Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00666/12.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; LIMITES; ARTIGO 319º, N.º2, DA LEI 35/2004 DE 29.07;
PRINCÍPIO DA IGUALDADE; INDEMNIZAÇÃO POR DESPEDIMENTO; SUBSÍDIO DE FÉRIAS E DE NATAL; PERÍODO DE REFERÊNCIA.
Sumário:1. O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites ao montante global pago.

2. O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, conforme resulta do disposto nos artigos 319º e 320º da Lei 35/2004 de 29.07, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

3. Daí que os créditos fora do período de referência a que alude o n.º 2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29.07, ainda que existam e estejam reconhecidos, não podem ser pagos pelo Fundo de Garantia Salarial.

4. O vencimento do “direito a férias retribuídas”, previsto no artigo 237.º do Código de Trabalho, que se vence em 1 de Janeiro e que se reporta, em regra, ao trabalho prestado no ano civil anterior, é distinto do vencimento do direito ao pagamento da retribuição e do subsídio de férias, a que se reporta o artigo 264.º do Código de Trabalho.

5. O vencimento do direito ao pagamento da retribuição pelas férias ocorre no próprio mês em que o trabalhador goza as férias e quanto ao subsídio de férias, no momento anterior àquele em que o trabalhador inicia o gozo do seu direito a férias.

6. Ocorrendo a cessação do contrato de trabalho em momento anterior ao gozo das férias vencidas no dia 01 de Janeiro, os créditos salariais referentes à retribuição pelas férias e respectivo subsídio vencem-se nessa data (artigo 245.º, n.º1, alínea a) do Código de Trabalho).

7. Encontrando-se a data da cessação do contrato de trabalho, fora do período de referência, o trabalhador não tem direito a receber, pelo Fundo de Garantia salarial, os créditos salariais referentes à retribuição pelas férias e respectivo subsídio bem como ao subsídio de Natal.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ALRC
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
ALRC veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão de 25.09.2014 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a acção administrativa especial que o Recorrente moveu ao Fundo de Garantia Salarial, visando anular o Despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial na parte em que indeferiu o requerimento de pagamento dos demais créditos laborais apresentado pelo Autor, com fundamento em erro nos pressupostos que fundamentaram a decisão de indeferimento, devendo condenar-se o Réu à prática de acto que determine o pagamento dos demais créditos laborais reclamados e melhor descritos nos artigos 23 e seguintes da petição inicial.

Invocou para tanto, e em síntese, que não foi aditado um facto importante para a decisão da causa; que segundo a interpretação do nº2 do artigo 319º da Lei 35/2004 de 29.07, caso não existam créditos vencidos após o período de referência, isto é, caso não existam créditos laborais que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência, o Fundo de Garantia Salarial pagará qualquer outro crédito laboral previsto na Lei nº 35/2004 de 29.07 até aos limites previstos naquela Lei; que os limites servem para os créditos vencidos posterior e anteriormente ao período de referência, ou seja, para além dos seis meses compreendidos entre 28.03.2010 e o dia 29.09.2010, todos os créditos anteriores a 28.03.2010 e posteriores a 29.09.2010 serão objecto de pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial; que a interpretação sustentada pelo Tribunal recorrido viola essa disposição legal e os artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deveria o Tribunal recorrido ter condenado o Recorrido no pagamento dos créditos reclamados pelo Recorrente, porquanto sempre abrangidos estariam pelo referido nº 2 do artigo 319º; que o Tribunal recorrido ao julgar como julgou violou, entre outras, as disposições dos artigos 1.º, 46.º, 81.º n.º 4, 47.º, n.º1, 85.º n.º 2, 90.º, 88.º n.º 1, 128.º n.º 1 e 19.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, bem como os artigos 390.º do Código do Trabalho, 619.º, 662.º.º n.º 1, 607.º n.º 4, 662.º n.º 2 c) do Código de Processo Civil, 149.º e 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 319º, n.º 2, da Lei 35/2004.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.


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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) O acórdão em crise realizou uma errada apreciação da matéria de facto, para além de uma errada apreciação jurídica, violando diversos normativos legais, pelo que a decisão deverá ser revogada, sendo substituída por outra que defira o pagamento dos créditos salariais do Recorrente, tal-qualmente o peticionado na sua Petição Inicial.

b) Em primeiro lugar, decisão recorrida parte de uma errada apreciação do disposto no artigo 319.º da Lei 35/2004 de 29.07, considerando que dispõe o referido artigo 319.º, n.º 1, que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior mais expondo o seu n.º 2 que caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

c) Com efeito, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 319.º o Tribunal fixou, o período de referência entre o dia 28.03.2010 e o dia 29.09.2010, face à data da insolvência (cfr. facto provado n.º5) (cfr. fls. 10 do acórdão.), mais entendendo que a totalidade dos créditos reclamados pelo Autor, ora Recorrente, não se encontravam dentro do período de referência dos seis meses (entre o dia 28.03.2010 e o dia 29.09.2010), pelo que nada há a pagar.

d) Prolatou o acórdão que “pelo que, até aqui temos que bem andou a entidade demandada pois que, efectivamente aqueles valores ficam excluídos do período de referência visto que se venceram em data anterior ao início daquele período que vai, como se disse de 28.03.2010 até 28.09.2010 (cfr. fls. 10 da sentença), pelo que todos os valores reclamados pelo Recorrente encontravam-se fora do período de referência, à excepção do valor de € 1.425,00 que efectivamente foi pago pelo Fundo de Garantia Salarial ao Autor, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato.

e) Mais concretamente referiu o acórdão em crise que quanto ao valor de € 2.240,00, referentes aos vencimentos do Recorrente vencidos nos meses de Setembro (15 dias), Outubro, Novembro, Dezembro de 2009 (todos de 2009) e Janeiro de 2010 e 12 dias de Fevereiro de 2010, o Tribunal veio referir que tais créditos venceram-se em data anterior ao inicio do período de referência, de 28.03.2010, pelo que não seriam objecto de pagamento (cfr. fls. 8, 10 e 11 do acórdão), o mesmo sucedendo quanto aos valores pelos subsídios de férias e de Natal de 2009, 2009, 2010 e 2011 (€ 1.995.57 + €903,00), e formação profissional (€84,15), propugnando que tais quantias se venceram em data anterior ao período de referência iniciado em 28.03.2010, pelo que nada há a liquidar – cfr. fls. 11 e seguintes do acórdão.

f) Todavia, o disposto no artigo 319.º n.º 2 da Lei 35/2004 de 29.07 é bastante claro ao postular que fora do período compreendido do n.º 1 (6 meses anteriores à declaração de insolvência) o Fundo de Garantia Salarial assume o pagamento dos restantes créditos vencidos após o período de referência, isto é, caso não existam créditos laborais que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção de insolvência, o Fundo pagará qualquer outro crédito laboral previsto na Lei 35/2004 de 29.07 até aos limites previstos naquela Lei.

g) Os limites servem para os créditos vencidos posterior e anteriormente ao período de referência, ou seja, para além dos 6 meses compreendidos entre 28.03.2010 e o dia 29.09.2010, todos os créditos anteriores a 28.03.2010 e posteriores a 29.09.2010 serão objecto de pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial.

h) Salvo melhor opinião, é essa a interpretação que se reporta mais correcta de acordo com a ratio do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, sendo que a interpretação contrária dada pelo Tribunal recorrido do nº 2 do artigo 319º da Lei 35/2004 de 29.07 no sentido de que a sua previsão não abrange o pagamento de créditos laborais pelo Fundo anteriores ao período de seis meses previsto no seu nº 1 viola os artigos 13.º e 63.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deveria, o Tribunal recorrido ter condenado o Recorrido FGS no pagamento dos créditos reclamados pelo Recorrente, porquanto sempre abrangidos estariam pelo referido n.º 2 do artigo 319.º, pedido que se deduziu na petição inicial e que o Tribunal recorrido olvidou totalmente.

i) Ao julgar como julgou, o Tribunal recorrido violou, entre outras, as disposições dos artigos 319.º da Lei 35/2004 de 29.07 e os artigos 13.º e 63.º da Constituição da República Portuguesa.

j) O Tribunal recorrido, decidiu, também, de forma errada quanto à apreciação da matéria de facto, em virtude de não ter considerado “provado” em “facto 9” que em: “31 de Março de 2011 os créditos salariais reclamados junto do Senhor Administrador de Insolvência foram homologados por Sentença de Verificação e Homologação de Créditos proferida em 31 de Março de 2011, já transitada em julgado conforme documento 9, fls. 9 e ss. da PI e Doc. 4 da PI”, desde logo, porque considerou provados outros factos cuja importância seria análoga àquele que indevidamente não foi levado à matéria provada .

k) Na verdade, alegou o Recorrente no seu artigo 17.º da petição inicial que o “(…) crédito do impugnante foi integralmente reconhecido por Sentença Judicial proferida nos autos de insolvência (apenso de verificação e graduação de créditos” mais aclarando o Recorrente a existência de sentença que reconheceu a ilicitude do despedimento e os créditos laborais do Recorrente conforme artigos 18.º e 19.º da petição inicial, tendo junto cópia da certidão da sentença sob o documento 4 da petição inicial.

l) O aditamento deste facto a considerar provado reputava-se absolutamente essencial à decisão da causa, designadamente para apreciar a questão do pagamento do valor de € 4.750,00 a título de salários de tramitação pelo que existiu uma deficiente selecção e prova da matéria de facto, em virtude de tal alteração à matéria de facto implicar, necessariamente, decisão distinta daquela que foi tomada pelo Tribunal recorrido, porquanto foi realizada uma errada apreciação quanto ao crédito reclamado pelo Autor a título de salários de tramitação, decorrentes da ilicitude do seu despedimento, no valor de € 4.750,00 (475,00 x 10 meses).

m) O acórdão recorrido prolata quanto a este ponto que “cremos que a razão acompanha igualmente a entidade demandada. Na verdade, inexiste decisão a declarar aquela ilicitude e, consequentemente, o pretendido direito à indemnização correspondente aos vencimentos até decisão Na verdade, consultando o probatório, constatamos que o Tribunal de Trabalho não se pronunciou acerca da ilicitude, visto que o processo terminou por inutilidade superveniente da lide na sequência da insolvência da entidade empregadora do Autor”, sendo que esta decisão é totalmente contrária ao Direito, para além de contrária ao entendimento do Fundo de Garantia Salarial, pois foi pago o crédito de € 1.425,00 (mil quatrocentos e vinte e cinco euros) a título de indemnização por antiguidade - isto é, o Fundo reconhece a existência de um despedimento ilícito, e, por via disso, reconhece serem devidas quantias pela ilicitude, que pagou ao Recorrente.

n) Como é que agora se pode dizer que não existiu despedimento ilícito para não serem pagos salários de tramitação, devidos pela ilicitude, quando foram pagos salários pela indemnização do despedimento?

o) Para além disso, conforme resulta do artigo 1.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas o processo de insolvência abrange a execução universal do património de um devedor incumpridor, visando repartir o respectivo produto pelos credores, ou pagar a estes de acordo com um plano de insolvência, sendo que com a declaração de insolvência o devedor fica inibido de administrar ou dispor dos bens que integram a massa insolvente (conceito que nos termos do artigo 46.º, n.º 1, consiste em todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, assim como bens e direitos que venham a ser adquiridos na pendência do processo), passando tais poderes para o administrador da insolvência (artigo 81.º, n.º 4).

p) Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência (n.º 1, do artigo 47.º), sendo que o Recorrente é credor da insolvência, tendo aliás reclamado créditos nesse processo, que lhe foram totalmente reconhecidos, conforme facto “provado” n.º 7.

q) Declarada a insolvência, deverão todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor ser apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo (n.º 1, do artigo 85.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas).

r) O artigo 90.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas determina que os credores do processo de insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com o diploma legal em referência e durante a pendência do processo de insolvência, por isso, visando-se no processo de insolvência a satisfação de todos os créditos, devem no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência os credores reclamar a verificação dos seus créditos (n.º 1 do artigo 128.º), tendo essa verificação por objecto todos os créditos sobre a insolvência, independentemente da sua natureza e fundamento, mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento (n.º 3 do mesmo artigo).

s) Assim, transitada em julgado a sentença que declarou a insolvência é inútil o prosseguimento de uma acção declarativa laboral com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de créditos uma vez que os mesmos foram já reclamados e verificados no processo de insolvência, o que constitui caso julgado entre Recorrente e Massa – cfr. artigo 245.º n.º 1 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

t) Nessa esteira, existe um acórdão uniformizador de jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça que o Tribunal recorrido olvidou: “1. Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C; (…)” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 05 de Agosto de 2013, processo n.º 785/09.9TTFAR.E1.S1 em www.dgsi.pt), sendo que este acórdão foi proferido no âmbito de uma acção laboral, portanto, com aplicação aos autos sub judice.

u) Significa, que a inutilidade superveniente da lide não é imputável ao Recorrente, resulta da lei, sendo que jamais pode o Recorrente ser prejudicado pelo facto do Tribunal insolvencial ser o órgão competente para dirimir todos os processos existentes em que é interveniente a Insolvente e a sua Massa Insolvente, pelo que com a declaração de insolvência, a acção que o Autor intentou em 04 de Maio de 2010 a que alude o facto “provado” n.º 4, foi declarada extinta por inutilidade, transmutando-se a apreciação da matéria controvertida para o processo insolvencial n.º 2783/10.0TBPRD-B, 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes – cfr. Facto Provado n.º 6.

v) Para o efeito, reclamou o Recorrente os seus créditos, conforme Documento n.ºs 2 da petição inicial, sendo que reclamou o Recorrente o crédito de € 4.750,00 no seu art. 34 da Reclamação de Créditos, dado tratar-se do chamado salário de tramitação, que decorre da ilicitude do despedimento – cfr. artigo 390.º do Código do Trabalho.

w) Este crédito foi reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência, bem como foi objecto de homologação por sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 31 de Março de 2011 conforme documento 5 da petição inicial, crédito esse que emerge da ilicitude do despedimento.

x) Compulsada a lista a que alude o artigo 129.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (cfr. documento 8, fls. 10 da petição inicial) verifica-se que foram reconhecidos a totalidade dos créditos do Recorrente, incluindo a “indemnização” e “10 vencimentos de 2010”, isto é, o crédito de € 4.750,00, sendo que na certidão que se juntou sob documento 4 da petição inicial, na sentença de verificação de créditos foi reconhecido o crédito do Recorrente, “(…) por ser laboral, no valor de 11.545,47 por ser dotado de privilégio mobiliário geral (…)” - o valor de € 4.750,00 emerge dos 10 salários de tramitação compreendidos entre 10 de Maio de 2010 e Março de 2011.

y) Mister chamar à colação o referido pelo Tribunal Central Administrativo Norte: “I. A sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em sede de processo de insolvência, é o documento mais idóneo para dar a conhecer aos interessados quais os créditos reconhecidos e os termos em que o foram, nomeadamente a data de vencimento do respectivo crédito, assaz importante para a contagem dos juros moratórios; (…)”(acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 02653/09.5BEPRT de 27 de Abril de 2012 em www.dgsi.pt), sendo que a sentença transitou em julgado e a lista do artigo 129.º não foi objecto de impugnação a alterar o crédito do Recorrente.

z) Significa isto que todos os créditos decorrentes da ilicitude do despedimento do Recorrente foram reclamados, pelo que dúvidas não existem de que existe uma sentença judicial a reconhecer a ilicitude do despedimento, e a reconhecer que o Recorrente era (e é credor) dos créditos reclamados ao Fundo de Garantia Salarial, sentença essa já transitada em julgado, o que significa, que o acórdão recorrido, violou de forma aguda, o caso julgado (cfr. artigo 619.º do Código de Processo Civil) da sentença de verificação e graduação de créditos, o que expressamente se argui.

aa) Sempre se diga, que o crédito no valor de € 4.750,00 emergente dos 10 salários de tramitação compreendidos entre 10 de Maio de 2010 e Março de 2011, foi reconhecido como vencido em Março de 2011, data da reclamação de créditos, conforme sentença de verificação e graduação de créditos, o que significa, que o crédito se venceu em data posterior a 28 de Setembro de 2010, data da propositura da acção de insolvência a partir da qual se inicia o período de referência.

bb) Por isso, resulta evidente que sempre haveria lugar a aplicação do regime do disposto no artigo 319.º n.º 2 da Lei 35/2004 de 29.07, pois, fora do período compreendido entre 28.03.2010 e 28.09.2010, venceram-se em data posterior as quantias devidas pelos salários de tramitação do Recorrente, quantia que constituiu uma decorrência da ilicitude do despedimento, judicialmente declarado.

cc) Portanto, tendo em conta que o valor que foi pago (€ 1.425,00) é inferior ao limite de pagamento estabelecido no art. 320º, nº 1 (€ 8.550,00), sempre o Recorrente teria que receber o valor € 4.750,00.

dd) Nessa esteira, salienta-se o artigo 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), bem como o artigo 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que refere que o Tribunal Central Administrativo em sede de apelação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida impuserem decisão diversa, mais postulando o artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.

ee) Conforme referem os Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, “i) Compete ao juiz seleccionar a matéria de facto pertinente para a solução da causa, condensando a materialidade fáctica alegada nos articulados, no respeito pelo silogismo que deve existir entre os factos seleccionados, a fundamentação jurídica de que se socorre e o segmento decisório ou dispositivo que irá proferir (…)”- cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de Maio de 2014, processo n.º 07589/14 em www.dgsi.pt.

ff) Existiu um manifesto erro de julgamento de facto, o que expressamente se invoca, considerando que para a boa decisão da causa, sempre teria que estar vertida na matéria de facto considerada provada que existiu sentença de verificação e homologação de créditos da totalidade dos créditos reclamados ao Administrador de Insolvência, créditos esses, que por sua vez, foram reclamados pelo Recorrente junto do Fundo de Garantia Salarial: “I. O erro de julgamento de facto pode emergir quer de uma deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, quer da errada apreciação das provas apresentadas em abono de algum desses factos seleccionados e controvertidos (…)” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14 de Março de 2013, processo n.º 00531/07.1BEPNF em www.dgsi.pt.

gg) Face ao disposto no artigo 662.º n.º 2 c) do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sempre poderá este Tribunal proceder à modificação da decisão de facto do acórdão recorrido, porquanto existem elementos nos autos que permitem tal modificação, designadamente, o documento n.º 4 da petição inicial, pois, como sabemos, deverão ser levados à base instrutória e aos factos considerados provados todos aqueles que “se mostre[m] relevante[s] para a decisão a proferir”- do acórdão da Relação de Évora de 16.02.2012, processo n.º 468-B/2002.E1 em www.dgsi.pt .

hh) Porém, o Tribunal recorrido não fez constar convenientemente todos os factos essenciais e alegados pelo Recorrente, motivo pelo qual existiu uma deficiente apreciação da matéria de facto que importará o aditamento do seguinte facto: “Em 31 de Março de 2011 os créditos salariais reclamados junto do Administrador de Insolvência foram homologados por sentença de verificação e homologação de créditos proferida em 31 de Março de 2011, já transitada em julgada conforme documento 4 da petição inicial”.

ii) Pelo que ao julgar como julgou, o Tribunal recorrido violou, entre outras, as disposições dos artigos 1.º, 46.º, 81.º n.º 4, 47.º, n.º1, 85.º n.º 2, 90.º, 88.º n.º 1, 128.º n.º 1 e 19.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, bem como os artigos 390.º do Código do Trabalho, 619.º, 662.º n.º 1, 607.º n.º 4, 662.º n.º 2 c) do Código de Processo Civil, 149.º e 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 319.º n.º 2 da Lei 35/2004.


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II – Matéria de facto.

O Autor reclama da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, em virtude de não ter considerado provado o facto 9º da petição inicial, onde se alega que: “Em 31 de Março de 2011, os créditos salariais reclamados junto do Senhor Admnistrador de Insolvência foram homologados por Sentença de Verificação e Homologação de Créditos proferida em 31 de Março de 2011, já transitada em julgado, conforme documento 9, fls 9 e ss da PI e Doc. 4 da PI”, desde logo, porque considerou provados outros factos cuja importância seria análoga àquele que indevidamente não foi levado à matéria provada.

Tal facto foi alegado na petição inicial, não foi impugnado, antes reconhecido nos artigos 14º a 16º da contestação e encontra-se autenticamente documentado na certidão junta como documento n.º 4 do articulado inicial.

Sendo um facto relevante segundo uma das soluções plausíveis do pleito, a do Autor, deverá fazer-se constar da matéria de facto.

Julgam-se assim provados os seguintes factos:

1. O Autor foi admitido como trabalhador de VJPA, Unipessoal, Lda em Janeiro de 26.11.2008, através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado – cfr. documento 3 junto com a petição inicial a fls. 26 a 29 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

2. A retribuição do Autor era de € 450,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de 4,80 euros/dia de trabalho – cfr. 24 e 25 dos autos.

3. O referido contrato cessou em 12.02.2010, tendo nessa data recebido uma carta da insolvente, na qual a mesma considerava o contrato como findo, com fundamento em abandono ao trabalho – cfr. fls. 43/44 dos autos.

4. O Autor intentou uma acção declarativa contra aquela sociedade junto do Tribunal de Trabalho da Comarca de Penafiel, processo esse que correu termos no 3º Juízo, sob o nº 771/10.6 TTPNF – cfr. fls. 46/52 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

5. Em 28.09.2010 foi pedida a declaração de insolvência da referida sociedade junto do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes – Cfr. fls. 61 do processo administrativo e fls. 14/16 dos autos.

6. A referida sociedade foi declarada insolvente em 26.11.2010, no âmbito do Processo nº 2783/10.0 TBPRD-B, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes – Cfr. fls. 1 a 9 do processo administrativo e fls. 54/73 dos autos.

7. Em 06.01.2011 o Autor apresentou reclamação de créditos junto do Administrador de insolvência nomeado no processo de insolvência atrás referido, que lhe foram reconhecidos.

7.1. Por sentença de 26.11.2010, transitada em julgado em 27.12.2010, que decretou a insolvência da referida empresa, foram reconhecidos os créditos reclamados pelo Autor, no valor global de 11.545, 47 euros – artigo 9º da petição inicial e documento 4 junto com este articulado que aqui se dá por reproduzido.

8. Em 14.01.2011, o Tribunal de Trabalho de Penafiel, 3º Juízo Cível, no âmbito do processo 771/10.6 TTPNF respeitante a acção intentada pelo Autor contra a referida sociedade para pagamento de créditos laborais, declarou, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – Cfr. fls. 128/131 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

9. Em 18.03.2011 o Autor reclamou créditos laborais no montante global de € 11.398,00, junto do FGS através do requerimento junto a fls. 14/15 dos autos, cujo teor se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.

10. Os créditos reclamados através do requerimento referido no ponto anterior respeitavam, nomeadamente a:

- Retribuição de Setembro de 2009 até Janeiro 2011-------€ 7.074,15;

- Subsídio de férias de 2008, 2009, 2010 e 2011---------€ 1.995,57;

- Subsídio Natal de 2008, 2009, 2010 e 2011-------------- € 903,28;

- Indemnização pela cessação contrato/ 03 meses----------€ 1.425,00.

11. Por ofício de 13.06.2012, o Autor foi notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia sobre o deferimento parcial dos créditos reclamados, com os seguintes fundamentos:

“ - Não vão assegurados os montantes requeridos a título de aviso prévio pois não se encontra titulado por sentença judicial, de acordo com a Circ. Inform. Nº 2/FGS/2008 de 2008/12/11, bem como as horas de formação – não são um crédito emergente do contrato.

- Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção (Insolvência, Falência, Recuperação de empresa ou Procedimento extrajudicial de conciliação) previsto no nº 1, do artigo 319º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho” – cfr. fls. 66 do PA.

12. Por oficio de 03.07.2012, foi o Autor notificado do despacho de 12.06.2012 proferido despacho pelo Presidente de Gestão do Fundo de Garantia Salarial onde refere que o pagamento dos créditos requeridos foi deferida parcialmente –Cfr. fls. 67/68 do PA cujo teor se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.

13. Os fundamentos do despacho referido no ponto anterior são os seguintes:

“ - Não vão assegurados os montantes requeridos a título de aviso prévio pois não se encontra titulado por sentença judicial, de acordo com a Circ. Inform. Nº 2/FGS/2008 de 2008/12/11, bem como as horas de formação – não são um crédito emergente do contrato.

- Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção (Insolvência, Falência, Recuperação de empresa ou Procedimento extrajudicial de conciliação) previsto no nº 1, do artigo 319º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho” – cfr. fls. 68 do PA.

14. Da notificação do despacho referida no ponto anterior consta ainda os montantes deferidos ao Autor, designadamente:
Valor IlíquidoDedução TSURetenção IRSValor Liquido
Retribuição0,000,000,000,00
Indemnização1.425,0076,191.348,81
Outras prestações0,000,00
Total1.425,000,0076,191.348,81
- Cfr. fls. 67 do processo administrativo.


*

III - Enquadramento jurídico.


O Autor apresentou recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel no processo supra identificado, pela qual foi julgada totalmente improcedente, por não provada, a acção administrativa especial por ele intentada, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que condene o Réu à prática do acto administrativo de deferimento do pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho do Autor no montante por este peticionado de €7.125,00 euros.

Relativamente à interpretação a conferir ao n.º 2 do artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29/07, cumpre referir que o Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites às importâncias pagas.

São as seguintes as normas com relevo para apreciação da validade do acto impugnado:

Do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03, consta, sobre o “Fundo de Garantia Salarial”:

“Artigo 316.º

Âmbito

O presente capítulo regula o artigo 380.º do Código do Trabalho.

Artigo 317.º

Finalidade

O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 318.º

Situações abrangidas

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.

2 - O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro.

3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4.º e 9.º, respectivamente, do Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.

4 - Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:

a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;

b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento.

Artigo 319.º

Créditos abrangidos

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.

Artigo 320.º

Limites das importâncias pagas

1 - Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.

2 - Se o trabalhador for titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição.

3 - Às importâncias pagas são deduzidos os valores correspondentes às contribuições para a segurança social e à retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que forem devidos.

4 - A satisfação de créditos do trabalhador efectuada pelo Fundo de Garantia Salarial não libera o empregador da obrigação de pagamento do valor correspondente à taxa contributiva por ele devida.”

O período de referência a que alude o artigo 319º nº 1 da referida Lei ocorreu entre 28.03.2010 e 28.09.2010, já que o processo de insolvência foi instaurado em 28.09.2010.

Importa aqui transcrever o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.10.2015, processo 00066/12.0BEBRG, do qual o ora relator foi subscritor:

“A jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição administrativa tem vindo reiteradamente a entender que no caso da entidade empregadora vir a ser judicialmente declarada insolvente o Fundo de Garantia Salarial assegurará os créditos salariais que se hajam vencido nos seis meses que antecederam a data de propositura da acção de insolvência ou da data de entrada do requerimento relativo ao procedimento de conciliação (previsto no Decreto-Lei n.º 316/98) - cfr. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17.12.2008, processo n.º 0705/08, de 04.02.2009, processo n.º 0704/08, de 07.01.2009, processo n.º 0780/08, de 10.02.2009, processo n.º 0820/08, de 11.02.2009, processo n.º 0703/08, de 25.02.2009, processo n.º 0728/08, de 12.03.2009, processo n.º 0712/08, de 25.03.2009, processo n.º 01110/08, de 02.04.2009, processo n.º 0858/08, de 10.09.2009, processo n.º 01111/08, e de 10.09.2015, processo n.º 0147/15.

Importa ainda ter presente que o âmbito de abrangência do artigo 319.º, nº1, da Lei n.º 35/2004, nos termos em que a jurisprudência nacional o tem entendido, foi considerado como não violador da Directiva 80/987/CEE do Conselho, por acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 28.11.2013, proferido no Processo n.º C-309/12, que fixou o seguinte entendimento: “A Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva” – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.02.2014, processo n.º 00756/07.0 PRT.

Assim, é inequívoco que o Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento, até determinado montante, dos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua cessação que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de declaração de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso.

Ou, caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no n.º1 do artigo 319º, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1, do artigo 320.º, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência (conforme n.º 2 do artigo 319.º).

Em conclusão, é pacífico, e a jurisprudência nacional tem-no reiteradamente afirmado, que o momento que releva para determinar se os créditos reclamados pelo trabalhador ao Fundo de Garantia Salarial se encontram dentro do prazo de abrangência de 6 meses estabelecido no artigo 319.º, n.º2 da Lei n.º 35/2004, é o momento do vencimento dos créditos laborais e não o trânsito em julgado da sentença proferida com vista ao seu reconhecimento judicial.

Conforme se sumariou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.09.2015, processo n.º 0147/15:

«I - O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho “que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2.ºanterior " – art.º 319.º/1 da Lei 35/2004.

II - Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento».

Sublinhe-se, porém, que os créditos salariais, como a indemnização pelo despedimento, apenas se consideram vencidos a contar do trânsito em julgado de decisão judicial que os reconheça, conforme decorre do artigo 435.º do CT/03 (aplicável aos autos) ”.

Sendo este o nosso entendimento, é inequívoco que concordamos integralmente com a decisão recorrida, que vai neste mesmo sentido.

Ora, o contrato de trabalho do Autor cessou em data anterior aquele período, concretamente em 12.02.2010, consoante se colhe do ponto 3 dos factos provados.

E, de fora do período de referência ficam os vencimentos reclamados, designadamente a quantia reclamada de € 2.240,00, referente aos vencimentos vencidos nos meses Setembro (15 dias), Outubro, Novembro e Dezembro de 2009 e, ainda, Janeiro e Fevereiro (12 dias) de 2010.

Pelo que, até aqui temos que bem andou a entidade demandada pois que, efectivamente aqueles valores ficam excluídos do período de referência visto que se venceram em data anterior ao início daquele período que vai, como se disse de 28.03.2010 até 28.09.2010.

Relativamente à quantia de € 4.750,00 (475,00 €. X 10 meses) de créditos respeitantes aos vencimentos até decisão do Tribunal no que tange à declaração de ilicitude de despedimento, cremos que a razão acompanha igualmente a entidade demandada.

Na verdade, inexiste decisão a declarar aquela ilicitude e, consequentemente, o pretendido direito à indemnização correspondente aos vencimentos até decisão.

Na verdade, consultando o probatório, constatamos que o Tribunal de Trabalho não se pronunciou acerca da ilicitude visto que o processo terminou por inutilidade superveniente da lide na sequência da insolvência da entidade empregadora do Autor.

• Subsídio de férias e de Natal de 2008, 2009, 2010 e 2011

Reclama a este título o Autor a quantia de € 1.995,57, no que respeita a férias e a quantia de € 903,00 a título de Subsídio Natal (2008, 2009, 2010 e 2011).

Ante o que ficou já exposto, decorre, como se viu que o período de referência centra-se entre Março e Setembro de 2010. Deste modo, não assiste direito ao Autor aos montantes de férias e subsídio de férias e Natal de 2011 pois estão fora de tal período.

Relativamente ao ano de 2008, também diremos o mesmo pois que o vencimento ocorreu em 01.01.2008 e apesar do gozo, como mais adiante se explicará, não coincidir com vencimento e se estender aquele para momento posterior (vencimento com gozo) o certo é que tal se situaria sempre em 2009 e, como tal, fora fica do período de referência que nos vem norteando.

Assim sendo, não podemos acolher as pretensões de férias e subsídio de férias e Natal de 2011 e 2008.

De notar que não pode o Autor pedir proporcionais de férias e subsídio de férias e Natal quanto ao ano de cessação que se situa em 2010 (12.02.2010) e não em 2011.

Relativamente aos montantes peticionados de férias de 2009 (no montante de € 900,00), cujo vencimento ocorreu em 2010, bem como quanto aos proporcionais de férias e subsídio de férias de 2010, ano da cessação do contrato (€ 178,13), se bem vemos, as divergências entre Autor e entidade demandada, a este respeito, reside (também) na forma como encontram os créditos e seu vencimento, visto que defende a demandada que não estão tais créditos dentro do período de referência, ao contrário do Autor que entende que estão.

Vejamos.

Sabemos que não pode confundir-se o direito a férias com o direito à retribuição durante as férias e o subsídio de férias. São realidades distintas como veremos.

Com efeito, o que se vence em 1 de Janeiro de cada ano, à luz da lei laboral, é o direito do trabalhador ao gozo de um período de férias, retribuídas, consoante decorre do nº 1 do artigo 237º do Código do Trabalho 2009 vigente à data dos factos.

De acordo com o citado nº 1 do artigo 237º do CT/2009 o trabalhador, com a celebração do contrato de trabalho, tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que se vence em 1 de Janeiro.

Da conjugação dos artigos 237º, nºs 1 e 2 do CT/2009, constamos que, em regra, o direito a férias reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior (não estando condicionado à assiduidade ou efectividade de serviço), vencendo-se no dia 1 de Janeiro do ano subsequente (artigo 237º, nºs 1 e 2 do CT/2009).

No entanto, os créditos pela retribuição durante as férias e o subsídio de férias apenas se vencem no próprio mês em que o trabalhador goza as férias (no que respeita à sua retribuição), e imediatamente antes do início do gozo do período de férias (no que tange ao subsídio de férias). Tudo, consoante decorre do artigo 264.º, n.º s 1 e 3, do mesmo Código do Trabalho.

Não correspondendo o vencimento ao seu gozo, não podem tais créditos ficar prejudicados pela impossibilidade do seu gozo, cujo vencimento deve, assim, ser temporalmente indexado ao momento da cessação do contrato, ou seja, in casu, a 12.02.2010, data em que tais créditos se vencem. Daqui se conclui, portanto, que aquela data está fora do período de referência, donde não assistir ao Autor o direito ao seu recebimento.

Na verdade e a este respeito acompanhamos o discorrido no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 28.04.2014, processo 00247/12.7 PNF, onde se sumariou o seguinte:

“(…)

III. São realidades jurídicas distintas o vencimento do “direito a férias retribuídas”, previsto no art.º 237.º do C. Trabalho, que se vence em 1 de janeiro e que se reporta, em regra, ao trabalho prestado no ano civil anterior e o vencimento do direito ao pagamento da retribuição e do subsídio de férias, a que se reporta o art.º 264.º do C.Trabalho.

IV. O vencimento do direito ao pagamento da retribuição pelas férias ocorre no próprio mês em que o trabalhador goza as férias e quanto ao subsídio de férias, no momento anterior àquele em que o trabalhador inicia o gozo do seu direito a férias.

VI. Ocorrendo a cessação do contrato de trabalho em momento anterior ao gozo das férias vencidas no dia 01 de janeiro, os créditos salariais referentes à retribuição pelas férias e respetivo subsídio vencem-se nessa data [artigo 245.º, n.º1, al.a) do C.Trabalho] “

De resto, decorre do nº 1 do artigo 245º do mesmo Código de Trabalho que, cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição de férias e respectivo subsídio:

a) Correspondentes a férias vencidas e não gozadas;

b) Proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação.

Assim sendo, tendo em conta que o que releva para este efeito é a data da cessação do contrato de trabalho, a qual ocorreu em 12.02.2010 como se disse.

O crédito de férias e subsídio de férias de 2009 e 2010 por corresponder a um crédito emergente da cessação do contrato é, por isso, exigível a partir desta data da cessação que, como se disse fica excluída do período de seis meses a que se reporta o artigo 319º nº 1 cujo termo inicial é Março de 2010.

Assim sendo, não assiste ao Autor, conforme se adiantou, o direito ao seu reconhecimento e recebimento.

Por fim e no que respeita ao Subsídio de Natal (e proporcional), temos também por seguro que a razão não acompanha o Autor.

Decorria do artigo 263.º do Código de Trabalho, aprovado pela lei 7/2009, o seguinte:

“Subsídio de Natal

1 – O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.

2 – O valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nas seguintes situações:

a) No ano da admissão do trabalhador;

b) No ano de cessação do contrato de trabalho;

c) Em caso de suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.”

Ora, relativamente ao subsídio de Natal de 2008 e 2009, o raciocínio feito pela demandada está correcto quando na fundamentação refere que não está abrangido pelo período de referência. De facto, o seu vencimento ocorreu em 2008, 2009 (Dezembro – art. 263º nº e 2), estando pois fora do período de referência.

Quanto ao subsídio de 2011 que vai pedido, não é devido pois está excluído do período de referência também pois que o contrato cessou em Fevereiro de 2010, antes do início do período de referência.

Depois, no que respeita ao subsídio de 2010, proporcional, venceu também com a cessação do contrato em Fevereiro de 2010 e por isso fora dos seis meses anteriores à data de instauração da insolvência ocorrida em 28.09.2010.

Sendo assim, como efectivamente o é à luz da lei e da factualidade dada como provada, não pode também nesta parte satisfazer-se o pretendido pelo Autor.

Por fim e quanto ao montante de € 84,15 a título de retribuição correspondente ao número de horas de formação que alega que não lhe foram proporcionadas, certo é que não se trata de um crédito laboral a que haja direito ao seu recebimento e, ademais, mesmo que tal verba fosse devida sempre estaria o seu vencimento fixado na data em que o contrato cessou e, por conseguinte fora do período de referência. E isto porque, repete-se, o contrato cessou em Fevereiro e o período de referência iniciou-se em Março (até Setembro) de 2010.

Os créditos do Autor não se venceram em consequência da declaração de insolvência mas em data anterior (Fevereiro de 2010).

De facto, e citando o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte a este respeito, diremos também nós que:

“(…) Acresce que a interpretação que a Autora faz do disposto no nº 2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29/07, não se coaduna com a ratio da lei.

A ratio deste regime legal é fundamentalmente a de assegurar, por um lado, o pagamento de créditos não muito dilatados no tempo - e daí o limite temporal cujo recuo máximo se situa no sexto mês anterior à data da entrada da acção ou do requerimento em causa - e por outro, de créditos balizados numa moldura quantitativa máxima garantida - 6 meses de retribuição não superior a 3 salários mínimos nacionais.

(…)

Continuando no nº 2 que “caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no nº 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

Ora, os créditos aqui em causa venceram-se na data da cessação do contrato de trabalho que ocorreu em 12/02/2010 (facto não questionado), pelo que a situação não é subsumível à previsão do nº 2 do artº 319º.

(…)

O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de salários, subsídios e indemnizações devidas por lei em caso de despedimento a trabalhadores por conta de outrem quando os seus empregadores não podem pagar, por estarem numa situação de insolvência ou economicamente debilitados, (mas) dentro dos limites temporais e quantitativos assinalados no diploma, pois que, se nos é permitida a expressão, o FGS é um Fundo mas não um Saco sem Fundo…”

O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo.

O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional, em concreto o princípio da igualdade, na sua vertente laboral – artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

Ou seja, apesar de, por decisão transitada em julgado, o Autor ter visto os seus créditos reconhecidos, não significa necessariamente que tenham de ser pagos pelo Fundo de Garantia Salarial.

No caso, os que aqui são questionados, não devem ser pagos por estarem todos fora do período de referência, como acima se expôs.

Assim sendo, conclui-se que não foi afrontado nenhum dos dispositivos legais invocados pelo Autor como fundamento jurídico das suas pretensões, (artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa, artigos 1.º, 46.º, 81.º n.º 4, 47.º, n.º1, 85.º n.º 2, 90.º, 88.º n.º 1, 128.º n.º 1 e 19.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, bem como os artigos 390.º do Código do Trabalho, 619.º, 662.º.º n.º 1, 607.º n.º 4, 662.º n.º 2 c) do Código de Processo Civil, 149.º e 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 319.º n.º 2 da Lei 35/2004), inexistindo qualquer ilegalidade a assacar ao indeferimento posto em crise e assim sendo, qualquer pretensão num pagamento ou reconhecimento a um pagamento por banda do Autor estaria, como está, votado ao insucesso à luz dos normativos supra mencionados. Por conseguinte, não merece censura o indeferimento sindicado visto que não poderia ser reconhecido ao Autor direito a haver os créditos que peticionou junto do Fundo de Garantia Salarial.

Não merece, pois, provimento o presente recurso, impondo-se manter a decisão recorrida.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Porto, 07.10.2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro