a) e d) deveriam ser dados como PROVADOS;
2. O facto dado como provado em 17 da sentença recorrida deveria ser excluído, pois que:
3. Em momento algum dos articulados foi alegado o aqui dado como provado;
4. O Município (...) juntou documentos, que o Autor impugnou;
5. Conforme alegado em 15.º, os documentos particulares que tenham sido impugnados deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no art. 376.º do CC.
6. Tendo sido impugnado o referido documento, deixa de poder servir de prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.
7. Dissecados os depoimentos prestados na Audiência de Julgamento ou a demais prova documental, resulta desde logo que o PONTO 17 dos factos dados como provados deveria ter sido excluído do elenco factual dado como assente, ou, quanto muito, dado como não provado.
8. Já quanto ao facto dado como NÃO PROVADO na alínea a), resulta em clara contradição com os factos dados como provados nos pontos 1., 4., 5., e 20., da sentença recorrida.
9. Além do mais, resulta também dos depoimentos prestados na Audiência de Julgamento que o pilarete subiu já depois do automóvel se encontrar em cima do mesmo.
10. Tendo estas testemunhas um conhecimento direto pois que se encontravam no interior do veículo no momento do embate, o seu depoimento tem que ser valorado em conformidade.
11. Por isso, deve ser dado como provado que o pilarete subiu já depois de o automóvel se encontrar em cima do mesmo.
12. Já relativamente ao facto dado como NÃO PROVADO na alínea d), em primeira análise, a questão encontra-se mal formulada, pois que por força do artigo 493.º CC, opera uma inversão do ónus da prova estabelecida no artigo 342.º CC.
13. Além do mais, os depoimentos dos ocupantes da viatura foram unânimes em afirmar o não funcionamento do semáforo.
14. Por isso, deve ser dado como provado que “O semáforo existente no local não estava ligado no momento do embate”
15. Tanto mais que, como melhor se explica nos pontos 35. e 36. das alegações, caberia à Ré provar, e não ao autor, que o semáforo se encontrava a funcionar.
16. Acresce que, o documento junto pela Câmara do Porto não é suscetível de demonstrar que o semáforo se encontrava a funcionar.
-DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO-
-DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL-
1. O Tribunal a quo aplicou, ao caso concreto, o princípio geral da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, prevista no artigo 483.º e seguintes do Código Civil.
2. Acontece que, a presunção de culpa estabelecida no artigo 493.º do CC é assim aplicável ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas.
3. Ocorre portanto uma inversão do correspondente ónus da prova.
4. A Interveniente tem, entre outras, as obrigações que constam do ponto 61. das alegações.
5. Ensina o Prof. Antunes Varela “a responsabilidade assenta, no caso presente, sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano.”
6. Além disso, dispõe o art.º 350.º do CC que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz podendo ser ilidida mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir.
7. Ora, “a norma do art. 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar”.
8. “Existindo presunção de culpa nos termos do artigo 493º, n.º 1 do CC, o autor da ação não terá de provar que a culpa funcional do réu, o qual incorre por via de presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum ato ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa”.
9. Portanto, para afastar a responsabilidade pelos danos, impendia sobre o Réu o ónus de “provar que nenhuma culpa houve da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua” – art. 493.º, n.º 1, parte final do CC, o que não logrou fazer.
10. Pelo que, andou muito mal o Tribunal a quo ao aplicar in casu o princípio geral da responsabilidade civil por facto ilícitos prevista no artigo 483.º do CC.
11. Perante a factualidade supra exposta, resulta claro que existe uma norma especial a aplicar ao caso em apreço - o artigo 493.º do CC.
12. Tanto mais que se encontram verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
13. Não tendo a Ré e a Interveniente ilidido a presunção de culpa que sobre elas impendia, serão responsáveis pelos danos sofridos pelo Autor/Recorrente, e devem ser condenadas ao pagamento da quantia de 7.529,57€, acrescido de juros à taxa legal a contar da data da citação, até efetivo e integral pagamento.
-DA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA-
1. No contencioso administrativo a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que “obsta ao prosseguimento do processo”, dando lugar à aplicação do regime dos artigos 87.º, 88.º e 89.º do CPTA.
2. Num caso em que a petição inicial revela uma antinomia entre a entidade pública indicada como réu e a entidade pública identificada como sujeito da relação material controvertida, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública que pretende demandar.
3. Assim o Tribunal a quo devia ter convidado o Autor, a aperfeiçoar a petição inicial, no que respeita à identificação da entidade pública demandada.
4. Não o tendo feito, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 7.º e 87.º, n.º 1, alínea .a) e b), e n.º 2 e n.º 7 do CPTA e incorreu, portanto, na nulidade processual que lhe vem imputada.
POR TODO O EXPOSTO:
- Deverão ser dados como provados os factos constantes das alíneas a), e d);
- Deverá ainda ser excluído dos factos provados o ponto 17;
NORMAS VIOLADAS:
Proferindo a sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo violou as seguintes disposições legais:
❏ CC: artigos 342.º, 349.º, 350.º, 376.º e 493.º.
❏ CPTA: artigos 7.º, 10.º, 11.º, 78.º, 81.º, 87.º, 88.º, 89.º.
Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, devendo, por conseguinte, ser revogada a sentença de que ora se recorre.
Nesse sentido, e em virtude dos motivos supra explanados, deverá ser proferido Acórdão que a substitua e que condene as Rés no pagamento da quantia de 7.529,57€, acrescida de juros à taxa legal a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento.
Caso assim não se entenda, deve a sentença recorrida ser anulada, determinando a sua substituição por despacho que declare nula a citação já efetuada e convide o autor ao aperfeiçoamento da petição, quanto à identificação da entidade pública demandada, seguindo-se os demais termos do processo, se a tanto nada mais obstar.
Assim decidindo farão v. Exas, dessa forma, inteira e sã Justiça!”

A Recorrida, S. SA veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 28 de maio de 2021, sem conclusões, tendo afirmado, a final, “(…) que deverá ser rejeitado o recurso de apelação interposto pelo apelante, ou, pelo menos, sempre julgado totalmente improcedente com o que se fará Justiça”.

A Interveniente, aqui Recorrida E., SA, veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 22 de junho de 2021, aí tendo concluído:
“Do alegado erro de Julgamento de facto da sentença recorrida
1) Quanto ao facto dado como provado no ponto 17. da sentença: “Os funcionários da Sala de Controlo de Tráfego da Câmara Municipal do Porto, no dia 20.12.2015, autorizaram 72 (setenta e dois) acessos à Rua de São João de 72, dos quais, três, entre as 21:53h e as 22:09h – cf. informação, a fls. 170 e 171 do processo físico”
2) O Juiz a quo solicitou, no decurso da audiência de discussão e julgamento e bem, ao Município (...) registos das autorizações de acesso ao local, ao abrigo do poder do inquisitório e da descoberta da verdade material que aquele detém;
3) O Município (...) respondeu, juntando para o efeito o relatório de registos de autorizações de acesso à zona de circulação condicionada da Rua São João referente ao dia 20/12/2015, fls. 170 e 171;
4) A Apelada E. alegou os factos em causa na sua contestação;
5) Ora do documento junto pelo Município (...), careado para os autos a pedido do Mmo Juiz a quo sai provado que naquele dia e àquela hora não foi detetada qualquer avaria ou anomalia.
6) Não é pelo simples facto de o Autor impugnar tal documento que o mesmo não pode ser valorado pelo Mmo. Juiz a quo.
7) Cabe ao julgador valorar livremente a prova produzida.
8) Assim, o facto constante do ponto 17 da sentença recorrida deverá manter-se como provado nos exatos termos em que o foi pelo tribunal a quo, não assistindo qualquer razão ao Apelante.
9) Quanto ao facto dado como não provado: “a) O pilarete subiu já depois do automóvel se encontrar por cima do mesmo;”
10) A matéria factual dada como provada em 1., 4., 5. e 20. da sentença em nada colide ou sequer contradiz com o facto não provado “O pilarete subiu já depois do automóvel se encontrar por cima do mesmo.”
11) O Juiz a quo decidiu como provado que existiu um embate que originou danos na parte frontal e inferior frontal do veículo.
12) Não é lógico, face aos danos ocorridos, que o pilarete só tenha subido apenas quando o veículo estava por cima, até porque se a subida do pilarete apenas se houvesse iniciado após a continuação da marcha por parte do Apelante, esses danos verificar-se-iam mais ao centro ou até na traseira do respetivo veículo, o que não aconteceu.
13) Assim, o facto em causa deverá, pois, continuar a constar dos factos dados como não provados.
14) Quanto ao facto dado como não provado: d) O semáforo existente no local não estava ligado no momento do embate;
15) Se nenhuma anomalia foi registada, se os acessos à área condicionada decorreram normalmente durante o dia dos factos, conforme relatório junto a fls 170 e 171, como poderia o Tribunal dar como provado que o semáforo existente no local não estava ligado no momento do embate?
16) Se não tivesse ligado, considerando a dinâmica do seu funcionamento provada no ponto 12. da sentença, o pilarete não podia estar em movimento.
17) Qualquer avaria no semáforo faria com que aquele pilarete, por questões de segurança, e conforme explicado pela testemunha A., estivesse sempre descido (como tudo resulta da motivação da sentença em apreço).
18) Considerando que o sistema teve sempre em funcionamento, não é verossímil que só no momento que o Apelante passava com o seu veículo o sistema tivesse avariado!
19) Alias se nenhuma intervenção houve por parte da Apelada E. como é que o sistema voltava a funcionar?
20) Assim, uma vez mais, não assiste qualquer razão ao Apelante.
21) Não merece assim qualquer censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto ao ponto 17 dos Factos Provados e alíneas a) e d) dos Factos Não Provados.
- Do alegado erro de julgamento de direito da sentença recorrida, ao decidir pelo não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade das rés
22) Quanto à responsabilidade da Apelante E., note-se, antes de mais, que a mesma não celebrou com o Município (...) um contrato de concessão de serviço;
23) Mas sim um fornecimento de serviços de manutenção e expansão do “Sistema de Controlo de Acessos Automáticos da Câmara Municipal do Porto”;
24) A responsabilidade da Apelada, pela prática de factos ilícitos, encontra-se sujeita, à verificação dos seguintes pressupostos: facto ilícito e culposo, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano;
25) Estes pressupostos são, como se sabe, de verificação cumulativa, incumbindo ao Apelante, de acordo com as regras do ónus da prova, invocar e provar os factos constitutivos dos mesmos;
26) Não se demonstrando a existência de qualquer anomalia ou avaria no funcionamento do pilarete retráctil ou do semáforo associado, é manifesto não ocorrer qualquer facto responsabilizante da Apelada E., tendo por base que a sua responsabilidade de circunscreve aos factos a si imputáveis praticados no âmbito do contrato de fornecimento de serviços de manutenção e expansão do sistema em causa.
27) Conclui-se pela exclusão de responsabilidade da Apelada E., por não ter verificado o pressuposto da ilicitude da sua conduta.
- Da alegada nulidade da sentença recorrida
28) A forma como o Apelante configurou a presente ação, imputando à interveniente a total responsabilidade pela produção do acidente por o pilarete ter iniciado a sua subida já no decorrer da passagem do veículo não permitia, desde logo, imputar qualquer responsabilidade ao Município (...), pois que não alegou qualquer facto ilícito do mesmo.
29) O Apelante identificou a interveniente como “concessionária” alegando incumbir a esta assegurar as condições de segurança e comodidade na zona do acidente.
30) A Apelada foi contratada pelo Município (...) para a manutenção e reparação do Sistema de Controlo de Acessos Automáticos da Câmara Municipal do Porto;
31) O Apelante não imputa ao Município (...) qualquer ato ou comportamento doloso ou negligente.
32) Não são aplicáveis as normas dos referidos art.ºs 87º a 89 do CPTA pois destinam-se a evitar decisões surpresa de absolvição da instância por eventuais ilegitimidades processuais, bem como assegurar o conhecimento de todas as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo.
33) Não é o caso dos presentes autos, uma vez que não foi proferida qualquer decisão surpresa de ilegitimidade, nem mesmo foi emanado despacho que obstasse ao conhecimento dos autos, mas uma decisão de mérito com base nos factos alegados.
34) As normas em causa não servem, pois, como pretende o Apelante, para colmatar deficiências de alegação das partes, não se verificando a nulidade alegada.
Por tudo, o supra exposto, dever-se-á manter a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” julgando-se improcedente in totum o recurso do Apelante, assim se fazendo a devida e costumada Justiça!”

Em 8 de julho de 2021 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso, mais tendo sido negada a verificação da nulidade processual invocada, afirmando-se “Nos termos do n.º 1 do artigo 149.º do CPC, “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária.”
Considerando que a nulidade processual invocada se reporta a alegada falta de convite para o aperfeiçoamento da p.i., na presente fase processual mostra-se extemporânea a referida invocação, pelo que se indefere o requerido.”

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 1 de setembro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

A principal questão a apreciar desde já, resulta da necessidade de verificar a suscitada nulidade decorrente da não notificação do Autor para o aperfeiçoamento da PI, uma vez que, a confirmar-se a mesma, mostrar-se-á prejudicada a análise dos restantes vícios invocados, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:

“Factos provados:
1. No dia 20.12.2015, pelas 22h/22h30m, o Autor circulava no veículo de que é proprietário, de matrícula XX-XX-XX, no Cais Guindais, na Rua S. João, no sentido norte-sul, quando sentiu um forte embate na parte inferior do veículo com um meco em metal (pilarete hidráulico) – cf. fotografias, a fls. 161 e 162 do processo físico;
2. O Autor circulava entre dois veículos automóveis a cerca de 2/3 km/hora;
3. O veículo que circulava à frente do Autor parou antes de passar pelo local do embate;
4. O pilarete encontrava-se localizado no centro da via, debaixo do solo;
5. E que continuou a subir, após o Autor retirar a viatura;
6. Nessa altura, comerciantes locais aproximaram-se do Autor e informaram que não era o primeiro, chegando a afirmar que nesse mês eram mais de dez;
7. Por se encontrar a obstruir a via, o Autor deslocou-se à estação de serviço mais próxima, onde acionou a assistência em viagem; Mais se provou que:
8. O local do embate é de trânsito condicionado, no qual apenas podiam circular de carro pessoas autorizadas;
9. Tendo o Município (...) para o efeito ali instalado um sistema de controlo de trânsito, nele incluído o meco identificado pelo Autor (pilarete hidráulico);
10. E contratado à ré E., SA, a manutenção e reparação do sistema de controlo de trânsito – cf. contrato de prestação de serviços, a fls. 61 e segs. do processo físico;
11. Do caderno de encargos relativo ao referido contrato, constam como obrigações da Interveniente, entre outras:
i) prestar serviços de manutenção e expansão, nos termos do contrato;
ii) manter todas as instalações elétricas em perfeitas condições de segurança, face à legislação em vigor;
iii) manter o sistema em pleno funcionamento durante todo o período do contrato – cf. caderno de encargos, a fls. 117 e segs. do processo físico;
12. O sistema de controlo de trânsito é composto, também, por três espiras, associadas a detetores eletromagnéticos e um semáforo, que funciona do seguinte modo:
a. O semáforo permanece com a luz vermelha enquanto o pilarete está subido;
b. A espira de pedido, colocada a montante do pilarete, deteta a chegada de uma viatura ao local em marcha de entrada, que permite informar a unidade de controlo sobre a chegada da viatura;
c. O funcionário da Sala de Controlo de Tráfego da Câmara Municipal do Porto autoriza a entrada da viatura, dando início, através de um botão, ao movimento descendente do pilarete;
d. Com a descida integral do pilarete, o semáforo permanece vermelho durante alguns segundos, passando depois a amarelo;
e. A segunda espira, colocada imediatamente antes do pilarete, confirma a existência do veículo em marcha;
f. A terceira espira, colocada imediatamente após o pilarete, deteta a passagem da viatura, passando o semáforo a vermelho e, decorridos alguns segundos, inicia-se a subida do pilarete;
13. Está colocado à entrada da Rua de S. João o sinal de trânsito proibido, com exceção de cargas e descargas e veículos autorizados – cf. fotografias a fls. 65 e 164 do processo físico;
14. Não havia sinalização da existência no local do equipamento de controlo de tráfico – cf. fotografias, a fls. 64/verso e 164 do processo físico;
15. Assim como, mais adiante, antes do local onde está colocado o pilarete, um semáforo – cf. fotografias, a fls. 64/verso do processo físico;
16. No horário de trânsito condicionado, a entrada na zona interdita é controlada através da descida do pilarete por intermédio de um funcionário, a partir da Sala de Controlo de Tráfego da Câmara Municipal do Porto, o qual autoriza ou não a entrada da viatura;
17. Os funcionários da Sala de Controlo de Tráfego da Câmara Municipal do Porto, no dia 20.12.2015, autorizaram 72 (setenta e dois) acessos à Rua de São João de 72, dos quais, três, entre as 21:53h e as 22:09h – cf. informação, a fls. 170 e 171 do processo físico;
18. O Autor não reside nem foi autorizado a circular no local à hora do embate;
19. Em 21.12.2015, o Autor dirigiu-se às instalações da Polícia de Segurança Pública, que nessa da elaborou participação do acidente – cf. participação, a fls. 110 do processo físico; Provou-se ainda que:
20. Em consequência do embate supra referido, o veículo de matrícula XX-XX-XX sofreu estragos na parte frontal e na parte inferior frontal, ao nível da grelha frontal e motor, cuja reparação foi orçamentada em € 4.629,57 – cf. orçamento e fotografias, a fls. 110 e segs. do processo físico;
21. A viatura esteve imobilizada durante quatro meses, até à sua reparação;
22. O Autor é fotógrafo de profissão e utiliza a viatura no seu dia-a-dia profissional;
23. O Autor ligou para companhias, enviou carta à Ré e pediu orçamentos de reparação da viatura;
24. Entre a Ré e a Interveniente foi outorgado seguro de responsabilidade civil pelos danos ocorridos durante o exercício da atividade desta, apólice n.º 151/10000592 – condições particulares, a fls. 23 a 27 do processo físico;
25. As condições particulares da referida apólice preveem, no Capítulo VII, uma franquia geral de 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 249,40 – condições particulares, a fls. 23 a 27 do processo físico;
26. Por iniciativa da Ré, em 17.02.2016, foi elaborado relatório de peritagem relativo ao acidente referido em 1) – cf. relatório de peritagem, a fls. 33 e segs. do processo físico;
27. Através de missiva dirigida à Ré, datada de 2.03.2016, o Autor, após identificar o acidente ocorrido no dia 20.12.2015, solicitou decisão urgente no processo n.º 2015/90/151/454 (apólice 015110000592) – cf. missiva, a fls. 137 do processo físico;
28. Por missiva datada de 22.03.2016, a Ré informou o Autor que após análise constatou que a responsabilidade pelo sucedido não é imputável à Interveniente, na medida em que o equipamento não apresentava qualquer anomalia, pelo que não iria proceder à liquidação de qualquer indemnização – cf. missiva, a fls. 139 do processo físico;

Factos Provados incluídos no TCAN – Artº 662º nº 1 CPC -
29. O Autor participou o acidente ao Presidente da Câmara Municipal do Porto, em 29 de dezembro de 2015, requerendo que o Município assumisse a responsabilidade pelo sinistro. (Cfr. Doc. SITAF 007410952, de 29/03/2019);
30. Em 19/01/2016, o Município encaminha a participação para a E., por entender ser a entidade responsável pelo sinistro participado. (Cfr. Doc. SITAF 007410952, de 29/03/2019);
31. Em 19/01/2016 a CMP notifica o Requerente de ter encaminhado o Expediente para a E., entidade que entende ser a responsável pelo sinistro participado. (Cfr. Doc. SITAF 007410952, de 29/03/2019);
Factos não provados:
a) O pilarete subiu já depois do automóvel se encontrar por cima do mesmo;
b) A sociedade E., SA, é concessionária do Cais de Guindais, Zona do Município (...) onde ocorreu o embate;
c) O Autor sabia da existência do pilarete no local;
d) O semáforo existente no local não estava ligado no momento do embate;
e) O pilarete baixou para a passagem do veículo que seguia à frente do Autor;

IV – Do Direito

Discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida, e no que aqui relva, o seguinte:

“(…)
Dos pressupostos da responsabilidade civil:
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas está consagrada, constitucionalmente, no art.º 22º da Constituição e, na legislação ordinária, o mesmo instituto tem, atualmente, o seu regime jurídico descrito na Lei n.º 67/2007, de 31.12 – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE).
O referido regime é igualmente aplicável á responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, de acordo com o respetivo art.º 1º, n.º 5, do mesmo diploma.
A Ré, na qualidade de seguradora, vem demandada com fundamento na outorga do contrato seguro de responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros durante o exercício da atividade da Interveniente, sendo que, atentando à causa de pedir descrita pelo Autor, o mesmo imputa os invocados danos à atuação negligente da Interveniente, no que que diz respeito ao deficiente funcionamento do sistema de controlo de trânsito no acesso à Rua de São João na cidade (...).
Estabelece o art.º 7º, n.º 1, do RRCEE que “o Estado e demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”.
Ou seja, como tem sido uniformemente reconhecido, a responsabilidade civil das pessoas coletivas públicas por factos ilícitos corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, regulado no art.º 483º e segs. do Código Civil.
Deste modo, a responsabilidade da Ré e da Interveniente, pela prática de factos ilícitos, está sujeita à verificação dos seguintes pressupostos: facto ilícito e culposo, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. Estes pressupostos são de verificação cumulativa, incumbindo, em regra, ao autor, de acordo com as regras do ónus da prova, invocar e provar os factos constitutivos dos mesmos.
Importa, por conseguinte, apurar se este conjunto de pressupostos constitutivos da responsabilidade civil de entes públicos se encontram verificados.
Posto isto, no que se reporta ao facto ilícito, a sua verificação há de derivar de um evento dominável pela vontade, uma ação ou omissão, sendo que, as omissões apenas originam o dever de indemnizar quando se verifique o condicionalismo do art.º 486º do Código Civil, segundo o qual “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”.
A ilicitude traduz-se num juízo de antijuridicidade incidente sobre a conduta geradora do dano, esta considerada objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica.
Neste âmbito, o art.º 9º do RRCEE estabelece, no seu n.º 1, que se consideram ilícitas “as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”.
O alcance deste ilícito é mais lato do que o que consta do art.º 483º do Código Civil, já que envolve atos jurídicos ou materiais que infrinjam não só quaisquer normas ou princípios, mas também regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado.
Tendo presente os termos em que a presente ação se mostra deduzida, quanto à responsabilidade da Ré e da Interveniente, está em questão uma "operação material" regulada por normas de direito público, já que se prende com alegada omissão de zelo na manutenção do bom funcionamento do sistema de controlo de trânsito no acesso à Rua de São João, na cidade (...), à qual está a Interveniente obrigada por via do contrato de aquisição de serviços celebrado com o Município (...).
Importa começar por notar que sobre a Interveniente impende o dever de manutenção e expansão do sistema de controlo de trânsito, no qual se inclui o pilarete e o semáforo em questão, mas já não o dever de sinalização rodoviária, que, como é consabido, cabe ao respetivo município, no âmbito deveres de vigilância das condições de circulação, de manutenção e conservação das vias de comunicação e de prevenção de acidentes, que se inserirem na previsão genérica das atribuições dos municípios, constante dos artigos 23º n.º 2 alínea c) e 33º, n.º 1, alínea ee) da Lei n.º 75/2013, de 12.09 (Regime Jurídico das Autarquias Locais).
Nessa medida, fica desde já afastada a responsabilidade da Interveniente pela eventual ausência ou deficiência na sinalização de trânsito existente no local, mormente quanto à existência do pilarete na via.
Ao invés, e por tal obrigação decorrer do contrato de prestação de serviços celebrado com o Município (...), a Interveniente já será responsável pelos danos que sejam imputáveis a um deficiente funcionamento do sistema de controlo de acesso, sendo que aí se inclui o semáforo integrante nesse sistema.
Compulsada a matéria de facto provada, verifica-se que a Rua de São João se configura como uma zona de acesso condicionado, cujo controlo é realizado com recurso a um sistema de controlo de trânsito instalado pelo Município (...), estando a sua manutenção a cargo da Interveniente, na sequência do contrato de aquisição de prestação de serviços por essas entidades celebrado.
Extrai-se também do probatório que o referido sistema de controlo de trânsito é composto por um pilarete situado no meio da por três sensores, o primeiro dos quais, situado a montante do pilarete, que deteta a chegada de um veículo em marcha de entrada e permite informar o funcionário da Sala de Controlo de Tráfego do Sistema de Gestão de Tráfego do Município (...) sobre a chegada da viatura.
O segundo sensor, colocado imediatamente antes do pilarete, confirma a existência do veículo em marcha, e o terceiro sensor, colocado imediatamente após o pilarete, deteta a passagem do veículo.
O mecanismo engloba ainda um semáforo com as luzes vermelha e amarela, sendo que esta acende quando o pilarete está completamente descido, e a primeira permanece acesa sempre que o pilarete está completamente subido, ou em movimento ascendente ou descendente, ou ainda nos segundos que precedem ou antecedem o inicio do movimento ascendente ou descendente do pilarete.
Assim, encontrando-se o pilarete subido e o semáforo com a cor vermelha, com a aproximação de uma viatura é estabelecido contacto com o funcionário da Sala de Controlo de Tráfego da Câmara Municipal do Porto que irá autorizar ou não o acesso da mesma. Em caso afirmativo, o funcionário, através de um botão, dá início ao movimento de descida do pilarete, durante o qual o semáforo permanece vermelho, passando a amarelo decorridos alguns segundos após a descidas completa da viatura.
Neste ponto, o Autor alega que a causa do embate com o pilarete se deveu ao facto do semáforo não se encontrar em funcionamento, razão pela qual não parou ao aceder ao local.
Acontece, porém, que não resultou provado nos autos que o sistema de controlo de acesso, cuja manutenção e reparação do sistema de controlo de trânsito cabe à Interveniente, não se encontrava em bom estado de funcionamento, mormente por o semáforo nele integrante não se encontrar ligado aquando do embate.
A falta de prova de que o sistema de controlo de acesso instalado na via se encontrava em deficientes condições de funcionamento conduz a que não se dê por verificado o pressuposto da ilicitude da conduta da Interveniente.
Assim, na falta de verificação do requisito da ilicitude da conduta da Interveniente, encontra-se prejudicado o conhecimento dos restantes pressupostos de responsabilidade civil, impondo-se que se conclua pela improcedência da presente ação.”
Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância, julgar totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolve a S., SA, e a E., SA, do pedido.

Do ponto de vista normativo é na presente Ação aplicável predominantemente a Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, no que concerne à Responsabilidade Civil.

Como se viu, peticionou o Autor a atribuição indemnizatória global de 7.529,57€, correspondente a 4.629,57€, por danos patrimoniais, 400€ pela desvalorização do veiculo e 2.500€ por danos não Patrimoniais acrescidos de juros desde a data da citação até ao efetivo pagamento.

A Ação foi originariamente intentada apenas contra a seguradora da E., tendo-se esta, entretanto, constituído como interveniente na presente Ação, na qualidade de instaladora e responsável pela manutenção do sistema de retenção de veículos no acesso ao espaço identificado, gerido pelo Município.

O Tribunal de 1ª instância só veio, por assim dizer, a “dar pela falta” do Município, na Sentença, afirmando que a responsabilidade pelo acesso ao local não se encontrar sinalizado, será do Município e que como tal não é imputável aos demandados presentes na Ação.

Aliás, lê-se na Sentença do Tribunal a quo, que “que o controlo de acessos de veículos é da competência do Município (...), através de operadores que se encontram na sala de controlo de tráfego” (…) o sistema funciona através de autorização dada por funcionário da sala de controlo de tráfego do Município (...)

Por outro lado, consta do facto 9 da matéria dada com provada, o seguinte:
Tendo o Município (...) para o efeito ali instalado um sistema de controlo de trânsito, nele incluído o meco identificado pelo Autor (pilarete hidráulico);

Mais se discorre no discurso fundamentados da Sentença, que “Importa começar por notar que sobre a Interveniente impende o dever de manutenção e expansão do sistema de controlo de trânsito, no qual se inclui o pilarete e o semáforo em questão, mas já não o dever de sinalização rodoviária, que, como é consabido, cabe ao respetivo município, no âmbito deveres de vigilância das condições de circulação, de manutenção e conservação das vias de comunicação e de prevenção de acidentes, que se inserirem na previsão genérica das atribuições dos municípios, constante dos artigos 23º n.º 2 alínea c) e 33º, n.º 1, alínea ee) da Lei n.º 75/2013, de 12.09 (Regime Jurídico das Autarquias Locais).”

Em decorrência do referido, vem desde logo recursivamente suscitada a nulidade da Sentença, no que respeita ao facto de, tendo sido detetadas deficiências na PI quanto à indicação das Demandadas, nada foi feito para corrigir tal situação, nomeadamente sem que se tenha recorrido à notificação do Autor para que, nessa conformidade, procedesse à correção da PI.

Efetivamente, o Autor, aqui Recorrente, intentou a presente Ação Administrativa contra a agora S. SA, tendo por interveniente a E., SA, tendente à sua condenação a “pagar ao Autor a quantia de € 7.529,57, acrescida dos juros à taxa legal a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento”, em resultado de acidente de viação ocorrido “no dia 20.12.2015, pelas 22h/22h30m, (…) no local designado por Cais Guindais, (…), em que foi interveniente o veículo de matrícula XX-XX-XX, sua propriedade e por si conduzido, quando circulava entre dois veículos automóveis a cerca de 2/3 Km/hora, e sem que nada o fizesse prever, sentiu um forte embate na parte inferior do veículo, com origem na subida de um meco em metal, integrante de uma estrutura que se encontrava localizada no centro da via, debaixo do solo, e que subiu já depois do automóvel se encontrar em cima do mesmo.”

Acontece que, tal como a 1ª instância reconheceu (Facto Provado 9), foi o Município (...) quem contratualizou o controvertido sistema de controlo de trânsito, nele tendo incluído um pilarete hidráulico, cuja instalação, manutenção e reparação foi contratada à Ré E., SA, mantendo o Município a titularidade das instalações e supervisão do sistema, tanto mais que cabe ao Controlo de Tráfego da Câmara Municipal do Porto autorizar o acesso de viaturas ao local, acionando o comando que sobe e desce o pilarete (Facto 12), não existindo, no entanto, sinalização dando conta da existência do equipamento de controlo de tráfego (Facto 14).

Assim, mal se compreende que não esteja o Município na Ação.

Acresce que o próprio Autor, aqui Recorrente, veio a ser induzido em erro, pois que, tendo apresentado participação do sinistro ao Município (...), recebeu como resposta que a responsabilidade era da E., a quem o expediente foi remetido “para os fins tidos convenientes”, tendo esta, por sua vez encaminhado o mesmo expediente para a sua Seguradora, “para dar o devido seguimento”.

Aqui chegados, importa desde logo seguir o entendimento que maioritariamente tem vindo a ser adotado pela jurisprudência, nomeadamente, deste Tribunal.

Desde logo, sumariou-se no Acórdão deste TCAN nº 442/13.1BEPNF, de 23.01.2015 que “No contencioso administrativo a ilegitimidade passiva constitui um fundamento que “obsta ao prosseguimento do processo” e que dá lugar à aplicação do regime dos artigos 88.º e 89.º do CPTA.
Num caso em que a petição inicial revela uma antinomia entre a entidade pública indicada como réu e a entidade pública identificada como sujeito da relação material controvertida, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública que pretende demandar.”

Refira-se desde logo que a lei de processo civil apenas é aplicável supletivamente ao processo nos tribunais administrativos (artigo 1.º do CPTA) e a ação administrativa segue tramitação especifica regulada CPTA, pelo que importa primeiro apurar se neste existem regras próprias que regulem diretamente a questão em apreço, o que, diga-se desde já, assim acontece.

Por outro lado, porque a relação entre a parte e o objeto do processo (em que se traduz a legitimidade) assume, no caso das entidades públicas demandadas (legitimidade passiva), contornos diversos dos que estão subjacentes ao regime da ilegitimidade no processo civil: enquanto que no mundo das pessoas jurídicas privadas (singulares ou coletivas) a regra é a total separação das esferas jurídicas, correspondentes a distintos (e inconfundíveis) centros de imputação de direitos e deveres, já no universo das pessoas coletivas públicas predomina a complexidade da organização administrativa: não é raro que no âmbito do mesmo departamento do Estado (Ministério) proliferem entidades com competências próximas e interligadas, algumas dotadas de personalidade jurídica outras constituindo meros órgãos ou entes não personificados; e é frequente que numa mesma relação material controvertida intervenham várias entidades públicas, com ou sem personalidade jurídica, mas todas com personalidade judiciária (que, para além de coincidir com a personalidade jurídica pública é também extensiva a entes sem personalidade, como os ministérios ou os órgãos administrativos).

Por isso, a par de um conjunto de regras relativas à identificação da entidade pública que deve ser demandada nas ações que têm por objeto “ação ou omissão de uma entidade pública” (constantes do artigo 10.º), o CPTA consagrou um regime que em certa medida é de tolerância ao erro na identificação entidade pública demandada, tornando irrelevantes (desprovidos de consequências) os erros que se traduzem em demandar o órgão administrativo em vez de demandar o ministério ou a pessoa coletiva a que pertence o órgão ou em intentar a ação contra órgão diverso, mas pertencente à mesma pessoa coletiva pública (cfr. artigos 10.º/4, 11.º/5, do CPTA).

Sem prejuízo deste regime particular, permanecem casos de ilegitimidade passiva, em sentido próprio, nomeadamente aqueles em que é demandada uma pessoa coletiva pública diversa daquela em cujo âmbito foi praticado o ato ou omissão ou em que se indique um órgão pertencente a uma pessoa coletiva que não é a titular da relação material controvertida.

Nos termos do disposto no artigo 87.º/2 do atual CPTA, quando a correção oficiosa não seja possível, incumbe ao juiz proferir despacho a convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício.

Ora, à luz deste regime e, nomeadamente, das normas do artigo 87º do CPTA que não pode afirmar-se, sem mais, que no contencioso administrativo a deficiente identificação do demandado é insanável e que tem sempre como consequência necessária a sua absolvição da instância.

O juiz constatando uma deficiência notória deve previamente exercer o seu poder/dever de convidar ao aperfeiçoamento da petição.

Por força dos princípios da promoção do acesso à justiça (in dubio pro actione), do aproveitamento dos atos e da economia processual, justifica-se convidar ao aperfeiçoamento da petição quando, nomeadamente, o único erro verificado respeite à indicação/identificação das entidades demandadas.

O entendimento acima exposto não é novo, nem está isolado.

gualmente versando situações de errada indicação das entidades demandadas, alguma jurisprudência tem entendido, ainda que sem uniformidade, que tal obstáculo é suprível e que o tribunal deve proferir despacho que convide ao aperfeiçoamento da petição – v., entre outros, os Acórdãos do TCAN, de 25.05.2012, P. 01505/09.3BEBRG; e de 28.02.2014, P. 01788/09.9BEBRG; e os Acórdãos do TCAS, de 08.05.2008, P. 01509/06; e de 22.04.2010, P. 05901/10.

Também a doutrina se tem pronunciado no sentido de que a insuficiente indicação dos demandados deverá dar lugar à sua correção (Mário Esteves de Oliveira/ Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, I, 2004, 170), constituindo situação passível de suprimento ou correção através de convite ao aperfeiçoamento (Mário Aroso de Almeida/ Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., 2007, 529).

Neste quadro legal, assim interpretado, impunha-se ao tribunal a quo, previamente ao prosseguimento da Ação e verificando que o Município estava em falta como demandado, sendo o titular e gestor da sistema que terá determinado o acidente participado, que tivesse convidado o autor a suprir esse obstáculo, apresentando nova petição inicial dirigida já também contra o Município.

Independentemente da posição que adotemos quanto à possibilidade de suprir a falta detetada, a verdade é que o caso em apreço apresenta contornos que impunham, também por outras razões, a correção da PI.

Se atentarmos na Prova disponível e dada como provada (Factos Provados 29, 30 e 31), é patente que a ausência do Município como demandado na Ação resulta exatamente do facto do Autor ter sido induzido em erro, em resultado da originária reclamação, dirigida à própria Câmara Municipal do Porto, ter sido encaminhada por esta exatamente para a E., descartando assim a sua responsabilidade pelo ocorrido, entidade que, por sua vez, a encaminhou para a sua Seguradora.

Os factos descritos terão assim contribuído ativa e decisivamente para induzir o Autor em erro relativamente a quem seriam os eventuais responsáveis pelo sinistro participado, não podendo assim ser penalizado por uma situação para a qual não contribuiu.

O circunstancialismo descrito revela que o ónus de identificação do demandado, a cargo do autor, foi significativamente dificultado pela desresponsabilização pelo sinistro que o Município assumiu, imputando-a a entidade terceira, o que não permitiu à parte e ao seu mandatário judicial, mesmo usando de diligência normal, proceder à correta identificação das entidades contra quem deveria apresentar a Ação de Responsabilidade.
Assim, também por esta razão, deve intervir o princípio do favorecimento do processo, sancionando o entendimento acima enunciado, quando à possibilidade de reparação do erro na indicação e identificação das entidades demandadas (ilegitimidade passiva).

Efetivamente, deve intervir o princípio do favorecimento do processo, validando o entendimento enunciado, atenta até a circunstância de se estar perante um litisconsórcio passivo que acrescidamente sempre permitiria e aconselharia a um convite ao aperfeiçoamento da petição no que que concerne à indicação e identificação dos demandados.

Por todas as razões discorridas, reitera-se que no caso em apreço, verificada a ausência do Município na Ação como réu, o tribunal a quo devia ter convidado o autor a aperfeiçoar a petição inicial, no que respeita à indicação e identificação das entidades demandadas.

Não o tendo feito, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 7.º e 87.º do CPTA.

Como se Sumariou no acórdão deste TCAN nº 3154/12.0BEPRT, de 20.05.2016, ainda que relativamente à anterior versão do CPTA:
I - A personalidade e a capacidade judiciárias, são “qualidades pessoais das partes”, ao passo que a legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor na petição inicial.
II – Não se poderá afirmar, mesmo em sede de Ações Administrativas Comuns, sem mais, que a ilegitimidade do demandado é insanável e que tem sempre como consequência necessária a sua absolvição da instância, atenta até a circunstância de no caso apreciado se estar perante um litisconsórcio passivo, o que determinará que o tribunal deva previamente exercer o seu poder/dever de convidar ao aperfeiçoamento da petição, em homenagem ao principio pro actione (Artº 7º CPTA).

Também neste sentido foi decidido o Processo deste TCAN nº 391/06.0BECBR de 20-03-2015.

Igualmente se afirmou no Acórdão deste TCAN nº 00748/12.7BEAVR, de 13.06.2014, que o artigo 10.º, n.º 1 do CPTA indica, um critério para aferirmos da legitimidade, in casu, passiva, afirmando que “cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos autores”.

No tocante, concretamente, à legitimidade passiva e personalidade judiciária das entidades públicas, é incontornável que o CPTA adotou uma nova conceção do processo administrativo como um “processo de partes”, o que “permite perspetivar a questão da legitimidade passiva, não a partir do ato, para depois chegar ao seu autor, mas antes encará-la do ponto de vista do sujeito processual e da sua relação com o objeto do processo. E quando nos centramos no sujeito, logo nos surgem, a par da legitimidade, os demais atributos que processualmente são exigidos à entidade pública demandada para que possa estar em juízo” – cfr. Esperança Mealha, “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”.

Em concreto, estamos perante um pedido de condenação solidária no pagamento de uma indemnização, decorrente de responsabilidade civil, não podendo deixar de estar presentes na Ação todas as Entidades potencialmente responsáveis pelo ocorrido, seja por ação, seja por omissão, sendo a legitimidade plural (litisconsórcio ativo ou passivo), suprível.

É certo que a referida sanação obrigará à repetição do ato de citação, não deixando, no entanto, de se estar perante a mesma pretensão, com o mesmo pedido e causa de pedir.

Não se desconhecendo alguma jurisprudência divergente, em qualquer caso, entende-se que será de proferir despacho a convidar a autora a aperfeiçoar a petição quanto à indicação e identificação das entidades demandadas, em homenagem ao princípio “Pro Actione”, sob pena da Autora ficar sem tutela.

Igualmente versando situações de insuficiente indicação e identificação das entidades demandadas, a jurisprudência tem entendido, ainda que, como se disse, sem uniformidade, que tal obstáculo é suprível e que o tribunal deve proferir despacho que convide ao aperfeiçoamento da petição – v., entre outros, os Acórdãos do TCAN, de 25.05.2012, P. 01505/09.3BEBRG; e de 28.02.2014, P. 01788/09.9BEBRG; e os Acórdãos do TCAS, de 08.05.2008, P. 01509/06; e de 22.04.2010, P. 05901/10.

Neste quadro legal, assim interpretado, impunha-se ao tribunal a quo, previamente ao prosseguimento da normal tramitação, e verificando a ausência do Município na Ação, a quem foram, nomeadamente, imputadas responsabilidade omissivas na sinalização do local, que tivesse convidado o autor a suprir esse obstáculo, apresentando nova petição inicial.

Efetivamente, o circunstancialismo descrito revela que o ónus de identificação do demandado, a cargo do autor, é significativamente dificultado pelo facto de ter sido induzido em erro pelo próprio Município, ao imputar a eventual responsabilidade pelo ocorrido, a entidade terceira, para quem encaminhou a reclamação que lhe havia sido apresentada a si.

Também por esta razão, reitera-se que deve intervir o princípio do favorecimento do processo, viabilizando o entendimento acima enunciado, quando à possibilidade de reparação do erro na indicação e identificação das entidades demandadas (ilegitimidade passiva).

Como se escreveu no Acórdão deste TCAN de 23-01-2015, no Procº 00442/13.1BEPNF, “num caso em que a petição inicial revela uma antinomia entre a entidade pública indicada como réu e a entidade pública identificada como sujeito da relação material controvertida, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública que pretende demandar.”

Acresce ao referido, o facto de estarmos perante um litisconsórcio passivo que acrescidamente sempre permitiria e aconselharia a um convite ao aperfeiçoamento da petição no que que concerne à identificação dos demandados.

É incontornável, aliás, que o atual Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (Lei n.º 67/2007), prevê a responsabilidade solidária dos funcionários ou agentes em caso de dolo ou culpa grave, nos seguintes termos:
“Artigo 8.° (Responsabilidade solidária em caso de dolo ou culpa grave)
1 — Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.
2- O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”
* * *
Em face de tudo quanto supra ficou expendido, atenta até a circunstância de estarmos perante um litisconsórcio passivo, verificada a legitimidade passiva potencial do Município, o tribunal a quo devia ter convidado o autor a aperfeiçoar a petição inicial, o que desde logo, ao não ter sido feito, constitui, designadamente, violação do principio Pro Actione (Artº 7º do CPTA).

Atenta a decisão que se adotará, fica, por natureza, prejudicada a análise dos restantes vícios suscitados relativamente à Sentença Recorrida.
* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, mais se determinando a baixa dos autos à 1ª instância, para prosseguimento da sua tramitação, com o convite ao aperfeiçoamento da PI, designadamente no que concerne à indicação e identificação das Entidades Demandadas.
* * *
Custas pelas Recorridas Seguradora e Interveniente
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Porto, 22 de outubro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Isabel Jovita (Em substituição)
Paulo Ferreira de Magalhães