Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01068/12.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/07/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:PRESCRIÇÃO; RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário:I- A responsabilidade contratual resulta, como o próprio nome indica, da falta de cumprimento das obrigações emergentes decorrentes da celebração de um contrato, de uma obrigação, enquanto que a responsabilidade extracontratual deriva da violação de determinados direitos subjectivos e/ou interesses legalmente protegidos.
II- Não está em causa, nos autos, nenhuma acção resultado de uma responsabilidade contratual. Não se sabe que contrato-programa refere o recorrente, em que consiste, com quem foi celebrado e qual a sua finalidade. A existir responsabilidade derivada dos factos referidos, danos provocados pela deflagração de um foguete, enquadrar-se-iam os mesmos, como se refere na decisão recorrida, no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:FFP
Recorrido 1:Município de Braga
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
FFP vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 14 de Maio de 2014, que julgou e procedente a excepção de prescrição do direito que invoca no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, relativamente à acção administrativa comum interposta contra o Município de Braga onde era solicitado que devia:

“…condenar-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 14 072, 55( catorze mil setenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos juros legas desde a citação.”

Em alegações o recorrente concluiu assim:
1 - A ação foi julgada improcedente e absolvidas as ora recorridas, com base na violação do instituto da prescrição.

2-Na sentença em crise não foi apreciada e fundamentada a matéria da responsabilidade contratual invocada pelo Autor.

3-O Autor alegou no art° 1° da p.i., o Réu Município de Braga, como pessoa coletiva de interesse público, organiza e superintende os festejos de S. João que se realizam anualmente na cidade de Braga.

4-Alegou, ainda, que o Réu Município de Braga é uma pessoa coletiva de base territorial que visa a prossecução de interesses da respetiva população.

5-O Réu Município de Braga, todos os anos elabora e publicita perante os munícipes, um contrato-programa dos festejos, definindo as atividades os horários e execução das festividades, assim como a limpeza das ruas onde os referidos festejos acorrem, e a sinalização e segurança dos mesmos.

6-Ocorre, assim, como se disse, do contrato-programa das festividades, efectuado anualmente a responsabilidade contratual do Município.

7-O Autor pretende a condenação do Município de Braga, no pagamento da quantia que se peticionará, em virtude de danos causados pela explosão de um foguete, no âmbito das festividades previstas e aprovadas em contrato-programa do Município.

8-Verdade sendo que a atuação do Réu Município de Braga, ocorreu no quadro das suas atribuições e competências que lhe estão legalmente atribuídas enquanto pessoa coletiva de direito público, no âmbito do apoio ou comparticipação de atividades de interesse municipal, de natureza social, cultural, recreativa ou outra (art° 64°, n° 4-al b) da Lei n° 169/99, de 18.09).

9-O Município de Braga, através de contrato-programa superintendeu e/ou organizou os festejos referentes ao ano de 1999, designadamente os espetáculos de fogo, segurança, limpeza e sinalização das vias.

10-Contrato-programa esse gerador de responsabilidade contratual.

11-Não ocorreu a invocada prescrição do direito do Autor.

O recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, não se pronunciou nos autos.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo, ao decidir pela verificação da excepção prescrição do direito invocado pelo recorrente.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente, e permanece não impugnado, o seguinte quadro factual:

A. O autor nasceu a 03.03.1986 – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a p.i.

B. Em 25.06.1999, o autor foi vítima de um acidente ocorrido com foguete na zona
envolvente do estádio de Braga – cfr. doc. 3 junto com a p.i.
C. Em 21.06.2002, o réu município foi citado no âmbito de acção judicial instaurada contra si pelo autor representado pelos seus pais por ser menor, que correu termos no 1.º juízo cível do Tribunal Judicial de Braga sob o n.º 826/2002, na qual o autor pede a condenação do réu no pagamento de indemnização sendo a mesma a factualidade subjacente aos presentes autos –cfr. fls. 108 e ss. do SITAF.

D. Em 23.09.2008, o ora autor foi notificado da sentença de deserção da instância proferida no processo n.º 826/2002 – cfr. fls. 108 e ss. do SITAF.

E. Em 04.10.2011, o réu município foi citado no âmbito de acção judicial instaurada contra si pelo autor, que correu termos no 2.º juízo cível do Tribunal Judicial de Braga sob o n.º 5999/11.9TBBRG, na qual o autor pede a condenação do réu no pagamento de indemnização sendo a mesma a factualidade subjacente aos presentes autos – cfr. fls. 108 e ss. do SITAF.

F. Em 02.04.2012, o ora autor foi notificado da sentença de incompetência material proferida no processo n.º 5999/11.9BEBRG – cfr. fls. 108 e ss. Do SITAF.

G. Em 28.06.2012, o réu foi citado no âmbito dos presentes autos – cfr. fls. 30 do SITAF.

2.2 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
De acordo com a motivação e conclusões apresentadas pelo Recorrente, as questões a decidir reconduzem-se a saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito ao julgar procedente a excepção da prescrição do direito invocado pelo Autor.
Nas suas conclusões verifica-se que o recorrente limita o seu desacordo ao facto de não te sido analisado na decisão recorrida a questão de se estar perante responsabilidade contratual.
As conclusões delimitam o objecto de recurso (artigo 639º do CPC), pelo que apenas nos iremos debruçar sobre este aspecto.
O recorrente sustenta que no caso dos autos não foi apreciada a prescrição no âmbito da responsabilidade contratual quando esta tinha sido invocada.
Compulsados os autos verifica-se que, de facto, na petição inicial o recorrente vem invocar a responsabilidade contratual, mas também menciona em alguns artigos (ver artigos 10º e 11º da pi) a responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.
Refere, quanto à responsabilidade contratual, que o Município Réu através de contrato – programa superintendeu e/ou organizou os festejos de S. João em Braga, referentes ao ano de 1999, designadamente os espectáculos de fogo-de-artifício, assim como as questões de segurança, limpeza e sinalização das vias. Decorrerá deste contrato-programa a responsabilidade contratual do Município
A questão de facto em causa nos presentes autos prende-se com a invocação do recorrente de que a entidade demandada nas festividades de S. João, no ano de 1999, no âmbito do contrato-programa elaborado para essas mesmas festividades, gastou toneladas de fogo preso e fogo-de-artifício. Após o seu lançamento não limpou, nem sinalizou a via de circulação pública. Não iluminou o local. O Autor, então menor, apanhou do chão um foguete que não teria deflagrado e que se encontrava na via por esta não ter sido limpa, nem sinalizada. Logo que lhe tocou este explodiu. Resultado dessa explosão sofreu vários ferimentos, que lhe causaram danos que pretende agora ver ressarcidos.
Com base nesta factualidade o Tribunal a quo enquadrou a situação em causa no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e analisou a prescrição que tinha sido invocada na contestação pela entidade demandada. Concluiu pela sua procedência.
O recorrente não vem por em causa esta decisão, ou seja, que em caso de estarmos perante Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, ocorre a prescrição. Refere, no entanto, que configurou e acção como responsabilidade contratual, e que a prescrição, no âmbito desta responsabilidade não foi analisada.

De notar que nada há a referir quanto à qualificação jurídica dos factos feita pela decisão recorrida, pelo que não pode proceder a posição do recorrente.
Em primeiro lugar é de referir que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º, n.º 3 do CPC).
Ou seja, tendo invocado o recorrente responsabilidade contratual, nada obsta a que o Tribunal proceda à interpretação correcta no que se refere às regras de direito aplicadas ao caso concreto. É de referir, no entanto, que no caso dos autos, o recorrente também invocou algumas normas referentes à Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, fazendo apelo aos dois regimes.
A responsabilidade contratual resulta, como o próprio nome indica, da falta de cumprimento das obrigações emergentes decorrentes da celebração de um contrato, de uma obrigação, enquanto que a responsabilidade extracontratual deriva da violação de determinados direitos subjectivos e/ou interesses legalmente protegidos. Como refere Antunes Varela, in Direito das Obrigações, vol. I, 10º edição, pág. 519, estaremos perante responsabilidade contratual quando esteja em causa a falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais, enquanto a responsabilidade extracontratual será resultante da violação de direitos absolutos, ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem.
Quanto à responsabilidade contratual, refere, Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2011, 2ª edição, pág. 711, que “ o princípio fundamental dos contratos é o de que “pacta sunt servanda”: os contratos devem ser pontualmente cumpridos (artigo 406º, n.º 1 do Código Civil). Daí que, como já referido, o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação fique constituído na obrigação de indemnizar o credor (artigo 798º do mesmo diploma).
Ainda quanto à distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, ver na Jurisprudência Acórdão deste Tribunal, proc. n.º 00762/11.0BEBG, de 23-09-2015, quando refere:…«A responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual em função da natureza da posição jurídica subjectiva violada: é contratual se estiver em causa a violação de direitos de crédito resultantes de contrato e é extracontratual se estiver em causa a violação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos – neste sentido, cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Responsabilidade Civil Administrativa – Direito Administrativo Geral – Tomo III, Dom Quixote, 2008, p. 16.». Efectivamente, a responsabilidade civil pode assumir tanto a modalidade de responsabilidade contratual, quando provém da “falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei”, como a modalidade de responsabilidade extracontratual, também designada de delitual ou aquiliana, quando resulta da “violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem” - cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Edição, pág. 519.
Recorrendo ao exemplo jurisprudencial:- «Na génese da responsabilidade civil contratual está, como é bom de ver, o incumprimento ilícito e injustificado de estipulações contratuais a que os contraentes se obrigaram por mútuo acordo, e que, por via desse incumprimento, um dos contraentes tenha sido lesado nos seus direitos ou interesses legítimos, gerando a obrigação de ser indemnizado pelo contraente incumpridor» – Ac. do STA, de 11-03-2010, proc. nº 0562/09; Ac. do STA, de 17-12-2014, proc- nº 01235/13.- «Na responsabilidade delitual, o dever, indemnizatório não intervém para proteger nenhuma relação obrigacional pré-existente, a sua função é permitir e regular a reparação dos danos para além de qualquer contexto diferenciado pela relação obrigacional» – Ac. do STJ, de 13-02-2001, proc. nº 01A4040.

Ver ainda o Acórdão do TRC, proc. n.º 298/10.6TBAGN.C1, de 19-12-2012:
I – Está-se perante responsabilidade contratual sempre que por erro ou omissão de quem é parte num contrato se verifique incumprimento do mesmo.
Analisando agora a nossa situação concreta verifica-se que o recorrente vem sustentar que no ano de 1999, nas festas de S. João, em Braga, são deflagradas toneladas de fogo-de-artifício.
No dia 25 de Junho, no dia posterior à noite de S. João, o Autor, quando ainda menor, tinha treze anos, apanhou no chão um foguete que não tinha deflagrado, e acto contínuo o mesmo explodiu.
A explosão causou-lhe danos vários que pretende ver ressarcidos.
Refere que as festas de S. João são resultado de um contrato-programa da competência do Município Réu, que no âmbito do mesmo superintendeu e/ou organizou os festejos, designadamente os espectáculos de fogo, a segurança, limpeza e sinalização das vias. Nesta sequência, vem sustentar que os factos ocorridos derivaram do referido contrato-programa uma vez que faziam parte do mesmo o lançamento do fogo-de-artifício, a limpeza, a iluminação e a sinalização da via.
Esta argumentação não pode minimamente proceder.
Não sabemos, nem o recorrente indica, que contrato-programa foi celebrado, com quem ou que contrato está em causa.
Se algum contrato programa foi outorgado com alguma entidade para a celebração dos festejos de São João em Braga, questão que não vem alegada, e se desconhece, a violação desse contrato, por alguma das entidades envolvidas no mesmo, é que poderia vir a gerar responsabilidade civil contratual.
Mas não é esse o caso dos autos. Está em causa, um terceiro, o Autor, ora recorrente, que teria sido ferido pela explosão de um foguete que não teria deflagrado nas festas.
Não existe entre o Autor, e na altura, entre os seus pais, porque era menor, e o Município de Braga uma qualquer relação contratual para que se possam enquadrar os factos articulados numa responsabilidade contratual.
O que terá existido, a existir algum facto gerador de responsabilidade, prende-se com a eventual violação de algum dever de zelo da autarquia no cuidado quanto à deflagração do fogo e nas limpezas e sinalização do local. Tais factos não derivam de nenhum contrato celebrado entre o Autor o Município, mas sim das atribuições inerentes a uma autarquia local.
Não está em causa, minimamente, nenhuma acção resultado de uma responsabilidade contratual. Não se sabe que contrato-programa refere o recorrente, em que consiste, com quem foi celebrado e qual a sua finalidade. A existir responsabilidade derivada dos factos referidos, como se conclui na decisão recorrida, estaríamos sim perante Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.
Nestes termos o enquadramento jurídico efectuado pela decisão recorrida encontra-se correcto, não enfermando de qualquer erro de julgamento, devendo assim o mesmo manter-se.
Como o recorrente nada refere quanto à decisão recorrida no que se refere à prescrição no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado que, aliás, se considera correctamente analisada, e o recurso tem como limite as conclusões apresentadas, tem de se concluir que este não pode proceder.

3. DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente
Notifique

Porto, 7 de Outubro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco